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Revista de Psicología (PUCP)

versão On-line ISSN 0254-9247

Revista de Psicología vol.40 no.2 Lima jul./dez. 2022  Epub 04-Jul-2022

http://dx.doi.org/10.18800/psico.202202.013 

Artículos

Traços psicopáticos em jovens e pertença a grupos de pares antinormativos

Trazos psicopáticos en jóvenes y pertenencia a grupos de pares antinormativos

Psychopathic traits in youths belonging to antinormative peer groups

Traits psychopathiques chez les jeunes et appartenant à des groupes de couples anti-normatifs

Cristiana Isabel Andrade Ferraz1 
http://orcid.org/0000-0001-9901-6843

Inês Moura de Sousa Carvalho Relva1  2 
http://orcid.org/0000-0003-3718-8142

Alice Margarida Martins dos Santos Simões3 

1Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro - Portugal, crisferraz1995@hotmail.com

2Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro - Portugal, irelva@utad.pt

3Universidade do Porto, Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) - Portugal, margaridas@utad.pt

Resumo

Esta investigação teve como objetivo estabelecer uma relação entre os traços psicopáticos e a pertença a grupos de pares antinormativos numa amostra de adolescentes portugueses. Foram incluídos 517 adolescentes de escolas da zona norte de Portugal, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos. Utilizou-se a Escala de Antinormatividade Grupal (EAG) e o Youth Psychopathic Inventory Traits Reconstruted (YPI-RE). Os resultados indicaram influências do sexo e da idade ao nível da Antinormatividade Grupal e dos traços psicopáticos, e do estado civil dos pais a nível dos traços psicopáticos. Registou-se uma correlação positiva significativa entre a Antinormatividade Grupal e os traços psicopáticos, e, concluiu-se que a Irresponsabilidade, a Busca de Perigo e o sexo masculino predizem a Antinormatividade Grupal.

Palavras-chave: traços psicopáticos; pares antinormativos; delinquência; adolescentes

Resumen

Esta investigación tuvo como objetivo establecer una relación entre los rasgos psicopáticos y perteneciente a antinormativos grupos de pares en una muestra de adolescentes portugueses. Se incluyeron 517 adolescentes de escuelas en el norte de Portugal, con edades comprendidas entre los 12 y los 18 años. Se utilizó la Escala de Antinormatividade Grupal (EAG) y el Youth Psychopathic Inventory Traits Reconstruted (YPI-RE). Los resultados indicaron influencias del sexo y de la edad al nivel de la Antinormatividad Grupal y de los rasgos psicopáticos, y del estado civil de los padres a nivel de los rasgos psicopáticos. Se registró una correlación positiva significativa entre la Antinormatividad Grupal y los rasgos psicopáticos, y, se concluyó que la Irresponsabilidad, la Búsqueda de Peligro y el sexo masculino predice la Antinormatividad Grupal.

Palabras clave: rasgos psicopáticos; pares antinormativos; delincuencia; adolescents

Abstract

The objective of this investigation was to establish a relationship between psychopathic traits and belonging to groups of antinormative peers in a sample of Portuguese adolescents. Were included 517 adolescents from the schools in the north of Portugal, aged between 12 and 18 years. Was used the Escala de Antinormatividade Grupal (EAG) and the Youth Psychopathic Inventory Traits Reconstruted (YPI-RE). The results indicated gender and age influences at the level of the Group Antinormativity and psychopathic traits, and parent´s marital status at the level of psychopathic traits. There was a significant positive correlation between Group Antinormativity and psychopathic traits, and, finally, it was concluded that Irresponsibility, the Search of Danger and to be male predict Group Antinormativity.

Keywords: psychopathic traits; antinormative pairs; delinquency; adolescents

Résumé

L’objectif de cette recherche était d’établir une relation entre les traits psychopathiques et l’appartenance à des groupes de paires antinormatives dans un échantillon d’adolescents portugais. Au total, 517 adolescents des écoles situées dans le nord du Portugal, âgés de 12 à 18 ans, ont été inclus. L´ Escala de Antinormatividade Grupal (EAG) et l´ Youth Psychopathic Inventory Traits Reconstruted (YPI-RE) ont été utilisées. Les résultats ont indiqué l’influence du sexe et de l’âge sur le niveau d’antinormativité du groupe et de traits psychopathiques, ainsi que sur l’état matrimonial des parents au niveau de traits psychopathiques. Il existait une corrélation positive significative entre l’antinormativité du groupe et les traits psychopathiques, et il a été conclu que l’irresponsabilité, la recherche du danger et l’anomalie masculine du groupe prédisaient.

Mots-clés: traits psychopathiques; paires antinormatives; délinquance; adolescentes

Entende-se por traços de personalidade padrões persistentes que assentam na forma como um indivíduo percebe, se relaciona e pensa sobre si mesmo ou sobre o ambiente que o rodeia. Quando estes, tendo a sua origem na adolescência ou início da vida adulta, se mostram inflexíveis ou desadaptativos, se desviam acentuadamente das expectativas culturais do indivíduo e lhe causam mau estar e prejuízo funcional, pode estar patente uma perturbação de personalidade (Davoglio et al., 2012).

A perturbação de personalidade, quando pautada por grande insensibilidade aos sentimentos alheios e conduta totalmente desadaptada, conduz o indivíduo a uma acentuada indiferença afetiva, fazendo com que este adote um comportamento criminal recorrente e seja, assim, reconhecido como um psicopata (Morana et al., 2006).

A psicopatia é uma Perturbação de Personalidade Antissocial e aquando da existência da mesma o comportamento dos sujeitos é pautado por condutas antissociais sucessivas (Henriques, 2009; Morana et al., 2006).

No que diz respeito à emergência, estabilidade e continuidade temporal, a psicopatia tem sido elemento de grande controvérsia (Simões, 2012; Simões & Gonçalves, 2017), no entanto, de acordo com alguns autores, esta não é diferente das outras perturbações de personalidade, justificando-se, por isso, a existência desta na fase da adolescência e até mesmo da infância. Não obstante, os traços psicopáticos tendem a emergir episodicamente e com caráter transitório precisamente durante a adolescência (Lynam, 2002; Seagrave & Grisso, 2002). Não suficiente, alguns instrumentos que objetivam a medição de traços de psicopatia na idade adulta, como a Psychopathy Checklist: Youth Version (PCL:YV) e a Antissocial Process Screening Device (APSD), segundo uma estrutura similar à original mas com o objetivo de medir os mesmos traços na adolescência foram utilizados, e mostraram a ­aceitação, ou pelo menos a suspeição, da existência de traços psicopáticos nessa faixa etária (Simões, 2012).

Afigura-se importante fazer uma distinção entre psicopatia e traços psicopáticos. A psicopatia remete para uma perturbação da personalidade que engloba fatores extremos a nível interpessoal, comportamental, afetivo e de estilo de vida (Davoglio et al., 2012; Krueger, 2006; Ronchetti et al., 2014). Os traços psicopáticos são comportamentos e traços/sintomas individuais que se manifestam de forma mais ou menos intensa e que contribuem para o construto da psicopatia. Estes referem-se a um padrão pautado por manipulação, engano, insensibilidade, ausência de remorsos, entre outros (Andershed et al., 2002; Frick et al., 2003).

Segundo Morana (2004) a psicopatia pode ser entendida sob o aspeto descritivo e sob o aspeto psicodinâmico. Do ponto de vista descritivo, esta perturbação acarreta consequências interpessoais e sociais que se manifestam no comportamento dos indivíduos que dela padecem, sendo que condutas antissociais e não empáticas surgem. Sob o ponto psicodinâmico/intrapsíquico são observadas alterações na estruturação da personalidade fazendo com que o indivíduo estabeleça relações distorcidas e autocentradas com as pessoas, afetos e normas sociais.

Alguns autores (Farrington, 2005; Henriques, 2009; Morana et al., 2006; Salihovic & Stattin, 2017) abordam, para além dos comportamentos antissociais, três dimensões importantes na definição de psicopatia: estilo interpessoal enganador/ arrogante; pouca capacidade ou incapacidade de sentir remorso, culpa e empatia; e comportamento impulsivo/ irresponsável.

Inicialmente, o psicopata chama a atenção por um tipo de conduta muito próprio, destacando-se características como profunda deficiência de insight, impulsividade, instabilidade, intolerância à frustração, falta de responsabilidade e previsão, e ausência de sentimentos de amor e de culpa. Predomina, de modo notável, a agressividade (Henriques, 2009; Ronchetti et al., 2014). Destaca-se ainda, como traço significativo, a “máscara de saúde” que encobre, nas primeiras aproximações, as falhas do psicopata. Sugerindo adaptação, comunicabilidade e, frequentemente, grande simpatia (Henriques, 2009).

Com relação à origem, a psicopatia assenta na origem biológica com uma importante contribuição da genética (Blonigen et al., 2003). Mais, Hare e Neumann (2008) evidenciam que uma quanta parte de diversos traços psicopáticos pode ser explicada por fatores genéticos. No entanto, segundo alguns autores, além da base genética, também problemas depressivos, ansiedade, queixas somáticas, retraimento social e carência afetiva são algumas das origens subjacentes à psicopatia e às condutas antissociais (Benavente, 2002; Blonigen et al., 2003; Davoglio et al., 2012).

A presença de traços psicopáticos tem vindo a ser associada a um tipo de comportamento anti-social e delinquente mais grave, persistente e violento de início precoce onde é dada preferência a atividades mais excitantes e perigosas. Ainda neste sentido, níveis altos de comportamentos antissociais em jovens são preditos por uma maior estabilidade de traços psicopáticos (Andershed et al., 2002; Frick et al., 2003).

Delinquência juvenil: relação com pares antinormativos

A delinquência é uma das principais preocupações das sociedades atuais e tem sido definida, na literatura, por vários autores. Segundo Bordin e Offord (2000) esta diz respeito a qualquer atividade ou transgressão contra a lei.

Orlandi (2010) refere que algumas expressões como crime ou comportamento antissocial têm sido utilizadas de forma equivalente. Posto isto, é importante distinguir comportamento antissocial de comportamento delinquente, salientando que ambas se referem a comportamentos transgressores (Formiga et al., 2008) e que a delinquência é consequência de um padrão anti-social com início na infância e que, normalmente, se estende à adolescência e adultez (Veirmeiren, 2003). As condutas não obrigatoriamente ilegais, ou seja, aquelas que não são (sempre) puníveis por lei (Scaramella et al., 2002) mas que violam as expectativas ou normas sociais sem causar dano físico, dizem respeito ao comportamento antissocial (Formiga et al., 2008; Veirmeiren, 2003). Os comportamentos delinquentes propriamente ditos, dizem respeito a condutas que são consideradas ilegais, sendo, por isso, qualificadas como crime pela lei penal (Scaramella et al., 2002).

A delinquência juvenil, sob o ponto de vista jurídico português, diz respeito à prática de atos qualificados como crime pela lei, quando cometidos por jovens entre os 12 e os 16 anos de idade (Cardoso et al., 2015; Pacheco et al., 2005). Do ponto de vista desenvolvimental é neste período entre a infância e a idade adulta, a chamada adolescência, que acontecem as principais mudanças a nível físico, cognitivo e psicossocial (Yazlle, 2006).

Simões et al. (2008) apontam a existência de diversos fatores de risco preditivos do comportamento delinquente, a saber: características individuais (stress, genética, fisiologia, psicologia cognitiva e/ou comportamental), fatores sociais, fatores situacionais (situações facilitadoras da prática do crime) e, por último, o relacionamento com os pares, especialmente com pares antinormativos.

Para Kiesner et al.(2002) e Kreager (2004) a busca por uma identidade mais sólida e a possibilidade de integrar um grupo de pares são duas das razões que justificam, na fase da adolescência, a tendência para as primeiras condutas reprováveis. Segundo Rodríguez (2015) e Sampaio (2010), é na fase da adolescência que são plausíveis níveis mais elevados de comportamentos desviantes. Dito de outra forma, se para alguns jovens o grupo de amigos é o ambiente perfeito de socialização, de partilha e de equilíbrio socio-emocional, para outros funciona como um meio para a satisfação da curiosidade em experimentar as primeiras condutas reprováveis.

Alguns autores (Kiesner et al., 2002) afirmam que a delinquência juvenil é, em grande parte, representada pela delinquência em pares/grupo. Neste sentido, uma das descobertas mais consistentes acerca da delinquência narra que cerca de 50% do crime juvenil é praticado em grupo (Snyder et al., 2008). Ainda nesta linha, num estudo levado a cabo por Curto (2000) com o objetivo de estudar, em 100 adolescentes de ambos os sexos, a relação entre a vinculação à família e ao grupo de pares e as condutas antissociais na adolescência, o autor concluiu que a variável com maior poder preditivo da delinquência masculina e feminina foi a associação a pares desviantes. Numa outra investigação levada a cabo por Martins (2005) que objetivou o estudo da violência, dos maus tratos e da delinquência juvenil em contexto de socialização, o autor concluiu, e indo ao encontro do anterior estudo citado, que a delinquência no grupo de pares é o mais forte correlato da delinquência nos adolescentes. Concluiu também que, no que diz respeito ao género, os jovens do sexo masculino apresentam maior probabilidade de delinquir, facto esse ligado a alguns fatores como a agressividade, força e o processo de socialização diferencial tanto em contexto familiar como no seu grupo de pares.

A influência dos pares desviantes parece ser mais forte nos jovens que ainda não tendo um estilo de vida desviante já experimentaram esses comportamentos, em casos em que a interação com os pares desviantes ocorre em contextos pouco ou nada supervisionados e, por último, no que diz respeito a comportamentos adquiridos através de processos sociais (delinquência, abuso de substâncias, violência) (Vitaro et al., 2000).

A literatura em torno da delinquência juvenil aborda uma série de modelos teóricos que procuram compreender este fenómeno. Neste sentido, ressaltam essencialmente as Teorias do Controlo Social e as Teorias da Aprendizagem Social. A primeira, e mais especificamente a de Hirschi defende que os atos delinquentes têm maior probabilidade de ocorrer quando o vínculo do sujeito se rompe, se torna mais fraco, ou não se desenvolve na sociedade em que está inserido (Hirschi, 1969). Por outro lado, a Teoria da Associação Diferencial de Sutherland postula que a delinquência é resultado de aprendizagens que os sujeitos adquirem através do contacto entre si, e não devido à inadaptação (Sutherland, 1940). Akers expandiu esta ideia, argumentando que o comportamento desviante ocorre como resultado da quantidade de reforço social que o jovem recebe pelos atos desviantes, principalmente dos pares (Akers, 1989). Por fim, a Teoria da Aprendizagem Social de Bandura e Walters enfatiza o papel da imitação e da observação na aquisição da conduta desviante (Bandura & Walters, 1990).

A literatura não é muito rica no que diz respeito aos traços psicopáticos na adolescência (Simões, 2012) e a delinquência em grupo é ainda um assunto que carece de algum estudo (Martins, 2005). Posto isto, esta investigação teve como objetivo geral estabelecer uma relação entre os traços psicopáticos em jovens adolescentes e a pertença a grupos de pares antinormativos/delinquentes. Especificamente pretendeu-se: (a) analisar as diferenças dos traços psicopáticos e da pertença a grupos de pares antinormativos/ desviantes, em relação a algumas variáveis sociodemográficas (sexo e idade dos inquiridos, e estado civil dos pais); (b) perceber a relação entre a antinormatividade grupal e os traços psicopáticos (charme falso, grandiosidade, mentira, manipulação, busca de perigo, impulsividade, irresponsabilidade, ausência de emotividade, ausência de remorso e frieza emocional); e (c) perceber o efeito preditor das várias dimensões dos traços psicopáticos e do sexo na Antinormatividade Grupal.

Método

Esta investigação representou-se por um estudo correlacional de caráter quantitativo e experimental, uma vez que se regeu através de valores numéricos que apresentaram vantagens relacionadas com uma maior precisão e confiança nas medidas e facilitou o estabelecimento de comparações entre grupos e de correlações. Foram utilizadas técnicas descritivas para compreender, descrever e explorar as variáveis presentes (Marôco, 2007).

Participantes

Participaram neste estudo 517 estudantes com idades compreendidas entre os 12 e 18 anos (M = 15.7; DP = 2), a frequentarem escolas da região norte de Portugal. A maioria dos participantes é do sexo feminino (57.3%) (42.7% é do sexo masculino). A maioria dos estudantes reside em meio semi-urbano (41.8%), 34.8% em meio rural, e os restantes (23.4%) em meio urbano. Em relação à escolaridade dos inquiridos, a maioria frequentava o ensino regular (70.2%), 28.2% um curso profissional, 1% Cursos de Educação e Formação para jovens (CEF) e 0.6% outro. Por fim, a esmagadora maioria dos pais dos inquiridos eram casados (76.0%), 12.2% eram divorciados, 6.4% solteiros, e a percentagem de pais viúvos e em união de facto era a mesma (2.7%).

Procedimento

Inicialmente solicitou-se autorização à Direção-Geral de Educação (DGE), à Comissão de Ética da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e, por fim, pedido de colaboração aos diretores dos agrupamentos de cada escola inquirida da zona norte de Portugal.

Previamente à recolha de informações, e nos casos em que os indivíduos eram menores de idade, foi-lhes entregue um consentimento informado dirigido aos encarregados de educação para que tomassem conhecimento e, se assim o entendessem, autorizassem os respetivos educandos a participar na investigação.

Após terem sido recebidas as respetivas autorizações, iniciou-se a recolha de dados. Para isso, foi agendado um dia junto dos professores que se disponibilizaram a colaborar e a ceder parte da aula para o efeito. Momentos antes da aplicação foram esclarecidos os objetivos da investigação, salvaguardada a utilização dos dados somente para fins de investigação, bem como, a confidencialidade dos mesmos. A aplicação foi feita pela própria aluna, e, em raríssimos casos, pelos diretores de turma. A aplicação dos questionários decorreu em contexto de sala de aula e o tempo médio de preenchimento dos mesmos rondou os 35 minutos, sensivelmente. De forma a salvaguardar a heterogeneidade da amostra, as turmas, em cada escola, foram escolhidas tendo em conta os diferentes cursos existentes e a sua sinalização como turma problemática ou não problemática.

Instrumentos

Questionário Sociodemográfico: Foi construído um questionário sociodemográfico para descrever as características sociodemográficas dos participantes (o sexo e a idade dos participantes, e o estado civil dos pais).

Escala de Antinormatividade Grupal (EAG): Esta escala de autorrelato é da autoria de Serrano, Godás, e Rodríguez (1994). Foi traduzida da língua espanhola para a língua portuguesa por Martins (2005) aquando da sua utilização nas respetivas investigações. Assim, e uma vez que o investigador citado consentiu, a mesma tradução foi utilizada neste estudo.

Esta escala é constituída por 7 itens referentes às seguintes dimensões: consumo de tabaco, consumo de álcool, vandalismo, consumo de drogas, agressão contra pessoas e roubo. Os itens são apresentados numa escala do tipo Likert com pontuações desde 0 (nenhum) a 3 (todos). Este instrumento pretende avaliar em que medida o grupo de pares com que o sujeito inquirido se relaciona constitui ou não um grupo de pares desviante. São expostas aos inquiridos questões relacionadas com o número de amigos que fumam (item 1), que bebem álcool habitualmente (item 2), que destroem ou danificam coisas em locais públicos (item 3), que consomem drogas ilegais (item 4), que ameaçam ou atacam outras pessoas (item 5), que discutem violentamente com pais e professores (item 6) e que roubam (item 7) (Serrano et al., 1994).

O somatório é feito com as pontuações de todos os itens desta escala, considerando-se assim uma medida global denominada por Antinormatividade Grupal (Serrano et al., 1994).

A consistência interna desta escala apresentou um valor satisfatório uma vez que o alfa de Cronbach patenteou um coeficiente estandardizado de .77 quando explorada numa extensa amostra da população espanhola (Serrano et al., 1994) e de .73 para o estudo anteriormente apresentado (Estudo Empírico I) com jovens portugueses. Na presente investigação o alfa de Cronbach mostrou-se satisfatório com um valor de .76.

Na corrente investigação foi usada uma escala do tipo Lickert com pontuações de 1 (nenhum) a 4 (todos) uma vez que este instrumento não foi aplicado isoladamente, e todos os outros expunham respostas em escala do tipo Lickert que iniciavam sempre em 1. Esta modificação teve como objetivo evitar potenciais confusões por parte dos inquiridos.

No que concerne à análise fatorial confirmatória o ajustamento do modelo foi confirmado (Marôco, 2014), sendo (χ2 = 19.13 g.l = 10 p = .04; χ2/ gl = 1.91), Goodness of Fit Index (GFI) = .99, Comparative Fit Index (CFI) = .99, Root Mean -Square Error of Approximation (RMSEA) = .04.

Youth Psychopathic Traits Inventory Reconstruted (YPI-RE): Este instrumento é da autoria de Simões e Relva (em preparação). Este objetiva avaliar a ocorrência/ existência de traços psicopáticas na população adolescente entre os 12 e os 18 anos de idade. Este instrumento contém 50 itens que se organizam em 10 dimensões que dizem respeito à descrição clássica da psicopatia: Charme Falso, Grandiosidade, Mentira, Manipulação, Ausência de Remorsos, Ausência de Emotividade, Busca de Perigo, Impulsividade, Irresponsabilidade e Frieza Emocional. Estas dimensões agrupam-se em quatro fatores: Fator 1 formado pelas dimensões Charme Falso, Grandiosidade, Mentira e Manipulação; Fator 2 formado pelas dimensões Busca de Perigo, Impulsividade e Irresponsabilidade; Fator 3 formado pelas dimensões Ausência de Remorso e Ausência de Emotividade; e Fator 4 que compreende a dimensão Frieza Emocional (Simões & Relva, em preparação).

Os itens desta escala são avaliados numa escala de Likert de 5 pontos (desde “nunca” a “sempre”). A análise da consistência interna deste instrumento apresentou alfas de Cronbach satisfatórios a bons nas dimensões Charme Falso (.71), Ausência de Remorso (.71), Ausência de Emotividade (.70), Busca de Perigo (.79) e Irresponsabilidade (.75). O alfa de Cronbach mostra-se bom nas dimensões Grandiosidade (.81), Mentira (.88), Manipulação (.85), Impulsividade (.81) e Frieza Emocional (.83). Relativamente aos fatores, o Fator 1 apresenta consistência interna muito boa (.92), o Fator 2 apresenta um alfa de Cronbach bom (.87), o Fator 3 patenteia um alfa de Cronbach satisfatório (.79) e, por fim, o Fator 4 apresenta uma boa consistência interna (.83) (Simões & Relva, em preparação).

Na presente investigação, e no que diz respeito à consistência interna das várias dimensões, os valores do alfa de Cronbach foram de .68 para o Charme Falso, .78 para a Grandiosidade, .83 para a Mentira, .82 para a Manipulação, .70 para a Ausência de Remorso, .66 para a Ausência de Emotividade, .80 para a Busca de Perigo, .79 para a Impulsividade, .75 para a Irresponsabilidade e .86 para a Frieza Emocional. No que diz respeito aos fatores, apresentou um alfa de Cronbach de .91 para o Fator 1, .87 para o Fator 2, .78 para o Fator 3 e .86 para o Fator 4.

No que concerne à análise fatorial confirmatória o ajustamento do modelo foi confirmado (Marôco, 2014), sendo (χ2 = 2479.96 g.l = 1127 p = .00; χ2/ gl = 2.20), GFI = .84, CFI = .90, RMSEA = .05. O valor do GFI está ligeiramente abaixo de .9, no entanto, sabe-se que este e o AGFI dependem do tamanho da amostra (Mulaik et al., 1989).

Análise de dados

Dada a natureza do tipo de estudo, a análise dos dados foi realizada a partir de técnicas estatísticas recorrendo aos programas SPSS Statistics (versão 25) e AMOS gráficos (IBM SPSS AMOS 25 Graphics).

Foram verificados os requisitos básicos do número de respondentes da análise (mínimo de cinco respondentes por item) e calculada a estatística descritiva (média e desvio padrão) para a amostra obter as medidas de tendência central. Procedeu-se, ainda, á limpeza da amostra, isto é, à retificação das respostas erradas, dos missings e dos outliers (Marôco, 2007; Marôco, 2014).

De forma a confirmar o ajuste do modelo e avaliar a validade de construto de ambos os instrumentos utilizados nesta investigação, procedeu-se à Análise Fatorial Confirmatória. Esta análise tem como objetivo confirmar padrões estruturais, ou seja, verificar se os comportamentos de determinadas variáveis manifestas específicas, de acordo com um padrão pré-estabelecido noutro estudo, são explicadas por determinados fatores latentes. A opção por esta metodologia ­prendeu-se com a existência de informação prévia sobre a estrutura fatorial destes instrumentos (Marôco, 2014; Rocha & Matos, 2008).

De seguida, procedeu-se à observação da confiabilidade das variáveis dependentes Antinormatividade Grupal, Charme Falso, Grandiosidade, Mentira, Manipulação, Ausência de Remorso, Ausência de Emotividade, Busca de Perigo, Impulsividade, Irresponsabilidade e Frieza Emocional através do alfa de Cronbach. Esta medida avalia em que medida o instrumento mede realmente aquilo que propõe medir (consistência interna). Para que a consistência interna seja considerada muito boa o valor deve ser superior a .90; se este se situar entre .80 e .90 a consistência é boa; por sua vez, entre .70 e .80 é satisfatória e, por fim, considera-se uma fraca consistência quando esta é inferior a .60 (Dancey & Reidy, 2011; Marôco, 2007; Marôco, 2014).

Para a testagem de hipóteses, efetuaram-se teste t de amostras independentes no sentido de perceber o efeito da idade e do sexo dos participantes e do estado civil dos pais dos mesmos, nas variáveis dependentes. De salientar que as idades foram agrupadas (grupo 1: 12-14 anos; grupo 2: 15-18 anos), e o mesmo aconteceu com o estado civil dos pais dos participantes (grupo 1: solteiros, casados e união de facto; grupo 2: divorciados e viúvos). Os níveis de significância foram de 5% (p ≤.05).

Foi utilizado o partial eta-squared (ɲ p ²) que possibilitou a medição do tamanho do efeito entre grupos de acordo com a classificação: pequeno (> 0.01), moderado (> 0.06) e elevado (> 0.14) (Watson, 2015).

O teste t de amostras independentes é um teste de hipótese que usa conceitos estatísticos para rejeitar ou aceitar a hipótese nula (que refere que todas as médias populacionais são significativamente iguais) quando a estatística de teste (t) segue uma distribuição normal (Dancey & Reidy, 2011; Marôco, 2007).

Realizou-se ainda uma análise de correlação de Pearson de forma a explorar a associação existente entre as variáveis dependentes deste estudo. Os coeficientes de correlação de Pearson variam entre -1 e 1, sendo que coeficientes positivos indicam que as variáveis estão relacionadas no mesmo sentido, por outro lado, coeficientes negativos sugerem variáveis relacionadas em sentidos opostos. Por fim, coeficientes nulos apontam para a inexistência de correlações de forma linear (Dancey & Reidy, 2011; Marôco, 2014; Pallant, 2005). Correlações de r=.10 a r=.29 ou r=-.10 a r=-.29 classificam-se como pequenas, correlações de r=.30 a r=.49 ou r=-.30 a r=-.49 classificam-me como médias, por fim, correlações de r=.50 a r=.1 ou r=-.50 a r=-1 são correlações grandes (Cohen, 1988).

Por fim, foi realizada uma regressão múltipla com o objetivo de descobrir as variáveis capazes de predizer a Antinormatividade Grupal. Esta análise tem como objetivo descobrir e explicar a existência de uma relação entre uma variável dependente e duas ou mais independentes. Por outras palavras, nesta análise assume-se a existência de uma relação linear entre a variável dependente e as variáveis independentes. As variáveis independentes podem ser apelidadas por variáveis explicatórias, regressores ou de predição, uma vez que são utilizadas para explicarem e predizerem a variação da variável dependente (Marôco, 2007).

Uma vez que amostra é superior a 30 casos, a normalidade dos dados está assegurada (Marôco, 2007; Marôco, 2014).

Resultados

Análise descritiva da média e do desvio padrão das variáveis dependentes

A Tabela 1 apresenta os dados relacionados com média e desvio padrão das variáveis dependentes. Verificou-se que na amostra recolhida o traço psicopático Frieza Emocional foi o que obteve, com alguma distinção, a média maior (M= 2.52; DP=1.04), por outro lado, a Mentira obteve a média menor (M=1.53; DP=0.68).

Tabela 1 Análise descritiva da média (M) e do desvio padrão (DP) das variáveis dependentes 

Análise diferencial da Antinormatividade Grupal e das dimensões do YPI-RE em função do sexo

Foi realizada uma análise através do teste t de amostras independentes com o intuito de perceber as diferenças do sexo em relação às variáveis dependentes (Tabela 2). No que diz respeito à Antinormatividade Grupal, observou-se que o sexo masculino (M=1.65; DP=.452) apresentou média significativamente superior relativamente ao feminino (M=1.50; DP=.318), mediante um efeito pequeno (ɲ p ²=.032). O mesmo aconteceu em relação ao Charme Falso (M=2.130; DP=.852; magnitude de efeito pequena (ɲ p ²=.010)), à Grandiosidade (M=1.805; DP=.835; magnitude de efeito pequena (ɲ p ²=.048)), à Mentira (M=1.709; DP=.784; magnitude de efeito pequena (ɲ p ²=.053)), à Manipulação (M=1.703; DP=.808; magnitude de efeito pequena (ɲ p ²=.012)), à Busca de Perigo (M=2.506; DP=1.019; magnitude de efeito pequena (ɲ p ²=.020)), à Irresponsabilidade (M=1.889; DP=.798; magnitude de efeito pequena (ɲ p ²=.010)) e à Frieza Emocional (M=3.043; DP=1.044; magnitude de efeito elevada (ɲ p ²=.185)), variáveis em que o sexo masculino apresentou, também, médias significativamente superiores às obtidas pelo sexo feminino (Charme Falso: M=1.99, DP=.629; Grandiosidade: M=1.488, DP=.585; Mentira: M=1.396, DP=.543; Manipulação: M=1.545, DP=.607; Busca de Perigo: M=2.241, DP=.843; Irresponsabilidade: M=1.738, DP=.669; Frieza Emocional: M=2.137, DP=.856).

Por sua vez, o sexo feminino (M=2.326; DP=.817) apresentou média significativamente superior na Impulsividade (magnitude de efeito pequena (ɲ p ²=.015)) relativamente ao sexo masculino (M=2.121; DP=.816).

As variáveis Ausência de Remorso e Ausência de Emotividade não apresentaram diferenças significativas em relação ao sexo dos participantes.

Tabela 2 Análise diferencial da Antinormatividade Grupal e das dimensões do YPI-RE em função do sexo, médias e desvios padrão 

Nota. M = média; DP = desvio padrão; ɲp 2 = partial eta-squared; M= masculino; F= feminino; ns= não significativo; os negritos representam significância.

Análise diferencial da Antinormatividade Grupal e das dimensões do YPI-RE em função da idade

Efetuou-se uma análise de teste t de amostras independentes com o intuito de perceber o efeito da idade nas variáveis dependentes (Tabela 3). Relativamente à Antinormatividade Grupal percebeu-se que os jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos (M=1.66; DP=.383) apresentaram uma média significativamente superior aos jovens com idades entre os 12 e os 14 anos (M=1.38; DP=.313) com magnitude de efeito moderada a elevada (ɲ p ²=.114). Os jovens de idade mais avançada apresentaram médias significativamente superiores (com magnitudes de efeito pequenas) no Charme Falso (M=2.152; DP=.735; ɲ p ²=.036), na Grandiosidade (M=1.683; DP=.707; ɲ p ²=.013), na Mentira (M=1.594; DP=.725; ɲ p ²=.018), na Manipulação (M=1.678; DP=.718; ɲ p ²=.017), na Ausência de Remorsos (M=1.842; DP=.735; ɲ p ²=.038), na Ausência de Emotividade (M=2.162; DP=.679; ɲ p ²=.027), na Busca de Perigo (M=2.487; DP=.937; ɲ p ²=.039), na Impulsividade (M=2.317; DP=.797; ɲ p ²=.018) e na Irresponsabilidade (M=1.894; DP=.735; ɲ p ²=.031), relativamente aos jovens de idade menos avançada (Charme Falso: M=1.857, DP=.698; Grandiosidade: M=1.509, DP=.732; Mentira: M=1.405, DP=.546; Manipulação: M=1.486, DP=.659; Ausência de Remorsos: M=1.548, DP=.629; Ausência de Emotividade: M=1.922, DP=.684; Busca de Perigo: M=2.098, DP=.865; Impulsividade: M=2.086, DP=.851; Irresponsabilidade: M=1.624, DP=.689, respetivamente).

Na variável Frieza Emocional não se verificou qualquer significância relativamente à idade dos participantes, confirmando-se ausência de magnitude de efeito (ɲ p ²=.000).

Tabela 3 Análise diferencial da Antinormatividade Grupal e das dimensões do YPI-RE em função da idade, médias e desvios padrão 

Nota. M = média; DP = desvio padrão; g1: grupo 1 que compreende indivíduos com idades compreendidas entre os 12 e os 14 anos; g2: grupo 2 que compreende indivíduos com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos; ɲp ² = partial eta-squared; ns = não significativo; os negritos representam significância.

Análise diferencial da Antinormatividade Grupal e das dimensões do YPI-RE em função do estado civil dos pais

Foi também realizado um teste t de amostras independentes com o intuito de perceber o efeito do estado civil dos pais dos ­participantes nas variáveis dependentes (Tabela 4). Verificou-se que apenas a Impulsividade (M=2.462; DP=.940) e a Irresponsabilidade (M=2.013; DP=.820) mostraram médias significativamente superiores nos filhos de pais divorciados ou viúvos, com magnitudes de efeito pequenas (ɲ p ²=.013 e ɲ p ²=.015, respetivamente), em comparação com os filhos de pais solteiros, casados ou em união de facto (Impulsividade: M=2.200; DP=.795; Irresponsabilidade: M=1.766; DP=.708).

Tabela 4 Análise diferencial da Antinormatividade Grupal e das dimensões do YPI-RE em função do estado civil dos pais, médias e desvios padrão 

Nota. S. C. UF. (g1) = Solteiros, Casados e em União de Facto; D. V. (g2) = Divorciados e Viúvos; M = média; DP = desvio padrão; ɲp² = partial eta-squared: ns = não significativo; os negritos representam significância.

Correlações entre a Antinormatividade Grupal e as dimensões do YPI-RE

De forma a explorar a associação existente entre a Antinormatividade Grupal e as dimensões do YPI-RE (Charme Falso, Grandiosidade, Mentira, Manipulação, Ausência de Remorso, Ausência de Emotividade, Busca de Perigo, Impulsividade, Irresponsabilidade e Frieza Emocional), foi realizada uma análise de correlação de Pearson (Tabela 5).

Tabela 5 Correlação de Pearson entre a Antinormatividade Grupal e as dimensões do YPI-RE 

Nota. ** A correlação é significativa no nível p ≤ .01; os negritos representam correlações significativas.

Os resultados indicaram que a correlação entre a Antinormatividade Grupal e as restantes variáveis foram significativas (com exceção da Frieza Emocional), especificamente, a correlação foi média com o Charme Falso (r=.313; p≤.01), média com a Grandiosidade (r=.336; p≤.01), média com a Mentira (r=.303; p≤.01), média com a Manipulação (r=.302; p≤.01), pequena com a Ausência de Remorso (r=.232; p≤.01), pequena com a Ausência de Emotividade (r=.209; p≤.01), média com a Busca de Perigo (r=.389; p≤.01), pequena com a Impulsividade (r=.297; p≤.01) e média com a Irresponsabilidade (r=.385; p≤.01). Com a Frieza Emocional não demonstrou correlação significativa.

Papel preditor do sexo, e das dimensões do YPI-RE na Antinormatividade Grupal

Por fim, foi realizada uma regressão linear múltipla (Tabela 6) para avaliar a capacidade preditiva das variáveis Charme Falso, Grandiosidade, Mentira, Manipulação, Ausência de Remorso, Ausência de Emotividade, Busca de Perigo, Impulsividade, Irresponsabilidade, Frieza Emocional e ainda sexo, na variável Antinormatividade Grupal. O bloco 1 correspondeu à variável dummy, sexo (sendo 0 o sexo masculino e 1 o sexo feminino) e o bloco 2 correspondeu às variáveis acima mencionadas. Neste sentido, os resultados sugeriram que o bloco 1 explicou .32% da variância total na variável Antinormatividade Grupal (R 2 =.032), contribuindo individualmente com .31% da variância para o modelo (R 2 change=.031), apresentando um contributo significativo [Z(1,515)=17.275; p=.000]. O bloco 2 teve um contributo significativo [Z(11,505)=14.284; p=.000] e explicou 23.7% do total de variância (R 2 =.237) contribuindo individualmente com 22.1% (R 2 change=.221) da variância para o modelo. Analisando individualmente o contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos, verificou-se que a Irresponsabilidade (p=.000), a Busca de Perigo (p=.000) e o sexo masculino (p=.000) se mostraram significativos (p≤.05) na predição da Antinormatividade Grupal.

Tabela 6 Regressão múltipla, papel preditor do sexo e das dimensões do YPI-RE na Antinormatividade Grupal 

Nota. Variável dependente: Antinormatividade Grupal; dummy = variável recodificada relativa ao sexo; B, S. Error e β para um nível de significância de p≤.05; os negritos representam significância.

Discussão

O presente estudo teve como principal objetivo compreender a relação entre os traços psicopáticos (charme falso, grandiosidade, mentira, manipulação, busca de perigo, impulsividade, irresponsabilidade, ausência de emotividade, ausência de remorso e frieza emocional) e a antinormatividade grupal em jovens adolescentes, noutras palavras, perceber a relação entre os traços psicopáticos e a pertença a grupos de pares desviantes ou delinquentes.

Inicialmente começou por estudar-se o comportamento das variáveis dependentes, entre jovens portugueses, em relação ao sexo. Posteriormente o mesmo estudo foi feito em relação à idade. Foram ainda feitas comparações das variáveis dependentes em relação ao estado civil dos pais dos participantes. Por fim, foram realizadas análises que permitiram estabelecer uma relação entre a Antinormatividade Grupal e os traços psicopáticos (charme falso, grandiosidade, mentira, manipulação, busca de perigo, ausência de remorso, ausência de emotividade, impulsividade, irresponsabilidade e frieza emocional) e ainda, perceber quais as variáveis capazes de prever a Antinormatividade Grupal.

Inicialmente verificamos que a Frieza Emocional foi o traço psicopático mais recorrente. Resultado corroborado por Frick e White (2008) que afirmam que este é um traço comum em crianças, adolescentes e adultos com traços de psicopatia, sendo, por isso, um fenómeno fundamental da psicopatia (Simões & Gonçalves, 2019).

Em relação à comparação das variáveis dependentes com o sexo, percebeu-se que foram os rapazes que obtiveram média significativamente maior na variável dependente Antinormatividade Grupal, concluindo-se por isso que os rapazes parecem associar-se mais a grupos de pares antinormativos do que as raparigas. Este resultado é sustentado por Pechorro (2011) que numa investigação com 760 participantes, que tinha como objetivo analisar a influência de algumas variáveis psicológicas na delinquência juvenil, concluiu que os rapazes apresentam, normalmente, mais comportamentos antissociais em grupo do que as raparigas. Numa outra investigação realizada com 108 jovens (delinquentes e não delinquentes), levada a cabo por Dias (2012), a autora concluiu que são os jovens do sexo masculino que mais se associam a grupos de pares delinquentes. Também Curto (2000), numa investigação que tinha como objetivo estudar a relação entre a vinculação à família e ao grupo de pares e as condutas antissociais na adolescência, concluiu que os rapazes têm uma maior tendência à integração em grupos antinormativos ou delinquentes (que aumenta com a idade). Ainda neste sentido, numa investigação que tinha como objetivo estudar a relação entre os maus tratos e a delinquência, Martins (2005) conclui que o sexo masculino tende a ter mais amigos delinquentes que o sexo feminino e que apresenta maior probabilidade de delinquir, facto esse ligado a alguns fatores como a agressividade, força e o processo de socialização diferencial tanto em contexto familiar como no seu grupo de pares.

Em relação aos traços psicopáticos, os resultados da presente investigação permitiram concluir que estes se encontram em maioria significativa no sexo masculino, exceto o traço Impulsividade, pertencendo, neste caso, a média mais significativa ao sexo feminino, e em relação às variáveis Ausência de Remorso e Ausência de Emotividade em que não se obtiveram diferenças significativas em nenhum dos sexos. Estes resultados são corroborados por Pechorro (2011) sendo que o autor verificou que existiam diferenças significativas a nível dos traços psicopáticos entre rapazes e raparigas, nomeadamente, que o sexo masculino apresentava mais traços psicopáticos quando comparado com o sexo feminino. Estudos levados a cabo por Penney e Moretti (2007) e Schrum e Salekin (2006) que objetivaram o estudo da psicopatia em adolescentes da população comunitária entre os 12 e os 18 anos, e adolescentes da população institucionalizada, respetivamente, concluíram manifesta superioridade de traços psicopáticos no sexo masculino. Numa outra investigação levada a cabo por Simões (2012), cujo objetivo passava por estudar a relação entre a vinculação e a psicopatia, o sexo masculino obteve pontuação mais elevada em todos os indicadores de psicopatia quando comparado com o sexo feminino. A autora concluiu, ainda, que o traço Impulsividade foi o que apresentou menor magnitude de efeito no sexo masculino. Este resultado vai ao encontro do resultado obtido na presente investigação, onde a Impulsividade foi mais significativa no sexo feminino. No estudo levado a cabo por Hillege et al. (2010) que objetivou verificar as qualidades psicométricas do Youth Psychopathic Traits Inventory (YPI) e obter uma relação entre o uso de droga e o estilo interpessoal dominante numa amostra de jovens holandeses, os autores observaram que as raparigas obtiveram a maior significância na variável Impulsividade em relação ao sexo oposto, tal como foi concluído na presente investigação. Neste sentido, também a investigação levada a cabo por Pechorro et al. (2012) cujo objetivo consistiu em comparar adolescentes institucionalizados em centros educativos com adolescentes de uma amostra forense em relação a traços psicopáticos e perturbação de comportamento, corroborou a existência de maior impulsividade no sexo feminino em ambas as amostras. De salientar que neste ultimo caso abordado, e uma vez que ambas as amostras foram retiradas de grupos não normativos, esse aspeto pode ser apontado como fator estimulador da impulsividade. Novamente em relação ao estudo de Hillege et al. (2010), e abordando as variáveis Ausência de Remorso e Ausência de Emotividade, os autores concluíram ser o sexo masculino que obteve as pontuações mais altas nestes traços, resultados que não vão ao encontro dos obtidos na presente investigação.

No que diz respeito às diferenças relativamente à pertença a grupos de pares antinormativos em função da idade, concluiu-se que os jovens mais velhos (15-18 anos) apresentaram maior pertença a grupos de pares antinormativos. Neste sentido, num estudo levado a cabo por Costa (2011), que tinha como objetivo compreender a relação entre o grupo de pares e a delinquência juvenil, a autora concluiu, tal como na presente investigação, que a população pertencente à fase mais tardia da adolescência apresentava, em média, maior quantidade de pares delinquentes.

Concluiu-se também, na presente investigação, que os jovens de idades mais avançadas apresentam mais traços psicopáticos uma vez que foi nesse intervalo de idades que se verificaram médias significativas. Investigações levadas a cabo por alguns autores (Frick et al., 2003; Lynam et al., 2007; Obradovié et al., 2007) comprovaram, em evidência empírica, a estabilidade dos traços psicopáticos maioritariamente na faixa etária a partir dos 14 anos, resultados esses que corroboram os obtidos na presente investigação. Também Lynam (2002), Salekin (2008) e Salekin e Lynam (2010) enfatizaram a existência de traços de personalidade associados à psicopatia a partir dos 14 anos de idade. Estes resultados permitiram, ainda, realçar a existência de traços psicopáticos na fase da adolescência (Lynam, 2002; Seagrave & Grisso, 2002; Simões, 2012).

Em relação à influência do estado civil dos pais dos participantes na variável dependente Antinormatividade Grupal concluiu-se que a mesma não se mostrou significativa, isto é, o estado civil dos pais não teve efeito nesta variável dependente. No entanto, o resultado obtido nesta investigação não vai ao encontro do que é dito na literatura. Segundo vários estudos (Barnes et al., 2006; Brendgen et al., 2000; Chung & Steinberg, 2006; Costa, 2011; Ingram et al., 2007; Kiesner et al., 2010) o contexto familiar ou suporte parental inadequando, nomeadamente a monoparentalidade com a ausência do pai, é apontada como um fator de risco para o envolvimento com grupos de pares delinquentes. A partir daqui, seria de esperar que os resultados apontassem para a maior Antinormatividade Grupal no caso dos filhos com pais divorciados ou viúvos. Uma possível explicação para este resultado, pode prender-se com o baixo número de adolescentes filhos de pais divorciados ou viúvos que fez parte da amostra.

Relativamente ainda ao estado civil, neste estudo, os filhos de pais divorciados ou viúvos apresentaram médias significativamente maiores em alguns traços psicopáticos, nomeadamente, na Impulsividade e Irresponsabilidade. Este resultado é corroborado pelo estudo de Pechorro (2011) que concluiu que em casos cujos pais são divorciados ou falecidos há maior prevalência de traços psicopáticos.

Através da análise de correlação de Pearson que pretendia explorar a associação entre a variável Antinormatividade Grupal e as dimensões do YPI-RE, os resultados indicaram correlações positivas significativas entre a Antinormatividade Grupal e todas as dimensões, com exceção da Frieza Emocional (que não demonstrou correlação significativa). Assim, concluiu-se que à medida que a Antinormatividade Grupal aumenta, aumentam também os traços psicopáticos, e vice -versa. Por outras palavras, a pertença a grupos de pares desviantes aumenta à medida que os traços psicopáticos aumentam também. Estes resultados são corroborados pelo estudo levado a cabo por Kimonis et al. (2004) onde os autores investigaram a relação entre os traços psicopáticos e a pertença a grupos de jovens delinquentes, e concluíram que jovens com altas pontuações nos traços psicopáticos demonstraram ter maior afiliação com grupos de pares delinquentes.

Em relação à associação entre traços psicopáticos e a delinquência propriamente dita, Pechorro (2011) concluiu no seu estudo que jovens com elevados traços psicopáticos caracterizam-se por um maior envolvimento em atividades ilegais. Num estudo levado a cabo por Dolan e Rennie (2007) cujo objetivo passava por perceber a relação entre os traços psicopáticos (medidos pelo Youth Psychopathic Traits Inventory (YPI)) e a psicopatologia numa amostra de rapazes do Reino Unido com condutas desviantes, as autoras concluíram que os traços psicopáticos mostraram correlações positivas com a agressão e com a delinquência. Também Skeem e Cauffman (2003) concluíram na sua investigação que altas pontuações nas medidas de psicopatia juvenil eram preditivas de má conduta. Em relação à Frieza Emocional, e contrariamente ao que se epilogou nesta investigação, em que não se verificou correlação significativa entre esta e a Antinormatividade Grupal, Frick e Dickens (2006), numa análise de 14 estudos, verificaram que jovens com elevado traço de Frieza Emocional mantinham uma relação preditiva de 6 a 10 anos com comportamentos agressivos, antissociais e delinquentes. Neste sentido, a frieza emocional é apontada como uma característica comum a crianças, adolescentes e adultos que apresentam traços psicopáticos (Frick & White, 2008), corroborando assim os estudos de Pechorro et al. (2012), Simões (2012) e Simões e Gonçalves (2017) que afirmam que a psicopatia se revela em idades precoces e se manifesta na adolescência na sua quase totalidade.

Por fim, relativamente ao objetivo de verificar de que forma a presença de traços psicopáticos, e ainda o sexo, seriam capazes de predizer a Antinormatividade Grupal, concluímos que foram a Irresponsabilidade, a Busca de Perigo e o sexo que se mostraram preditivos da Antinormatividade Grupal. Assim, a Antinormatividade é explicada, principalmente, pela Irresponsabilidade, pela Busca de Perigo e pelo sexo masculino. Os estudos corroboram, quase na totalidade, este resultado. Como foi referido anteriormente, o sexo masculino apresenta realmente uma maior associação com a afiliação a grupos de pares desviantes (Curto, 2000; Dias, 2012; Martins, 2005; Pechorro, 2011). Relativamente à Busca de Perigo, são vários os estudos que referem a integração dos adolescentes em grupos de pares desviantes devido à procura e curiosidade por atividades excitantes (Andershed et al., 2002; Costa, 2014; Dias, 2012; Rodríguez, 2015; Sampaio, 2010) e até como um desafio aos tradicionais padrões da sociedade (Formiga, 2009). Relativamente á Irresponsabilidade, a literatura não corrobora totalmente o resultado obtido na presente investigação, uma vez que os estudos apontam maioritariamente a Impulsividade como preditor da pertença dos adolescentes a grupos de pares desviantes e, por isso, desenvolverem comportamentos semelhantes (Dias, 2012; Dolan & Rennie, 2007; Simões, 2012; Vazsonyi et al., 2006; Vitulano et al., 2010). No entanto, e uma vez que a impulsividade é definida como uma predisposição para reagir rapidamente e sem planeamento a diversos estímulos, internos ou externos, sem pensar nas consequências dos atos quer a nível pessoal quer a nível social (Moeller et al., 2001) pode concluir-se que existe uma relação entre esta e a irresponsabilidade, supondo uma a existência da outra. Ainda neste sentido, Ronchetti et al. (2014) referem, além da impulsividade, a falta de responsabilidade como características dos psicopatas.

Em jeito de conclusão, investigações levadas a cabo por Costa (2011) e Pardini, Loeber, e Stouthamer-Loeber (2005) referem que os adolescentes que classificam os seus amigos como delinquentes demonstram, normalmente, elevados níveis de delinquência.

Limitações, implicações práticas e sugestões para estudos futuros

A presente investigação apresenta algumas limitações, sendo que a primeira a apontar prende-se com o tamanho e a diversidade da amostra. Isto é, a recolha somente em escolas da zona norte do país, e em populações sem indicação de criminalidade ou comportamentos antissociais, que segundo Ferros (2008) se relacionam com perturbações de personalidade antissocial do tipo B (sociopatia, psicopatia, perturbação dissocial), comprometeu a frequência de comportamentos de teor psicopático registados. Uma outra limitação apontada prende-se com a ausência de variáveis que permitam saber, por exemplo, a frequência de contacto com os amigos e o tipo de interações com os mesmos, contribuindo assim para um melhor esclarecimento das relações de causalidade com a Antinormatividade Grupal. Por fim, uma última limitação diz respeito aos instrumentos aplicados. Nenhum instrumento de autorrelato está isento de limitações, assim, a necessidade de recorrer à memória, a perceção dos adolescentes em relação ao comportamento dos seus pares que pode não corresponder à realidade e a questão da desejabilidade social, podem ser algumas delas.

Como implicação prática pode apontar-se este estudo como um potencializador do interesse na elaboração de programas de intervenção a nível clínico ou escolar com vista à minimização dos fatores de risco relacionados com a antinormatividade grupal. Pode também potencializar a realização de campanhas preventivas objetivando sensibilizar não só os adolescentes acerca dessa temática, como também encorajar pais, professores, e cuidadores à comunicação e acompanhamento aos jovens, com o objetivo de lhes prestar auxílio na autonomização ao mesmo tempo que lhes incutem a existência de limites. Por fim, e uma vez que se registaram traços psicopáticos no intervalo de idades desta amostra (12-18 anos), este estudo pode ainda servir como impulsionador na elaboração de programas de intervenção clínica direcionados especialmente para a intervenção com jovens adolescentes que apresentam traços psicopáticos.

Futuras investigações devem ser conduzidas no sentido de aprofundar esta temática, nomeadamente, pelo alargar da amostra a outras zonas do país, e pela inclusão de zonas sinalizadas por criminalidade e comportamentos antissociais. Finalmente, investigações futuras deverão incluir variáveis relativas à frequência de contacto entre os jovens e o grupo de pares desviantes, para que assim seja possível aferir acerca do seu efeito na ingressão no caminho da delinquência.

A partir desta investigação foi possível perceber que o sexo e a idade dos adolescentes e o estado civil dos seus pais têm efeitos na Antinormatividade Grupal e nos traços psicopáticos. Assim, são os rapazes que maioritariamente se relacionam com grupos de pares desviantes e que, de uma forma geral, apresentam maior quantidade de traços psicopáticos. Em relação à idade verificou-se uma maior prevalência de traços psicopáticos e associação a grupos de pares desviantes em idades mais avançadas (15-18 anos). Relativamente ao efeito do estado civil dos pais dos adolescentes, este foi nulo na Antinormatividade Grupal, mostrando-se apenas significativo no traço Impulsividade e no traço Irresponsabilidade. Por fim, concluímos que a relação com grupos de pares desviantes está positivamente relacionada com a presença de traços psicopáticos, e que a Irresponsabilidade, a Busca de Perigo e o sexo dos adolescentes são os maiores preditores da associação dos jovens a esses mesmos grupos.

Conclui-se com a afirmação de que os objetivos propostos nesta investigação foram concretizados, e a mesma constitui uma fiável fonte de informação sempre que a considerem útil.

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Recebido: 07 de Junho de 2019; Aceito: 28 de Março de 2022

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