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Educación

Print version ISSN 1019-9403

Educación vol.26 no.50 Lima Mar. 2017

http://dx.doi.org/http://doi.org/1018800/educacion.201701.003 

ARTÍCULOS

 

Paulo Freire e os movimentos sociais: ua análise da cojuntura brasileira

Paulo Freire and Social Movements: An Analysis of the Brazilian Scenario

Paulo Freire y los movimientos sociale: un análisis de la situación de Brasil

 

Joselaine Andréia de Godoy Stênico* , Marcela Soares Polato Paes**

Universidade Estadual Paulista «Júlio de Mesquita Filho» UNESP - Campus de Rio Claro/SP – Brasil

* Doutoranda e mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista «Júlio de Mesquita Filho» UNESP - Campus de Rio Claro/SP – Brasil. Graduou-se em Pedagogia pela UNESP (2011) e Tecnologia em Processamento de Dados pela Faculdade de Tecnologia de Americana (2005). Atualmente é chefe de Departamento de Apuração de Dados em uma Autarquia Pública e pertence à linha de pesquisa Educação: políticas, gestão e o sujeito contemporâneo. Contacto: josellaine@yahoo.com.br.
** Doutoranda e mestre em Educação e mestre em Educação pela UNESP Universidade Estadual Paulista «Júlio de Mesquita Filho» Campus de Rio Claro/SP - Brasil na linha de pesquisa: Educação: política gestão e o sujeito contemporâneo e especialista em Educação Infantil Centro Universitário UNINTER. Possui graduação em Pedagogia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista «Júlio de Mesquita Filho» e em Gestão Pública pelo Centro Universitário UNINTER». Atua como executivo público na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo / Diretoria de Ensino da Região de Limeira desde novembro de 2013. Contacto: marcelaspp@gmail.com.

 


RESUMO

Este artigo apresenta o pensamento de Paulo Freire enquanto uma perspectiva de análise e reflexão sobre o movimento social no contexto da sociedade brasileira. Constitui ação e objeto desta reflexão contribuir na tarefa de reinventar a pedagogia crítica na construção dos movimentos sociais. Trata-se de uma pesquisa qualitativa dividida em dois momentos: o primeiro é dedicado a apresentação do aporte teórico, e em seguida, uma análise dos movimentos sociais brasileiros, expondo a origem das lutas e avançado para as discussões mais recentes que se tem empreendido no Brasil na busca da liberdade e da justiça na recuperação da humanidade roubada. Uma luta incessante que clama pela Pedagogia Libertadora de Freire, instrumento fundamental no processo de conscientização, e, portanto, na constituição dos movimentos sociais.

Palavras-chave: Paulo Freire, movimentos sociais, pedagogia libertadora, sujeito histórico, consciência crítica.

 


ABSTRACT

This paper presents the thought of Paulo Freire as a perspective of analysis and reflection on the social movement in Brazilian society. It is action and object of this reflection to contribute to the task of reinventing the critical pedagogy in the construction of social movements. This is a qualitative research that is divided into two stages: the first is dedicated to presenting the theoretical framework, and then an analysis of Brazilian social movements, exposing the origin of the struggles and advanced to the most recent discussions that have undertaken the Brazil in search of freedom and justice in the recovery of stolen humanity. An incessant struggle that calls for Liberation Pedagogy developed by Freire, key tool in awareness process, and thus the constitution of social movements.

Keywords: Paulo Freire, social movements, liberation pedagogy, historical subject, critical awareness.

 


RESUMEN

En este artículo se presenta el pensamiento de Paulo Freire como una perspectiva de análisis y reflexión sobre el movimiento social en el contexto de la sociedad brasileña. Es objeto de la presente acción y reflexión contribuir a la tarea de reinventar la pedagogía crítica en la construcción de movimientos sociales. Se trata de una investigación cualitativa dividida en dos etapas: la primera está dedicada a la presentación del marco teórico, y luego de un análisis de los movimientos sociales brasileños, se deja al descubierto el origen de las luchas y avance a las discusiones más recientes que se ha emprendido en Brasil en busca de la libertad y la justicia en la recuperación de la humanidad. Una lucha incesante que pide la Pedagogía Liberadora de Freire, herramienta clave en el proceso educativo, y por lo tanto, en la constitución de los movimientos sociales.

Palabras clave: Paulo Freire, movimientos sociales, pedagogía liberadora, sujeto histórico, conciencia crítica.

 


INTRODUÇÃO

No início da década de 1960, a sociedade brasileira passou por um momento de efervescência política culminando no golpe militar em 1964, estabelecendo um regime autoritário e nacionalista que se prolongou até 1985.

Nesse momento de modificações significativas na organização política e na vida econômica e social brasileira, o trabalho de Paulo Freire surge com veemência, sobretudo entre os anos de 1958 e 1964 trazendo implicações importantes para o campo educacional.

Paulo Freire pela sua experiência com a alfabetização de jovens e adultos, pelo trabalho que desenvolvia em comunidades rurais e com populações pobres, assumiu o ponto de vista dessas pessoas, apresentando-se em favor de uma educação que insira as pessoas na sociedade como sujeitos da história.

As diferenças sociais e a diversidade sociocultural leva esse pensador refletir e elaborar uma metodologia de ensino que ao letrar os alunos (processo de construção do letramento ou alfabetização) permita que tenham consciência de quem eles são, questionem o mundo onde vivem e, mais que isso, que interfiram diretamente sobre a realidade que o circundam.

Nesse sentido, os debates empreendidos por esse educador e filósofo brasileiro por meio da Pedagogia Libertadora têm sido fundamental na construção de sonhos e lutas vividas por sujeitos que se convencem que seus direitos foram negados historicamente, engajando-se na luta pela sua libertação e condição de oprimido.

Desse modo, ao considerar a educação como uma prática de liberdade e como um dos instrumentos que pode propiciar as mudanças sociais, o presente artigo tem como principal objetivo analisar e refletir a pedagogia freireana e a sua relação com os movimentos sociais no contexto da sociedade brasileira. De modo particular, tem por finalidade analisar o processo de construção dos movimentos sociais nas obras de Paulo Freire e, em seguida, situá-la no contexto dos movimentos sociais empreendidas nas práticas brasileiras.

Para concretizar esses propósitos, o texto foi organizado do seguinte modo: Em um primeiro momento, foram apresentadas as principais reflexões de Paulo Freire, tratando especificamente dos pressupostos teóricos que sustentam que a educação tem como papel fundamental em libertar o homem de sua opressão, do lugar de oprimido e promover a igualdade social.

Em seguida, foi exposto e analisado o processo de construção dos movimentos sociais, contemplando ações que vinculam as principais ideias de Paulo Freire, entre eles, especialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

A última parte é destinada a identificar as principais práticas dos movimentos sociais no Brasil nos dias de hoje e as discussões mais recentes dessa agenda.

1. METODOLOGIA DO ESTUDO

Na direção de atender aos objetivos traçados, esta pesquisa adquire características do contexto da abordagem qualitativa.

Rampazzo (2005) ressalta que a pesquisa qualitativa busca estudar um fenômeno em particular com o objetivo de compreendê-lo e não explicá-lo, desse modo, é possível conseguir um significado mais profundo, concebido como um empreendimento mais abrangente e multidimensional.

Minayo (1999), por sua vez, ressalta que a pesquisa qualitativa se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificada, entretanto, embora haja especificidades das pesquisas qualitativas e quantitativas, ainda assim, as mesmas não se opõem, pois dependendo da realidade abrangida, ambas interagem dinamicamente.

Desse modo, essas considerações sinalizam que no decorrer do processo de uma pesquisa qualitativa nada impede que possam ser empregados dados quantitativos.

Sendo assim, no processo de construção desta pesquisa, utilizou-se variáveis estatísticas disponíveis na base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que permitiram captar indicadores de mercado de trabalho, fornecendo base para identificar discriminações de gênero, potencializando o movimento social das mulheres por igualdade dos sexos.

Nesse contexto, vale ressaltar que os estudos mais recentes sobre a relação movimentos sociais e educação nos mostra uma compreensão muito significativa da transformação da sociedade que tem como fator relevante o poder de criticidade na coletividade, destacando a educação como princípio que propicia a integração social entre os sujeitos, condição favorável às lutas e mobilizações.

2. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS A PARTIR DE PAULO FREIRE

Pensar a história como possibilidade, reconhecendo a educação como parte dela é compreender a capacidade humana de refletir sobre nós mesmos e sobre a relação com o mundo e com os outros, tornando o homem um sujeito histórico capaz de refletir sobre a realidade que o circunda e sua capacidade de se transformar e de se inovar, tornando possível a intervenção no mundo.

O homem passa a ser autor e senhor de sua vontade ao perceber sua condição de sujeito da história e sua capacidade de agir no mundo, situando-o como um ser social com a coletividade, possibilitando a construção de histórias de interações e de transformações da realidade.

Nesse contexto, Freire (1987) explica que os homens são capazes de reinventar o mundo e não apenas de reproduzi-lo, pois são seres de decisão e de ruptura, que podem lutar pela liberdade e pela autonomia contra a opressão, o que certamente os condiciona a um processo educacional e não ao adestramento.

Entretanto, no contexto da sociedade capitalista o conhecimento é fragmentado e distribuido em forma de ciência apenas para um pequeno grupo hegemônico, enquanto que para os demais, limitam-se os saberes voltados ao desenvolvimento do capital.

Nesse sentido, o saber histórico é negado para as classes menos favorecidas por meio da exploração e injustiças, mas, por outro lado, os oprimidos podem recuperar a humanidade roubada através da busca da liberdade, da justiça, da organização, da luta e da utopia.

A restauração da humanidade se move através do confronto permanente para reproduzir suas vidas, seus valores, suas memórias, suas culturas e conhecimentos na tentativa de lutar contra a injustiça, a opressão, exploração e violência do opressor.

Nessa perspectiva, Freire (2000) alerta que a desumanização não é uma vocação histórica, nem mesmo um destino determinado, mas é resultado de uma ordem injusta, uma invenção ideológica e elitista.

Nessa luta, clama-se pela Pedagogia Libertadora elaborada por Paulo Freire entre as décadas de 1950 e 1960 no Brasil no bojo de organizações e lutas de movimentos sociais e populares.

De acordo com Streck (2009), essas décadas são reconhecidas na educação popular como o momento quando se funda algo novo no panorama pedagógico latino-americano. A educação passa a ser considerada um instrumento para que as classes subalternas lutem para ocupar um lugar na sociedade, onde até então lhes havia sido negado.

Freire (1987) afirma que a liberdade é uma conquista que exige busca incessante e permanente, desse modo, a independência precisa ser forjada com o homem e não para ele, de forma que faça da opressão e de suas causas como objetos de reflexão dos oprimidos.

O autor acredita que a responsabilidade de embater essa luta é condição fundamental para o engajamento necessário na luta pela libertação, vislumbrando, assim, uma possibilidade de transformação social.

A Pedagogia Libertadora de Freire (1987) busca a emancipação de povos marcados pela opressão, dominação e dependência através de um processo de conscientização de que os indivíduos são os construtores e os sujeitos de sua própria história, assim como, pela capacidade de se indignar contra toda injustiça e jugo.

Borges (2008) afirma que a escolha de Freire pelos oprimidos, certamente reconheceu que os excluídos da Terra possuem uma superioridade epistemológica e científica, algo nunca antes identificado em nosso continente, pelo menos no campo da pedagogia, além disso, representou uma virada paradigmática, uma coragem política e um forte grito ético da América Latina.

Nessa perspectiva, a Pedagogia Libertadora de Freire se constitui como um dos instrumentos fundamentais no processo de conscientização dos sujeitos e, por conseguinte, na constituição dos movimentos sociais.

As obras desse autor estão muito relacionadas com os movimentos sociais, poia possui um caráter educacional, não simplesmente pela condição de exclusão, mas sim por compreender a razão de sua condição de oprimido que levam os homens a se engajarem na luta social.

Ao compreender que a mudança é difícil, mas possível, torna-se necessário à organização dos oprimidos para que se engajem na luta em busca de efetivas mudanças em sua história e realidade.

Além disso, a organização dos movimentos sociais é produto e produtor da conscientização, nesse sentido, Freire (1982) nos ensina que não há conscientização dos oprimidos, senão houver uma prática da ação consciente de que eles são uma classe explorada e que podem lutar pela libertação.

Entretanto, o autor alerta que ninguém conscientiza a si mesmo, trata-se de um movimento dialético entre educador e o povo por meio de uma reflexão crítica sobre a ação anterior e subsequente no processo de luta.

Nesse processo, o diálogo tem papel fundamental, trata-se do que Freire (1987) intitula de «exigência existencial». Há duas dimensões no diálogo: ação e reflexão.

Se o diálogo dito abarca essas duas dimensões: a palavra é verdadeira e, portanto, pautada na práxis, com o qual pode-se esperar a denúncia do mundo e transformá-lo, pois a denúncia verdadeira precede de compromisso de transformação e ação.

Por outro lado, a palavra inautêntica é resultado da dicotomia entre a ação e reflexão, nesse caso, se a dimensão da ação é esgotada, automaticamente, a reflexão também é sacrificada, transformando a palavra em algo alienado e alienante.

Freire (1987) explica ainda que enaltecer a ação e sacrificar a reflexão, a palavra, agora, nega o diálogo verdadeiro, pois ao minimizar a reflexão está negando a práxis verdadeira. Esse processo é denominado pelo autor de ativismo.

Portanto, o movimento social deve estar pautado no diálogo que considera a ação e a reflexão, sem enaltecer um e rebaixar o outro, ambos são considerados no mesmo nível.

Freire (1987) nos ensina que é na força das palavras que se concentram a ação e a reflexão, entretanto, alerta que se não houver um profundo amor ao mundo e aos homens: não a diálogo, pois o fundamento do diálogo é o amor. Ao considerar esses pressupostos, «[…] será possível ensaiar o inédito viável e construir uma pedagogia ética, política e social, baseada na crítica, na conscientização e na liberdade, reagindo contra todo tipo de opressão ainda vigente em nossa sociedade» (Freire, 1987, p. 92).

Nesse sentido, o diálogo se revela como a essência da educação, e em contrapartida, o diálogo permeado através da união da ação e reflexão, tornase um convite para o repensar e o refazer das nossas práticas pedagógicas centradas na formação integral da pessoa, através de um pensar verdadeiro e crítico (Freire, 1987).

Além do diálogo como fundamento para o processo de construção dos movimentos sociais, Paulo Freire nos ensina que é essencial que se reconheça o papel das lideranças revolucionárias, que junto ao povo desvelam a realidade e se engajam na luta pela sua transformação.

Freire (1987) explica que o homem não pode se libertar só, mas sim em comunhão, o que sinaliza, portanto, que a realização de qualquer movimento social sozinho certamente está fadada ao fracasso, é necessário, portanto, que outras pessoas se encontrem e se pronunciem juntas.

Nessa perspectiva, o diálogo aparece com um ato de coragem que deve abarcar além da ação e da reflexão, a fé, o amor, a humildade e a esperança intensa dos homens, esse por último, está na própria imperfeição das pessoas e, portanto, as motivam na busca de melhorar, de aprender, de querer ser.

Se não houver humildade, não haverá diálogo, desse modo, há necessidade que as pessoas vejam em si mesmas a sua ignorância e não apenas a do outro (Freire, 1987).

Nessa direção, o autor defende que a ação política realizada junto aos oprimidos deve ser uma ação cultural visando à liberdade. Essa atitude deve ser forjada na práxis através do diálogo, permitindo, desse modo, que os sujeitos se conscientizem de sua condição e lutem pela liberdade, tirando-as da condição de oprimido.

Este processo de conscientização, a partir de uma Pedagogia Libertadora, se fez presente na constituição do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o chamado MST.

O MST é um movimento social no Brasil com formação oficial em 1984, considerado com um dos maiores movimentos da América Latina, lutam em busca de três propósitos: reforma agrária, acesso a terra para os trabalhadores pobres e uma sociedade mais justa e fraterna.

O que se nota, portanto, que no interior do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, há uma conscientização dos sujeitos enquanto «ser sem terra». O diálogo na proposta freireana estava presente nos espaços de reflexão das Comunidades Eclesiais de Base e também dos Sindicatos.

Compreender que estavam excluídos da história, despertava a indignação perante a injusta concentração de terras, possivelmente neste momento, entender que estavam na condição de oprimido, levou-os a lutar pelos direitos que lhes eram negados, transformando sua realidade e intervindo no mundo. Desse modo, a denúncia de sua condição perversa agregado à práxis com coragem, sonho e esperança provavelmente são as forças motrizes desse movimento social brasileiro.

No contexto das lutas sociais, Freire (2000) ensina que não se pode abdicar diante da miséria e da opressão simplesmente porque o discurso vigente reitera a impossibilidade de mudanças concretas.

Esse discurso é negador da humanização e sinaliza para uma experiência dominadora, mas, por outro lado, também pode ser utilizada como um exercício de resistência. Há necessidade de se lutar incansavelmente pela transformação, mesmo que essa seja mínima.

Nas palavras de Freire (2000, p. 76): «Dou a impressão de que aceito hoje a condição de silenciado para bem lutar, quando puder, contra a negação de mim mesmo».

Nesse sentido, a mudança não ocorre por meio da acomodação, é necessário o trabalho consciente da verdadeira causa e que a história que se vive nos tempos de hoje é mais uma possibilidade e não uma determinação que é impossível mudá-la, por isso, o direito à raiva é uma motivação que expressa o amor ao mundo.

Freire (2000) alerta para uma questão central que bem se aplica aos movimentos sociais: é a promoção de posturas rebeldes em posturas revolucionárias. A rebeldia é indispensável, mas a rebeldia por si só, não é suficiente, é necessário que se alongue a uma posição mais radical e crítica, em outras palavras, uma rebeldia revolucionária que permita denunciar a situação deshumanizante e, ao mesmo tempo, anunciar a superação implicando na mudança do mundo.

Sobre a relação do MST e rebeldia, Freire (2000) considera esse movimento ético, pedagógico e belo, entretanto, a origem está na rebeldia dos quilombos que no passado foram esmagados por forças perversas, que sonharam com a façanha de liberdade.

Desse modo, nesse processo de transformação associado às lutas sociais, Freire (2000) coloca a educação como o ponto central no processo de denúncia da realidade perversa, assim como o anúncio de uma realidade diferente a partir da transformação. O autor esclarece ainda que se a educação não transforma a sociedade, sem ela certamente não o fará.

Nesse sentido, a luta de Freire era por uma pedagogia que possibilitasse a afirmação de direitos historicamente negados, tomando como referência os saberes construídos na prática social, permitindo que os sujeitos conheçam esses saberes e ampliem para outros que ainda não o conhecem, dessa maneira, os sujeitos históricos constroem e reconstroem seus saberes.

Toda atividade de conscientização histórica aliada à raiva, reflexão, ação, amor e humildade são elementos constitutivos dos movimentos sociais, pelo qual perpassa por todo um processo educativo que se constrói nas lutas sociais. Arroyo (2004) destaca os processos educativos que atravessam os movimentos sociais, as lutas e as vivências do cotidiano, enfatizando que o papel da escola é interpretar as manifestações que acontecem fora dos muros da escola. Ao realizar esse processo deve-se, em seguida, sintetizá-lo em um projeto pedagógico que permita organizar o conhecimento, socializando o saber e a cultura historicamente produzida, concedendo instrumentos científicos e técnicos para interpretar e intervir na realidade social (Arroyo, 2004).

Tal ideia se coaduna com o pensamento de Freire que reconhece o potencial educativo dos movimentos sociais no esforço de desvendar a realidade que circunda o sujeito que precisa ganhar consciência crítica de sua condição de oprimido e lutar incansavelmente pela busca de transformação.

Nessa dimensão, a escola deve estar vinculada à sociedade, aos problemas de seu tempo, e a partir desse contexto, desenvolver uma prática política e pedagógica libertadora que se remonta ao diálogo verdadeiro, alimentada com esperança, amor, sonho, mas também com indignação.

3. A ORIGEM DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E SUAS PRÁTICAS NO BRASIL DE HOJE

Realizar uma análise com a temática dos movimentos sociais no contexto da sociedade brasileira se constitui um desafio, tendo em vista tratar-se de uma categoria ampla que pode agregar organizações voltadas à defesa de interesses legais, sociais e éticos diversos.

Apesar de esses movimentos serem frutos de determinados contextos históricos e sociais, seu papel na atualidade, enquanto questionamento da realidade vigente, consolida-se em uma prática voltada para a busca da liberdade e emancipação social.

Assim, no que se refere aos movimentos sociais, Touraine (1976) realiza uma análise a partir da compreensão dos diversos movimentos que surgiram com a era da globalização e dos paradigmas advindos com a modernidade.

O autor explica que os fatores contemporâneos presente na sociedade interferem no estabelecimento das agendas políticas atuais e em cada sociedade há um movimento social que visa um projeto maior de mudança social. Para Castells (2013), os movimentos sociais surgem como sistemas de práticas contraditórias que se estabelecem no âmbito social que atuam em conformidade com a ordem social vigente.

O principal objetivo dos movimentos sociais é a busca pela transformação da estrutura do sistema por meio de práticas, sejam através de práticas revolucionárias ou não (Castells, 2013).

No Brasil existe uma gama de grupos sociais que empenham-se em resgatar a origem de seus ideais nos povos que originaram seus movimentos, um exemplo contundente é o MST, conforme já retratado.

De acordo com MST (2010), o Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo, onde estão localizados os maiores latifúndios. Historicamente, a forma da ocupação portuguesa das terras brasileiras combinadas com exportação e escravidão, estabeleceu as raízes da desigualdade social que atinge o Brasil até os dias de hoje.

O Decreto da Lei de Terras em 1850 consolidou a perversa concentração fundiária e no século XX, com a modernização agrícola, excluiu a pequena agricultura, daí nasceu o ideal do MST em lutar pela democratização da terra e da sociedade.

Da sua criação até os dias de hoje, o MST consegue resistir na luta pela reforma agrária pelo apoio político da sociedade brasileira e internacional, realizando ocupações, marchas e protestos com a ajuda dos próprios trabalhadores acampados e assentados.

Outro movimento social que merece destaque é o da luta das mulheres pelo fim da opressão e igualdade de gênero. Essa busca se intensificou, sobretudo a partir da segunda metade do século XX cujas lutas perpassaram questões relativas ao casamento, sexualidade, modos de vestir-se, acesso à educação e trabalho.

Tal luta se constitui como necessária em um país onde ainda se vê a desigualdade entre homens e mulheres estabelecidas no âmbito social, tal como nos mostra o IBGE, a mulher ainda está em condição de desigualdade em relação aos homens no que se refere à participação no mercado de trabalho, sobretudo aos aspectos relativos à formalização das condições de emprego e renda.

Dados do IBGE do censo de 2010 indicam que de fato houve um crescimento mais acentuado no índice de participação da mulher no mercado de trabalho: em 2000 era de 32,7% e em 2010 subiu para 39,8% entre as trabalhadoras, com acesso crescente ao emprego formal com direitos do trabalho como férias, licença-maternidade e dentre outros direitos estabelecidos e assegurados na Constituição Brasileira.

Entretanto, o que se nota ainda no contexto da sociedade brasileira é que não houve redução da diferença em relação aos homens, pois é grande o número de mulheres que trabalham cuidando de casa e dos filhos em ocupações sem receber qualquer rendimento, o número de mulheres nessa condição chega a 30,4% no país.

No que se refere aos rendimentos salariais de homens e mulheres, a diferença de gênero é ainda mais proeminente, nota-se que a segregação ocupacional e a discriminação no mercado de trabalho brasileiro ainda é evidente: Em 2010 enquanto os homens ganhavam cerca de R$ 1587,00 (aproximadamente 426 dólares), as mulheres recebiam o equivalente a R$ 1074,00 (aproximadamente 288 dólares).

Além disso, entre mulheres negras esta diferença é ainda mais acentuada, pois recebiam cerca de 35% a menos do que homens brancos. Já mulheres brancas obtinham um ganho de 52% a mais do que as negras e 67% do salário dos homens brancos.

Este panorama evidencia um quadro que clama por lutas pelos direitos de igualdade entre os gêneros, assim como, expõe a desigualdade ético racial no país que, embora tenha se desenvolvido a partir do trabalho dos negros escravizados no país, reflete, ainda nos dias atuais um panorama excludente que leva a organização de grupos sociais que lutam por melhoria nas condições de vida e acesso a direitos pelas chamadas «minorias».

Dentre os grupos que protagonizam o cenário atual também podem ser citados o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, Movimento Indígena, Movimento das Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transsexuais (LGBT), Movimento Negro que lutam pela igualdade social, questões relacionadas ao meio ambiente, contra a homofobia, direitos das mulheres, dentre outros que visam à defesa dos direitos das crianças, adolescentes e idosos.

Tais movimentos vêm ganhando no país maior visibilidade e participando do estabelecimento das agendas políticas no cenário atual. O exemplo mais recente foi às discussões empreendidas no cenário das eleições presidenciais brasileiras ocorridas em 2014.

No contexto dos debates presidenciáveis brasileiros, temas como: homofobia e direitos dos homossexuais, questões ambientais, religiosas, aborto e outros temas que envolvem a saúde da mulher, direitos de idosos e entre outros, protagonizaram e mobilizaram discussões na sociedade em direção à busca pela conquista de direitos divergentes entre grupos sociais estabelecidos na sociedade brasileira.

Cabe destacar ainda que esses temas estiveram amplamente presente nas propostas dos candidatos, enfocadas sob o viés de movimentos sociais e defendidas pelos candidatos à presidente, tomadas por vezes, sob divergentes e polêmicas entre os grupos envolvidos e os segmentos da sociedade envolvidos. Essas questões vêm mobilizando debates a respeito de leis que perpassam o cenário político brasileiro e vêm mobilizando grupos institucionalizados que visam através de suas formas de manifestação, conscientizar os sujeitos, sob os aspectos considerados relevantes pelos grupos.

O que se nota ainda, é que uma parcela significativa da sociedade brasileira luta em prol da conquista da aprovação de direitos, que consideram sido negado historicamente, sinalizando, portanto, para uma possível luta pela liberdade e pela autonomia contra a opressão.

Neste panorama, pode-se considerar, para além da realização de uma análise referente ao mérito de tais lutas e dos direitos reclamados por tais grupos, seu papel enquanto movimentos que questionam temas socialmente estabelecidos no direito brasileiro como grupos que promovem uma intensificação dos debates e abertura social para a contemplação de temas diversos.

Nesse âmbito, contribuem na realização de uma problematização da sociedade e para o estabelecimento de novas formas de ressignificação da vida social enquanto práticas contestadoras.

No sentido do papel social destes movimentos concebidos por esta análise, relaciona-se com a perspectiva apontada por Freire (1987), que tal com já apontado no início deste estudo, visa à libertação dos sujeitos através de sua conscientização a fim da superação de sua condição de opressão.

Sendo assim, torna-se possível também retomar a contribuição de Marx (1988), para quem, cabia justamente às massas protagonizar a busca pelas mudanças sociais, conduzindo a sociedade para uma etapa superior em sua própria história.

Desse modo, uma possível análise desse panorama certamente está em saber lutar por seus direitos e organizar-se a fim de sua busca, o que vemos ser consolidado através dos movimentos sociais, embora aspectos relacionados ao radicalismo expresso por alguns grupos seja outro enfoque que careceria de outras análises e que não foi propósito deste estudo.

Assim, o papel protagonizado pelos movimentos sociais no cenário brasileiro contemporâneo expressa possibilidades de que a dinâmica social vigente seja continuamente questionada e ressignificada em um movimento contínuo de superação e questionamento das realidades que insurgem no cenário atual Além disso, cabe ressaltar ainda que independente dos direitos a que os sujeitos se propõem defender, certamente, eles atuam no sentido de instigar o movimento do pensar, do debate, da busca pela emancipação humana tendo em vista que, em conformidade com o que também aponta Adorno (1995), quem pensa impõe resistência, resistência à alienação, a conformação humana aos ditames do mundo capitalista atual e a contínua luta pelo estabelecimento de um mundo melhor e com menor desigualdade.

CONCLUSÃO

Neste artigo foram abordados os meandros dos movimentos sociais brasileiros sob a perspectiva do educador Paulo Freire, apontando a Pedagogia da Libertação como instrumento a serviço da transformação social.

Em uma época de pessimismo vigente na sociedade capitalista, Freire propõe a educação como uma possibilidade de conscientizar os sujeitos de sua condição de oprimido, avançando para uma resistência a grupos e forças que tentam prevalecer às orientações dominadoras.

As resistências sociais frentes às forças opressoras de acordo com as perspectivas de Freire, convertem-se em movimentos sociais que se eclodem em toda a sociedade brasileira.

Neste artigo, apresentou-se também os principais movimentos sociais em vigência no Brasil, especialmente, Movimento dos sem-terra, a luta da mulher pela igualdade de gênero e outros.

Além disso, apontou-se ainda as discussões mais recentes dos movimentos sociais no campo político, sendo temática das eleições presidenciais brasileiras ocorridas em outubro de 2014.

A discussão empreendida indica que é um desafio gigantesco ao sistema educacional brasileiro atender um ensino que valorize a participação social que incentive cada brasileiro a adquirir conhecimentos para lutar por sua liberdade, uma vez que a educação brasileira pauta-se na reprodução da sociedade de classe, onde o conhecimento se coloca como o próprio instrumento de dominação a serviço de interesses hegemônicos.

Lutar por uma educação de qualidade avançando para uma perspectiva crítica, um ensino que garanta a transmissão do saber sistematizado, mediatizado pela compreensão histórica na formação e evolução das camadas subalternas da sociedade, certamente, é outro movimento social de todos aqueles que acreditam na educação como instrumento de mudança.

Em última análise, a Pedagogia Libertadora de Freire não é uma postulação apenas para o contexto da sociedade brasileira, mas também é um convite para todos os excluídos da história, para aqueles que estão à margem da sociedade, pois a compreensão crítica dos fatos, aliado à utopia da mudança, leva-nos a entender que mudar é difícil, mas possível.

Trata-se, portanto, de uma busca incessante pela libertação que se pode efetivar por meio das mobilizações sociais, nesse sentido, o conhecimento, a cultura e a história são produtos humanos que se transformam permanentemente a partir de ação humana sobre o mundo, compreendendo, desse modo, o sentido da humanização.

Em síntese, Paulo Freire (1987) deixa um incentivo a todos os que acreditam na libertação dos oprimidos: «Vivam por mim, já que eu não posso viver a alegria de trabalhar com crianças e adultos, que com sua luta e com sua esperança estão conseguindo ser eles mesmos e elas mesmas».

Além disso, o autor alerta que se de todos os pensamentos, postulações e contribuições ao campo da pedagogia nada ficar, que ao menos permaneça a esperança e a confiança nos homens.

Através de contribuição de Paulo Freire, é possível compreender a história humana como uma possibilidade e não como uma determinação. Nesse sentido, a ação do homem atua como sujeito da história, uma pessoa que pode intervir no mundo através de sua ação consciente.

Dessa forma, a Pedagogia da Libertação de Paulo Freire se apresenta como uma ferramenta fundamental no processo de sensibilização e de constituição dos movimentos sociais.

Nota-se que não é a condição de opressão e da própria exclusão que leva as pessoas a se envolverem em lutas sociais, mas a compreensão da lógica do seu estatuto de oprimidos, da compreensão crítica dos fatos que permite com que essas pessoas sejam conscientes favorecendo, assim, o início pelo processo de luta por melhores condições de vida.

Este processo de conscientização, proposto por Paulo Freire, é, portanto, presente na constituição do MST que o reconhecimento de sua condição permite a criação de espaços de reflexão e manifestação desta comunidade que se transforma em uma denúncia da práxis da realidade perversa e anúncio de um novo projeto de sociedade.

Freire adverte que a escola precisa estar conectada à sociedade, seus problemas, sua história e desenvolver uma prática político-pedagógico libertadora que contribua para o desenvolvimento da autonomia dos alunos e o seu papel fundamental na sociedade.

Neste processo, Freire ressalta a importância da educação dos homens em um constante processo de criação e recriação do seu conhecimento, a sua cultura e do mundo em que vive, nesse sentido, a educação sozinha não pode transformar a sociedade, mas, também, sem educação, a sociedade não pode vislumbrar processos de mudanças.

O desafio, portanto, está no avanço das práticas educativas, a fim de orientálas para a busca de uma ação constante crítica na sociedade e na formação de sujeitos críticos prontos para agir em busca de um mundo melhor.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recibido el 27-11-2015; primera evaluación el 21-10-2016; segunda evaluación el 10-12--2016; tercera evaluación el 10-02-2017; aceptado el 17-02-2017

 

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