Com a pandemia de COVID-19, desde o início do ano de 2020, vivenciamos um período de aumento substancial de agentes estressores. A pandemia do novo Coronavírus acarretou em uma série de questões que afetam diariamente a saúde mental de toda a população, especialmente a de pessoas em idades mais avançadas, que sabidamente são o grupo etário mais vulnerável ao desenvolvimento grave da doença (Niu et al., 2020). Estes indivíduos, diariamente, convivem com o fator ansiogênico referente ao risco de desenvolver complicações graves e até mesmo serem levados ao óbito. Além disso, demandas socioeconômicas próprias de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como no caso do Brasil, impõem barreiras no cumprimento de medidas preventivas para o contágio do novo Coronavírus. Por exemplo, em famílias de baixa renda o distanciamento físico torna-se impraticável e, muitas vezes, os idosos são os principais cuidadores de netos ou bisnetos, o que pode ocasionar maior risco de exposição ao vírus, aumento de preocupações, ansiedade, além de vulnerabilidade de idosos quanto ao acesso aos serviços de saúde (Lloyd-Sherlock et al., 2020).
Os idosos são classificados como grupo de risco, pois, além da maior gravidade da doença em idades avançadas, existem comorbidades comuns nessa faixa etária que também contribuem para o agravo da doença, como doenças crônicas não-transmissíveis, autoimune, entre outras (Organização PanAmericana de Saúde, 2020). Vale lembrar que a saúde mental pode ser afetada pelas consequências do isolamento físico, tendo em vista que muitos indivíduos se encontram distantes de seus familiares, o que pode gerar sofrimento psíquico, além de suas preocupações com a saúde física (Duan & Zhu, 2020; Santos et al., 2020).
Muitos aposentados anteriormente participavam de atividades comunitárias em grupo, as quais também apresentavam caráter terapêutico, oferecendo rede de apoio, como em grupos de idosos, de dança, artesanato, entre outros. A grande maioria destas atividades foi interrompida devido às medidas de distanciamento físico, o que ocasiona muitas vezes pouco contato até mesmo com familiares próximos. A falta desse tipo de atividade e encontros com amigos e família também pode gerar sofrimentos psíquicos devido à percepção de redução de fontes de apoio social (Lloyd-Sherlock et al., 2020; Santos et al., 2020). Dessa forma, é de suma importância que sejam desenvolvidas atividades interventivas principalmente para populações vulneráveis, como grupos de apoio com finalidade terapêutica, propostas psicoeducativas ou de orientação e promoção de saúde, que possam suprir a demanda por atividades, além de servirem como espaço de acolhimento para questões psicológicas em momentos de crises, como este ocasionado pela COVID-19 (Neufeld & Rangé, 2017; Xiang et al., 2020).
Uma das abordagens de intervenções utilizada em grupos voltados à promoção da saúde é a psicoeducação, que pode abranger diferentes contextos e circunstâncias de vida. Trata-se de uma ferramenta terapêutica didática e sistemática que visa a transmitir conhecimentos, educando os indivíduos sobre temáticas específicas relacionadas à saúde. A psicoeducação visa reforçar as competências individuais, estimulando mudanças comportamentais, sociais e emocionais, promovendo atitudes favoráveis à saúde e à promoção do bem-estar e equilíbrio. Além disso, psicoeducação também pode favorecer a resolução de problemas e o modo como os indivíduos enfrentam situações estressoras (Maia et al., 2018). É importante reconhecer que o processo de envelhecimento em si pode acarretar sentimentos de solidão e isolamento (atualmente agravados pelas condições de isolamento físico da COVID-19). Dessa forma, é necessário que se desenvolvam intervenções voltadas para este público-alvo, a fim de que possam ser assistidos em suas necessidades também de saúde emocional e mental (Lima et al., 2020).
Neste sentido, em termos práticos, Intervenções Psicológicas Positivas (IPPs) vêm sendo desenvolvidas e implantadas para a promoção de saúde física e mental. Este modelo de intervenção inclui abordagens psicoeducativas quanto às experiências subjetivas positivas, forças pessoais enquanto traços que constituem virtudes de caráter e contextos institucionais positivos, para favorecer melhor funcionamento psicológico e de saúde geral (Durgante, 2017; Magyar-Moe et al., 2015; Proyer et al., 2014). IPPs têm demonstrado resultados de melhora no bem-estar e indicadores de qualidade de vida (Bolier et al., 2013; Nikrahan et al., 2016), melhor recuperação de efeitos psicofisiológicos negativos, processos inflamatórios e imunossupressão, os quais tendem a ser agravados em situações estressoras (Cohn & Fredrickson, 2010).
Quanto à implementação deste modelo de intervenção, dados internacionais apontam que a maioria das propostas interventivas vem sendo implementadas em caráter presencial, porém, quando online, apresentam resultados consistentes de melhoras no bem-estar, estado de ânimo e sintomas depressivos (Gander et al., 2016; Proyer et al., 2014). Contudo, as IPPs online tendem a ter formato autodirigido via plataformas de acesso, aplicativos ou websites, sem a intervenção direta por parte de um moderador de grupo para o acompanhamento dos participantes durante a intervenção. No caso de participantes idosos, é possível pensar que o auxílio de moderador de grupo pode ser recurso importante para a implementação de uma intervenção online, tanto para auxiliar com dificuldades técnicas, como o uso das tecnologias, quanto na terapêutica da intervenção (Tagalidou et al., 2019; Wellenzohn et al., 2016).
No Brasil, o primeiro programa multicomponente, com base na Psicologia Positiva, direcionado a aposentados, é o Programa Vem Ser, que se propõe a trabalhar as forças Valores e Autocuidado/Prudência, Otimismo, Empatia, Gratidão, Perdão e Significado de Vida e Trabalho. O programa tem sessões grupais de duas horas de duração cada, com protocolo manualizado para a implementação e replicação por profissionais de saúde/educação/assistência (Durgante & Dell’Aglio, 2019a). O Programa Vem Ser vem sendo implementado desde 2016 e apresentou evidências de eficácia, tanto na versão presencial para aposentados (Durgante & Dell’Aglio, 2019b; Durgante et al., 2020), quanto na versão online para profissionais de saúde e assistência (Durgante, da Luz et al., artigo submetido), com melhora em seus indicadores de saúde mental. No programa, são oferecidos momentos de psicoeducação, relaxamento, troca de informações e apoio mútuo entre os participantes, que resultaram em aumento de resiliência, do estado de ânimo, da satisfação com a vida, diminuição do estresse percebido e de sintomas de depressão e ansiedade.
Além de se enquadrar como uma opção viável para o momento de pandemia, por ter a possibilidade de ser 100% remoto, o Programa Vem Ser apresenta um roteiro manualizado de tópicos, o qual possibilita a replicação por diferentes profissionais, favorecendo capilaridade de abrangência. Já o formato vivencial das atividades, instiga que se discutam questões do cotidiano, e, dessa forma, pode se tornar um espaço seguro e terapêutico para o compartilhamento de angústias e ocasiões vivenciadas, a exemplo de intercorrências advindas da pandemia de COVID-19. Contudo, há necessidade de se avaliar as especificidades e adequações necessárias aos serviços de saúde ofertados no formato remoto/online para populações de pessoas idosas ou aposentadas no Brasil, tendo em vista as particularidades e demandas deste público-alvo. Assim, este estudo teve como objetivo avaliar a implementação online de uma intervenção psicológica positiva para aposentados, conduzida no Brasil durante a pandemia de COVID-19, observando barreiras e facilitadores ao longo do processo.
Método
Delineamento
Trata-se de estudo longitudinal com delineamento misto (qualitativo-quantitativo), com avaliações pré (T1-antes do programa), pós-intervenção (T2-na semana do término do programa) e avaliações de processo de implementação do programa.
Participantes
Participaram do estudo 30 aposentados (Feminino=26) brasileiros (RS=28 e Ceará=1), que se inscreveram por conveniência e voluntariamente para participar do programa, com idades entre 52 e 87 anos (M = 65,13, DP = 9,22). Destes, 10 (33,3%) tinham escolaridade até o ensino médio e os demais (65,5%) tinham algum nível de escolaridade acima do ensino médio (curso técnico/magistério/curso superior incompleto [n=6], curso superior completo [n=6], pós-graduação [n=8]). A média de tempo de trabalho foi 32,50 anos (DP=12,27) com variação de 04-60 anos de serviço. A média de tempo de aposentadoria foi de 11,28 anos (DP=9,87); 53,3% eram casados, moravam junto ou tinham união estável e 46,7% eram separados, viúvos ou solteiros; 93,3% tinham até três filhos sendo que 53,3% da amostra tinha algum tipo de trabalho pós-aposentadoria e 30% dos participantes moravam só; 33,3% eram cuidadores de alguém de seu ciclo familiar (cônjuge, pais, filhos, irmãos). Além disso, 73,3% relataram ter algum tipo de problema de saúde física e/ou mental (câncer, doenças autoimune, respiratórias, cardiovasculares, gastrointestinais, diabetes, disfunção da tireoide, obesidade, depressão, ansiedade e disfunção do sono); 96,7% tinham algum tipo de atividade de lazer e relataram ter algum tipo de crença ou religião; todos se percebiam com apoio social. Dos 30 inscritos, oito participantes não iniciaram o programa, devido a questões pessoais, indisponibilidade de horários com afazeres domésticos, demandas familiares e dificuldades com o uso de tecnologias para acesso online para as sessões do programa. Dentre os participantes que iniciaram o programa (n=22), duas desistiram ao longo das sessões (perda=10%), pois não se sentiram confortáveis em atividades grupais online.
Moderadoras de grupo
Houve capacitação para as moderadoras dos grupos, em formato vivencial, com seis sessões de duas horas cada, mais tarefas de casa, contemplando aspectos teóricos e práticos do programa, para profissionais de saúde e assistência, os quais receberam certificação e o manual para futura replicação do programa em seus contextos de trabalho. Os grupos foram moderados por seis profissionais (psicólogas = 5, assistente social = 1), com idades entre 27 e 41 anos (M = 28,5; DP = 5,68), tempo de experiência profissional em média seis anos (DP =5,82) e tempo de moderação de grupo em média 3,25 anos (DP =2,85). Os participantes do programa compuseram quatro grupos, conforme apresentado na Tabela 1, sendo dois deles com a presença de duas moderadoras.
Instrumentos
Questionário de Admissão (T1 somente)
Contendo dados sociodemográficos, laborais e de vida dos participantes antes e após aposentadoria. Também inclui uma questão sobre o estado de ânimo/humor dos participantes no momento da avaliação.
Escala Visual Analógica EVA (antes e após cada sessão)
Usada para verificação do humor e análise de ‘dose’, quanto aos efeitos da intervenção no estado de humor/ânimo dos participantes, em formato de escalamento (scaling). Esta técnica é empregada para mensurar fenômenos complexos ou abstratos, utilizada ao término de cada sessão - como avaliação de processo - e também antes e após o programa. A EVA apresenta formato continuo de 5 pontos (0 = me sinto muito triste, 5 = me sinto muito feliz), para que os participantes indiquem seu atual estado de humor/ânimo no momento da avaliação.
Ficha de Avaliação das Sessões (após cada sessão)
Usada para avaliar o processo de implementação e a validade social da intervenção, com base em estudo realizado por Barbosa e Murta (2019). A ficha foi preenchida pelos participantes ao término de cada sessão, contendo questões em formato likert de cinco pontos (1=totalmente insatisfeito; 5=totalmente satisfeito) sobre a satisfação dos participantes com o tempo de duração da sessão, com os materiais/recursos (slides, vídeos, músicas, etc.), com as dinâmicas, com as técnicas de relaxamento, com a tarefa de casa, com os aprendizados da sessão, com a atenção/cuidado e clareza na abordagem e exposição dos conteúdos por parte do moderador de grupo. A ficha contém duas questões descritivas para a inclusão de aspectos positivos (´o que você mais gostou´), ou negativos (´o que você menos gostou da sessão´) e comentários e sugestões para melhorar a sessão.
Ficha de Avaliação do Programa (T2 somente)
Em formato Likert de quatro pontos, avalia a satisfação dos participantes com o programa e com o moderador, com as dinâmicas e técnicas empregadas nas sessões, com o tempo de duração das sessões e do programa como um todo, a clareza, a compreensão e a generalização dos conteúdos pelos participantes (adaptada de Durgante et al., 2019). Contém questões de autorelato e descritivas, aplicadas após o término do programa (após a última sessão do programa).
Diário de Campo do Moderador (ao longo do programa)
A ser preenchida pelo(a) moderador(a) dos grupos ao término de cada sessão do programa, como medida para identificação de barreiras e facilitadores no processo de implementação do programa, tais como: adesão dos participantes às dinâmicas e técnicas sugeridas durante as sessões, custos com materiais para as sessões e demais despesas relacionadas à implementação, percepção de apoio da gestão para implementação do programa, tempo de organização das sessões, adaptações necessárias à proposta manualizada, pressões internas no clima organizacional (uso de recursos materiais e/ou humanos), fluxo de trabalho (Damschroder et al., 2009; Levitt et al., 2018).
Procedimentos
Após aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (nº 4.143.219), foram feitas divulgações do programa para aposentados. Com exceção do Grupo 3, que divulgou o programa diretamente para os usuários do Centro de Referência à Assistência Social (CRAS), as demais moderadoras divulgaram o programa através de contatos, via equipe diretiva, para membros de uma associação de aposentados do estado do RS, em redes sociais e para aposentados em seus locais de atendimentos. Foi feito levantamento de necessidades de dias da semana e horários preferenciais dos aposentados e disponíveis das moderadoras para a oferta de grupos. Os interessados em participar do programa que retornaram as divulgações feitas receberam link de formulário do Google docs, preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o questionário de admissão, em torno de uma semana antes do início das sessões do programa (T1). Imediatamente após a última sessão do programa preencheram a Ficha de Avaliação do Programa (T2). Durante o programa, antes e após cada sessão, preencheram a EVA indicando seu estado de ânimo, e ao término de cada sessão preencheram a Ficha de Avaliação das Sessões. Todos os formulários foram enviados por e-mail ou WhatsApp e preenchidos online, sendo que as moderadoras se colocavam à disposição para auxiliar no preenchimento, por telefone ou vídeo-chamada. No caso do Grupo 3, as modeladoras auxiliaram as participantes no preenchimento do questionário de admissão presencialmente, no local de serviço da rede (CRAS). Na ocasião, também auxiliaram com o uso da tecnologia como, por exemplo, como acessar a sala virtual para as sessões, como ligar e desligar o áudio e a câmera no computador ou no celular e como acessar os links de vídeos enviados durante as sessões. As sessões do programa e as devolutivas dos resultados obtidos foram realizados virtualmente através de plataforma de videoconferência gratuita. Todos os participantes receberam uma lista de instituições públicas e privadas para atendimento psicológico, caso alguém optasse ou sentisse necessidade deste recurso em momento futuro durante a pandemia.
Análise de dados
Os dados quantitativos, obtidos a partir do autorrelato dos participantes, com as questões objetivas das fichas de avaliação após o término das sessões e do programa, foram analisados a partir de estatísticas descritivas (médias e desvio padrão), com o software Statistical Package for the Ciências Sociais, versão 22.0.
Os dados qualitativos, obtidos a partir de relatos descritivos nos participantes após as sessões, após o programa e também do diário de campo dos moderadores, fornecem informações sobre barreiras percebidas (dificultadores), sugestões e feedbacks dos participantes e dos moderadores de grupo. Também foram compiladas informações acerca dos facilitadores para a implementação de novos grupos online com programa. Os dados qualitativos foram avaliados por pesquisadores independentes e verificados por terceiro a partir de análise de conteúdo do tipo temática (Saldaña, 2009).
Resultados e discussão
Avaliação geral do programa pelos participantes (T2)
A partir dos dados obtidos por meio da Ficha de Avaliação do Programa, preenchida pelos participantes (T2), foi possível detectar satisfação com o programa, com as moderadoras de grupo, compreensão e generalização dos conteúdos abordados. A Tabela 2 apresenta médias, desvio padrão dos itens.
Tabela 2 Avaliação por parte dos participantes ao término do programa

Nota. M=média; DP=desvio padrão; Geral=todos os grupos
De acordo com os dados das fichas de avaliação dos participantes após o programa, os itens mais bem avaliados foram quanto ao papel do moderador de grupo e a compreensão dos conteúdos abordados durante as sessões. Já as médias mais baixas, referem-se à aplicabilidade dos conteúdos na vida - generalização. Contudo, mesmo o item de menor média (M=2,83), em escala com variação de quatro pontos, apresentou resultado satisfatório sobre o programa de modo geral. Os resultados obtidos na versão online seguem padrões identificados na versão presencial do programa Vem Ser com amostra de aposentados (Durgante et al., 2019).
Estado de ânimo antes e após cada sessão
O efeito das sessões no estado de ânimo dos participantes também foi avaliado antes e após cada sessão, em EVA com formato de cinco pontos, onde os participantes indicaram como estava seu estado de ânimo no momento da avaliação. Os resultados das médias e desvio padrão pré-pós sessão pode ser observados na Tabela 3.
A partir das médias obtidas antes e após as sessões, é possível constatar que houve melhora no estado de ânimo dos participantes após as sessões com os temas: valores e autocuidado, otimismo, empatia e significado de vida e trabalho. Contudo, não houve melhora no estado de ânimo após trabalhos com o tema gratidão, cuja média grupal alta em nível basal (M=3,00) se preservou idêntica antes e após a sessão. É possível que estes resultados possam ter sofrido o efeito teto, comumente detectado em medidas de indicadores positivos como, por exemplo, o bem-estar (Sarriera et al., 2018).
Em contraponto, houve leve redução do estado de ânimo após abordar o tema perdão. De acordo com dados da literatura sobre intervenções em contextos de crise, intervenções breves, com tempo determinado, em torno de seis semanas e abordagem via Terapia Cognitivo-Comportamental para a resolução de problemas, são as mais utilizadas e adequadas em situações de graves crises, inclusive em formato de aconselhamento online (Duan & Zhu, 2020; Sá et al., 2008; Silva et al., 2015). Além disso, quanto maior o tempo desassistido, maiores são os prejuízos advindos da crise, podendo tornarem-se, por vezes, irreversíveis. Uma vez que os participantes do Vem Ser online já estavam expostos por tempo prolongado a estressores multidimensionais devido à pandemia de COVID-19, restrições de isolamento físico, falta de diretrizes e informações claras por parte de gestores em âmbito nacional sobre procedimentos necessários para o autocuidado, é possível que o tema perdão tenha mobilizado elementos de afeto negativo nos participantes, os quais já estavam inundados emocionalmente com afetos negativos provenientes da pandemia.
Vale lembrar, contudo, que na versão presencial do programa anterior à pandemia de COVID-19, o tema perdão foi bem avaliado e repercutiu positivamente nos resultados de eficácia do programa (Durgante, & Dell’Aglio, 2019b). Dessa forma, devido ao caráter de mobilização que o tema perdão tende a gerar nos participantes, pode ser revisto enquanto temática a ser incluída na versão online, a depender de cada contexto, principalmente para momentos de maior fragilidade como durante a pandemia e para este público-alvo. De acordo com diretrizes de saúde para intervenções em crises (Sá-Serafim et al., 2020; Sullivan, 2018), como tarefa inicial, é fundamental identificar e mobilizar recursos emocionais pessoais disponíveis em articulação com a rede de serviços em saúde para o auxílio dos atingidos. Da mesma forma, o trabalho para desenvolver regulação emocional, ou para modular o supercontrole emocional, no sentido dissociativo autodefensivo, de negação ou fuga da realidade, devem compor o protocolo de atenção para intervenções em momentos de crise. Todos estes aspectos foram contemplados na implementação do Programa Vem Ser online. Como sugestão para implementações futuras, ressalta-se a importância de se considerar as especificidades do contexto, público-alvo e momento histórico para a inclusão do tema perdão no formato online do programa.
Avaliação da validade social da intervenção
Ao término de cada sessão do programa os participantes avaliaram, anonimamente, de 1 (Totalmente insatisfeito) a 5 (Totalmente satisfeito), o quanto estavam satisfeitos com os recursos utilizados na sessão, bem como com a performance do moderador, além de fornecer sugestões para a melhoria da sessão e do programa como um todo. Esta avaliação de processo foi incluída para contemplar aspectos quanto à validade social da intervenção segundo a percepção dos participantes ao término de cada sessão. Foram levados em consideração eixos propostos para avaliação de validade social: significância social dos objetivos para o público-alvo; aceitabilidade social dos procedimentos; importância social da intervenção, incluindo satisfação (Barbosa & Murta, 2019). A Tabela 4 apresenta as médias e desvio padrão dos itens avaliados pelos participantes após cada sessão do programa. As médias das seis sessões foram calculadas para cada item conforme avaliação geral dos grupos.
A partir das avaliações pós-sessões, foi possível observar melhores resultados quanto à técnica de relaxamento das sessões - técnica mais bem avaliada envolvendo elementos de Mindfulness (sessão 1) - e aprendizados advindos das sessões. Quanto aos aprendizados, a sessão com melhor avaliação foi com o tema Gratidão. Ao se contrastar dados quantitativos com as respostas das questões qualitativas dos participantes, os conteúdos abordados mais utilizados também foram quanto a Gratidão “Passei a olhar mais para o meu dia a dia, observando e agradecendo pelas pequenas coisas. Passei a observar mais o olhar do outro. Refleti sobre coisas no meu passado que precisava comungar comigo mesma em me perdoar para encerrá-las (N.56 anos, grupo 1); Diria que foi retribuir ou ser prestativa para uma pessoa da família... sem esperar nada em troca. Simplesmente faço!” (O.58 anos, grupo 2); fazer o diário da gratidão, aceitar mais o autoperdão e exercitar o otimismo no dia a dia (N. 54 anos, grupo 4). Contudo, demais temas abordados foram relatados como úteis e utilizáveis na vida dos participantes, a exemplo de Empatia, “No meu dia a dia. Com minha família. Com as pessoas com maior convivência neste tempo de pandemia” (J. 62 anos, grupo 2); Movimento empático em que havia me desapercebido (N.C., 69 anos, grupo 4); “Nas relações com minha filha, na convivência com os meus” (J, 72 aos, grupo 4). Além destes, também houve relatos de maior autoregulação, “Tenho trabalhado a calma, a tranquilidade. Pensar antes de responder de forma impulsiva, principalmente quando contrariado” (Z, 69 anos, grupo 2).
Tabela 4 Avaliação de critérios de validade social do Programa Vem Ser online

Nota. M=média; DP=desvio padrão
Com relação às sugestões ou melhorias propostas para o programa, foi sugerido aumento do número de sessões, incluir mais pessoas nos grupos, ofertas de mais grupos na parte inicial da manhã, para evitar horários de trabalho ou afazeres domésticos e a condução do programa de modo presencial “Meninas, para melhorar este programa é poder estarmos todas em uma sala frente a frente. Seria Maravilhoso” (O, 58 anos, grupo 2).
Facilitadores na implementação online do Programa Vem Ser
O fato de a intervenção ter sido implementada totalmente online, deu maior capilaridade de alcance e contemplou aposentados que, devido às recomendações em decorrência da pandemia de COVID-19, poderiam estar sozinhos em suas casas ou desassistidos. No caso desta amostra em questão, 30% dos participantes moravam só e 73,3% apresentavam algum tipo de comprometimento de saúde física ou mental. O fato de idosos estarem em suas casas durante o período de distanciamento social, em muitos casos, sem a presença de familiares, com ruptura em sua rotina e contatos com grupos sociais anteriormente ativos, pode causar repercussões negativas para a saúde mental. Foi possível oferecer grupos para aposentados de diversas regiões, inclusive do interior do RS, a partir da capacitação de pessoal/profissionais para a moderação dos grupos. Favorecer acesso e acompanhamento nas atividades pode ter sido crucial em momento de crise e este movimento pode ter repercutido positivamente na adesão, haja vista que desde a primeira sessão os participantes aderiram a todas as técnicas e dinâmicas sugeridas, sendo colaborativos, engajados e fazendo as atividades em casa. Os idosos são grupo de risco de particular importância em face à COVID-19, por estarem duplamente sujeitos aos efeitos da pandemia, tanto no sentido de maior probabilidade de agravos em saúde em decorrência de possível contágio, quanto com relação às consequências devido às medidas de restrição de contato social.
Além disso, o processo de aposentadoria tem sido considerado um dos eventos de maior potencial de ansiedade e estresse para o indivíduo ao longo do ciclo vital. Alguns dos estressores comumente vivenciados após aposentadoria incluem maior demanda por serviços de saúde e assistência, seja por demandas próprias da idade como comorbidades de ordem física e/ou psicológica/emocional, seja devido ao ajustamento social e estrutural necessários nesta etapa do ciclo vital. Neste caso, muitos idosos precisam ajustar seu estilo de vida, idealmente para além do nível de subsistência, o que não parece ser uma realidade na maioria dos países em desenvolvimento. Também precisam lidar com desafios psicológicos e emocionais em diferentes configurações familiares, como por exemplo, retorno ao contexto familiar, perda/morte de familiares, saída dos filhos de casa, os quais são fatores de potencial efeito para a saúde do indivíduo e seu ciclo relacional (World Health Organization [WHO], 2015).
É necessário destacar o aspecto positivo, quanto à implementação online da intervenção, no que se refere aos custos com materiais, os quais foram mínimos, apenas para impressão de folhas para as atividades das sessões e a ida à residência das idosas para a entrega das fichas, no caso do Grupo 3. Os demais grupos receberam as fichas em formato digital, em arquivo PDF. As moderadoras vinculadas ao CRAS, especificamente, tiveram apoio da gestão de seu local de trabalho para o desenvolvimento do programa, tendo tempo hábil para preparar as sessões e para desenvolvê-las com atenção às necessidades das participantes. Isso pode ter repercutido positivamente na adesão e retenção das participantes. Despesas com deslocamento dos participantes, sobrecarga dos serviços devido ao uso de sala de grupo, necessidade de sala de espera e demais recursos materiais também foram reduzidos ao mínimo na versão online do Programa Vem Ser.
Barreiras e dificultadores para implementação online da intervenção
Adaptações necessárias: Redução do tempo e aumento do número de sessões
No grupo de idosas com maior média de idade (M=68,33), foi necessário realizar algumas adaptações na proposta inicial, como a diminuição do tempo de cada sessão, passando de 2h para 1h30, visto que as idosas solicitaram que as sessões fossem mais curtas. As participantes desse grupo possuíam certa dificuldade em manterem-se concentradas e atentas pelo período proposto de duas horas, no formato online. Em virtude da diminuição do tempo, foi necessário aumentar o número de sessões, de seis para oito ao todo. As sessões 3: Empatia e 5: Perdão foram desmembradas em duas sessões de em torno de 1h30 cada, para que os temas pudessem ser aprofundados, conforme demandas e necessidades das participantes. Quanto às técnicas de relaxamento, as instruções passadas pelas moderadoras, foram gravadas em áudios ou vídeos e enviadas no grupo de WhatsApp como tarefa de casa, para que as participantes pudessem praticar as técnicas de relaxamento quantas vezes desejassem durante a semana. Este procedimento é recomendado e serve como critério a ser adotado em futuras replicações com o programa, de modo a favorecer a padronização de procedimentos por parte dos participantes durante as tarefas de casa e fidelidade de futuros moderadores à proposta interventiva.
Dificuldades com o uso de tecnologias
Talvez o principal desafio encontrado na implementação online, neste estudo e para dois grupos, foi quanto ao uso de tecnologias para acesso e permanência nas sessões, conforme detalhado a seguir:
No grupo conduzido com participantes do interior do RS (grupo 3) houve dificuldades para o manuseio das tecnologias para acessar a sala virtual das sessões. Fatores externos como a instabilidade da internet, pausa na imagem ou no áudio dos participantes, ruídos externos e até desconexão das vídeo-chamadas foram obstáculos ao trabalho. As participantes apresentaram certa dificuldade em atender as chamadas na maioria dos encontros, sendo necessária a realização de várias tentativas até que todas pudessem atender. A apresentação de vídeos também foi um problema encontrado, visto que em alguns casos houve dificuldade para abrir os links enviados pelas moderadoras, havendo confusão com outros materiais ou vídeos anteriormente postados no grupo.
Em outro grupo, de participantes da região metropolitana de Porto Alegre (grupo 4), as dificuldades em lidar com tecnologia também se mostraram como sendo um obstáculo a ser transpassado, a exemplo de ligar câmera ou microfone, acessar a sala e/ou lidar com instabilidades de conexão. Ruídos do ambiente externo, sem que o microfone das demais participantes estivesse no silencioso/mudo, também prejudicaram algumas dinâmicas, visto que algumas participantes relataram incômodo ou dificuldades de concentração com ruídos do ambiente domésticos de outras participantes em alguns momentos. A avaliação conduzida entre sessões, por meio do envio de fichas de feedbacks às participantes após o término das sessões para preenchimento anônimo sobre suas percepções quanto à sessão, foi fundamental para a detecção e resolução destas intercorrências por parte da moderadora. Assim, considerar estes aspectos também contribui para que o trabalho ocorra satisfatoriamente.
A título de explanação, o fator escolaridade parece não ter influenciado em aspectos quanto ao uso de tecnologias, uma vez que 75% das participantes do grupo 4 apresentavam algum nível de ensino superior. Como medida profilática para futuras intervenções online com este público alvo, seria interessante pensar em equipe de suporte técnico para a literacia tecnológica dos participantes. Um profissional de apoio técnico previamente treinado, que possua empatia para lidar com a população de aposentados, poderia fornecer treino prévio ao início das atividades do programa (a exemplo do procedimento adotado pelas moderadoras do grupo 3), ou mesmo, profissional de apoio técnico estar disponível antes e durante as sessões para auxiliar os participantes no acesso e permanência nas sessões. Essa sugestão pode favorecer sobremaneira futuras práticas interventivas online. Contudo, impedimentos financeiros com cortes cada vez maiores de financiamentos de pesquisas no Brasil, somados à desvalorização da ciência, dificultam a implementação de estudos em modo ‘ideal’, onde a operacionalização dos procedimentos de pesquisa ocorre no modo ‘possível’, conforme ilustrado neste estudo.
Outros dificultadores suscitados nos grupos foi quanto ao horário às 14h, visto que alguns participantes trabalhavam e precisaram ter atenção dividida durante as sessões. Ademais, o contexto doméstico não privativo para a participação nas sessões, também pode ter comprometido algumas sessões, no caso de participantes que precisavam atender demandas familiares e compartilhar o mesmo espaço físico durante a sessão. Este impedimento aparece como grande diferencial entre intervenções presenciais, reproduzidas em ambiente seguro, privativo e, idealmente, controlado, de modo a favorecer o sigilo no compartilhamento de informações pelo grupo. Além disso, algumas participantes tiveram familiares infectados e outros internados devido à COVID-19 durante o programa. Estas intercorrências, esperadas em tempos de pandemia, resultaram na impossibilidade de participação em todas as sessões por parte de alguns participantes, além de mobilização dos demais devido à sensibilidade do assunto. Mesmo assim, houve demanda espontânea e solicitações para que fossem conduzidas duas sessões por semana, ou ainda, que o programa perdurasse por 12 semanas.
Considerações finais
Este estudo apresenta dados de implementação e resultados positivos obtidos com o Programa Vem Ser na modalidade online, como melhoras no estado de ânimo dos participantes, em momento crítico vivenciado na pandemia de COVID-19 no Brasil. Também são identificados indicadores de validade social do programa neste formato. Mesmo com as barreiras e dificultadores encontrados para a implementação na versão online do programa, foi possível constatar que este modelo de intervenção tem potencial de atingir positivamente os participantes em situações críticas de vulnerabilidade, agravadas na pandemia. Não é pretensão sugerir a substituição de modelos interventivos, no sentido de supervalorizar os ganhos ou perdas em um formato ou outro, seja presencial ou online, pois ambos apresentam benefícios e desafios, como em qualquer modelo de intervenção em saúde. Contudo, neste estudo, os possíveis ganhos advindos de uma IPP conduzida em tempos de pandemia para promoção de saúde de aposentados torna-se evidente, de modo que sugerimos a continuidade e estruturação de tais modelos interventivos. A estruturação do seguimento de atenção em saúde com propostas online em momento crítico, tal qual se apresenta nesta pandemia, é indispensável para acolher e atender demandas de saúde mental da população, vista a sobrecarga dos serviços, medidas restritivas impostas e esgotamento mental, emocional e físico dos indivíduos.
Espera-se, com este estudo, contribuir com alicerces, com base em evidências científicas, para facilitar a implementação de futuras intervenções online, nestes moldes ou assemelhados, para a promoção de saúde, principalmente tendo em vista a nova configuração dos serviços de saúde em decorrência da pandemia de COVID-19. É fundamental que novas pesquisas prossigam e avancem conhecimentos quanto a esta modalidade de intervenção, para acesso remoto, uma vez que há urgência em se adaptar serviços em saúde para implementação online, considerando o caráter excepcional pandêmico em que os países se encontram.