A família é a mais antiga e a mais importante instituição social, sendo nesta que a maior parte das pessoas realiza o processo de socialização, tornando-se um elemento essencial no processo de desenvolvimento (Relva, 2015). Há uns anos podia-se afirmar que as famílias eram todas iguais (Marques, 2015), mas, atualmente, a família portuguesa é mais diversificada quanto à configuração familiar (Matos, 2015), sendo que existem famílias nucleares tradicionais, divorciadas, monoparentais, reconstituídas, entre outras. No entanto, a forma mais habitual de agregado familiar continua a ser o modelo nuclear tradicional (composto por pai, mãe e filhos) (Rosa, 2015). Por outro lado, tem vindo a verificar-se um aumento significativo das dissoluções de casamentos, muitas vezes devido ao divórcio (Rosa, 2015). Embora as famílias divorciadas apresentem desafios únicos, elas parecem possuir muitos fatores de risco e proteção semelhantes às famílias nucleares tradicionais (Lippold & Jensen, 2017). Para além disso, comparativamente à criança, o adolescente apresenta mais condições para aceitar e compreender o divórcio dos pais de uma forma mais objetiva (Hack & Ramires, 2010).
A adolescência diz respeito a um período de transição entre a infância e a idade adulta, no qual os adolescentes sofrem mudanças rápidas a nível físico, emocional, cognitivo e social (Li et al., 2018). Durante a adolescência existe uma necessidade crescente de autonomia e independência (Ballarotto et al., 2018). O que pode representar um desafio para os pais (Li et al., 2018), pois situam-se numa contínua ambiguidade entre o estabelecimento de limites e o fornecimento de mais liberdade (Urra, 2016; 2017). Atualmente, (quase) não existe adolescência sem internet (Sampaio, 2018). Portanto, a internet tornou-se um elemento importante na vida dos adolescentes (Özgür, 2016), sendo que estes não são capazes de viver sem ela (Sampaio, 2018), e se puderem, nunca param de estar online (Patrão, 2016). Assim, a utilização da internet tem vindo a crescer de forma rápida, especialmente entre os adolescentes (Shek et al., 2019). Concretamente, em 2019, 99.5% das pessoas entre os 16 e 24 anos utilizava a internet (PORDATA, 2019). Portanto, atualmente, grande parte do tempo livre dos adolescentes é ocupada com a internet (Boubeta et al., 2015; Sampaio, 2018), que se tornou um instrumento importante para o acesso à informação, comunicação e entretenimento (Ding et al., 2017; Tsitsika et al., 2016), sendo que pode oferecer diversos benefícios aos seus utilizadores (Li et al., 2020). No entanto, alguns utilizadores podem desenvolver dependência da mesma (Jorgenson et al., 2016). Portanto, surge uma nova patologia associada ao uso da internet, nomeadamente, a dependência da internet (Kurniasanti et al., 2019). Esta representa uma das formas mais emergentes de novas dependências entre os adolescentes (Pace et al., 2014), que são considerados um grupo de risco, pois apresentam uma elevada exposição à internet sem terem desenvolvido completamente o pensamento crítico e limites comportamentais (Patrão & Hubert, 2016), assim como atravessam uma fase de intensas transformações biológicas e psicológicas (Silva & Silva, 2017).
Dependência da internet
Até ao momento, ainda não foi alcançado nenhum consenso relativo à terminologia do fenómeno de dependência da internet, sendo que foram usados diversos termos na literatura para o caracterizar (Li et al., 2020), nomeadamente, “adição à internet” (e.g., Young, 1998), “dependência da internet” (e.g., Terres-Trindade & Mosmann, 2015), “uso problemático da internet” (e.g., Fernandes et al., 2019), entre outros. Os estudos recentes consideram o termo “uso problemático da internet” mais adequado (e.g., Fernandes et al., 2019), no entanto, o termo “adição à internet” é amplamente usado na literatura. Segundo Pontes et al. (2014b) o termo “dependência” é preferível ao de “adição”, e, portanto, no presente estudo, optamos pelo uso do termo dependência da internet.
A definição do fenómeno ainda não é estática (Lopes et al., 2018). E, deste modo, a dependência da internet apresenta-se como uma construção complexa (Mihajlov & Vejmelka, 2017). Atualmente, é abordada como uma potencial dependência comportamental (Li et al., 2020), e foi proposta como explicação para o uso incontrolável e prejudicial da internet (Young, 2009). A prevalência de dependência da internet parece mais elevada entre os adolescentes e jovens adultos (Costa & Patrão, 2016). Assim, a dependência da internet apresenta diversas consequências negativas para os adolescentes (Shi et al., 2017), sendo que estes podem apresentar relações familiares problemáticas, perder amizades, interessar-se apenas pela internet, deixar de realizar atividades no exterior, e apresentar alterações de comportamento, sono, alimentação e humor (Patrão, 2016).
Apesar dos avanços recentes na investigação sobre a dependência da internet (Durkee et al., 2016), ainda não existe um acordo sobre os critérios de diagnóstico (Kuss & Lopez-Fernandez, 2016). Deste modo, até agora, apenas foi incluída a Perturbação de Jogos da Internet, no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5), com sugestão para estudos futuros (Fernandes et al., 2019). No entanto, uma forma de diagnóstico é através da comparação com os critérios diagnósticos de outras dependências estabelecidas (Young, 1996; 2009; 2011). Porém, devido às vantagens da internet, o diagnóstico da dependência da internet é mais complexo do que outras dependências (Cruz et al., 2018), sendo que o comportamento dependente pode ser disfarçado facilmente através da utilidade da internet (Young, 2011), e, para além disso, pode ser interpretado como uma alteração normativa na forma como as novas gerações se ocupam e comunicam (Kardefelt-Winther, 2014; Mihajlov & Vejmelka, 2017). Particularmente, no contexto atual da pandemia COVID-19, onde a utilização da internet é uma ferramenta indispensável na vida das pessoas.
Práticas disciplinares parentais
O conceito de disciplina tem sido delineado de diversas formas, não existindo ainda uma definição predominante (Fauchier & Straus, 2010; Straus & Fauchier, 2011). De uma forma geral, a disciplina diz respeito aos métodos para moldar o caráter e para ensinar o autocontrolo e o comportamento aceitável, sendo que funciona como uma poderosa ferramenta para a socialização (Papalia & Feldman, 2013). Esta compreende o estabelecimento de limites, o ensino de comportamentos adequados e a correção dos comportamentos desadequados, mas também o auxílio no desenvolvimento de autocontrolo, incentivando o aumento da autoestima e da autonomia (Patias et al., 2012; Weber et al., 2004).
Uma distinção comum relativa à disciplina é entre disciplina preventiva e corretiva (Fauchier & Straus, 2007). A disciplina preventiva engloba o estabelecimento de regras e expectativas antes da ocorrência do comportamento desadequado (Fauchier & Straus, 2007). Por outro lado, a disciplina corretiva envolve o comportamento dos pais como resposta ao comportamento desadequado, com a intenção de o corrigir (Fauchier & Straus, 2007; 2010; Socolar, 1997; Straus & Fauchier, 2011). Ambas as formas de disciplina estão interrelacionadas, mas referem-se a dimensões distintas (Fauchier & Straus, 2007; 2010; Straus & Fauchier, 2011). A diferença pode ser percebida pelo facto de que a disciplina preventiva tem de ser pensada como prevenção primária, enquanto que se deve pensar na disciplina corretiva como prevenção secundária (Straus & Fauchier, 2011). Esta última é extremamente importante (Fauchier & Straus, 2010; Straus & Fauchier, 2011). Inclui métodos punitivos (isto é, disciplina afirmativa do poder) e não-punitivos (isto é, disciplina indutiva), assim como a combinação dos dois (Fauchier & Straus, 2010; Straus & Fauchier, 2011). A disciplina indutiva caracteriza-se por fazer com que o filho se sinta responsável pelo seu comportamento, abordando cognições sobre o que está certo e errado, assim como as consequências do comportamento desadequado (Van Leeuwen et al., 2012). Esta compreende práticas disciplinares como desvio, explicar/ensinar, ignorar o comportamento desadequado, recompensa e monitorização (Bosmans et al., 2011). Por outro lado, a disciplina afirmativa do poder pressiona, coercivamente, o filho a modificar de forma imediata o seu comportamento (Hoffman, 1960). Esta envolve práticas disciplinares como a punição física, a agressão psicológica, a privação de privilégios, e as tarefas de penalidade e comportamento restaurador (Bosmans et al., 2011). Deste modo, a disciplina engloba uma ampla gama de comportamentos parentais (Locke & Prinz, 2002).
O papel educativo atribuído à mulher, historicamente, tem vindo a sofrer alterações (Wagner et al., 2005). Antigamente, o pai assumia um papel mais funcional, sendo responsável por levar dinheiro para casa, por outro lado, a mãe estava encarregue da educação dos filhos e do cuidado da casa, sendo que os papéis estavam bem definidos (Marques, 2015). No entanto, acontecimentos marcantes, como a entrada da mulher no mercado de trabalho, levaram ao desenvolvimento de um novo perfil familiar, sendo que atualmente, muitas famílias apresentam partilha de tarefas relativas à educação dos filhos e à organização da vida familiar (Wagner et al., 2005).
Práticas disciplinares parentais e dependência da internet
Nos últimos anos, verificou-se um interesse crescente pela dependência da internet (Balhara et al., 2019), notando-se um aumento do número de estudos publicados sobre o fenómeno (Fernandes et al., 2019). Por outro lado, a maior parte dos estudos sobre disciplina centraram-se em comportamentos disciplinares considerados problemáticos, sobretudo na punição física (Evans, 2015; Fauchier & Straus, 2010; Gershoff & Grogan-Kaylor, 2016; Grogan-Taylor, Ma, & Graham-Bermann, 2018), sendo que práticas disciplinares alternativas não receberam tanta atenção (Evans, 2015; Fauchier & Straus, 2010).
Um número crescente de estudos tem-se centrado nos fatores familiares ligados à dependência da internet (Liu et al., 2019). A família pode apresentar-se como um fator de risco ou como um fator de proteção nos comportamentos problemáticos dos adolescentes (Kabasakal, 2015). Concretamente, as práticas parentais podem representar fatores de risco ou de proteção para o desenvolvimento dos adolescentes (Patias et al., 2012). No entanto, ainda se sabe pouco sobre a influência dos pais na dependência da internet no período da adolescência (Dogan et al., 2015).
Investigações realizadas na China verificaram associações entre o controlo negativo dos pais (composto por diversos comportamentos parentais, como punições severas, ignorar o comportamento desadequado e desvio) e a dependência da internet (e.g., Li et al., 2014). Para além disso, observaram uma relação entre a punição utilizada pelos pais e a dependência da internet (Zhang et al., 2019), assim como um efeito direto da mesma na dependência (e.g., Wang & Qi, 2017). No mesmo sentido, verificaram que as famílias com estilo autoritário ou negligente, envolvidas em práticas disciplinares punitivas, apresentaram maior probabilidade de os adolescentes desenvolver dependência da internet (e.g., Xiuqin et al., 2010).
Em Portugal, existem poucas investigações sobre disciplina parental (Relva et al., 2019). Consequentemente, não foram encontrados estudos em contexto português que explorassem a relação entre as práticas disciplinares parentais e a dependência da internet.
A dependência da internet é considerada um problema de saúde mental sério entre os adolescentes (Ko et al., 2015), e pode agravar-se no Ensino Secundário (Nakayama et al., 2017). Deste modo, o desenvolvimento de estudos sobre variáveis relacionadas a este fenómeno torna-se importante (Park et al., 2014). Concretamente, torna-se essencial a identificação dos fatores de risco e proteção da dependência da internet (Chung et al., 2019; Liu et al., 2019), pois uma compreensão mais profunda dos mesmos, permite desenvolver estratégias de prevenção e intervenção mais eficazes (Derevensky et al., 2019). Para além disso, os resultados disponibilizados pelo DDI podem reverter para a eficácia e consequências da disciplina corretiva, sendo importante para o trabalho clínico com os pais (Straus & Fauchier, 2011).
Deste modo, o presente estudo visa: (a) investigar a prevalência da dependência da internet na amostra; (b) analisar as diferenças nas dimensões disciplinares parentais em função de variáveis sociodemográficas como o sexo dos pais e a configuração familiar; (c) explorar as diferenças na dependência da internet em função da configuração familiar; (d) explorar a associação entre as dimensões disciplinares parentais e a dependência da internet; (e) e verificar o efeito preditor das dimensões disciplinares parentais na dependência da internet.
Metodologia
Participantes
A amostra final foi composta por 568 participantes, todos estudantes em Escolas de Ensino Secundário, num distrito da região Norte de Portugal, com idades compreendidas entre os 14 e 18 anos (M = 16.22; DP = 1.03), sendo mais de metade do sexo feminino (54.6%). No que respeita à escolaridade dos participantes, esta variou entre o 10.º e 12.º ano, entre os quais 25.9% frequenta o 10.º ano, 39.8% o 11.º ano e 34.3% o 12.º ano. No que respeita ao estado civil dos pais, a maioria dos adolescentes provém de famílias com pais casados ou em união de facto (87%), seguida de famílias com pais divorciados ou separados (13%). No que toca à idade de início de utilização da internet, esta variou entre os 3 e 15 anos (M = 8.65; DP = 2.22). Por sua vez, o tempo de ligação à internet durante o dia variou entre 1 a 24 horas (M = 5.40; DP = 3.53). A maior parte dos participantes (96.8%) considera a internet importante e 40.3% dos participantes acha que é dependente da mesma. Por fim, a maioria dos pais dos adolescentes (95.1%) utilizam a internet, mas apenas 23.2% dos pais controlam o tempo e acesso à internet dos adolescentes.
Medição
Questionário Sociodemográfico. Foi utilizado com vista a caracterização dos participantes (através de variáveis como: sexo, idade e ano de escolaridade), da sua família (através de variáveis como: estado civil dos pais), e ainda, da sua utilização da internet (através de variáveis como: tempo de utilização, importância atribuída, uso dos pais e controlo dos pais).
Internet Addiction Test (IAT). Desenvolvido por Young (1998), adaptado e validado para a população portuguesa por Pontes et al. (2014b), foi usado para avaliar a dependência da internet. Portanto, avalia a extensão do envolvimento de um indivíduo com a internet, assim como permite identificar situações ou problemas específicos relacionados com a utilização excessiva da mesma (Young, 2011). Para além disso, permite classificar o comportamento de dependência a nível de comprometimento leve, moderado e grave, sendo que quanto maior a pontuação, maior será o nível de dependência (Young, 2011). Portanto, considera-se entre 0 a 30 pontos um utilizador normal, entre 31 a 49 pontos um utilizador com dependência leve, entre 50 a 79 pontos um utilizador com dependência moderada, e entre 80 a 100 pontos um utilizador com dependência grave (Pontes et al., 2014b; Young, 2011). É um questionário de autorrelato composto por 20 itens classificados segundo uma escala de Likert de 6 pontos, que varia de 0 que corresponde a “não aplicável”, e 1 que corresponde a “nunca”, a 5 que corresponde a “sempre”. O indivíduo deve responder tendo em conta apenas a utilização para fins recreativos e de entretenimento (Young, 2011). No presente estudo, o instrumento apresentou propriedades psicométricas boas, sendo o coeficiente alfa de Cronbach de .85.
Dimensions of Discipline Inventory - Form C (DDI-C). Desenvolvido por Straus e Fauchier (2011), e traduzido para português por Relva e Fernandes (2013), foi usado para avaliar as práticas disciplinares parentais. Este compreende 26 itens representativos de comportamentos de disciplina corretiva (Fauchier & Straus, 2007). Os itens são respondidos em função do número de vezes em que cada comportamento disciplinar foi usado no último ano, segundo uma escala de Likert de 11 pontos, que varia de N (0) que corresponde a “nunca”, e 0 que corresponde a “não naquele ano, mas noutro ano”, a 9 que corresponde a “2 ou mais vezes por dia”. Cada item é aplicado duas vezes, uma vez para a mãe e outra para o pai (Calvete et al., 2010). É composto por 9 escalas que podem ser divididas, aproximadamente, de igual forma entre métodos punitivos (que compreendem as escalas de punição física, privação de privilégios, agressão psicológica, e tarefas de penalidade e comportamento restaurador) e métodos não-punitivos (que incluem as escalas de desvio, explicar/ensinar, ignorar o comportamento desadequado, recompensa e monitorização) (Straus & Fauchier, 2011). Para além disso, as 9 escalas podem ser reduzidas a 4 fatores, nomeadamente, disciplina punitiva (que compreende punição física e agressão psicológica), disciplina indutiva (que abrange desvio, explicar/ensinar, e recompensa), custo de resposta (que engloba privação de privilégios, e tarefas de penalidade e comportamento restaurador), e supervisão (que inclui ignorar o comportamento desadequado e monitorização) (Straus & Fauchier, 2011). A disciplina punitiva refere-se a comportamentos disciplinares de caráter punitivo, que implicam o uso da força física ou agressão psicológica (Calvete et al., 2010). A disciplina indutiva inclui comportamentos disciplinares que envolvem explicação da forma correta de fazer as coisas e reforço do comportamento desejado (Calvete et al., 2010; Straus & Fauchier, 2011). O custo de resposta refere-se a comportamentos disciplinares que englobam o retiro de objetos ou atividades de interesse, ou exigem penalidades que visam compensar o comportamento desadequado (Straus & Fauchier, 2011). E, por fim, a supervisão diz respeito a comportamentos disciplinares que implicam atenção dos pais, como forma de comprovar se existe um comportamento apropriado, ou então, não prestar atenção ao comportamento desadequado com vista a sua extinção (Calvete et al., 2010). No presente estudo, o instrumento apresentou propriedades psicométricas satisfatórias, sendo o coeficiente alfa de Cronbach no fator disciplina punitiva de .66 para a mãe e .61 para o pai, no fator disciplina indutiva de .73 para a mãe e .76 para o pai, e no fator custo de resposta de .73 para a mãe e .72 para o pai. O fator supervisão obteve valores inferiores a .60, pelo que, se optou por não usar o mesmo no presente estudo. Portanto, fez-se uso de 3 fatores, nomeadamente, disciplina punitiva, disciplina indutiva e custo de resposta.
Procedimento
Inicialmente, foi elaborado um pedido de autorização à Comissão de Ética da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (CE-UTAD). Após o parecer emitido, com vista à implementação do protocolo em contexto escolar, foi realizado um pedido de autorização à Direção-Geral da Educação (DGE), através da plataforma Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar (MIME). Após a aprovação da DGE, contactamos as Direções das Escolas Secundárias de um distrito da região Norte de Portugal, de forma a executar o pedido de autorização para a recolha de dados nas respetivas instituições. Depois da aprovação das respetivas Direções, entramos em contacto com os Diretores de Turma, solicitando a sua colaboração para a entrega dos Consentimentos Informados aos alunos, que posteriormente, foram entregues aos Encarregados de Educação. Portanto, o Consentimento Informado (Anexos) solicita autorização ao Encarregado de Educação para a participação do seu educando na investigação, através do preenchimento de um conjunto de questionários. Este esclarece o objetivo da investigação e garante uma administração consignada sob os princípios éticos, descrevendo o caráter voluntário, anónimo e confidencial do estudo. Posteriormente, foi agendado um horário para aplicação do protocolo aos alunos, com os Diretores de Turma.
A administração foi desenvolvida em contexto de sala de aula, de forma individual, com a presença da investigadora, e com a duração de cerca de 25 minutos. Antes de iniciar o preenchimento, foram clarificadas, oralmente, a finalidade do estudo, o anonimato e confidencialidade dos dados revelados, assim como o caráter não obrigatório do preenchimento. Para além disso, foram esclarecidas quaisquer dúvidas apresentadas pelos participantes. E, no final, foi agradecida a sua participação.
Análise de dados
O tratamento dos dados foi realizado com recurso a versão 25.0 e 26.0 do programa Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics). Numa fase inicial, após a construção da base de dados, procedeu-se a sua limpeza, através da identificação de missings e outliers, considerados prejudiciais para a análise estatística e prosseguimento do estudo. Relativamente aos missings, no caso de um participante apresentar mais de 10% das respostas ausentes, foi retirado da amostra. Por outro lado, o reconhecimento dos outliers, foi realizada com base em análises univariadas, recorrendo a determinação do Z-score, mas também em análises multivariadas, recorrendo a distância de Mahalanobis. Neste sentido, excluíram-se 155 participantes da amostra. Foi testada a normalidade com recurso ao processo de inferência estatística da distribuição normal, averiguando os valores de skeweness (assimetria) e kurtosis (curtose). Para além disso, foram realizadas análises psicométricas, com o objetivo de verificar a confiabilidade dos instrumentos, através do coeficiente alfa de Cronbach. Idealmente, o valor do coeficiente de alfa de Cronbach deve estar acima de .70 (Pallant, 2005), no entanto, valores superiores a .60 podem ser interpretados como satisfatórios (Balbinotti & Barbosa, 2008).
Quanto à análise estatística, recorreu-se ao uso de testes paramétricos, visto que segundo Marôco (2018), estes são robustos à violação do pressuposto da normalidade, desde que as distribuições não sejam extremamente enviesadas ou achatadas e que as dimensões das amostras não sejam extremamente pequenas. Foram realizadas análises diferenciais, através da análise de variância multivariada (MANOVA), onde se identificou o valor eta parcial ao quadrado, que segundo Cohen (1998), pode indicar um efeito pequeno quando apresenta valores de .01, um efeito moderado quando apresenta valores de .06, ou um efeito grande quando apresenta valores de .14. Mas também se recorreu ao teste-t para amostras emparelhadas e ao teste-t para amostras independentes. Para além disso, procedeu-se a realização de correlações de Pearson, identificando a magnitude do efeito, onde segundo Cohen (1988), correlações com valores entre .10 e .29 são baixas, com valores entre .30 e .49 são médias, e com valores entre .50 e 1 são elevadas. Por fim, procedeu-se a realização de uma regressão múltipla standard.
Resultados
Prevalência de dependência da internet na amostra
No presente estudo, foram identificados 3 grupos de utilizadores, de acordo com os critérios de Young (2011), nomeadamente, utilizadores normais (n = 153; 26.9%), utilizadores com dependência leve (n = 318; 56%) e utilizadores com dependência moderada (n = 97; 17.1%). Desta forma, na presente amostra, não foram encontrados utilizadores com dependência grave.
Análise diferencial das dimensões disciplinares parentais em função do sexo dos pais
Foi realizado um teste-t para amostras emparelhadas de forma a analisar as diferenças nas dimensões disciplinares parentais, em função do sexo dos pais.
As análises dos resultados permitiram verificar a existência de diferenças, estatisticamente significativas, entre a disciplina punitiva usada pela mãe (M = 1.01; DP = .93) e a disciplina punitiva usada pelo pai (M = .83; DP = .85) [t(567) = 6.524; p = .000 (2-tailed)]. Assim como, entre a disciplina indutiva usada pela mãe (M = 2.07; DP = 1.48) e a disciplina indutiva usada pelo pai (M = 1.83; DP = 1.48) [t(567) = 8.139; p = .000 (2-tailed)]. Mas também entre o custo de resposta usado pela mãe (M = 1.00; DP = 1.07) e o custo de resposta usado pelo pai (M = .79; DP = .97) [t(567) = 8.247; p = .000 (2-tailed)]. Assim, após analisar as médias marginais estimadas, verificou-se que as mães registaram uma média superior à dos pais em todas as dimensões analisadas, usando com maior frequência a disciplina punitiva, disciplina indutiva e custo de resposta (Tabela 1).
Análise diferencial das dimensões disciplinares parentais em função da configuração familiar
Procedeu-se a uma análise de variância multivariada (MANOVA) para explorar as diferenças entre adolescentes provenientes de famílias com pais casados/união de facto e adolescentes provenientes de famílias com pais divorciados/separados nas dimensões disciplinares parentais.
Os resultados obtidos permitiram verificar diferenças, estatisticamente significativas, entre os adolescentes provenientes de famílias com pais casados/união de facto e os adolescentes provenientes de famílias com pais divorciados/separados nas dimensões disciplinares parentais [F(6, 561) = 5.940; p = .000; η p 2 = .060]. Considerando os resultados para as variáveis dependentes, de forma individual, encontraram-se diferenças, estatisticamente significativas, apenas no uso da disciplina indutiva por parte do pai [F(1, 566) = 4.014; p = .046]. Porém, apesar de se verificarem diferenças estatisticamente significativas, a magnitude do efeito é muito pequena (η p 2 = .007). A observação das médias marginais estimadas indicou que os adolescentes provenientes de famílias com pais casados/união de facto revelam, ligeiramente, mais uso da disciplina indutiva por parte do pai (M = 1.88; DP = 1.46) do que os adolescentes provenientes de famílias com pais divorciados/separados (M = 1.51; DP = 1.55) (Tabela 2).
Análise diferencial da dependência da internet em função da configuração familiar
Recorreu-se a um teste-t para amostras independentes com o propósito de explorar as diferenças entre adolescentes provenientes de famílias com pais casados/união de facto e adolescentes com pais divorciados/separados relativamente à dependência da internet. Os resultados obtidos permitiram verificar que não existem diferenças, estatisticamente significativas, entre adolescentes provenientes de famílias com pais casados/união facto (M = 37.25; DP = 11.65) e adolescentes provenientes de famílias com pais divorciados/separados (M = 38.73; DP = 12.59) nos scores de dependência da internet [t(92.703) = -.95; p = .345 (2-tailed)], com IC 95% [-4.56, 1.61].
Associação entre dimensões disciplinares parentais e dependência da internet
Utilizou-se a correlação de Pearson para investigar a associação entre as dimensões disciplinares e a dependência da internet. As correlações encontradas são apresentadas na Tabela 3.
Verificaram-se associações, estatisticamente significativas, positivas médias entre a disciplina punitiva da mãe e a dependência da internet (r= .334; p < .01) e entre a disciplina punitiva do pai e a dependência da internet (r = .314; p < .01). Assim como, se verificaram associações, estatisticamente significativas, positivas baixas entre a disciplina indutiva da mãe e a dependência da internet (r = .177; p < .01), entre a disciplina indutiva do pai e a dependência da internet (r = .133; p < .01), entre o custo de resposta da mãe e a dependência da internet (r = .200; p < .01), e entre o custo de resposta do pai e a dependência da internet (r = .177; p < .01).
Para além disso, verificaram-se associações, estatisticamente significativas, positivas médias e elevadas entre as dimensões do DDI-C.
Análises preditivas: Efeito preditor das dimensões disciplinares parentais na dependência da internet
Procedeu-se a realização de uma regressão múltipla standard com o objetivo de explorar a capacidade preditiva das dimensões disciplinares parentais na dependência da internet.
O modelo final é significativo e explica uma pequena proporção (13%) da variabilidade da dependência da internet [F(6, 561) = 13.958; p = .000; R 2 = .130; R a 2 = .121]. Analisando o contributo de cada uma das variáveis independentes, de forma individual, identifica-se 3 variáveis como preditores (positivos), estatisticamente significativos, da dependência da internet, nomeadamente, a disciplina punitiva usada pela mãe (β = .244; p = .000), a disciplina punitiva usada pelo pai (β=.136; p=.040) e a disciplina indutiva usada pela mãe (β = .197; p = .038). A disciplina punitiva usada pela mãe foi a variável que apresentou a contribuição mais forte para a variabilidade da dependência da internet. Por outro lado, a disciplina indutiva usada pelo pai (β = -.167; p = .081), o custo de resposta usado pela mãe (β = -.090; p = .316) e o custo de resposta usado pelo pai (β = .062; p = .487), não apresentaram uma contribuição estatisticamente significativa (Tabela 4).
Discussão
O presente estudo teve como objetivo principal explorar de que forma as práticas disciplinares parentais se relacionam com/e predizem a dependência da internet, em adolescentes a frequentar o Ensino Secundário num distrito da região Norte de Portugal. De forma mais específica, pretendeu analisar a prevalência de dependência da internet na amostra, verificar as diferenças nas dimensões disciplinares parentais em função do sexo dos pais e da configuração familiar, assim como examinar as diferenças na dependência da internet em função da configuração familiar.
Na amostra em estudo, no que respeita à prevalência de dependência da internet, de acordo com os critérios mais recentes (Young, 2011), os resultados revelaram, apesar da ausência de utilizadores com dependência grave, uma taxa muito elevada de participantes pertencentes aos grupos de utilizadores com dependência leve e moderada (73.1%; n = 415). Os nossos resultados são semelhantes aos obtidos por Pontes et al. (2014b) realizado com adolescentes e jovens adultos portugueses (60%; n = 303), assim como por Ferreira, Relva e Fernandes (2018), realizado com uma amostra portuguesa com idades compreendidas entre os 18 e 35 anos (77.6%; n = 303), ambos utilizando o IAT. Por outro lado, outros estudos, realizados com adolescentes portugueses, também com recurso ao IAT, verificaram a prevalência de 13% (n = 17) (e.g., Pontes, Griffiths, & Patrão, 2014a), 2% (n = 14) (e.g., Ferreira et al., 2017), e 1.1% (n = 2) (e.g., Carochinho & Lopes, 2016) de utilizadores com dependência grave, assim como 16.5% (e.g., Martins et al., 2019) de utilizadores com dependência moderada a grave. Assim, a análise da prevalência de dependência da internet dos diferentes estudos, remetem para a necessidade de prestar mais atenção a problemática de dependência da internet entre os adolescentes portugueses. Pois, alguns adolescentes apresentam problemas com o uso da internet (Sampaio, 2018), podendo desenvolver dependência.
Relativamente às diferenças nas dimensões disciplinares parentais em função do sexo dos pais, os nossos resultados mostraram que as mães usam com mais frequência todas as dimensões disciplinares analisadas, comparativamente aos pais. Os resultados obtidos são consistentes com estudos anteriores (e.g., Calvete et al., 2010; Machado et al., 2007; Relva et al., 2019; Weber et al., 2004) que mostram que as mães continuam a ser o agente principal no uso de comportamentos disciplinares. Outros estudos realizados com estudantes universitários (e.g., Gámez-Guadix & Almendros, 2015; Gámez-Guadix et al., 2010) ou com crianças (e.g., Lansford et al., 2010) chegaram à mesma conclusão. Portanto, os nossos resultados sugerem que na amostra em estudo, continua a existir uma distribuição tradicional das práticas disciplinares parentais. Assim, é possível que a mãe passe mais tempo com os filhos, apresentando mais oportunidades de responder ao comportamento desadequado. Deste modo, apesar de serem assumidos novos paradigmas relativos à igualdade de papéis, continua a ser a mulher que apresenta a maior parte das funções relativas à organização interna da vida familiar (Dias, 2011). Por outro lado, diversas investigações contrariam os resultados obtidos (e.g., Carvalho et al., 2017; Fauchier & Straus, 2007; Phares et al., 2009), observando um envolvimento semelhante de ambos os pais no uso das práticas disciplinares. De notar que o estudo de Wagner et al. (2005), realizado com crianças, verificou a presença de dois grupos na sua amostra, nomeadamente, um grupo onde a mãe era a principal responsável pelas tarefas disciplinares, e outro grupo onde existia a divisão das tarefas por ambos os pais, referindo que as mudanças não estão a ocorrer com a mesma frequência em todas as famílias.
No que concerne às diferenças nas dimensões disciplinares parentais em função da configuração familiar, os resultados revelaram diferenças significativas apenas na disciplina indutiva usada pelo pai, sendo que os adolescentes provenientes de famílias com pais casados/união de facto apresentaram, ligeiramente, mais uso da disciplina indutiva pelo pai, do que os adolescentes provenientes de famílias com pais divorciados/separados. Regalado et al. (2004), num estudo realizado com crianças, verificaram que o estado civil dos pais não foi preditor das práticas disciplinares corretivas. Assim, a qualidade dos pais nas famílias divorciadas apresenta melhorias à medida que o estado emocional dos pais melhora, assim como à medida que os papéis e relacionamentos familiares se estabilizam, originando um novo equilíbrio familiar (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999). E, deste modo, o impacto do divórcio nas crianças e adolescentes parece ser mais intenso durante os dois primeiros anos após a separação e tende a diminuir com o tempo (Marques, 2015). Portanto, a qualidade das relações parece mais importante do que a configuração familiar (Rocha & Mota, 2015). No entanto, face ao divórcio, o pai pode apresentar maiores dificuldades na imposição de regras, devido ao curto período que passa com os filhos (Marques, 2015).
No presente estudo, não foram verificadas diferenças significativas entre os adolescentes provenientes de famílias com pais casados/união de facto e os adolescentes provenientes de famílias com pais divorciados/separados, relativamente à dependência da internet. Do mesmo modo, Ruschena et al. (2005), num estudo longitudinal, não verificaram diferenças entre o grupo de transição (composto por: morte dos pais; separação/divórcio dos pais; recasamento dos pais) e o grupo de famílias intactas quanto aos problemas de internalização, externalização e comportamento geral dos adolescentes. Para além disso, observaram que os adolescentes do estudo apresentaram um bom desenvolvimento ao longo do tempo e no final da adolescência. E, portanto, os autores referiram que os adolescentes de ambos os grupos parecem apresentar um funcionamento muito semelhante. Também outras investigações (e.g., Chi et al., 2020; Ferreira et al., 2017; Shek & Yu, 2016) não verificaram uma associação entre a configuração familiar e a dependência da internet. Assim como não verificaram uma influência da configuração familiar na dependência da internet (e.g., Yu & Shek, 2013). Tendo em conta os resultados obtidos no presente estudo, constata-se que o divórcio pode não ser, necessariamente, um acontecimento negativo (Leme et al., 2013). Portanto, apesar de correrem maior risco de desenvolver mais problemas, a maioria dos indivíduos acaba por apresentar um bom funcionamento (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999), sendo que os efeitos negativos podem ser neutralizados por fatores positivos (Papalia & Feldman, 2013), e parecem manifestar-se por um período de tempo limitado (Marques, 2015). Para além disso, o nível de desenvolvimento cognitivo dos adolescentes permite-lhes compreender o complexo conjunto de fatores envolvidos no divórcio dos pais e encontram com maior facilidade um sistema de suporte alternativo ao das figuras parentais, no grupo de pares (Marques, 2015). Por outro lado, alguns autores identificaram a configuração familiar como um preditor da dependência da internet (e.g., Shek & Yu, 2012; Wu et al., 2016). E, verificaram que a proporção de adolescentes com pais divorciados foi significativamente maior entre os adolescentes com dependência da internet (e.g., Tsitsika et al., 2011).
Relativamente à relação entre as práticas disciplinares parentais e a dependência da internet, os nossos resultados indicam associações positivas significativas entre todas as dimensões disciplinares parentais e a dependência da internet. Portanto, à medida que aumenta o uso de todas as práticas disciplinares analisadas, aumenta a probabilidade de os adolescentes desenvolverem dependência da internet. Os resultados são consistentes com algumas investigações nas quais foi verificado que os adolescentes que são alvo de maior punição por parte dos pais são mais vulneráveis ao desenvolvimento de dependência da internet (e.g., Zhang et al., 2019; Li et al., 2014). E, que observaram que as famílias com estilo autoritário e negligente, envolvidas em práticas punitivas, apresentavam maior probabilidade de promover o desenvolvimento de dependência da internet (e.g., Xiuqin et al., 2010).
Para além disso, no presente estudo, foram identificados 3 preditores positivos da dependência da internet, nomeadamente, a disciplina punitiva usada pela mãe, a disciplina punitiva usada pelo pai, e a disciplina indutiva usada pela mãe. A disciplina punitiva usada pela mãe foi a variável que apresentou a contribuição mais forte para a variabilidade da dependência da internet. Os nossos resultados são consistentes com o estudo de Wang e Qi (2017) que observou um efeito direto da disciplina punitiva na dependência da internet dos adolescentes.
Deste modo, tendo em conta os resultados obtidos, as práticas disciplinares dos pais podem levar ao desenvolvimento de dependência da internet por parte dos adolescentes. Portanto, a família apresenta um papel fundamental na promoção das condições para o desenvolvimento saudável (Rueda et al., 2017). Especificamente, a eficácia dos pais promove comportamentos parentais saudáveis, sendo que desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento (Kao & Caldwell, 2017). Assim, os filhos de pais que apresentam pouca eficácia parental podem encontrar-se em risco de consequências psicossociais adversas (Angley et al., 2015). Muitas vezes, a tecnologia funciona como um refúgio e estratégia para lidar com o sofrimento (Patrão, 2016). Portanto, a internet tem a capacidade de satisfazer uma diversidade de necessidades psicológicas que não podem ser satisfeitas na vida real (Wang et al., 2018), e pode funcionar como escape aos problemas (Kurniasanti et al., 2019). Segundo Floros e Siomos (2013), uma boa parentalidade pode aliviar a necessidade de procura de conforto através de comportamentos dependentes online.
Considerando, especificamente, a punição física, esta tem sido identificada como uma prática parental ligada a resultados indesejáveis (Grogan-Taylor et al., 2018), sendo que os nossos resultados corroboram esse facto. Portanto, o seu uso frequente é problemático, pois é considerada uma violação dos direitos humanos, assim como está associada ao desenvolvimento de problemas comportamentais, psicológicos e sociais (Lansford et al., 2014). O uso da punição física tende a diminuir à medida que as crianças crescem e a sua capacidade de raciocínio aumenta, sendo que os pais que continuam a usar essa técnica tendem a apresentar piores relacionamentos com os adolescentes, assim como pode levar ao desenvolvimento de problemas de comportamento (Papalia & Feldman, 2013). Assim, os adolescentes alvos de punição física podem apresentar resultados negativos (Lansford et al., 2010). Deste modo, os pais devem ter cuidado com punições severas, que podem deixar os adolescentes frustrados, procurando conforto na internet (Li et al., 2014).
No presente estudo, os resultados obtidos relativos à disciplina indutiva foram surpreendentes, sendo que a mesma apresentou uma relação com a dependência da internet, e para além disso, apresentou um efeito preditor quando usada pela mãe. No entanto, geralmente, as práticas indutivas são consideradas positivas. Assim, é possível que os resultados obtidos sejam devido às características da própria adolescência. A adolescência é considerada a fase do ciclo de vida mais crítica para o desenvolvimento, sendo que os adolescentes têm de lidar com inúmeras mudanças físicas, psicológicas e sociais, e para além disso, têm de enfrentar, todos os dias, incertezas, fragilidades e instabilidade (Pellerone et al., 2019). Logo, as mudanças normativas que ocorrem no desenvolvimento, durante a adolescência, muitas vezes afetam o sistema familiar (Steinberg & Silk, 2002). E, deste modo, a adolescência pode ser vivida como um período difícil tanto para os adolescentes, como para os seus pais (Papalia & Feldman, 2013). Os adolescentes podem ser afetados pela falta de compreensão das suas necessidades e falha na tentativa de ajuda para solucionar os seus problemas, e nestas situações, podem procurar ajuda e compreensão noutros sítios (Matejevic et al., 2014). Assim, as necessidades dos filhos na fase da adolescência podem aumentar a pressão sobre as competências parentais (Matejevic et al., 2014). Para além disso, as práticas disciplinares consideradas apropriadas e eficazes na infância, podem tornar-se inapropriadas para os adolescentes (Locke & Prinz, 2002). Por outro lado, os resultados obtidos podem dever-se a outras razões. Os adolescentes apresentam um critério claro sobre o que é bom ou mau para eles (Urra, 2016), sendo que a disciplina usada pelos pais provoca sempre uma reação (Weber et al., 2004). Assim, a disciplina que é percebida pelos adolescentes como não-normativa, isto é, inadequada, provavelmente será ineficaz na promoção do comportamento adequado, e pode levar ao desenvolvimento de comportamentos problemáticos (Gershoff et al., 2010). No entanto, também é possível que os resultados sejam devidos ao contexto e modo de implementação da disciplina. Pois, a eficácia de qualquer ação para corrigir o comportamento desadequado depende da forma como a disciplina é administrada, assim como do contexto em que ocorre, sendo que o mesmo comportamento disciplinar pode apresentar efeitos muito diferentes dependendo do contexto e modo de implementação (Straus & Fauchier, 2011).
Implicações práticas, limitações e propostas para estudos futuros
Os resultados obtidos através do presente estudo apresentam implicações importantes para a prevenção da dependência da internet entre os adolescentes, especificamente no contexto português. Para além disso, proporcionam um aumento do conhecimento sobre a relação entre as práticas disciplinares parentais e a dependência da internet. Tendo em contas os nossos resultados, consideramos essencial o desenvolvimento de ações e programas preventivos, implementados o mais precocemente possível, junto dos pais, que impliquem o ensino de práticas disciplinares mais eficazes e adequadas, sensibilizando para o abandono de práticas negativas, como a disciplina punitiva, que podem levar a consequências negativas, como o desenvolvimento de dependência da internet. Para além disso, estas intervenções devem consciencializar para um maior envolvimento, por parte do pai, na disciplina dos filhos. Também pode ser benéfico o desenvolvimento de ações informativas e de sensibilização com a população em geral, e sobretudo, com os adolescentes, pais e professores, em contexto comunitário ou escolar, como forma de promover o uso saudável da internet, mas também como forma de sensibilizar para a problemática. Deste modo, a prevenção da dependência da internet exige esforços por parte de diversos contextos, como família, escola e outras instituições sociais (Shek et al., 2019).
Apesar dos pontos fortes, o presente estudo também apresenta limitações que podem servir como indicações e sugestões para estudos futuros. Primeiramente, o instrumento usado para avaliar a dependência da internet apresenta pontos de corte especulativos, sendo que ainda não foram realizados estudos empíricos ou clínicos que comprovem os mesmos (Pontes et al., 2014b). Outra limitação do presente estudo diz respeito à impossibilidade de generalização dos resultados, devido ao uso de uma amostra não-representativa da população portuguesa, recolhida apenas num distrito da região Norte de Portugal. Para além disso, foi considerada apenas a perceção dos adolescentes, recorrendo a questionários de autorrelato para a recolha de dados. Por fim, o facto de existir pouca investigação que relacione as práticas disciplinares parentais e a dependência da internet pode ser visto como uma limitação, podendo levar a um empobrecimento na explicação e discussão dos resultados, mas por outro lado, pode apresentar-se como um atributo, na medida em que lhe proporciona um caráter autêntico.
Assim, estudos futuros podem usar uma amostra mais representativa e abrangente, incluindo um maior número de participantes, provenientes de diferentes regiões de Portugal, assim como incluir outras faixas etárias como crianças, mas também a perceção dos pais, de forma a adquirir uma compreensão mais rica, abrangente e completa dos resultados. Também poderá ser interessante considerar a cultura e a sua influência nas variáveis em estudo, assim como examinar o contexto e modo de implementação da disciplina, e não apenas o tipo de prática disciplinar.