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Educación

versión impresa ISSN 1019-9403versión On-line ISSN 2304-4322

Educación vol.33 no.64 Lima ene./jun. 2024  Epub 15-Abr-2024

http://dx.doi.org/10.18800/educacion.202401.e002 

Ensayos

A educação na adolescência: consequências do lockdown e da aceleração*

Educación en la adolescencia: consecuencias del confinamiento y la aceleración

Education in adolescence: consequences of lockdown and acceleration

Alexandre Anselmo Guilherme1  **
http://orcid.org/0000-0003-4578-1894

Fernanda Felix De Oliveira1  ***
http://orcid.org/0000-0003-2610-1793

1Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Brasil

Resumo

O presente trabalho tem como temática as consequências do lockdown na educação, considerando o contexto da aceleração social. Questiona-se, qual é a (re)construção necessária para a educação de adolescentes. Para tanto, analisa-se as potencialidades do cérebro adolescente defendidas por Daniel Siegel. O trabalho apresenta uma pesquisa bibliográfica, estruturada a partir de uma análise sobre a aceleração social e seus impactos educacionais após o lockdown. Entende-se que fase da adolescência é essencial para o desenvolvimento de potencialidades no contexto educacional. Sob tal perspectiva, desenvolve-se uma análise filosófica sobre a escola, apontando-a como um espaço de (re)construção de práticas que convidem os adolescentes a escutar o mundo. Portanto, a escola, como espaço de (re)criação dos sujeitos em tempos de aceleração deve estimular as potencialidades no período da adolescência, como a criatividade e a abertura para a novidade.

Palavras-chave: educação; aceleração social; lockdown; adolescência; escola

Resumen

Este trabajo tiene como objetivo analizar el impacto del lockdown en la educación en el contexto de la aceleración social. En este trabajo, problematizamos la (re)construcción necesaria para potenciar la educación de los adolescentes. Desde esta perspectiva, se analiza el potencial del cerebro adolescente, como defiende Daniel Siegel. El presente estudio emplea una metodología de investigación bibliográfica para investigar el impacto de la aceleración social en la educación tras el lockdown. Señalamos que la fase de la adolescencia es crucial para el desarrollo de las potencialidades en el contexto educativo. En este sentido, se realiza un análisis filosófico de la escuela, destacándola como espacio de (re)construcción de prácticas que estimulen a los adolescentes a escuchar el mundo que los rodea. Por lo tanto, la escuela debe iluminar las potencialidades de la adolescencia, como la creatividad y la apertura a la novedad, como espacio de (re)creación de sujetos en tiempos de aceleración.

Palabras clave: educación; aceleración social; lockdown; adolescencia; escuela

Abstract

This paper aims to analyze the impact of lockdown on education in the context of social acceleration. In this paper, we address the necessary (re)construction required to enhance the education of adolescents. From this perspective, it examines the potential of the adolescent brain, as advocated by Daniel Siegel. The present study employs a bibliographical research methodology to investigate the impact of social acceleration on education in the aftermath of the lockdown. We emphasize that the adolescent phase is crucial for the development of potentials in the educational context. In this vein, a philosophical analysis of the school is conducted, highlighting it as a space for (re)constructing practices that encourage adolescents to listen to the world around them. Therefore, the school must illuminate the potential of adolescence, such as creativity and openness to novelty, as a space for (re)creating subjects in times of acceleration.

Keywords: education; social acceleration; lockdown; adolescence; school

1. Introdução

Você não parece convencido? O mal-estar ainda está lá? Isso é porque eu o tranquilizei um pouco demais. Você se sente ainda pior? Você odeia esta metamorfose? Você quer voltar a ser um ser humano antiquado? Você está certo. (Latour, 2021, p. 14) [Tradução nossa].

Bruno Latour em sua obra After Lockdown: a Metamorphosis expressa, por meio filosófico e literário1, o sentido do lockdown, o qual na sua perspectiva, mudou a forma como nos relacionamos uns com os outros e como entendemos o mundo. O autor afirma que a geração de antes e de depois do lockdown não se comporta da mesma maneira (Latour, 2021). Então, a educação de antes e depois do lockdown não se relaciona da mesma maneira? Ao apontar o lockdown como referência é preciso considerar que dentro do escopo de atuação da escola, dentro do distanciamento social, a educação remota emergencial2 foi a forma de evitar um total abandono do contexto escolar e transpor a sala de aula para dentro das casas e seus núcleos familiares - claro, pode-se dizer que a escola está para além do seu espaço físico, todavia, quais as consequências desta transposição?

Latour problematiza as relações em vários aspectos na obra mencionada e, certamente, aponta a interação dos sujeitos com a ideia de liberdade. É possível que o isolamento social tenha proporcionado uma nova relação com a sensação de liberdade, mesmo dentro de suas casas, foi possível se mover livremente sem ser interrompido por algumas barreiras da vida acelerada das cidades: filas, trânsito, atrasos, entre outros. Todavia, a falta de restrição de liberdade também impactou o âmbito da sala de aula, porque algumas mediações fazem parte da escola e da vida cotidiana dos estudantes, de modo que é preciso promover um ambiente de restrições de liberdades para se consolidar a rotina escolar. É evidente que Latour ressalta que não é possível estabelecer as mesmas relações de modo remoto como ocorre de modo presencial. Dessa forma, a escola também tem uma nova relação antes e depois do lockdown. Pode-se estabelecer como positiva ou negativa essa mudança? A perspectiva da mudança, por si só, chama atenção e convida a reanalisar os processos intrínsecos às práticas educacionais. A educação, certamente, não se comporta da mesma maneira após o lockdown.

Ao falar em educação é preciso falar na construção que este sistema necessita para manter-se efetivo. Ora, a efetividade da educação é questionada em diversos aspectos, sobretudo, na necessidade de reposicionar-se no contexto da aceleração social. A aceleração é um fenômeno social que abrange a relação do desenvolvimento tecnológico e seu desdobramento na forma de vida social e na relação com a temporalidade. A perspectiva analisada aqui é: qual a (re)construção necessária para a educação de adolescentes nos desafios da aceleração social? Para tanto, precisamos posicionar a ideia da consolidação da educação ou a reconstrução desta na sociedade acelerada. A educação, mesmo em seu sentido mais amplo, não deve se distanciar da realidade em sua volta, caso contrário, não é possível chamar de educação. Visto que educação se compreende como “a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento” (Abbagano, 2007, p. 305). A relação entre educação e Paidéia, remontando o termo grego clássico, também denota a relação entre educação e cultura - o ato de transmitir para as novas gerações os conhecimentos e elementos culturais. Uma sociedade se fortalece por meio da educação. A formação social passa necessariamente pela construção educacional de seus cidadãos desde a Grécia Antiga e sua ideia de pólis. Dentro deste escopo de análise, o qual a Filosofia ocidental também está pautada, o conceito de Aristóteles de animal político é um ponto interessante para este artigo, pois, traçou-se como marco histórico o contexto de isolamento social durante a pandemia de COVID-19. O filósofo Aristóteles, em sua obra A política, aborda a percepção do homem como um animal político. Diz o filósofo: “é, portanto, evidente que toda Cidade está na natureza e que o homem é naturalmente feito para a sociedade política. [...] Assim, o homem é um animal cívico [político], mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos” (Aristóteles, 1991, pp. 3-5). Tal percepção corrobora com a ideia de que a interação social é fundamental para o desenvolvimento humano, visto que é intrínseco à sua natureza. A sociabilidade na adolescência é um aspecto essencial da construção individual dos sujeitos, a qual foi severamente afetada pelo lockdown, e é constantemente impactada pelas mídias digitais.

Ora, é evidente que o lockdown reforçou a necessidade que os seres humanos têm de socializar, de viver em sociedade e de desenvolver as relações interpessoais. Na ausência da possibilidade do contato físico, percebeu-se os impactos e as dificuldades intrínsecos ao distanciamento. A escola desempenha papel fundamental neste escopo, pois, é na escola que as esferas sociais são construídas - de modo a compreender os limites das ações, os afetos e os desafetos, os conflitos e as resoluções. Neste ponto, durante a educação remota emergencial a escola perdeu uma estrutura fundamental de construção individual e coletiva, sobretudo, na adolescência, a socialização.

Pode-se dizer que a educação se expressa em um conceito metafísico de transmissão de conhecimento e construção social, representada como instituição social. Dessa forma, a escola recebe muitas críticas sobre suas condições e construções. Neste ponto, é preciso estabelecer duas considerações importantes desta análise: I.A escola como expressão da educação na nossa sociedade, desempenha um importante papel social; II. A educação na nossa sociedade precisa ser repensada, visto os termos da aceleração social na relação do tempo, sobretudo, no período da adolescência.

O presente ensaio estrutura-se em quatro eixos de análise. O primeiro, Depois do lockdown no contexto da aceleração social, aborda o fenômeno da aceleração e seus impactos sociais e educacionais no pós-lockdown. O segundo, Adolescência em perspectiva, apresenta, a adolescência, como uma fase de desenvolvimento crucial, deve ser compreendida a partir de sua potencialidade educacional, sobretudo no tocante a abertura para o novo e a criatividade. O terceiro, educ(ação) e relação; aborda uma perspectiva filosófica sobre a educação e a escola, desdobrando questionamentos sobre o papel da escola na adolescência. O quarto, A escola da cri(ação), desenvolve a ideia de criatividade na escola, destacando aspectos práticos que podem ser considerados para o desenvolvimento das potencialidades mencionadas. Por fim, as considerações finais analisam a digitalização e suas implicações nas questões educacionais, encerrando assim este ensaio.

2. Depois do lockdown no contexto da aceleração social

O fenômeno social chamado de aceleração vem sendo apresentado por diversos pensadores na sociologia do tempo, destaca-se Hartmut Rosa. Para o pensador, a aceleração é resultante do sistema econômico e recursos tecnológicos, os quais viabilizam o aumento da produtividade, a redução na temporalidade dessa produção, e claro, o lucro. Diversas tecnologias intensificam esse sistema de produção e redução temporal. Como por exemplo, o desenvolvimento no transporte, na comunicação e na produção, os quais são os elementos fundamentais deste fenômeno, chamado de “círculo da aceleração”, consistindo em uma inter-relação entre a aceleração técnica, a aceleração da mudança social e a aceleração do ritmo de vida (Rosa, 2013).

A saber, o advento das diferentes tecnologias tornou possível uma transmissão de informação e conhecimentos em um curto espaço de tempo. O ritmo de vida é cada vez mais acelerado e isso é cada vez mais precoce entre os indivíduos. Conforme Rosa (2019) na obra Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade apresenta a ideia de sociedade acelerada, na qual:

Contém em si (através de inúmeros pressupostos estruturais e culturais) uma junção de ambas as formas de aceleração - a aceleração técnica e a intensificação do ritmo de vida através da redução de recursos temporais - e da tendência à aceleração e ao crescimento. ( p. 135).

Assim, é possível perceber uma relação entre os ritmos de vida e as diferentes tecnologias digitais que se apresentam aos sujeitos do século XXI. A dinamicidade das interações por meios digitais trouxe uma espessura diferente para o tempo. É possível fazer diversas coisas ao mesmo tempo e até mesmo economizar tempo nas atividades diárias. Há aplicativos que facilitam as relações e reduzem o tempo que se gastaria procurando ou produzindo algo. Isto é, “a sobreposição de atividades, a redução nas horas de sono, a corrida por uma alimentação sem perda de tempo” (Citelli, 2017, p. 16). À vista disso, quanto mais possibilidades de economizar tempo para a realização de alguma tarefa, mais a quantidade de tempo para fazer mais atividades e menor o tempo restante entre todas as demandas. Estas questões transformaram as sociedades e os sujeitos do século XXI.

Dessa forma, o ethos3 da sociedade contemporânea é composto pela lógica acelerada de economia de tempo. O tratamento do tempo está pautado em uma busca por economizá-lo para realizar o máximo de atividades possíveis a partir da redução de tempo para cada atividade. Os adventos tecnológicos desempenham um papel crucial na redução de tempo e no aumento de produção; isso denota que a aceleração social é um resultado de que as “linhas de produção”4 ultrapassaram a lógica das indústrias, passando a compor o dia a dia dos sujeitos. Economiza-se tempo em atividades que são consideradas básicas para a vida humana como comer, relacionar-se, dormir, realizar tarefas, visando uma maior produtividade para outras atividades. Essas ações são otimizadas e facilitadas por meio das noções de “fast-food, speed dating, power nap e ainda multitasking” (Rosa, 2019, p.128). A relação com ações como comer e dormir se modificam, evidenciando que mesmo questões que fisiologicamente são indispensáveis entrem na esquematização temporal da aceleração. O tempo é a moeda da aceleração social; o discurso que “mais vende” é aquele que promove economia de tempo. Isso resulta em sujeitos que vivem na ausência5 de suas presenças aceleradas.

Conforme mencionado, a compreensão de tempo modificou e incorporou a ideia de dinamicidade e produtividade. Visto isso, é adequado mencionar o autor Adilson Citelli, na obra Comunicação e educação: os desafios da aceleração social do tempo: “o século XX carregou consigo um tratamento especioso do tempo, na medida em que a velocidade, o contato célere emitido pelos meios de comunicação, a ideia de um encurtamento do espaço, foram se impondo como realidades inescapáveis” (Citelli, 2017, p. 15). Reforça-se que não há educação sem relação com a realidade, portanto, como desacelerar o processo de educação na sociedade da pressa? Este é o fato aqui, a educação precisa ir de encontro a visão mecanicista e, mais ainda, da aceleração nas relações. O ato de educar deve ir em contrapartida do modus operandi de ser produtivo para alcançar a tão almejada produtividade. O conhecimento não é uma produção, mas sim um processo de construção. Criar espaços de ensino e aprendizagem como no caso da escola é possibilitar redes de colaboração, engajamento e descoberta. A educação precisa resgatar a presença dos estudantes. Por presença, entende-se a atenção ao tempo presente.

São diversos os esforços para digitalizar a educação, visando torná-la mais atrativa, mais produtiva e, talvez, com respostas mais imediatas. O lockdown forçou as escolas a migrarem suas comunicações e relações de modo emergencial para o digital. Pode-se dizer que foi a solução possível no momento para dar continuidade aos processos pedagógicos. Contudo, esse fato trouxe a necessidade de repensar à proporção que a digitalização deve ter nos espaços educacionais. O pensador Joris Vlieghe apresenta a visão de que a tecnologia digital é uma via dupla, isso porque “todas as tecnologias são “pharmaka”, ou seja, significam que, como os remédios, curam e envenenam ao mesmo tempo” (Vlieghe, 2013, p. 529) [tradução nossa]. A educação precisa se posicionar de forma a regular a quantidade de “pharmaka” necessária para auxiliar nos processos pedagógicos, controlando a utilização exacerbada de digitalização.

No tocante aos meios de comunicação digital, como as redes sociais, têm se transformado em verdadeiros dilemas educacionais, se por um lado há inúmeras possibilidades, por outro lado os riscos parecem maiores do que os benefícios. Isto é “de um lado facilidade para circular informações e, de outro, a superficialidade nas relações” (Citelli, 2017, p. 16). Por um lado, as tecnologias de informação e redes sociais possibilitam a interação, mesmo à distância, por outro lado há uma dificuldade em regular novos processos de aprendizagem para estudantes no período da adolescência. Para abordar sobre a educação em tempos de pandemia e os diversos desafios e novas perspectivas pedagógicas intrínsecas a isto, é essencial compreender as mudanças significativas que o cérebro adolescente passa e, ainda, a necessidade de compreender as potencialidades desta etapa, que devem ser estimuladas para uma vida adulta plena. Considera-se importante o conhecimento das potencialidades do cérebro adolescente, por ser uma fase do desenvolvimento humano de complexas e diversas mudanças, tanto no que se refere às questões corporais e hormonais como aquelas que estão atreladas às mudanças do cérebro.

É fundamental compreender a adolescência como uma fase do desenvolvimento humano com diversas potencialidades a serem desenvolvidas. Mais ainda, é vital dispor o olhar sobre a adolescência no período da aceleração social. A próxima seção apresentará a adolescência e suas principais características no desenvolvimento do cérebro, as quais influenciam no comportamento e nas relações.

3. Adolescência em perspectiva: a condição de possibilidade para a (re)construção da educação

Todos os educadores que trabalham diretamente com os adolescentes já tiveram um momento em que se sentiram extremamente gratos pela experiência de ouvir as ideias ou perceber o engajamento de um adolescente em determinada situação. Ou extremamente confusos por não alcançarem o envolvimento esperado dos adolescentes ao longo de alguma proposta de aula. Sem dúvida, a relação de sala de aula no período da adolescência é um desafio constante, visto que existem diversas particularidades no cérebro em desenvolvimento de um adolescente. Depois do lockdown, sentiu-se a necessidade de repensar e reconstruir as práticas para reconduzir ou mesmo reintroduzir os adolescentes no contexto de sala de aula; muitas foram as razões para tanto: ressalta-se as sociais e as normativas.

Sabe-se que as mudanças hormonais ocorridas no corpo do adolescente são diversas, mas é preciso atentar ao cérebro adolescente e suas potencialidades. O autor Daniel J. Siegel,6 na obra Cérebro adolescente: o grande potencial, a coragem e a criatividade da mente dos 12 aos 24 anos, aponta para a essência da adolescência. Para Siegel (2016) , ainda é necessário desconstruir o caráter negativo que muito foi relacionado ao período da adolescência. Para tanto, é preciso dar ênfase às potencialidades dos adolescentes. É evidente que há um contraste de gerações entre os idosos, adultos e adolescentes que propiciaram diversas visões inadequadas sobre o universo adolescente. Entretanto, é fundamental que os profissionais da educação busquem estimular as características peculiares da adolescência. Para tanto, é fundamental compreender quais características das mudanças do cérebro de um adolescente devem ser levadas em conta para potencializar a sua atenção com o mundo e com os seus estudos, haja vista as dificuldades de interação e organização após o lockdown e a educação remota emergencial - as consequências destes períodos serão sentidas nos próximos anos.

Segundo Siegel (2016), “o cérebro influencia tanto a mente como as relações interpessoais. Compreendê-lo significa, portanto, potencializar a forma de relacionamento social dos adolescentes” ( p. 11). Atribui-se o desenvolvimento da maturidade ao período dos 12 aos 24 anos, segundo o autor, quando “a mente altera a forma como lembramos, pensamos, racionalizamos, nos concentramos, tomamos decisões e nos relacionamos com os outros” (Siegel, 2016, p. 11). Por esta razão, é fundamental compreender mais a fundo o desenvolvimento do cérebro de um adolescente para que seja possível articular as diferentes maneiras de potencializar o desenvolvimento sadio da mente.

Siegel (2016) ressalta as quatro principais características do crescimento do cérebro adolescente, que diferenciam o seu desenvolvimento: busca por novidade, engajamento social, aumento da intensidade emocional, exploração criativa. É preciso estimular tais características para que haja um equilíbrio das mesmas durante este período, para que se mantenham na vida adulta. Por isso, é essencial estimular os adolescentes quanto às suas principais características e, principalmente, demonstrar para eles as possibilidades desempenhadas neste período.

A adolescência se apresenta como um objeto interessante de análise, pois as principais características do desenvolvimento cerebral podem ser um estímulo ou um entrave para as perspectivas educacionais como o engajamento em sala de aula. A verdade é que os adolescentes do século XXI encontram-se dispostos em ritmos acelerados de vida. Há novas concepções do tempo e de produção ou aproveitamento dele. Então, a educação é o meio capaz de estimular e concretizar alguns elementos fundamentais para a vida adulta e, também, de desacelerar o entendimento de tempo instantâneo e resultados imediatistas.

Ressalta-se, portanto, o aspecto desta fase do desenvolvimento que, no período de isolamento social, foi arduamente afetado - o engajamento social. Conforme referido, o ser humano é um animal político. Isto é, um ser sociável, que procura viver em sociedade e se desenvolver em sociedade. O isolamento vai de encontro a tal perspectiva, visto que os sujeitos passaram a integrar mais o seu núcleo familiar do que interagir com os demais membros da sociedade. O engajamento social, diz Siegel (2016), apoia a jornada de vida dos adolescentes, pois, por meio do impulso para a sociabilidade, o adolescente estabelece relações de apoio. Outro aspecto importante a ressaltar é o fato de que os adolescentes se identificam com seus pares e estar fora do meio social e da escola ou faculdade tem um impacto significativo na vida de cada indivíduo. Neste ponto, cabe ressaltar que duas mudanças são universais na adolescência: a puberdade7 e o afastamento dos pais, para buscar maiores interações com os pares (Siegel, 2016). As medidas emergenciais tomadas para contemplar a continuidade das aulas no período do lockdown refletiram na realização do engajamento social. As próprias redes sociais, muito criticadas devido ao caráter superficial das relações estabelecidas, tornaram-se um meio importante para manter a interação social. Com isso, intensificou os problemas relacionados às mediações das mídias digitais e a possibilidade do consumo imediato e constante.

Outros dois aspectos do desenvolvimento do adolescente são a abertura para novidades e explorações criativas. Estes dois pontos são fundamentais para entender o quão essencial é desenvolver a abertura ao novo e à criatividade. Um dos maiores entraves ao desenvolvimento de uma educação crítica é o fechamento dos indivíduos nas suas próprias perspectivas, descartando as novas possibilidades. Durante a adolescência, há uma busca por novos estímulos e desafios. Por isso, os “adolescentes têm o ímpeto de criar um novo mundo” (Siegel, 2016, p. 31). Sob tal análise, é preciso instigar nos adolescentes tal abertura e engajamento com relação às novidades. Sabe-se que o novo causa sempre um estranhamento e desequilíbrio no entendimento. Mas é na perspectiva desta desacomodação, causada pelo novo, que há possibilidade de haver um engajamento, ainda maior, dos adolescentes. Siegel (2016) enfatiza que “a adolescência não é apenas uma etapa a ser superada e sim uma etapa da vida para ser cultivada da forma certa” ( p. 74). Visto isso, é preciso encarar a adolescência não como uma fase de imaturidade, mudanças hormonais e desequilíbrio emocional, e sim como uma fase de “mudanças de desenvolvimento vitalmente importantes que permitem o surgimento de novas habilidades” (Siegel, 2016, p. 74). Dessa forma a escola precisa convidar as novas gerações, os adolescentes, a conhecerem a sua essência e conhecerem o mundo a sua volta. A partir disso, a próxima seção apresentará uma abordagem filosófica sobre a escola e a sua possibilidade de mudar o olhar.

4. Educ(ação) e relação

A educação é composta por pessoas, das mais diferentes perspectivas e fundamentações teóricas. A educação não é unidirecional, ela é multidirecional e porque não pluridirecional. Isto porque a educação vai além da relação educador e estudante, neste caso adolescente. A educação é composta pelo meio, pelo tempo, pelas pessoas, pelos sentimentos e por uma totalidade de questões intrínsecas que compõem o mundo. É complexo pensar e fazer a educação entrar em ação, destarte, os mais diversos teóricos buscaram fundamentar o universo de ações e relações presentes no âmbito educacional.

De acordo com Siegel, “quando encaramos nossa centelha emocional, nosso engajamento social, nossa busca por novidades e nossas explorações criativas como aspectos positivos e necessários do que os adolescentes são - e de quem poderiam se tornar como adultos se puderem cultivar essas qualidades” (Siegel, 2016, pp. 74-75). Para tal, vê-se a oportunidade de demonstrar aos adolescentes seu potencial criativo e quão valorativo é para a educação a abertura para o novo. Para corroborar com a ideia da necessidade de abertura para o novo, é vital mencionar o professor e autor Jan Masschelein:8

Um de nossos principais esforços na educação deveria ser despertar uma consciência crítica com os estudantes de que cada “mundo9” é apenas uma visão do mundo, apenas uma visão, uma perspectiva, cada pessoa tendo sua própria perspectiva para que tenhamos uma pluralidade de perspectivas (Masschelein, 2010, p. 276).

Sob tal perspectiva, é possível compreender a necessidade de abertura para novas perspectivas. A educação precisa do novo e aqueles que se fecham para o diferente e para o novo tornam-se um entrave para o desenvolvimento. Masschelein (2010) fomenta uma atitude libertadora, de despojar-se de “máscaras de sabedoria”, isto é, a falsa impressão de que se sabe de tudo ou que uma única perspectiva é correta, no caso a sua. O educador deve “ajudá-los a abrir os olhos, ou seja, tornar-se (mais) conscientes sobre o que realmente está acontecendo no mundo e tomar consciência de como o próprio olhar está ligado a uma perspectiva e a uma posição particular” (Masschelein, 2010, p. 27). A perspectiva do autor está longe de uma defesa à educação digital, porém, ressalta a necessidade da atenção com a perspectiva do olhar.

Masschelein desenvolveu uma metodologia chamada “mudando o olhar” (E-ducating the gaze). Ele compreendia que há um fechamento de alguns estudantes sobre o mundo em suas opiniões. Entendendo, então, a necessidade de uma reabertura do olhar do individual para o coletivo, “Masschelein sustenta que é necessário pensar em uma educação que vai além da busca por emancipação dos sujeitos, da crítica e da autonomia, como proposto pela Pedagogia Crítica” (Oliveira, 2019, p. 22). É vital que os educadores auxiliem os estudantes “a abrir os olhos, ou seja, tornar-se (mais) conscientes sobre o que realmente está acontecendo no mundo e tomar consciência de como o próprio olhar está ligado a uma perspectiva e a uma posição particular” (Masschelein, 2010, p. 276). O objetivo do educador é “transformar o mundo em algo ‘real’” para os estudantes, como fazer o mundo “presente”, estar presente no presente (Masschelein, 2010, p. 276). O mundo não é uma realidade “original” por trás da perspectiva de cada um, mas sua evidência, o “aí está” ou “estar lá” (Masschelein, 2010, p. 276). Na metodologia “mudar o olhar” propõe mudar a relação com o tempo, a qual está afetada devido a aceleração social. Também há um convite para a forma como se deposita a atenção e na permanência desta relação de atenção, por meio do olhar, que possibilita uma contraposição à lógica de economia de tempo, por exemplo.

O imediatismo e a superficialidade se apresentam como reflexos da aceleração. Os meios digitais e redes sociais como meio de comunicação,10 seguem sendo desafios aos educadores, porque muitas vezes nestes espaços a interação se torna superficial. Em contrapartida, é necessário entender que as tecnologias digitais são parte da educação, e é preciso criar espaços de reflexão, buscando convidar os adolescentes a olharem para esse fenômeno e colocarem a sua atenção nos seus impactos. Haja vista, o período da adolescência apresenta uma abertura ao novo, isso deve auxiliar aos educadores a oportunizarem espaços de novas reflexões e, possivelmente, novos olhares. Mais ainda, convidar a nova geração a olhar para o presente, de modo crítico, e pensar como as rel(ações) com o mundo ocorrem. Sob tal perspectiva, cabe questionar, então, qual o papel da escola? Masschelein e Simons (2014) abordam tal análise na obra Em defesa da escola: uma questão pública.

O pensamento atual sobre a educação tende a reiterar a noção de que a escola é para a aprendizagem, e não para a educação; que a aprendizagem é ativa, não passiva; que o aprendiz deve ser o ponto de foco e que a “escola” é, na verdade, equivalente a um - de preferência, rico - “ambiente de aprendizagem”. Todavia, se pararmos para pensar sobre isso por um momento, rapidamente se torna claro que equiparar a escola com um ambiente de aprendizagem nos priva da visão da educação escolar típica. Afinal, a aprendizagem é algo experimentado por todos, em todos os lugares e em todas as épocas (e até mesmo por coisas, tais como organizações ou a sociedade em si; pense na organização de aprendizagem, na sociedade de aprendizagem, etc.). E, é claro, já sabemos há muito tempo que muitas coisas podem ser melhores e mais rapidamente aprendidas fora da escola (Masschelein & Simons, 2014, p. 47)

Os pensadores explicitam o fato de que é possível aprender fora da escola; não obstante, a escola é essência e construção de saberes. Contudo, há um fato a ser reconhecido - a escola não é o principal espaço de aprendizagem. É preciso abrir-se para o conhecimento antes de tudo. Os espaços de interação e aprendizagem são facilmente explorados pelos adolescentes fora da escola. A escola necessita, fundamentalmente, ensinar o indivíduo a abrir o olhar de que há muito a aprender em diversos espaços. Isto é, há muito para ser e estar em diversas perspectivas. A escola deve convidar a voltar a atenção em si, no outro e no mundo, abrindo as diversas possibilidades de conhecimento e da capacidade de estar presente. Segundo Masschelein e Simons (2014), “a ‘experiência da escola’, como indicamos, é, em primeiro lugar, não uma experiência de ‘ter de’, mas sim de ‘ser capaz de’, talvez até mesmo de pura capacidade e, mais especificamente, de uma capacidade que está procurando por sua orientação ou destinação” (p. 47). Para compreender a escola e a educação em tempos de pós lockdown, a visão de Masschelein e Simons podem auxiliar na reestruturação pela qual a escola e a educação passam atualmente.

Vemos a educação como sendo orientada pelo objetivo e como provedora de direção ou de um destino. Isto implica que os adultos ditam o que as crianças ou os jovens (deveriam) fazer. Mas a educação consiste muito mais em não dizer aos jovens o que fazer, é sobre transformar o mundo (coisas, palavras, práticas) em algo que fala com eles. É encontrar uma maneira de tornar a matemática, o inglês, a culinária e a marcenaria importantes, em e por si mesmos (Masschelein & Simons, 2014, p. 51).

A educação deve ser uma forma de transformação, a escola deve convidar o sujeito para conhecer o mundo e por isso, rever a sua forma de se relacionar com o tempo, com as suas tarefas diárias e consigo mesmo. O tempo e espaço que a educação perpassa, não somente neste momento, mas sobretudo após o período de educação remota emergencial, precisa ser compreendido como um constante devir. De modo que a educação enfrenta uma constante mudança. Após o período de aulas online, muitos educadores refletiram sobre os comportamentos dos estudantes no retorno a presencialidade, enquanto alguns adolescentes apresentavam desinteresse ou falta de manejo com situações sociais, a questão sobre os efeitos das aulas remotas trouxe a luz ao fato de que o espaço presencial da escola é essencial. São diversos os motivos pelos quais a escola faz parte de uma instância necessária da vida social, sobretudo, porque “a tarefa da educação é garantir que o mundo fale com os jovens” (Masschelein & Simons, 2014, p. 51). Na visão dos autores, como tornar os jovens sensitivos ao mundo, atentos ao conhecimento. Para tanto, a escola é o espaço de possibilidade para apresentar o mundo para os adolescentes, convidando a se tornarem atentos ao tempo presente. Claro, para garantir que isto ocorra é necessário despir-se da compreensão de que o espaço escolar é o único meio de ensino-aprendizagem; Contudo, esse é o espaço capaz de trazer e de incentivar o engajamento, a atenção e a habilidade de escutar o mundo. Masschelein questiona o fato de que se vivemos no mundo em que a tecnologia digital está presente em todos os espaços e momentos, não seria a escola capaz de ser uma resistência ao processo? Mais ainda, um espaço de possibilidade para escutar o mundo para além das tecnologias digitais.

Os adolescentes, responsáveis pela nova geração de profissionais e educadores, são aqueles que precisam de apoio neste momento para desenvolver suas características essenciais e, portanto, devem ser estimulados na abertura para o novo e no diálogo com o mundo. Enquanto o novo é visto como um problema ou um entrave, os adolescentes podem demonstrar todo o seu engajamento social, mas para isso, precisam ser convidados para o mundo, e neste caso, a superação da esfera digital como principal meio de interação precisa se fazer presente na escola. Dessarte, a escola e os educadores devem propiciar atividades que convidem os jovens ao mundo. Para Masschelein e Simons (2014):

as crianças e os jovens experimentam um envolvimento no mundo [...] e percebem não apenas que têm que se iniciar no mundo, mas também que são capazes de começar. [...] não é uma questão de começar a partir do mundo imediato das crianças ou dos jovens, mas de trazê-los para a vastidão do mundo, apresentando-lhes as coisas do mundo (matemática, inglês, culinária, marcenaria) e, literalmente, persuadindo-os ao contato com essas coisas, colocando-os em sua companhia, para que essas coisas - e, com elas, o mundo - comecem a se tornar significativas para eles. É isso o que capacita o jovem a se experimentar como cidadão do mundo (p. 51).

Dessa forma, a escola é um espaço para que cada adolescente inicie a sua jornada crítica no mundo da aceleração. A próxima seção apresentará algumas possibilidades educacionais para o engajamento da adolescência nas propostas pedagógicas que estimulem os jovens sua atenção, sua criatividade, sua forma de ver o mundo.

5. A escola da cri(ação)

Os adolescentes necessitam de espaços de aprendizagem que, para além de compreender o contexto social vivenciado, também englobe as características desta fase, somente assim será possível garantir o reconhecimento das especificidades destes adolescentes. Fala-se em engajamento, em uma gama de possibilidades, porém, no contexto de sala de aula, muitas vezes, o envolvimento de um adolescente não é favorável ao que se deseja, há outros estímulos que lhe parecem mais atrativos do que o conteúdo programático. A ênfase dada à visão de Daniel Siegel é quanto à quarta qualidade do cérebro adolescente: a exploração criativa, a qual também se relaciona com a busca por novidade. Foi definida pelo autor como “um sentido expandido de consciência. O raciocínio abstrato e o novo pensamento conceitual do adolescente permitem o questionamento do status quo, abordando os problemas com estratégias inovadoras, com a criação de novas ideias e sua aplicação” (Siegel, 2016, p. 14). Mitchel Resnick apresenta, em sua obra Jardim de Infância para a vida toda, perspectivas que podem auxiliar no estímulo da criatividade. Resnick (2020) desenvolve reflexões acerca das construções de ensino e aprendizagem no jardim de infância como a necessidade de relações mais concretas com os demais níveis educacionais, e quiçá para toda a vida. Resnick (2020) argumenta sobre a ideia do processo criativo como uma “espiral da aprendizagem criativa”, presente, por exemplo, “enquanto as crianças do jardim de infância brincam com peças de montar, constroem castelos e contam histórias, elas se envolvem com todos os aspectos do processo criativo” (p. 10). Para o autor o espiral consiste em: imaginar, criar, brincar, compartilhar, refletir, imaginar. Resnick elucida as etapas deste processo, as quais consistem em: imaginar a partir de seus processos mentais, representações, símbolos e significações. Criar como consequência do processo, visto que não é possível ficar apenas no plano imaginário, é fundamental tornar as ideias em ações. Brincar, permitir fazer experiências e interações. Compartilhar, estar para além de expor a sua construção, e sim, auxiliar no processo do outro. Refletir, um elemento mais abstrato, o qual, com o tempo, os próprios sujeitos refletem sobre os seus processos e criações. Por fim, imaginar novamente, porque posterior ao constructo mencionado de imaginar até refletir, é possível desenvolver novas ideias a partir das anteriores. (Resnick, 2020). Sob tal perspectiva, a criatividade é coletiva.

Dessa forma, as práticas educacionais carecem de uma abordagem com espaços mais abertos de imaginação, co-criação, compartilhamento de ideias, reflexão sobre os processos. Uma forma de envolver o estudante no seu próprio processo de aprendizagem. Um exemplo prático, seria a elaboração de um júri simulado, como forma pedagógica, porque nele o adolescente imagina a composição de um julgamento a partir da análise de um caso, cria argumentos, elabora suas ideias sobre a temática, “brinca” nas interações possíveis dentro dessa representação de advogado, promotor, juiz. Compartilha suas argumentações, revisita a sua análise, auxilia no processo do outro e reflete sobre os processos vivenciados no júri, analisando o veredicto. A partir dessa prática, podem ser convidados a pensar em leis sobre o tema para seguir no espiral da imaginação e reflexão. Ou ainda realizar uma autoavaliação sobre sua atuação e a relação com o grupo. Essa exemplificação foi uma forma de evidenciar a prática e demonstrar como a criatividade pode tomar diversas formas de criação.

Para ratificar tais ideias, Resnick (2020) entende que para o auxílio no processo da criatividade é necessário construir um espaço em que os sujeitos possam desenvolver “projetos baseados em suas paixões, em colaboração com pares e mantendo o espírito de pensar brincando” ( p. 15). A defesa da criatividade, característica importante do cérebro adolescente, aqui é compreendida como potência organizacional do sujeito, mas por quê? Ora, o fato de que o processo criativo desenvolve algumas dimensões das quais são importantes para o processo de (auto)gestão dos sujeitos em seus processos, observa-se, na fala de Resnick (2020), a dimensão dos “quatro Ps da aprendizagem criativa”, são eles: “projetos, paixão, pares, pensar brincando” ( p. 16-17). Analisa-se o aspecto da paixão, a qual pode ser revisitada como uma forma do afeto, do afetar-se com aquilo que demonstra relevância. A visão dos pares é fundamental, sobretudo no processo da adolescência, porque trata-se do reconhecimento do outro que representa muito para o sujeito, que é seu par - o entende de modo mais íntimo, de forma mais próxima para a sua socialização de interesses, dúvidas e percepções. O brincar presume fazer, repetir, arriscar, engajar, ser em diferentes perspectivas. Em suma, a criatividade enquanto potência organizacional do sujeito, possibilita para o adolescente desempenhar o seu potencial, engajar-se em projetos diversificados que o convidem a conhecer o mundo de diferentes formas.

6. Considerações finais

A experiência vivencial dos sujeitos tem sido alterada à medida que ocorrem mudanças na forma de viver e perceber a duração temporal (Citelli, 2017, p. 17). O lockdown, quiçá, elevou os questionamentos educacionais para uma tomada de consciência coletiva de mudança temporal e interacional. A educação é o princípio basilar de uma sociedade bemorganizada; para tanto, é preciso investir na educação, sobretudo, dos adolescentes, lembrando que a escola também é um espaço para que as novas gerações possam conhecer o mundo e saber como agir criticamente perante os desafios do presente. Ademais, sabe-se do potencial de desenvolvimento dos adolescentes e é preciso prover um desenvolvimento saudável e que eles possam compreender suas habilidades e a importância delas para a educação.

Consoante Guilherme et al., (2018) “quebramos as barreiras físicas e temporais para podermos nos comunicar, estudar, trabalhar, informar e realizar atividades de lazer. A criação do ciberespaço11 desvinculado da concretude que pautou as relações humanas até o século XX” ( p. 43). Nunca se imaginou que este espaço, que vem rompendo as barreiras físicas, seria o principal meio de interação dos sujeitos na educação em meio à crise gerada pela Covid-19. Mais ainda, as consequências após essa utilização devem ser consideradas pelos próximos anos. O autor Ilan Gur-Ze’ev12 é um crítico e aborda uma perspectiva diferente sobre a utilização de meios digitais na educação.13

O autor critica os otimistas do ciberespaço por desconsiderarem o conflito decorrente da condição pós-moderna em seus estudos pautados na pedagogia crítica moderna. Para o autor, o ciberespaço é uma condição pós-moderna, articulada como máquina do prazer, mas que o imprevisível e o incontrolável acabam por emergir. Ou seja, os otimistas do ciberespaço sempre focam nas possíveis relações democráticas e dialógicas com o Outro permitidas pelo mundo digital, e este realmente nos abre um verdadeiro universo de possibilidades, mas que assim fazendo, nos levam a situações conflitantes com o Outro14 (Guilherme et al., 2018, p. 47).

Não há, portanto, na visão de Gur-Ze’ev (2006), a possibilidade de estabelecer o diálogo e o reconhecimento do Outro por meio dos espaços digitais. As redes sociais são um espaço de interação que, na maioria das vezes, aproxima aqueles que pensam de modo semelhante. Isso pode potencializar ideias e perspectivas pelo simples fato de unificar aqueles que acreditam na mesma pauta, distanciando as divergências existentes sobre. Guilherme et al. explicam que para Gur-Ze’ev os espaços digitais

[...] reforçam visões distorcidas sobre o Outro que pensa diferente de mim, fortalecendo uma falta de criticidade por parte dos sujeitos. Sendo estabelecido pelos tempos de cibercultura, o ciberespaço e suas interações/comunicações ocorrem a quase todo instante e de forma massiva por aqueles que ‘o habitam’, e este sujeito/habitante torna-se agente do sistema modelador, sem mesmo perceber-se (Guilherme et al., 2018, p. 53).

Gur-Ze’ev corrobora o pensamento que há um caminho árduo para tornar as relações interpessoais, consolidadas por meios digitais, seguras, críticas e éticas. Contudo, a educação é plural e deve ressignificar seus processos na medida em que há mudanças sociológicas. A educação dos adolescentes no contexto da aceleração social é um caminho de reconstrução para a relação entre o presencial e digital, a escola enquanto instituição pode ser uma resistência consciente ao ciberespaço, utilizando os espaços digitais para usufruir de seus benefícios como introdução de programação na escola, utilização dos materiais para pesquisa, entre outros. Contudo, a escola precisa resistir às relações estabelecidas de modo digital e reforçar a necessidade de consolidar relações de reconhecimento do outro e do mundo - embora seja mais complexo e desafiador. Como por exemplo, a escola precisa fomentar em suas práticas momentos de reflexões sobre a forma como a sociedade se relaciona com a digitalização, trazendo problematizações sobre como as redes sociais impactam na vida dos sujeitos, na adolescência, como isso afeta nas formas de relação, de consumo, de julgamento de aparências, dentre outros.

Conforme referido, os adolescentes têm o potencial de criação, de inovação e de engajamento social capaz de beneficiar os processos de sala de aula. É preciso ficar atento ao processo de amadurecimento dos adolescentes e estimular suas características essenciais por meio de atividades, feedbacks e momentos para conhecerem mais sobre a fase a qual estão passando. É indispensável despir-se dos estereótipos sobre a adolescência e compreender de forma integral essa fase do desenvolvimento e a grandiosidade de suas características, as quais devem ser trabalhadas, conservadas e potencializadas para uma vida adulta.

Siegel (2016) sinaliza a necessidade de compreensão dos adolescentes em sua essência - consoante. Para Siegel (2016) é preciso dispor luz às habilidades e características dos adolescentes para que seja possível uma vida adulta com engajamento social, criatividade, centelha emocional e busca por novidades. Por isso, a “adol-ESSÊNCIA” é condição suficiente para a “adult-ESSÊNCIA” (Siegel, 2016, p. 17). Isto é, os adolescentes têm em sua essência a busca por novidade, “buscamos e criamos novas experiências que nos engajam completamente” (Siegel, 2016, p. 17), entre outras características já mencionadas, cabe aos educadores e famílias o estímulo ao desenvolvimento de tais atributos. A educação é um processo contínuo que deve acompanhar as mudanças, de modo especial a aceleração social. A escola, como instituição fundamental neste processo, precisa ser um espaço de ação que torne o presente uma construção de novas possibilidades e um convite de enxergar o mundo de forma crítica e engajada no momento presente.

Referências

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* O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES). Código de financiamento 001.

1O autor faz referência à obra A Metamorfose de Franz Kafka.

2Sob tal perspectiva cabe ressaltar que o modelo de educação a distância para a educação básica é uma forma de distância emergencial, conforme a análise disposta no artigo The Difference Between Emergency Remote Teaching and Online Learning (Hodges et al., 2020).

3Utiliza-se o ethos como o modo de ser, a construção do ser devido ao contexto aplicado.

4Compreende-se as linhas de produção como uma forma de relação entre sujeito e produtividade no âmbito industrial.

5Há uma abordagem interessante da autora Donna Haraway sobre a urgência dos tempos e a ausência dos sujeitos, em que apresenta uma alternativa a isso a partir da percepção do tempo presente e de ficar com o problema, sobre a temática ver: Haraway, D. (2016). Staying with the Trouble. Duke University Press.

6Daniel J. Siegel é professor clínico de Psiquiatria na Escola de Medicina da Universidade da Califórnia - Los Angeles (UCLA), codiretor do Mindful Awereness Research Center e diretor executivo do Mindsight Institute (Siegel, 2016).

7De acordo com o Manual de Orientação Infanto Puberal, a puberdade é o período de transição entre a infância e a vida adulta, durante a qual é adquirida a maturidade reprodutiva. Caracteriza-se por transformações físicas e psíquicas complexas.

8Jan Masschelein, atualmente, é professor emérito de Filosofia da Educação e membro do Laboratório para Educação e Sociedade da Universidade de Leuven (Bélgica).

9 Por mundo, entende-se a ideia de realidade, nos aspectos sociológicos e filosóficos.

10 No artigo “Linguagem na internet: diálogo nas atividades de leitura e escrita”, a autora Eliana Nagamini evidencia o fato de que as redes sociais tornaram possíveis novas maneiras de interação entre as pessoas com novas formas de expressão. Como, por exemplo, “no WhatsApp ou no Facebook, [...] é comum a interação por meio de emojis, emoticons e da escrita abreviada de palavras” (Nagamini, 2017, p. 131). Conquanto, não deve ser estimulado na educação a distância a utilização de tal forma de interação, pois a linguagem deve ser também desenvolvida.

11 Para saber mais, ver o artigo “Contra-educação e cibercultura: uma interlocução possível à luz da cidadania global” (Guilherme et al., 2018).

12 Nem sempre há uma abordagem otimista em face do ciberespaço.

13 Ressalta-se, nesta abordagem, que Gur-Ze’ev é um crítico da pedagogia crítica. Sobre tal aspecto ver: A Bildung e a Teoria Crítica na era da Educação pós-moderna (Gur-ze’ev, 2006)

14 A ideia do Outro refere-se ao filósofo Emmanuel Levinas e sua ética da alteridade.

18Cómo citar este artículo: Guilherme, A., & Oliveira, F. F. (2024). A educação na adolescência: consequências do lockdown e da aceleração. Educación, XXXIII(64), 241-260. https://doi.org/10.18800/educacion.202401.E002

Recebido: 30 de Abril de 2023; Aceito: 20 de Fevereiro de 2024

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Possui graduação MA Honours em Filosofia - University of Edinburgh (2001), mestrado MLitt em Filosofia - University of St Andrews (2002), doutorado PhD em Filosofia - Durham University (2008), e pós-doutorado pelo Institute of Advanced Studies in Humanity, University of Edinburgh (2010). Trabalhou nas universidades de Edinburgh, Durham e Liverpool Hope University. Lecionou na área de pedagogia, licenciatura e pós-graduação em educação, formando professores para o ensino fundamental e médio no Reino Unido; no Brasil, continua com essa atuação a nível de graduação e pós-graduação. Correo electrónico: alexandre.guilherme@pucrs.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4578-1894

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Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), realizando Doutorado Sanduíche em KU Leuven - Bélgica. Mestra em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Possui experiência na pesquisa em Filosofia nas áreas como Filosofia Política, Bioética e Filosofia da Educação. Correo electrónico: fernanda.o@edu.pucrs.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2610-1793

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