O aumento da prevalência de obesidade no contexto mundial é considerado um grave problema de saúde no século XXI, a ser percebido como prioridade pela saúde pública, dadas as suas consequências que podem se perpetuar ao longo da vida, convertendo-se em doenças crônicas. Nesse sentido, frente à concepção de obesidade como o excesso de gordura corporal, em quantidade que produza prejuízos à saúde, cumpre apontar a complexidade de aspectos envolvidos em seu desencadeamento, tais como, nutricionais, psicológicos, fisiológicos, relacionais, ambientais, étnicos, sociais e culturais, tanto na formulação das políticas públicas, como na busca de soluções (Coradini et. al., 2017; Poulain, 2013; WHO, 2016).
Dentre os tratamentos oferecidos para a obesidade, considerados “tradicionais”, a cirurgia bariátrica (CB) tem demonstrado bons resultados para pacientes que apresentam quadro considerado grave (Mauro et al., 2019). Múltiplas técnicas cirúrgicas são oferecidas, dentre elas o sleeve gástrico e a bypass gástrico, também denominada Derivação gástrica em Y de Roux ou cirurgia de Fobi-Capella. Esta última é considerada “padrão ouro” das técnicas cirúrgicas, tendo como objetivo reduzir o tamanho o estômago e a absorção das calorias e nutrientes, sendo uma técnica mista. A escolha do procedimento a ser adotado pela equipe de cirurgia bariátrica é individualizado, considerando as especificidades clínicas de cada caso, com vistas a minimizar as possibilidades de intercorrências e complicações pós-operatórias (Lager et al., 2017).
No que diz respeito ao que é considerado sucesso cirúrgico para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), a obesidade é considerada controlada nos casos em que ocorre perda do peso total maior que 20% seis meses após o procedimento cirúrgico. Nos casos de retorno do peso perdido ou reaparecimento das comorbidades associadas, adota-se a terminologia recidiva da obesidade (Berti et al., 2015). Ainda que o referido termo seja adotado pela SBCBM, no presente estudo, “reganho de peso” também será utilizado como sinônimo de recidiva da obesidade, tendo em vista sua presença nos estudos da área.
As repercussões na vida da pessoa operada envolvem desde dificuldades para adotar uma nova rotina de hábitos alimentares, problemas de ordem psicológica e psiquiátrica (Sarwer, 2019; Theodoro, 2015), até estressores interpessoais que produzem possíveis alterações na dinâmica da rede social dos/as pacientes. Frente a isso, diante do emagrecimento do/a paciente operado/a, a família passa por um processo de reorganização, que envolve tanto hábitos alimentares e revisão dos estilos de vida, como cuidados com a pessoa operada e nem sempre existem recursos de enfrentamento para vivenciar tais situações (Benedetti & Theodoro, 2015).
Além da família, paciente bariátricos pós-cirúrgicos buscam ou recebem ajuda de outras pessoas da sua rede social significativa. Em termos conceituais, redes sociais significativas, conforme Sluzki (2003), são aquelas pessoas consideradas importantes, diferenciadas das demais e que contribuem para o próprio reconhecimento do indivíduo e sua auto imagem. Fazem parte das redes sociais significativa a família, os amigos, pessoas da comunidade, relações de trabalho e de estudo.
As características estruturais, como também as funções dos vínculos estabelecidos entre os membros das redes sociais significativas, possibilitam a análise da qualidade das relações e da dinâmica implicada nas redes (Ocampo Moré & Crepaldi, 2012). Quanto à estrutura da rede, esta é configurada pelo/a: tamanho refere ao número de pessoas que compõe a rede (uma rede pequena é constituída por até sete pessoas, redes médias de oito a 12 pessoas e redes grandes se constituem de 13 pessoas ou mais); densidade é a conexão entre os membros que independem do informante; composição remete à distribuição dos membros nos diferentes contextos de relações; dispersão é a distância geográfica entre as pessoas; e homogeneidade ou heterogeneidade sociocultural que compreende idade, sexo, cultura e nível socioeconômico. De acordo com Sluzki (2003) a rede social significativa pode exercer diferentes funções, tais como: companhia social que consiste em estar junto compartilhando atividades; apoio emocional, a qual contempla interações que envolvem empatia, compreensão, incentivo e afeto; guia cognitivo e de conselhos em que se considera o compartilhar informações e esclarecimentos com a função de modelo; regulação social relaciona-se com a reafirmação de responsabilidades e de papéis; ajuda material e de serviços caracterizada pelo auxílio por meio do conhecimento de especialistas; e, acesso a novos contatos que se refere à abertura para novas redes (Sluzki, 2003).
No âmbito da obesidade, destaca-se o expressivo estudo de Christakis e Fowler (2007) em que foram analisados 12.067 casos de 1971 a 2003 e constatado que o risco da pessoa de ganhar peso aumenta três vezes se alguém conectado a ela ganha peso, ou seja, vínculos próximos parecem exercer influência no comportamento alimentar das pessoas. Nesse entendimento, Sousa e Cerqueira-Santos (2011), ao enfocarem o período pós-operatório da CB, pontuam que o papel da rede exerce influência significativa na aquisição de comportamentos, como beber e comer compulsivos, por exemplo.
No contexto da CB, a importância do feedback positivo no pós-operatório, recebido dos membros da rede social significativa, bem como a cooperação e a parceria para mudar hábitos alimentares, fortalecem o processo de adesão ao tratamento e facilitam a reinvenção de novas formas de enfrentamento pelo e pela paciente bariátrica (Bylund et al., 2013; Lecaros-Bravo et al., 2015; Ogle et al., 2016). Especificamente sobre o papel dos e das parceiras afetivas, Bruze et al. (2018) no estudo com 1.958 pacientes operados/as, sugerem que a perda de peso induzida pelo procedimento exerce influência nas relações interpessoais, tais como o aumento da incidência de ruptura nos relacionamentos afetivos. A ajuda dos cônjuges como principais intervenientes no processo da CB de seus e suas parceiras, como também a inconsistência do apoio ofertado a eles/elas, influenciam nos resultados do tratamento bariátrico (Benson-Davies et. al., 2013; Moore & Cooper, 2016).
Sobre o contexto do tratamento bariátrico, Ogle et al. (2016) ressaltam a importância do suporte oferecido pela equipe de saúde, em casos de pacientes com falta de vínculos emocionais próximos. Compreende-se por suporte social a oferta de serviços de prevenção e promoção de saúde realizados pelas instituições e/ou organizações formais (Ornelas, 2008), sendo consideradas significativas por desempenharem funções de proteção e apoio para o gerenciamento do estresse e aumento do bem-estar (Campos, 2005). Em revisão sistemática e metanálise de estudos que investigaram o efeito de intervenções psicoterapêuticas e grupos de apoio para perda de peso após a CB, Beck, Johannsen e Støving (2012) concluíram que pacientes submetidos/as às intervenções grupais em combinação com a cirurgia, experimentaram melhores resultados quanto à perda de peso, se comparados com pacientes operados que não realizaram. Tal resultado foi confirmado por Peacock e Zizzi, (2012), Kinzl (2010) e Wulkan e Walsh (2014) ao constatarem que pacientes que recebem intervenção psicológica após a CB, tiveram maior perda de peso se comparados aos e às que não receberam.
A utilização das redes digitais, compostas de integrantes que compartilham conteúdos e interesses em comum por meio de sites de redes sociais digitais, é referenciada como recurso para pacientes buscarem informações, conselhos, orientação e/ou apoio social entre pares (Das & Faxvaag, 2014). Koball et al. (2017) referem os grupos de suporte online como estratégias para a obtenção de apoio, por viabilizarem trocas ao longo de todo o processo de tratamento. Por outro lado, ressaltam as implicações da busca de informações no referido meio, diante do risco da veiculação de distorções não apoiadas no conhecimento científico.
O estudo de revisão de Scherer et al. (2019), sobre redes sociais significativas e sua relação com reganho de peso após cirurgia bariátrica, evidenciou dois aspectos: 1) a escassa produção científica sobre a temática das redes e 2) a abordagem de um modo geral sem apresentar peculiaridades e/ou singularidades das funções das redes envolvidas. Diante do exposto e das lacunas na produção científica que aborde em profundidade a participação das redes sociais significativas após a realização da cirurgia bariátrica, caracterizar as funções das redes sociais significativas de pacientes que vivenciaram a recidiva da obesidade, após realização da cirurgia bariátrica.
A relevância da presente pesquisa se assenta na possibilidade de oferecer subsídios e responder as lacunas na produção científica quanto ao aprofundamento das funções desempenhadas pelos membros das redes de pacientes bariátricos/as com foco na vivência do fenômeno da recidiva da obesidade no contexto do pós-operatório. Estima-se que este estudo promova visibilidade sobre a trama de relações interpessoais da paciente bariátrica que vivenciou o processo de recidiva da obesidade e suas possíveis consequências. Além disso, que possibilite subsídios tanto para estratégias de intervenção psicológica e multiprofissional, na perspectiva da postura de uma clínica ampliada em saúde, quanto para políticas públicas de prevenção e tratamento da obesidade como doença crônica.
Método
Participantes
Este foi um estudo qualitativo do qual participaram 12 pacientes que realizaram cirurgia bariátrica no Serviço de Assistência de Alta Complexidade ao Indivíduo com Obesidade, de uma instituição hospitalar pública federal, localizada na Região do Sul do Brasil. Os critérios de inclusão para este estudo foram: a) estar em acompanhamento pós-operatório no serviço de cirurgia bariátrica da instituição hospitalar campo da pesquisa; b) ter idade entre 18 e 65 anos; c) ter realizado a cirurgia bariátrica no mínimo há dois anos; d) ter alcançado perda de peso considerada satisfatória após a realização do procedimento cirúrgico (perda total maior que 20% em 6 meses após a cirurgia); e) ter vivenciado ou estar vivenciando a recidiva da obesidade (reganho de 20% ou mais do menor peso obtido após a CB); e, f) ter realizado apenas um procedimento cirúrgico bariátrico.
Integraram esta pesquisa 12 mulheres, com idades de 30 a 65 anos, escolaridade do ensino fundamental incompleto ao nível de pós-graduação nível lato sensu e renda familiar de até quatro salários mínimos. Quanto ao estado civil: cinco eram casadas, quatro estavam em união estável, uma era divorciada e duas solteiras. A média de tempo de realização da CB realizada pelas participantes foi de 5,3 anos. O método cirúrgico ao qual 11 entrevistadas foram submetidas foi o bypass gástrico e uma foi submetida ao sleeve gástrico, que consiste em uma técnica restritiva em que ocorre a retirada de maior parte do estômago por meio de grampeamento (Lager et al., 2017).
A pesquisa atendeu a Resolução 466/2012/CNS/MS do Conselho Nacional de Saúde, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos por meio do parecer consubstanciado no1.957.982. Para preservar o sigilo e anonimato, as participantes foram identificadas pela letra “P”, seguido do número relativo à ordem da entrevista, idade, estado civil e tempo de cirurgia bariátrica (Exemplo: P1, 34 anos, casada, 6 anos de CB).
Técnica de coleta de dados
Para a coleta dos dados do presente estudo foram utilizados a entrevista semiestruturada e o Mapa de Redes. A entrevista foi constituída por perguntas abertas, sustentadas no objetivo do estudo e nos seguintes itens norteadores: a) dados sociodemográficos; b) CB realizada; c) pessoas que auxiliaram no processo da recidiva após a CB. A entrevista semiestruturada subsidiou a construção do Mapa de Redes (Sluzki, 2003), conforme proposto por Ocampo Moré e Crepaldi (2012). O Mapa de Redes consiste em um instrumento que visa à identificação do grau de intimidade e compromisso relacional entre a pessoa e os membros de sua rede social significativa, circunscrito a um dado momento de sua vida (Sluzki, 2003). Apresenta três círculos concêntricos e se divide em quatro quadrantes, conforme observado na Figura 1. O círculo interno representa as relações íntimas e/ou cotidianas, o círculo intermediário se refere às relações sociais com grau menor de intimidade, com contato pessoal/social e o círculo externo representa as relações de vínculos menos significativos ou ocasionais, com “conhecidos”. Os quatro quadrantes do círculo referem-se a família, amigos, comunidade (incluindo vizinhos, pessoas da crença religiosa, serviços de saúde e assistenciais) e relações de trabalho/estudo.
Procedimento
O acesso às participantes que constituíram o corpus de análise foi efetivado pelas seguintes estratégias: duas participantes selecionadas por meio do grupo mensal pós-operatório conduzido pela equipe de Psicologia da instituição hospitalar campo do estudo (contatadas via telefone e posteriormente entrevistadas no hospital, em sala apropriada que se destina às consultas ambulatoriais, com privacidade e livre de ruídos); quatro pacientes elegíveis pela indicação direta das psicólogas do hospital (entrevistadas no espaço supramencionado dentro do hospital); e, sete pacientes por intermédio de pesquisa no sistema institucional de prontuários da instituição hospitalar (dos 108 prontuários triados, 15 foram selecionados, tendo sido possível realizar contato telefônico com 10 pacientes para efetivar o convite. Destas (pacientes selecionadas por meio dos prontuários), cinco foram entrevistadas no hospital conforme descrição do local já apresentada e duas em suas residências, em decorrência da dificuldade de deslocamento.
Após a entrevista, no mesmo encontro com cada uma das participantes, ocorreu a construção do Mapa de Redes Individual. A consigna para a construção do Mapa de Redes foi: “Ao pensar no pós-operatório da cirurgia bariátrica, quem foram as pessoas consideradas importantes para enfrentar os desafios, tal como o reganho do peso, e como ajudaram-lhe?” Nesse sentido, almejava-se identificar as pessoas consideradas significativas para as participantes e de que forma estas auxiliaram, por meio das funções desempenhadas, no enfrentamento das mudanças e das possíveis dificuldades vividas no período pós-operatório, no que se refere à recidiva da obesidade, considerando as funções propostas pelo Mapa de Rede (Sluzki, 2003). Todas as entrevistas junto à construção dos Mapas de Redes das participantes, foram gravadas, transcritas e posteriormente analisadas. Todas as informações contidas nos Mapas de Redes individuais foram compiladas em um único Mapa, denominado Mapa de Redes Geral, conforme Figura 2.
Análise dos dados
Os dados foram organizados e analisados com base na Teoria Fundamentada nos Dados (“Grounded Theory”) proposta por Strauss e Corbin (2008). O processo de análise ocorreu por meio de três etapas de codificação: Codificação aberta, em que ocorreram sucessivas leituras, estruturação do material coletado e nomeação de códigos. Codificação axial, com a construção das categorias e subcategorias associadas entre si, e Codificação seletiva, em que foi realizada a integração das categorias formuladas e assim a construção de significados mais amplos, em que os temas importantes se tornaram referências.
Cada uma das etapas foi retroalimentada pela outra e para auxiliar na sistematização dos dados, foi utilizado o software Atlas-ti 7.5.7. As categorias que emergiram do processo de análise, foram nomeadas de acordo com os quadrantes do Mapa de Redes (Ocampo Moré & Crepaldi, 2012): a) Rede da Família; b) Rede das Amizades; c) Rede da Comunidade; d) Rede do Trabalho.
Resultados e discussão
Com o intuito de melhor contextualizar os resultados sobre as funções das redes sociais significativas das participantes, optou-se por assinalar suas características estruturais. Assim, a Figura 2 se reporta ao Mapa de Redes Geral das participantes do estudo em que a letra “P” se refere à “pessoa, membro ou integrante” e a letra “G” a “grupo”, representativo da equipe de saúde, ligado ao contexto do tratamento, religião ou vizinhos/as, colocados em cores diferentes para melhor identificar cada participante.
Em referência ao tamanho da Rede, seis participantes mencionaram redes pequenas (compostas por uma a sete pessoas), cinco mencionaram redes consideradas médias (de oito a 11 pessoas) e apenas uma participante (P1) referiu sua rede com 13 pessoas, considerada uma rede grande. Quanto à composição, os resultados revelaram predomínio de pessoas da rede familiar, seguidas pela rede de amizades, da comunidade e do trabalho. Isto resultou no total de 88 membros e 12 grupos, sendo estes últimos: o grupo de apoio psicológico no pós-operatório, seis grupos de profissionais de saúde, três grupos ligados à religião, um grupo de vizinhos/as e um grupo da rede digital.
No que se refere ao grau de compromisso relacional, o maior número de pessoas (51 pessoas e nove grupos) localizou-se no círculo de maior intimidade (Ver Figura 2). Dentre estes, predominaram integrantes da rede de família, seguidos por pessoas da rede da comunidade - a qual abarca profissionais de saúde e pessoas do contexto do tratamento (outros/as pacientes que realizaram a CB na instituição hospitalar campo do estudo).
O conhecimento dos tipos de função proposto por Sluzki (2003), exercidos pelos/as integrantes das redes sociais significativas das participantes, é relevante por possibilitar a identificação da forma de ajuda que pode ser oferecida nas situações de crise, tal como a recidiva da obesidade após o procedimento cirúrgico. Assim, identificou-se, ao todo, 112 funções relacionadas aos 88 membros e aos 12 grupos que constituem as redes das participantes. Além disso, com relação à multidimensionalidade destas redes, 12 pessoas e dois grupos desempenharam mais de uma função, o que demonstra pouca versatilidade destes vínculos para apoiar as participantes da pesquisa.
Os resultados destacaram o predomínio da função de apoio emocional, atribuída a 24 membros das redes das participantes (19 pessoas e cinco grupos); A função de ajuda material e de serviços foi desempenhada por nove membros das redes (oito pessoas e um grupo); A função de companhia social foi atribuída a nove pessoas das redes; e, as demais funções de guia cognitivo e de conselhos, regulação social e acesso a novos contatos foram realizadas pelo total de 13 membros e um grupo das redes das participantes do estudo. A seguir, serão analisadas as funções exercidas pelos/as integrantes das redes das participantes frente à recidiva da obesidade, vivenciada ao longo do período pós-operatório, de acordo com os quadrantes que integram o Mapa de Redes, proposto por Sluzki (2003).
Rede da família
O quadrante da rede da família (Figura 2) obteve o maior número de membros, uma vez que do total de 88 integrantes das redes das participantes, 45 deles referiam-se a pessoas do contexto familiar. Tal resultado apontou para a proximidade destes vínculos e para o possível grau de compromisso existente nestas relações. Quanto às funções, as que mais se ressaltaram neste contexto foram as de apoio emocional, companhia social, regulação social e guia cognitivo e de conselhos.
O parceiro afetivo/cônjuge figurou como principal protagonista do apoio emocional para enfrentar o pós-operatório, por meio de conversa, disponibilidade, atenção, ajuda nas tarefas diárias, incentivo à adesão ao tratamento e também com demonstração de compreensão diante do momento vivenciado pelo casal com o processo de mudança em curso, que envolve múltiplos fatores. Nessa direção, Ogle et. al. (2016) referem à importância de um “apoiador principal” para a/o paciente bariátrico/a enfrentar as mudanças impostas pelo tratamento.
Como contraponto, a ambivalência do apoio por parte do parceiro/cônjuge também foi evidenciada nos resultados pela falta de elogio quanto ao emagrecimento da parceira e pelo boicote ao tratamento com propostas de consumir alimentos, tais como doces, refrigerantes e fast-foods, além do não incentivo à prática de atividade física. Nesse entendimento, a sabotagem na família foi apontada por Benson-Davies et. al. (2013), tanto com relação às escolhas e hábitos alimentares durante as refeições, quanto à presença de “pistas não-apoiantes”, tal como, ignorar o emagrecimento da pessoa operada. Já para Sluzki (2003), o clima de empatia e o baixo nível de ambivalência caracterizam as relações familiares e de maior intimidade, o que não foi constatado nesta pesquisa nos casos em que o parceiro “boicotava” o tratamento da participante.
As mães e os pais das participantes foram mencionados com a função de apoio emocional, por meio do oferecimento de segurança, acolhimento, atenção, disponibilidade e disposição para ajudar em caso de necessidade. Já os irmãos ofereceram ajuda com demonstrações de preocupação, cumplicidade e incentivo para o enfrentamento das dificuldades vivenciadas após a cirurgia, apesar de não terem compreendido suas escolhas pelo procedimento cirúrgico, conforme destacaram P6 e P8. Nesse sentido, o fato de familiares não terem apoiado a escolha pela CB, não produziu incapacidade de oferecer apoio no pós-operatório, confirmando os achados de Benedetti e Theodoro (2015), ao considerarem que o apoio incondicional pode mascarar expectativas sobre a CB e indicar incapacidade de oferecer auxílio ao ente operado.
O apoio emocional dos filhos e neto (P3) se caracterizou pelo significado atribuído pela participante como parceria, proximidade, incentivo, elogios e compreensão sobre o reganho do peso após a CB: “mãe tu tá bem assim. Está ótimo para tua idade” (P3, 65 anos, divorciada, 8 anos de CB). Tal resultado está em consonância com Ogle et. al. (2016) sobre a importância dos elogios, assim como do incentivo por parte membros da família, que têm funções significativas para promover confiança e autoestima que funcionam como facilitadoras da adesão ao tratamento.
A função de companhia social também foi exercida pelos parceiros/cônjuges de cinco participantes, representada principalmente pelo auxílio nos cuidados com recomendações médicas e nutricionais (durante a hospitalização para a realização da cirurgia e no período pós-operatório imediato) e pela companhia no comparecimento às consultas ambulatoriais pós-operatórias. Já P11 confirma o que Benson-Davies et al. (2013) referem sobre a diminuição do apoio quando o peso corporal dos/as parceiros/as operados/as estabiliza (ou aumenta) gradualmente. No caso desta participante, há menção à falta de companheirismo, sobretudo por parte do cônjuge (e de outros membros de sua rede familiar), após o período inicial do tratamento pós-cirúrgico vinculando-a ao início do processo de reganhar peso.
Pais e irmãos também aparecem como exercendo função de companhia social para o enfrentamento das diferentes fases do tratamento. É relevante mencionar que no caso de P1, a mãe foi referenciada como companhia, no entanto, a possível responsabilidade assumida pela entrevistada por ela (sua mãe) e a dificuldade em solicitar-lhe auxílio para lidar com o tratamento e compartilhar o sofrimento decorrente deste, represente fator de risco para a recidiva da obesidade. Na mesma direção, P7 demonstrou atribuir a si mesma a função de cuidadora ao longo da vida e o sofrimento decorrente que culminou na falta de autocuidado.
A função de companhia social atribuída à mãe por P1 e aos pais por P7, relacionou-se ao estarem juntas/os, o que Sluzki (2003) refere como “interatores frequentes”. Nessa perspectiva, intimidade não necessariamente representa “ressonância emocional” (Sluzki, 2003), embora estas participantes colocaram as mães em seus Mapas de Redes, no círculo das relações de intimidade.
Quanto aos filhos, foram mencionados no estudo como companhia nas atividades da vida diária, tal como ir ao supermercado. Para P10, a nora exerceu ajuda significativa, aderindo aos novos hábitos alimentares em parceria com a entrevistada. Nessa compreensão, além de compartilhar parte da rotina cotidiana, ambas passaram a apresentar interesses em comum, ampliando a função de companhia social (Sluzki, 2003), o que coaduna com o estudo de Lecaros-Bravo et al (2015) sobre a mudança de hábitos de membros da família junto ao paciente operado. Também com Bylund et al. (2013), no que se refere às novas formas de interação na família e cooperação mútua frente às imposições do tratamento.
A função de guia cognitivo e de conselhos foi exercida também pela rede da família na figura dos/as filhos/as exclusivamente no caso de P3, caracterizando-se como orientação para realização de tarefas cotidianas. Diante disso, apoiaram a mãe indiretamente para lidar com os desafios do tratamento.
Quanto à regulação social, esta foi exercida fundamentalmente pelo parceiro/cônjuge, mãe, filhos e nora. É possível observar ao menos duas perspectivas ligadas a esta função no estudo ao analisar a rede familiar. Uma delas se refere ao desconforto ocasionado nas participantes pelo feedback advindo de familiares com relação ao reganho de peso. Este resultado somado às narrativas, possibilitou identificar a dimensão do sofrimento provocado pela recidiva da obesidade, tal como exemplifica o relato a seguir: Como você tá gorda, vai voltar de novo para aquele peso que você tinha? Nossa o que aconteceu que você engordou tanto? Eu me sinto muito triste. (P12, 39 anos, em união estável, 3 anos de CB). Ao analisar esta narrativa, observa-se a permanência do olhar crítico e estigmatizante das pessoas de sua rede para a obesidade, que após o procedimento bariátrico com o reganho de peso, se intensifica. Este resultado corresponde ao que Poulain (2013) considera sobre o sofrimento da pessoa com obesidade, que vive interações sociais que a desvalorizam e a culpabilizam, fazendo com que internalize e aceite placidamente tal desvalorização. Nesse sentido, a representação social da obesidade na sociedade contemporânea é reflexo de atributos morais do indivíduo, como se fosse inteiramente responsável por sua condição.
Quanto à outra perspectiva levantada nos resultados sobre a regulação social na rede da família (P5, P6 e P10), observa-se um aspecto positivo deste tipo de ajuda para o enfrentamento da recidiva da obesidade no estudo, no sentido de funcionar como uma espécie de continente para a pessoa operada, ajudando a nortear os hábitos e escolhas alimentares e, ainda que possa representar censura e controle por parte do/a integrante da rede, parece facilitar a auto percepção quanto à qualidade e quantidade da ingesta alimentar.
Nesta categoria da rede familiar, destacou-se a função de apoio emocional. As funções de companhia social e de guia cognitivo foram realizadas fundamentalmente pelos filhos. E a de regulação social também foi uma função desempenhada por esta rede, apesar da ambiguidade relatada.
Rede de Amizades
O quadrante da rede de amizades se apresentou com a maior concentração de integrantes (Figura 2) no círculo intermediário do Mapa de Redes, representativo dos contatos sociais com menor grau de intimidade, se comparado ao círculo interno. Os vínculos de amizade referenciados pelas participantes demonstraram grau de compromisso significativo para com elas, desempenhando as funções de companhia social, apoio emocional, regulação social, guia cognitivo e de conselhos e ajuda material.
Sobre a função de companhia social, esta se caracterizou principalmente pela parceria para adesão às necessárias mudanças de hábitos pós CB, como por exemplo, fazer caminhadas, realizar refeições conjuntamente e aderir ao tratamento. Tal resultado vai ao encontro do estudo de Lecaros-Bravo et. al. (2015) sobre a mudança de hábitos em parceria ao paciente operado podendo se considerar os mesmos benefícios quanto às características protetivas para a recidiva da obesidade no contexto das amizades.
O apoio emocional se configurou como conversar, trocar confidências, preocupar-se, confortar e ajudar a amiga operada em momentos difíceis, bem como apoiar-se mutuamente. Nessa direção, os resultados evidenciaram que amizades iniciadas no contexto do tratamento pré-operatório, ainda que não se mantenham com a mesma vinculação com passar do tempo, parecem ajudar a lidar com os desafios diante da alimentação.
É relevante mencionar o apoio recebido por P1 de sua amiga, preenchendo a demanda de troca e ressonância afetiva (Sluzki, 2003): tenho a Ju [nome fictício] que é como se fosse minha mãe, conto mais coisa para ela do que para minha própria mãe... eu ajudo muito ela e ela me ajuda muito... a gente conversa (P1, 34 anos, casada, 6 anos de CB). Diante de sua fala, observou-se um sistema simétrico, caracterizado pela reciprocidade e pela troca de funções desempenhadas entre elas (Sluzki, 2003).
Sobre a Rede de Amizades, cabe mencionar sobre a coexistência de duas ideias distintas que interagem na perspectiva das entrevistadas, pois ao mesmo tempo em que ressaltam a importância da função de apoio emocional que amigas/os exercem, de alguma forma minimizaram a necessidade de amizades no contexto atual de vida. No que diz respeito à P12, por exemplo, diante da mudança geográfica do estado em que nasceu para sua moradia atual, ocorreu a ruptura com sua antiga rede social (que mantém algum contato por redes digitais, embora afirme não ser mais “a mesma coisa”) e, a partir de seu Mapa de Redes, junto aos resultados da entrevista, identificou-se que possivelmente não tenha ocorrido a substituição, mesmo que em parte, dos vínculos e das funções existentes. Assim sendo, presume-se que o processo de ressocialização no local em que atualmente reside tenha/tem sido longo e quiçá dificultoso no sentido da reconstituição de novos vínculos que preencham funções essenciais para a participante (Sluzki, 2003), e que poderiam auxiliá-la no processo pós-operatório e nos desafios impostos por este, tal como a recidiva da obesidade.
Outra questão se refere à sabotagem protagonizada por amigos/as com relação às escolhas alimentares em situações sociais, como a oferta e o apelo por alimentos considerados indevidos para o tratamento, confirmando o estudo de Benson-Davies, Davies e Kattelmann (2013) ao demonstrarem a diminuição do apoio de amigos/as ao longo do tempo após a CB. Os achados dos estudos de Christakis e Fowler (2007) e Sousa e Cerqueira-Santos (2011), também coadunam com tal resultado.
Destaca-se que a rede de amizades apresentada pelas participantes é constituída por menor número de integrantes quando comparada com a rede da família, o que, segundo Sluzki (2003) pode acarretar pouca efetividade ou sobrecarga para aqueles que estão mais próximos. A centralização sua vida no cônjuge após o casamento, afastando-se das amizades. Além disso, as características subjetivas de P3 que refere a si mesma como “tímida” e de P8 como “meio fóbica”, podem retroalimentar a inexistência da rede de amigos/as identificada em seus Mapas de Redes, conduzindo à reflexão sobre a presença de ansiedade social em pessoas com obesidade, em concordância com a pesquisa de Mather e cols. (2009) realizada com 36.984 sujeitos com idades de 15 ou mais, em que foi constatada a associação positiva entre obesidade e fobia social, dentre outros transtornos de ansiedade ao longo da vida.
A função de guia cognitivo e de conselhos foi caracterizada fundamentalmente com foco no processo de recidiva da obesidade, uma vez que amigos/as orientaram as participantes para a busca de estratégias de enfrentamento diante deste desafio, tais como procurar descobrir o porquê da recidiva da obesidade e de orientar para a procura de ajuda profissional. Com relação ao aconselhamento para a busca de apoio psicológico, Ocampo Moré et. al. (2019) ressaltam a relevância em tratar questões específicas de saúde mental, que se não cuidadas no curso do pós-operatório, podem constituir em fator de risco para baixa adesão ao tratamento e, assim, possível recidiva da obesidade.
A função de regulação social no contexto das amizades foi apontada por P9. Esta participante era responsável pelo cuidado integral de sua mãe idosa, bem como de seu cônjuge que trata uma doença crônica. Tais cuidados a deixavam em estado de exaustão e dificultavam seu autocuidado. Com isso, a regulação social efetuada por uma amiga de longa data mesmo que distante fisicamente, a auxiliava na tomada de consciência sobre minimizar a sobrecarga assumida e o autocuidado: “você tem que cuidar de você, é tudo nas tuas costas... fica aí nem cuida de você, tá engordando aí e não sabe nem porque” (P9, 42 anos, em união estável, 3 anos de CB).
O exposto conduz à reflexão sobre o que Sluzki (2003) considera poder em nossa sociedade, que se atrela à potencialidade de acessar recursos e ser mais (pro)ativo do que reativo. Portanto, se observa no relato de P9 que o feedback recebido da amiga parece não produzir impacto potencial para gerar protagonismo e facilitar o processo de tornar-se agente de mudança (tomada de atitude), que o autor refere como “feedback de reautoria”, uma vez que a rede favorece a produção do significado de si mesmo/a como capacidade no lugar da falta de confiança, e da esperança no lugar da desesperança.
A ajuda material oferecida por amigos/as foi representada por recursos financeiros para auxiliar na adesão ao tratamento, viabilizando a locomoção das participantes que residem em outros municípios. Nesse sentido, nota-se a característica de heterogeneidade da rede no que se refere a aspectos culturais e socioeconômicos (Sluzki, 2003), como fator protetivo para o enfrentamento do tratamento. Diante dos resultados, destacou-se a função de companhia social apresentadas pela rede de amizades, que apesar de ser uma rede pouco numerosa mostrou-se potencialmente protetiva, no sentido da mudança de hábitos impostas pela cirurgia bariátrica.
Rede da Comunidade
Esta categoria refere-se ao quadrante da comunidade, que abarca as funções desempenhadas por pessoas do contexto religioso, vizinhos e da rede digital das participantes, bem como por profissionais de saúde e pessoas do contexto do tratamento. Os resultados (Figura 2) demonstraram a maior concentração de integrantes (9 pessoas e 8 grupos) no círculo de maior intimidade e compromisso relacional. As funções desempenhadas consistiram em apoio emocional, ajuda de serviços, guia cognitivo e de conselhos e acesso a novos contatos.
A função de apoio emocional foi exercida tanto por pessoas do contexto religioso, como também por vizinhas/os. Uma das participantes atribuiu importância ao acolhimento e cuidados ofertados pelos integrantes do centro espírita que frequentava. Já para as participantes P3 e P12, a prática religiosa não representou apoio vindo dos grupos de pessoas inseridas neste contexto e sim de suas crenças religiosas.
Sobre o apoio emocional recebido pelos vizinhos, este se mostrou por meio da atenção e elogios diante do emagrecimento após a CB e pela preocupação relacionada ao tratamento. Vale mencionar que as “vizinhas amigas”, as quais P6 se referiu, têm idade mais avançada, constatando-se a heterogeneidade demográfica, que no caso desta entrevistada é compreendida como fator de proteção (Sluzki, 2003) para o bom prognóstico do tratamento bariátrico.
A rede digital representou significativo meio de contato presente no cotidiano contemporâneo. Os resultados apontaram dois aspectos sobre esse contexto: 1) Os grupos digitais de apoio à CB abordados com entusiasmo pelo fato de facilitarem contatos com outras pessoas operadas para realizar trocas, retirar dúvidas sobre o pós-operatório, aprender estratégias para emagrecer, fazer amizades, como também “consultar” profissionais. 2) Suporte insatisfatório recebido dos profissionais vinculados aos grupos das redes digitais relacionados à CB, pelo fato de não estarem disponíveis quando necessário.
Tais resultados convergem com Das e Faxvaag (2014) e Koball et al. (2017), ao considerarem as redes digitais como recursos para obtenção de orientações e conselhos ao longo do tratamento e, também, como risco dada a possibilidade da obtenção de informações distorcidas e sem comprometimento com fundamentos científicos (Koball et al., 2017).
No que diz respeito ao suporte ofertado pelos/as profissionais de saúde, as participantes mencionaram funções para além da de ajuda material e serviços, ou seja, como sendo também de guia cognitivo e de conselhos e de apoio emocional. Inclusive, um contingente expressivo de integrantes inseridos no círculo de maior intimidade e compromisso relacional no quadrante da comunidade se refere a profissionais de saúde.
As funções de guia cognitivo e de conselhos e de apoio emocional ofertadas pela equipe de saúde do hospital foram caracterizadas como: orientação durante todas as fases do tratamento cirúrgico, acolhimento, atenção e cuidado às demandas individuais que incluem a recidiva da obesidade, assim como agendamentos das consultas, encaminhamentos para a rede de saúde quando necessário e efetividade nos procedimentos e condutas adotadas. Ogle et al. (2016) apontam a importância do suporte da equipe aos/às pacientes com restrição de vínculos emocionais próximos.
Posicionamentos diferentes no que diz respeito ao suporte recebido da instituição hospitalar também foram identificados nos resultados, tal como a quebra de expectativas quanto à agilidade nos agendamentos das consultas e procedimentos de encaminhamento entre as especialidades. Portanto, os resultados apontaram que nestas circunstâncias, o encontro de suporte ocorreu na atenção básica. Frente ao exposto, evidencia-se um contraponto entre as funções de suporte social desempenhadas pelos/as profissionais do hospital e as expectativas não atendidas na percepção das participantes.
O grupo de apoio psicológico oferecido pelo hospital exerceu as funções de apoio emocional, guia cognitivo e de conselhos e acesso a novos contatos, uma vez que auxiliou no enfrentamento das dificuldades vividas após a cirurgia, como também no contato com pessoas que passam por desafios semelhantes, possibilitando oferecer e receber apoio. Pertinente à intervenção grupal, Beck et al. (2012) evidenciam sua importância para a obtenção de melhores resultados do tratamento no que tange à perda de peso.
Nesta categoria o maior destaque foi para as funções de guia cognitivo e de conselhos e de apoio emocional, exercidas pelos profissionais de saúde, que representaram simultaneamente proteção e risco frente à recidiva da obesidade. Nesse sentido, foi demonstrada a centralização de atributos e funções em relação ao tratamento pelos profissionais do contexto hospitalar, dificultando a vinculação das participantes com outras redes de cuidado do contexto da saúde.
Rede do Trabalho
As relações estabelecidas no contexto do trabalho (Figura 2) revelaram a presença de pessoas inseridas nesse quadrante, mesmo que em menor quantidade (três no círculo de maior compromisso relacional e quatro no círculo intermediário das relações sociais), representaram apoio no período pós-operatório e exercendo as funções de apoio emocional, companhia social e regulação social. Diante de tal resultado, foi possível considerar a relevância das pessoas do contexto do trabalho para apoiar as pessoas que realizaram a CB. É relevante ressaltar que para além da quantidade, considera-se a qualidade dos vínculos afetivos estabelecidos entre as participantes e as pessoas das suas redes.
A função de apoio emocional foi atrelada às chefes como ajuda, incentivo e força para enfrentar o tratamento. Já para P1, além de apoio emocional, a colega da rede de trabalho exerceu a função de companhia social, que se caracterizou pelo vínculo estreito, diálogo e convívio diário.
A regulação social foi exercida pelos membros da rede do trabalho de P8, caracterizada na forma de comentários a respeito do peso da participante, com apontamentos sobre não haver necessidade de emagrecer mais, trazendo incômodo para a participante que passou a não mais responder sobre seu peso quando lhe questionavam: “perguntam o quanto eu emagreci ou deixei de emagrecer, se eu engordei ou não engordei...” (P8, 35 anos, união estável, 5 anos de CB). P8 afirma ainda que diante de sua característica mais introvertida, não concebe os/as colegas de trabalho como apoio e incentivo para enfrentar os percalços do tratamento, por não dar abertura para isso.
Tal resultado revelou que o olhar do outro, de controle a respeito da própria aparência, sobretudo quando há a vivência do reganho de peso, ativa crenças construídas ao longo da história de desenvolvimento da obesidade que provocam sofrimento. Além disso, diante da característica inerente à P8 (introversão), os comentários tecidos pelos/as colegas de trabalho possivelmente aumentaram a sensação de desconforto e influenciaram na manutenção dos cuidados com a própria saúde Sluzki (2003). Frente aos resultados, as funções de apoio emocional e companhia social exercidas pela rede de trabalho representaram proteção diante do tratamento e a de regulação social, constituiu-se em um fator de vulnerabilidade para recidiva da obesidade, uma vez que potencializou o sofrimento diante do reganho de peso.
Considerações finais
O presente estudo objetivou caracterizar as funções das redes sociais significativas de pacientes que vivenciaram a recidiva da obesidade, após realização da cirurgia bariátrica. No que concerne à estrutura das redes, o presente estudo revelou redes de tamanho pequeno, tornando-se necessário refletir sobre a possibilidade de um efeito interpessoal aversivo gerador de evitação e distanciamento das pessoas em função da condição de saúde de um indivíduo.
Perante os resultados, a rede da família desempenhou as funções de apoio emocional, companhia social, regulação social e guia cognitivo e de conselhos. Cabe salientar a preponderância quanto ao maior número de integrantes desta rede com relação às demais, o que não representa, necessariamente, maior importância para oferecer proteção à/ao paciente operada/o. É válido ressaltar a ambivalência do apoio do parceiro/cônjuge, representando figura principal de apoio por um lado e de sabotagem ao tratamento da parceira, por outro.
Aspecto também a ser destacado quanto à dinâmica das redes, foi o notável apoio exercido pelos profissionais de saúde com considerável grau de compromisso relacional para com as participantes, bem como pelas funções que desempenharam. As funções de apoio emocional e guia cognitivo e de conselhos foram caracterizados por atenção e diálogo, permeados pelo respeito e a confiança que as participantes demonstraram depositar na equipe da cirurgia bariátrica do hospital, constituindo-se pilares significativos para o enfrentamento dos percalços do tratamento, substituindo, eventualmente, a rede familiar.
Com relação às funções exercidas pelas redes, o apoio emocional foi a mais mencionada, caracterizada como tendo alguém que se preocupe, saber ouvir, conversar, compreender e não julgar e apresentou-se relacionado, principalmente, à rede familiar e da comunidade (profissionais de saúde, grupo de apoio psicológico pós-operatório do hospital e rede digital). Já a função de companhia social demonstrou sua importância pela necessidade de parceria que as participantes demonstraram para mudar os hábitos de vida, pois sentir-se só nesse processo desafiador e novo, aumenta consideravelmente a vulnerabilidade frente à recidiva, sobretudo no caso de uma rede social restrita. Nessa direção, a rede de amizades ocupou tal função, auxiliando no enfrentamento das mudanças impostas pela CB.
Elucidou-se as idiossincrasias inerentes a estes vínculos que podem representar potencialidades e proteção frente ao prognóstico do tratamento, bem como vulnerabilidades em relação à recidiva da obesidade após a cirurgia. Cumpre apontar a ausência de estudos que analisam as especificidades das funções das redes no contexto do processo bariátrico, uma vez que as referências utilizadas no presente estudo abordaram a temática de forma indireta. Dessa forma, a relevância desta investigação residiu em dar visibilidade de forma aprofundada às características das redes sociais significativas das participantes, em termos de funções desempenhadas. Conhecer as relações que circundam os/as pacientes bariátricos/as permite evidenciar recursos para enfrentar momentos desafiadores inerentes ao pós-operatório, tal como a recidiva da obesidade.
Assim, foram identificadas, concomitantemente, características ligadas às funções exercidas pelas redes sociais das participantes que representam proteção, facilitando a adesão ao tratamento e contribuindo para melhor prognóstico e, também, vulnerabilidade, aumentando o risco de desenvolvimento do processo de reganho de peso no pós-operatório. Diante disso, pela ótica da complexidade, a fragilidade propiciada por uma rede pequena ou restrita em interação com os demais fatores etiológicos da obesidade, potencializa o risco de recidiva pela pessoa operada. Nesse sentido, advoga-se pela inclusão nas políticas públicas de assistência de alta complexidade às pessoas com obesidade, do acolhimento dessas redes, por meio de programas de educação permanente para saúde na perspectiva da prevenção da obesidade enquanto doença crônica.
Tendo em vista que esta pesquisa foi realizada em uma instituição hospitalar do sistema público de saúde da região Sul do Brasil, novos estudos poderiam ser realizados nos contextos privado e suplementar de saúde, já que apresentam suas peculiaridades quanto ao processo de realização e acolhimento do tratamento bariátrico. Além disso, sugere-se realizar estudos em outras regiões do Brasil e outros países da América Latina, com vistas a conhecer outros estilos de vida e contextos socioculturais existentes.