INTRODUÇÃO
A mutação do DNA do indivíduo, produto de um dano no gene que foi adquirido de forma espontânea ou pela agressão do ambiente (causa exógena), pode ter como resultado o desenvolvimento de neoplasias, que podem ser benignas ou malignas. As neoplasias malignas recebem especial atenção porque, por vezes, seu tratamento leva a mutilações com efeitos devastadores sobre a qualidade de vida de seu portador (1, 2).
Neste contexto, o câncer bucal é o sexto tipo mais comum no mundo, sendo mais frequente em homens, entre a quinta e sétima década de vida. No entanto, nota-se na literatura mais recente o aumento do aparecimento de casos em mulheres jovens (3, 4). Nos EUA a estimativa de incidência é um pouco maior que 32 mil novos casos e aproximadamente 6600 mortes pela doença por ano 5. No Brasil, segundo a estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o câncer na cavidade oral é o quinto mais frequente em homens, sem dados estatísticos em mulheres 6.
As neoplasias orais malignas podem acometer língua, assoalho bucal, lábios, gengivas, palato e mucosas da cavidade oral. Mais de 90% dessas neoplasias orais são classificadas como Carcinoma Espinocelular (CEC) 7, porém, não se pode ignorar os demais tipos de neoplasias malignas que afetam mucosa jugal, palato, lábios e a região de orofaringe. Dessa forma, segundo o estudo de Frola et al., 8, as principais mudanças associadas ao câncer bucal são caracterizadas por um aspecto ulcerativo, endurecido e que perduram por mais de 15 dias, além de identificação de eritroplasia e leucoplasia (8, 9).
Os fatores de risco mais comuns para o desenvolvimento dos cânceres orais são representados por uso de tabaco e álcool, o aumento da idade e prevalência no sexo masculino. Outros fatores também podem ser relacionados, como grau de escolaridade, localização geográfica, associação com outras doenças, e etnia (3-5, 10, 11,12).
Diante do exposto, considerando os efeitos do etilismo; tabagismo; idade; sexo e as condições sociodemográficas, o objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão integrativa e uma análise crítica a respeito dos fatores de risco para o desenvolvimento do carcinoma oral de células escamosas em seres humanos em um período de dez anos.
METODOLOGIA
Esta revisão integrativa, seguiu o rigor metodológico descrito por Melnyk e Fineout-Overholt , que dão suporte para novas investigações, resoluções clínicas assim como, o melhoramento da prática pelos profissionais da saúde. Para isso, os estudos foram avaliados conforme: 1) seleção do tema e hipótese; 2) critérios de exclusão/inclusão dos artigos; 3) dados a serem extraídos nas presentes investigações; 4) avaliação dos estudos; 5) análise dos resultados e suas interpretações e 6) síntese do conhecimento 13.
Pergunta norteadora
Para alcançar os objetivos deste trabalho utilizouse a seguinte pergunta norteadora: "Quais são os fatores de risco associados ao desenvolvimento do carcinoma oral de células escamosas nas pessoas?".
A proposta segue o princípio PICo, onde P se refere a Pessoas com câncer de boca; I a Fatores de risco e Co corresponde ao Desenvolvimento do carcinoma oral de células escamosas.
Busca estratégica
Foram realizadas buscas estratégicas nos bancos de dados do MEDLINE, LILACS, BBO, Scielo e Cochrane library até Abril de 2021. As buscas foram realizadas de estudos publicados nos últimos dez anos. Os artigos foram identificados por meio dos descritores em língua inglesa e utilizando os operadores Booleanos "and" e "or" entre os descritores: ("Oral" [DeCS and MeSH Terms] or "Oral cavity" [DeCS and MeSH Terms] or "Mouth" [DeCS and MeSH Terms]) and ("Cancer incidence" [DeCS and MeSH Terms] or "Cancer risk" [DeCS and MeSH Terms]) and (Diagnosis [DeCS and MeSH Terms]) and ("Mouth Neoplasms" [DeCS and MeSH Terms] or "Head and Neck Neoplasms" [DeCS and MeSH Terms]) and ("Risk factors" [DeCS and MeSH Terms] or "Causality" [DeCS and MeSH Terms] or "Associated factors" [DeCS and MeSH Terms]).
Coleta dos dados
As buscas bibliográficas foram exportadas para o Software EndNote Program™ X7 version (Thomson Reuters, New York, NY, USA) e posteriormente as duplicatas foram removidas. Foram excluídos artigos que realizaram analise in-vitro, pesquisas que não abordaram os fatores de risco para o câncer bucal como temática principal, investigações/avaliações moleculares, terapias para o câncer, comunicações breves, revisões, pôsters e resumos. Foram incluídos trabalhos realizados com seres humanos; artigos na língua inglesa e pesquisas que avaliaram fatores de risco para o desenvolvimento do câncer bucal.
Para isso, a seleção dos artigos foi ordenada em quatro etapas metodológicas importantes para esta revisão integrativa:
1. Leitura dos títulos e resumos encontrados com exclusão daqueles que não contemplavam o tema do estudo.
2. Leitura integral, crítica e sistematizada dos artigos selecionados.
3. Seleção e extração dos dados por dois pesquisadores independentes e calibrados (J.A.O. e V.A.N.), em caso de dados e informações conflituosas, foi solicitado um terceiro avaliador (M.F.H.) para realizar a inclusão/exclusão do trabalho.
4. Os dados foram organizados e categorizados conforme os níveis de evidências por meio da ferramenta desenvolvida por Melnyk e Fineout-Overholt (2011) 13:
Nível I: Metanálise de múltiplos estudos controlados;
Nível II: Estudo individual com delineamento experimental;
Nível III: Estudo com delineamento quase experimental;
Nível IV: Estudos experimentais estudo com delineamento não-experimental como pesquisa descritiva correlacional e qualitativa ou estudos de caso;
Nível V: Relatório de casos ou dado obtido de forma sistemática, de qualidade verificável ou dados de avaliação de programas;
Nível VI: Estudos qualitativos;
Nível VII: Opinião de autoridades respeitáveis baseada na competência clínica ou opinião de comitês de especialistas, incluindo interpretações de informações não baseadas em pesquisas.
Foram obtidos inicialmente 203 artigos e, após a remoção de todas as duplicatas, foram obtidos 202 hits originais. Após o estabelecimento dos critérios de inclusão/exclusão dos trabalhos foram obtidos 12 artigos que investigaram os fatores de riscos do carcinoma oral de células escamosas (Figura 1).
As informações obtidas foram performadas pelo software estatístico SPSS for Windows (Version 17.0; SPSS Inc. Chicago, IL, USA) por meio das frequências absolutas (n) e relativas (%).
RESULTADOS
A Tabela 1 apresenta as características dos estudos incluídos na revisão integrativa em relação aos fatores de risco para o desenvolvimento do carcinoma oral de células escamosas em seres humanos. Verifica-se que, os estudos incluídos se encontravam no nível de evidência 4.
Em relação as pesquisas que investigaram os fatores de risco para o desenvolvimento desta neoplasia, 50% (n=6) foram desenvolvidos nas Américas (Brasil, Canada e Estados Unidos) e 42% (n=5) no continente Europeu (Espanha, Islândia e Polônia). Observa-se que, de uma amostra total de 8.603 participantes, 51% (n=4337) eram do sexo masculino e 49% (n= 4191) do sexo feminino.
A Tabela 1 representa os fatores de risco relatados nesta revisão. Dez estudos relataram o uso do cigarro/ tabaco para o desenvolvimento do câncer bucal. Nove artigos reportaram o uso de álcool. Dois estudos relataram a raça e a localização geográfica e um trabalho identificou o nível educacional, estado da dentição, nível de higiene e práticas sexuais como fatores de risco associados ao desenvolvimento desta neoplasia.
DISCUSSÃO
Esta revisão englobou estudos de diversos países. Deve-se observar que a incidência do câncer bucal é vista em países industrializados, onde há um aumento do consumo de álcool e tabaco, que são os principais fatores de risco 3.
A maior prevalência do câncer bucal é vista em homens, com idade acima dos 50 anos, e isso se deve a fatores como a falta da busca pela informação e também pelo maior consumo de álcool e tabaco por esse grupo populacional 3,4,10,11.
Nos últimos anos tem-se notado um aumento da ocorrência em mulheres e /ou jovens, porém os motivos ainda não são claros e a falta de associação entre os fatores de risco mais comuns para o câncer oral em pacientes jovens e o aumento da prevalência em mulheres, sugerem a necessidade da investigação de outros fatores envolvidos com o aparecimento do câncer neste público (3, 4, 15).
Os fatores socioeconômicos possuem uma grande influência sobre a saúde do paciente, condicionando a sua procura e acesso à informação e contribuindo como um fator de risco para a o desenvolvimento do câncer bucal, como visto nos estudos desta revisão (10, 12, 15, 16). Dessa forma, verificou que um dos fatores que ocasionou uma sobrevivência diminuída nos pacientes que possuíam câncer oral foi através da dificuldade de acesso aos cuidados de saúde, sendo responsáveis pelo atraso do diagnóstico e dificuldade de acompanhamento. Portanto, em associação com os trabalhos desta revisão integrativa, verifica-se a influência socioeconômica e cultural como adjuvantes no aparecimento do câncer de boca.
A percepção e atitudes de pacientes e profissionais acerca do câncer bucal é um fator em grande discussão, pois eles podem ditar o diagnóstico, a evolução e o tratamento (de acordo com o estágio), sendo grandes auxiliadores na prevenção e prognóstico do câncer. Sendo assim, estudos avaliando a obtenção de conhecimento e informações sobre o câncer de boca e os seus fatores de risco, quando analisados entre pacientes e profissionais, são vistos na literatura 8,15-20.
De forma geral, nota-se uma falta de conhecimento dos fatores de risco e sinais do câncer bucal, principalmente sobre o uso do tabaco, demonstrando que necessita-se de intervenções para a diminuição da incidência e maior conscientização da população 13. Por outro lado, é visto que estudantes de odontologia possuem grandes atitudes para a passagem de informações para os pacientes sobre os fatores de risco do câncer, apesar de existir grande deficiência de identificação desses fatores e dos aspectos clínicos, indicando a necessidade de uma maior capacitação nesse assunto 8,15,16.
Resultados satisfatórios sobre o aumento de conhecimento implementados para os pacientes por meio de uma interação educacional são vistos nos estudos desta revisão. No estudo de Wee et al., 13, nota-se um efeito positivo nas clínicas médicas rurais devido à realização de capacitação via web em médicos, enfermeiros e assistentes, o que permite maior acessibilidade e aquisição de conhecimento em curto prazo. A realização destas atividades envolvendo estudantes e profissionais da saúde é de grande importância, pois permite sua maior atuação na prevenção e detecção precoce do câncer e, consequentemente, redução das taxas de mortalidade em decorrência da doença 17-20).
Também é visto que há um aumento do interesse da sociedade por triagem preventiva, através de programas de prevenção do câncer 18. Sendo assim, deve-se haver uma maior conscientização da população sobre as características do câncer, para que se tenha uma identificação precoce e realização de auto-exame através de conhecimentos prévios. Isso seria de grande importância para a otimização do tratamento do paciente, visto que pacientes que realizam procura e adesão tardia ao tratamento, possuem estágios avançados da doença 10,20.
Vários estudos têm avaliado a relação entre materiais metálicos e a ocorrência de câncer oral, como proposto por Yesensky et al., 20, que analisaram se a exposição prévia a materiais dentários metálicos (como aparelhos ortodônticos, por exemplo possuíam algum efeito causal com o CEC em pacientes que não utilizam tabaco e álcool. A hipótese para esse estudo foi que a liberação de íons por esses metais podem levar a um dano no DNA, porém não foram encontradas evidências que suportem essa relação causal. Portanto, mais estudos nessa área são necessários para investigar se esse fator pode ser considerado um risco para o desenvolvimento de câncer.
Por fim, analisando fatores de prognóstico do paciente, como a incidência de metástase a distância, nota-se que esta não sofre influência de fatores considerados de risco para a incidência do câncer bucal, como por exemplo gênero, idade, hábito de fumar e consumo de álcool 5 (Tabela 2).
CONCLUSÃO
Considerando o levantamento realizado na presente investigação, pode-se concluir que as neoplasias orais malignas a mais frequente é o carcinoma oral de células escamosas; os principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença incluem o tabagismo, consumo de álcool, sexo (com maior incidência para o masculino) e idade dos pacientes (sendo mais frequente na faixa etária acima de 50 anos). Fatores socioeconômicos também mostraram ter interferência sobre o desenvolvimento, diagnóstico e tratamento das neoplasias.