INTRODUÇÃO
A Odontologia Adesiva consolidou-se a partir do vínculo direto entre os materiais dentários fotopolimerizáveis e as fontes de luz, também denominados de aparelhos fotopolimerizadores 1. Isto porque, esses materiais necessitam da emissão de energia luminosa para a conversão de monômeros presentes na sua composição de materiais resinosos em polímeros 1. E, por sua vez, as fontes de luz são os equipamentos odontológicos responsáveis pela fotopolimerização, ou seja, pela emissão da energia luminosa 1,2,3.
Portanto, considerando-se que um número superior a quinhentos milhões de restaurações dentárias diretas foram realizadas em média, por ano no mundo, e destas, 55% utilizaram os sistemas adesivos e as resinas compostas 4. Infere-se, portanto, que o sucesso clínico das restaurações, esteja relacionado diretamente ao adequado funcionamento das fontes de luz 3,5. Tal assertiva vincula-se ao fato de que a incompleta conversão da matriz polimérica dos materiais dentários fotopolimerizáveis, ocasionará a instabilidade química dos mesmos e, por conseguinte, aumento do teor de monômeros residuais não fotopolimerizados 3,6. Além disso, a inadequada fotopolimerização, também está relacionada à formação de fendas (“gaps”) na interface material dentário-estrutura dentária, uma vez que haverá comprometimento da resistência adesiva e das demais propriedades dos materiais dentários fotopolimerizáveis 5,7,8,9. Então, a formação desse “gap” permitirá a degradação marginal e/ou infiltração, e consequentemente a recorrência de lesões cariosas, uma vez que haverá a migração de microrganismos por meio da interface dente - material dentário 1,3,5,7. Do mesmo modo, o comprometimento da resistência adesiva também poderá culminar no aumento da sensibilidade pós- operatória, bem como de manchamentos superficiais 3,5,7. Logo, uma inadequada fotopolimerização comprometerá as propriedades dos materiais dentários, acarretando o insucesso do procedimento clínico realizado 8,10,11.
É imperativo compreender, portanto, a cinética do processo de fotopolimerização e sua direta relação com a emissão de energia luminosa 3. Isto porque, a densidade, intensidade ou irradiância de potência, o tempo de exposição e a correlação entre o espectro de luz emitido pela fonte de luz e o espectro de absorção do seu fotoiniciador estão relacionadas integralmente às fontes de luz 1,2,3.
Dentre esses fatores a densidade de potência mede a emissão de energia luminosa emitida pelas fontes de luz, ou seja, a potência das fontes de luz medida em mW/cm2 12. Quando se associa a densidade de potência (mW/cm2) ao tempo de exposição da luz sobre o material dentário tem-se a densidade de energia que é calculada em J/cm2 12. Nesse momento, deve-se reportar ainda à diretriz n° 48 da ANSI/ADA (2004) concernente às fontes de luz 13. Por essa diretriz, a densidade mínima aceitável quando se utilizar as fontes de luz de Diodos Emissores de Luz (LED) foi definida em 600 mW /cm2, pois o LED geralmente requer menor tempo exposição 13.
A partir da compreensão da cinética da fotopolimerização pode-se afirmar que as fontes de luz a influenciam de forma direta 10, seja positiva ou negativamente. Com base nessa argumentação, a presença de trincas, faturas e resíduos de materiais dentários fotopolimerizáveis, na ponta transmissora de luz são fatores negativos ao processo de fotopolimerização 14,15,16. Dessa forma, as fontes de luz requerem manutenção e monitoramento periódicos a fim de garantirem a adequada fotopolimerização 14,17.
Com base na relação direta entre a fotopolimerização e os procedimentos clínicos que utilizam materiais dentários fotopolimerizáveis, este estudo objetivou verificar e comparar o estado de conservação e a densidade de potência das fontes de luz disponíveis para o atendimento clínico em uma Instituição de Ensino Superior Pública Odontológica no Brasil, no período 2011 a 2017.
MATERIAL E MÉTODOS
As fontes de luz, em uso clínico na graduação, da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás, Instituição de Ensino Superior Pública, localizada no município de Goiânia, Goiás, Brasil, foram avaliadas, no período de 2011 a 2017, quanto ao estado de conservação e densidade de potência.
Quanto ao estado de conservação das fontes de luz analisou-se a presença de trincas, fraturas e/ou resíduos de materiais adesivos na ponta transmissora de luz, bem como danos físicos ao equipamento, de acordo com a metodologia proposta por Gonçalves et al., 17.
A verificação da densidade de potência de cada fonte de luz foi realizada com um radiômetro (Curing Radiometer Model 100 p/n - 10503, Demetron Research Corp., EUA), de acordo com o protocolo proposto por Marson, Mattos e Sensi 18 em mW/cm². Por este protocolo a ponta ativa da fonte de luz foi posicionada de maneira centralizada e perpendicular no radiômetro, e então três leituras foram realizadas, obtendo-se uma média aritmética, que foi usada na análise estatística. A primeira leitura era efetuada após 10 segundos do acionamento da fonte de luz, as leituras 2 e 3 foram realizadas de forma consecutivas com intervalos de 30 segundos entre as mesmas 18. Os dados foram submetidos à análise estatística por meio dos softwares SPSS 24 (Chicago, IL, EUA) e GraphPadInstat (La Jolla, EUA), ao nível de significância de 5%. Os valores de densidade de potência foram avaliados quanto à homogeneidade das variâncias pelo teste Levene, e quanto à normalidade de distribuição por meio do teste Shapiro-Wilk. Por apresentarem ausência de normalidade e variâncias não homogêneas, os dados de densidade de potência foram comparados entre os anos por meio do teste não paramétrico Kruskal-Wallis com post hoc Dunn. Os dados de estado de conservação foram avaliados por meio do teste Qui-quadrado.
RESULTADOS
Diferenças estatisticamente significativas foram verificadas para os valores de densidade de potência entre os anos (p<0,0001, teste Kruskal-Wallis). Nas comparações aos pares (teste post hoc Dunn), os valores de densidade de potência para os anos 2011 (p<0,01) e 2012 (p<0,05) foram estatisticamente diferentes dos anos 2015, 2016 e 2017. As demais comparações aos pares foram estatisticamente semelhantes (p>0,05). A Tabela 1 apresenta estatísticas descritivas para densidade de potência, representadas graficamente no Box-plot (Gráfico 1). A Tabela 2 apresenta estatísticas descritivas para a variável estado de conservação, bem como resultados obtidos com o teste Qui-quadrado.
DISCUSSÃO
Comparativamente, à literatura correlata analisada, até o primeiro trimestre de 2020 (7, 9, 11, 14-16, 18-26, 28-32), o presente estudo tornou- se, o mais longo controle de qualidade de fontes de luz, uma vez que o fez anualmente, por sete anos de forma ininterrupta. Esse controle revelou uma melhoria no estado de conservação das fontes de luz até o quarto ano da avaliação (2014), com declínio e estabilização a partir de 2015 até 2017. Entre 2011 e 2014 as fontes de luz não passíveis de manutenção foram substituídas por novos equipamentos, todavia nos anos seguintes (2015-2017) nenhuma nova fonte de luz foi adquirida, a fim de substituir àquelas não passíveis de manutenção. Isto justifica a estabilização das condições de conservação das fontes de luz observadas, no presente estudo.
Dentre os principais fatores que interferiram negativamente no estado de conservação na ponta transmissora de luz, a presente avaliação revelou a presença de resíduos de resina composta e/ou adesivo e/ou outro material dentário fotopolimerizável, bem como a presença de trincas e/ou fraturas. O estudo de Barghi, Fischer e Pham 16 constatou a presença de 75,8% de resíduos nas pontas transmissoras de luz, porém em consultórios odontológicos particulares. Estudo similar observou que 52,9% das pontas transmissoras das fontes de luz de Instituição de Ensino, Centro de Saúde Odontológico Público e consultórios particulares existentes na cidade de Sivas-Turquia apresentavam resíduos 9.
Concentrando-se a discussão nos resultados do presente estudo, realizado em Clínicas Odontológicas para o ensino de graduação, observou-se que 90% das fontes de luz disponíveis encontravam-se em inadequado estado de conservação na primeira avaliação realizada, em 2011. De forma similar Beltrani et al. 19 observaram, também, em âmbito acadêmico que 91,7% das pontas transmissoras de suas fontes de luz apresentaram a presença de detritos e 16,7% exibiram algum tipo de fratura. Já o estudo de Nassar, Ajaj e Hasanain 15 revelou que 75% fontes de luz disponíveis na sua Instituição de Ensino continham resíduos nas pontas transmissoras de luz e metade dessas fontes estavam alocadas nas clínicas para a graduação.
Ainda analisando esse mesmo critério, em ambiente universitário, porém em dois momentos distintos, observou-se inadequado estado de conservação das fontes de luz em 56,25% e 69,23% das amostras, com seis meses de intervalo entre as avaliações 24. No presente estudo, pode-se conjecturar que a inclusão no processo ensino-aprendizagem da graduação, de conteúdos teórico-práticos específicos relacionados a importância do controle de qualidade das fontes de luz e sua relação com o sucesso clínico foi benéfica. Esta pode ser uma das possíveis razões a serem atribuídas a melhora expressiva no estado de conservação das fontes de luz, no presente estudo. Visto que, 10% das fontes de luz na primeira e 75,8% na quarta avaliação encontravam-se com adequado estado de conservação. Esses resultados corroboram o trabalho de Federlin e Price 33.
Então, os resultados do presente estudo respaldam a seguinte afirmativa: as fontes de luz com inadequado estado de conservação apresentam menor densidade de potência, por conseguinte inadequada fotopolimerização (7,9,10,11,14- 16,18,20,22,24,26,27,29,30,32). Os valores de densidade de potência (2011-2017), no presente estudo, revelaram um crescente aumento da primeira à quinta avaliações (Tabela 1). Na primeira e segunda avaliações, valores de densidade de potência menores do que 300 mW/cm² foram registrados, o que demonstrou uma situação grave em termos de inadequada fotopolimerização. A melhoria da densidade de potência, provavelmente, foi devido a aquisição de novas fontes de luz aliado com uso consciente das mesmas e o programa de manutenção preventiva. No período entre 2015 - 2017 (quinta a sétima avaliações) ocorreu uma estabilização da densidade de potência (533 e 600 mW/cm²). Deve- se acrescentar que a partir da sexta avaliação (2016) as fontes de luz passaram a ser adquiridas pelos graduandos, o que levou em 2017 ao encerramento desse estudo. As fontes de luz ainda existentes continuam a ser analisadas e passam anualmente por manutenção preventiva, porém uma vez descartadas não são substituídas pela Instituição. Entretanto, o processo ensino-aprendizagem implementado continua a ocorrer de modo ininterrupto a partir dos resultados obtidos na primeira avaliação.
Em termos de comparação entre os resultados obtidos em Instituições Púbicas de Ensino no Brasil, observou-se que 32% e 26,31% das fontes de luz avaliadas apresentavam densidade de potência ≥400 mW/cm² e inferior 100 mW/cm², respectivamente, na região Nordeste 20. Na região Sul a avaliação foi realizada em dois momentos distintos, com intervalo de seis meses entre os mesmos 24. A densidade de potência constatada foi inferior a 300 mW/cm² para 50% e 53,85% das fontes de luz na primeira e segunda avaliações, por essa ordem 24. Quanto aos resultados, na região Centro-Oeste, o presente estudo observou um expressivo aumento da densidade de potência entre a primeira (143,7 - 421,2 mW/cm²) e a última (433 - 900 mW/cm²) avaliações realizadas. Os primeiros resultados assemelham-se aos obtidos nas Instituições Públicas brasileiras das regiões Nordeste 20 e Sul 24. Não obstante, a densidade de potência registrada entre 2015 - 2017, no presente estudo variou entre 533 - 600 mW/cm². Tal resultado ainda é inferior (921,6 mW/cm²) ao verificado nas clínicas de graduação na Arábia Saudita, em 2018 15, porém nota-se uma expressiva melhora comparativamente aos anos anteriores do presente estudo e aos resultados obtidos nas regiões Nordeste 20 e Sul 24 do Brasil. Considerando os resultados obtidos no presente estudo e a literatura correlata (7,11,14-18,22,23,25- 32), pode-se afirmar com segurança que o controle de qualidade das fontes de luz é imperativo (17, 34). Conclui-se, portanto, que entre 2011 e 2014 observou- se uma melhoria expressiva do estado de conservação das fontes de luz, com declínio em 2015 e estabilização em 2016 e 2017. O estado de conservação das fontes de luz influenciou na densidade de potência das mesmas. A densidade de potência das fontes de luz nos sete anos de avaliação do estudo foi ascendente com estabilização dos resultados a partir do quinto ano de controle de qualidade.