A precisão e a inteligibilidade da fala são parâmetros para se avaliar clinicamente as competências de falante e monitorar a efetividade das intervenções com crianças usuárias de implante coclear (IC) e outras populações com prejuízos na linguagem expressiva (Barreto & Ortiz, 2008; Ertmer, 2010; Ertmer et al., 2007; Flipsen, 2008; Nittrouer et al., 2012; Svirsky et al., 2000). Por definição, a inteligibilidade da fala descreve as dimensões do estímulo falado que permitem ao ouvinte compreender a mensagem; logo, configura um produto da interação verbal com ouvinte em um dado contexto, e não um atributo do falante, sendo influenciado por variáveis como gênero, escolaridade, familiaridade com o falante, extensão da unidade linguística e características culturais (Barreto & Ortiz, 2008; Tanamati et al., 2012). A precisão da fala, por sua vez, remete às correspondências entre a produção dos sons da fala emitida pelo falante e as produções-alvo convencionadas pela língua (Camarata, 1993; Shriberg & Kwiatkowski, 1985). A precisão da fala é um dos componentes da inteligibilidade, assim como prosódia e timing (Ertmer, 2010).
As relações entre a precisão e a inteligibilidade da fala estão consonantes com a proposta de análise comportamental da linguagem. Skinner (1957) sugeriu que os efeitos sob o ouvinte podem estar como função de aspectos do comportamento do falante e do contexto em que ocorre a interação verbal. Logo, produções orais do falante que tem mais correspondência ponto-a-ponto com as produções-alvo (definidas arbitrariamente na língua) podem aumentar o alcance dos efeitos esperados no ouvinte (e.g. como alguém que pode mediar reforços para o falante), pois ambos compartilham as convenções da comunidade verbal. Uma criança que fala /boneca/, solicitando-a, tem alta probabilidade de ser compreendida pelo adulto que ouviu e de recebê-la, pois essa produção oral tem correspondência precisa com a palavra-alvo convencionada. Esses efeitos seriam provavelmente distintos se a criança emitisse uma resposta vocal com topografia distinta, por exemplo /boea/, o que talvez reduziria as chances de ser compreendida e atendida por quem a ouve. Nesse caso, a função adequada da resposta verbal depende da sua topografia.
A literatura tem acumulado evidências sobre os benefícios do IC para a aquisição das habilidades de falante (Chin et al., 2012; Habib et al., 2010; Nittrouer et al., 2012; Svirsky et al., 2000; Tobey et al., 2003; Tye-Murray et al., 1995). Crianças com IC passam a detectar os sons da própria fala e a dos outros, o que estabelece condições importantes para aprender a falar de acordo com as convenções da comunidade verbal a qual pertence, e os ganhos na produção oral decorrem do tempo de uso e da experiência auditiva com o dispositivo (Ertmer, 2010; Flipsen, 2008; Habib et al., 2010; Svirsky et al., 2000; Tanamati et al., 2012).
As condições de ensino e as estratégias terapêuticas podem promover o desenvolvimento da linguagem oral e acelerar o alcance da precisão da fala por crianças com IC (Boothroyd, 2007; Pomaville & Kladopoulos, 2013; Tobey et al., 2003). Neste escopo, estudos de interface entre Fonoaudiologia e Análise do Comportamento têm investigado sob quais condições a precisão da fala seria obtida, especialmente em tarefas de nomeação de figuras envolvendo palavras (Almeida-Verdu et al., 2012; Almeida-Verdu & Gomes, 2017; Anastácio-Pessan et al., 2015; Lucchesi et al., 2015), sentenças (Golfeto & de Souza, 2015; Neves et al., 2018; Silva et al., 2017) e pequenos textos (Rique et al., 2017).
Essas pesquisas identificaram que crianças com IC e leitoras tinham uma produção oral mais precisa diante do estímulo textual (ler ou textual) do que diante de figuras (nomear ou tato); e verificaram que programas de ensino baseados em equivalência (equivalence-based instruction, EBI) (Pytte & Fienup, 2012; Sidman, 2000; Sidman & Tailby, 1982) aumentam a precisão da fala na nomeação de figuras, a partir do repertório de leitura já estabelecido. Os resultados indicaram sistematicamente que os desempenhos precisos na leitura se estenderam para nomeação de figuras em função das relações de equivalência estabelecidas entre estímulos auditivos e textuais, e figuras; se os estímulos são equivalentes, eles compartilham a mesma função discriminativa sob a resposta vocal, de modo que o que era dito com precisão diante do texto passou a ocorrer também diante da figura (Mackay & Sidman, 1984; Sidman, 1986).
À exemplo do estudo com palavras, em Anastácio-Pessan (2011) seis crianças pré-linguais com IC e leitoras aumentaram a nomeação precisa das figuras após um EBI que incluiu relações de equivalência entre palavras ditadas, figuras e palavras impressas. Esses resultados foram replicados por Lucchesi e colaboradores (2015), no qual crianças com IC e não-leitoras foram expostas a um currículo em EBI de leitura de palavras e melhoraram a precisão da fala em leitura e, sobretudo, em nomeação de figuras. Anástacio-Pessan (2011) e Lucchesi e colaboradores (2015) adotaram a análise por bigramas para verificar a mudança na precisão da fala.
O bigrama é uma medida baseada na topografia da resposta e consiste em uma unidade que envolve um par adjacente de letras de uma palavra e com sobreposição de uma letra, incluindo o espaço inicial e final da palavra (Lee & Sanderson, 1987); por exemplo, a palavra bola consiste nos bigramas “_b, bo, ol, la, a_”. As palavras faladas durante a nomeação das figuras são ouvidas, transcritas e calculadas em porcentagem de bigramas emitidos corretamente, com vistas a observar mudanças graduais na precisão da fala ao longo dos programas de ensino. Estudos com crianças com IC descreveram que a precisão da fala na nomeação, usando palavras com sílabas do tipo consoante-vogal, configurou uma curva em formato de “U” (Anastácio-Pessan, 2011; Lucchesi et al., 2015): os bigramas iniciais e finais foram emitidos com maior precisão, com prejuízos na porção intermediária/medial. Após o EBI, esse padrão de “U” foi modificado e os bigramas do meio da palavra passaram a ser emitidos com maior precisão.
Outra possibilidade de inspecionar a precisão da fala a partir da transcrição é pela análise por fonemas. Essa análise consiste na verificação da correspondência pontual com a língua convencionada, em cada componente menor que constitui a unidade linguística em questão (Camarata, 1993; Chin et al., 2012; Hustad, 2006; Melo et al., 2008; Pomaville & Kladopoulos, 2013; Shriberg & Kwiatkowski, 1985); por exemplo, a palavra bola é composta pelos fonemas /b/, /o/, /l/ e /a/.
Para se estudar os efeitos do ensino sobre a precisão da fala, a análise parcial (por fonemas ou por bigramas) é mais recomendada que a análise por acertos totais. Enquanto na análise total é atribuído acerto ou erro para toda extensão da fala (na relação “tudo ou nada”), a análise parcial, se adotada repetidas vezes, monitora as mudanças processuais em cada segmento e avalia a precisão da fala como resultado das repetidas oportunidades do ciclo ouvir-falar e do ler-escrever (Lee & Sanderson, 1987). Essa análise mostra quando a fala acurada ocorre no procedimento e identifica regularidades e controles de estímulos que precisam ser refinados.
Neves e colaboradores (2018) demostraram os efeitos do EBI sobre a nomeação precisa de figuras de cenas e estenderam para as sentenças os achados obtidos com palavras. Participaram três crianças com IC que apresentavam uma fala mais precisa em leitura de sentenças (CD) do que em nomeação de figuras de cenas (BD). O ensino envolveu relações condicionais entre sentenças ditadas e figuras (AB) por matching-to-sample (MTS) e a construção de sentenças impressas sob ditado (AE) por constructed-response matching-to-sample (CRMTS). Todos aprenderam as relações ensinadas (AB e AE), estabeleceram relações de equivalência (entre sentenças ditadas e impressas, e figuras) e aumentaram a precisão na nomeação das figuras de cenas (BD), com desempenhos aos níveis de leitura (CD). Esses resultados foram replicados com sentenças de cinco termos, para uma criança com IC e pré-leitora (Silva, Neves, &Almeida-Verdu, 2017).
O EBI aumentou a precisão da fala de sentenças em crianças com IC (Neves et al., 2018; Silva et al., 2017), mas não há um registro sobre as mudanças sistemáticas na precisão da fala dessas sentenças. O presente estudo visou investigar, ponto-a-ponto e por fonemas, a aquisição da precisão da fala diante das figuras de cenas, ao longo do procedimento. Os estudos prévios analisaram a fala acurada com palavras e por bigramas (Anástacio-Pessan, 2011; Lucchesi et al., 2015) e o presente estudo replicou essa proposta, com sentenças e por fonemas. Sondas repetidas verificaram se há um padrão de aquisição da precisão da fala de sentenças e se replica o padrão dos estudos que analisaram palavras por bigramas.
Método
Participantes
Participaram oito crianças (quatro meninos e quatro meninas), de oito a onze anos, com diagnóstico de deficiência auditiva sensorioneural, severa-profunda, bilateral e pré-lingual. Os participantes usavam implante coclear unilateral e aparelho de amplificação sonora (ASSI) contralateral, e eram acompanhados pelos serviços audiológico e educacional do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), em Bauru. Todos os cuidados éticos foram tomados (CAAE 01454412.0.0000.5441) e os participantes ingressaram no estudo após consentimento expresso pelos Termos de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) e de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A caracterização dos participantes ocorreu por meio da consulta de informações dos prontuários, quais sejam, a etiologia e tipo da deficiência auditiva, o tempo de uso do dispositivo, as categorias de audição (Geers, 1994) e de linguagem (Moret et al., 2007), e a escolaridade. Os participantes foram avaliados individualmente nos testes Peabody Picture Vocabulary Test-4 (PPVT-4) (Dunn & Dunn, 2007) e Colúmbia (Alves & Duarte, 2001) para caracterizar, respectivamente, o vocabulário receptivo e a maturidade intelectual. A Tabela 1 exibe a caracterização dos participantes.
Os participantes tinham diferentes etiologias da deficiência auditiva e usavam implante coclear unilateral há mais de seis anos. Todos reconheciam auditivamente palavras (categorias de audição entre 5 e 6, em uma escala de 0 a 6) e se comunicavam com alguma fluência (categorias de linguagem entre 4 e 5, em uma escala de 1 a 5); à exceção de LIV, que se comunicava por frases simples (categoria 3 de linguagem). Os participantes tiveram escores em linguagem receptiva (aferidos no PPVT-4) inferiores aos esperados para a idade cronológica. Em relação à maturidade intelectual (via teste Colúmbia), seis participantes apresentaram escores dentro da variação da média e dois pontuaram fora da média (sendo um acima e outro abaixo). Todos cursavam anos escolares do Ensino Fundamental I.
Todas as crianças foram expostas a um programa de EBI envolvendo sentenças. A precisão da fala foi monitorada em leitura de sentenças (CD) e nomeação de figuras de cenas (BD), nos sucessivos testes. O critério de seleção foi apresentar uma produção oral inferior a 50% de acertos em tarefas de nomeação de figuras de cenas e superior a 70% de acertos em tarefas de leitura de sentenças, caracterizando uma discrepância na precisão da fala sob diferentes controles de estímulos.
Estímulos experimentais
Os estímulos linguísticos foram três sentenças, formadas por três palavras e organizadas na estrutura [sujeito]-[verbo]-[objeto]. Cada sentença foi composta por um nome próprio como sujeito, um verbo de ação no presente do indicativo e um substantivo comum como objeto; todas as sentenças tinham sujeitos e verbos distintos, com sobreposição do componente objeto. As sentenças foram “Beto descasca limão”, “Juca espreme limão” e “Dudu rala limão”.
Os estímulos nas tarefas experimentais foram produzidos a partir dessas sentenças e consistiram em sentenças ditadas, figuras de cenas e sentenças impressas. As sentenças ditadas foram gravadas em voz feminina e reproduzidas via caixas acústicas. As figuras de cenas foram fotografias digitais, coloridas, de 500 x 500 pixels de imagem e que mostravam crianças realizando as ações correspondentes às três sentenças. As sentenças impressas foram digitadas em fonte Arial, tamanho 65, em cor preta e negrito.
Equipamentos e materiais
Para a apresentação das tarefas experimentais, foram usados um laptop com o software PROLER® (Assis & Santos, 2010) instalado e caixas acústicas. Uma câmera filmadora Sony DVR® foi usada para registrar a fala dos participantes e esses arquivos foram armazenadas em formato de vídeo em um disco rígido portátil Samsung (HD externo).
Para a análise das amostras de fala, foram utilizados dois netbooks com Microsoft Office Excel® e com um protocolo (elaborado pelos pesquisadores) para o registro das transcrições. Foram cedidos dois fones de ouvido convencionais aos juízes para a tarefa de transcrição.
Ambiente
As tarefas experimentais com os participantes ocorreram em salas da Seção de Implante Coclear do HRAC/USP e do Centro de Psicologia Aplicada da UNESP, em Bauru. Todas as salas tinham boa iluminação e ventilação, praticamente sem ruído e dispostas com mesas, cadeiras e brinquedos.
Para a análise das amostras de fala, foi preparada uma sala do Laboratório de Aprendizagem, Desenvolvimento e Saúde (LADS) da UNESP, em Bauru. Essa sala tinha boa ventilação, iluminação e pouco ruído, e foi organizada com mesas, cadeiras, netbooks e fones de ouvidos.
Procedimento de coleta de dados
As tarefas experimentais eram individualizadas e realizadas em um laptop com o software PROLER®. Os participantes foram expostos a um programa EBI com tarefas reconhecimento auditivo (AB) e de construção sob ditado (AE) envolvendo sentenças; além de testes de formação de classes de equivalência (CB e BE), o ensino foi intercalado por testes de vocalização, especificamente, de leitura (CD) e de nomeação (BD), em blocos de tentativas antes (pré-testes) e depois do ensino ou da revisão do ensino (pós-testes), de acordo com delineamento de linha de base múltipla entre participantes (Kazdin, 1982).
As tentativas de vocalização apresentavam os estímulos-alvo no centro da tela do laptop concomitante com prompts auditivos, via caixas acústicas; não havia feedback para acertos e erros. Na tentativa de leitura, a sentença impressa era apresentada juntamente com o prompt auditivo “O que está escrito?”. Na tarefa de nomeação, a figura de cena era apresentada e o prompt auditivo era “O que está acontecendo?”. Em ambas as tarefas, o participante devia emitir uma produção oral, lendo a sentença impressa ou nomeando a figura de cena, em voz alta. Após a resposta oral, o participante era instruído a clicar no estímulo-alvo com o mouse e seguir para a próxima tentativa.
Durante os testes, o participante deveria emitir a mesma topografia vocal de sentença duas vezes, mas sob diferentes controles de estímulos, ou seja, ora diante da sentença impressa (na tarefa de leitura), ora diante da figura de cena (na tarefa de nomeação). Essas produções orais eram gravadas pela câmera filmadora e geravam automaticamente arquivos audiovisuais (formato MPEG) pelo software interno. Esses arquivos eram armazenados no cartão de memória da câmera e posteriormente transferidos para o disco rígido portátil, sem qualquer tipo de edição.
Cada participante realizou, em média, cinco testes ao longo do procedimento, de modo a produzirem dez amostras de fala; logo, foram registradas cinco gravações de fala durante a tarefa de leitura e cinco durante a nomeação, para cada sentença do estudo. Essas amostras de fala configuraram o dado bruto sob o qual incidiram as análises do presente estudo.
Procedimento de Análise de dados
O procedimento de análise dos dados consistiu de quatro passos que abrangeram a tarefa de transcrição por juízes e avaliação de concordância, pontuação das transcrições de fala, o monitoramento da aquisição da fala e a medida de magnitude de efeito, melhor descritos a seguir.
Passo 1 - Tarefa de Transcrição por Juízes e Avaliação de concordância
A transcrição da fala dos participantes foi realizada por dois juízes. Os juízes eram adultos (média de 26 anos), universitários, ambos os sexos, normo-ouvintes e falantes do Português Brasileiro e não tinham familiaridade com a fala de crianças com IC.
Os arquivos de vídeo foram identificados pela data da sessão e abreviação do nome do participante e foram transferidos para os netbooks preparados para a transcrição. Os juízes foram instruídos a assistir os vídeos e transcrever 100% das amostras de fala de todos os participantes.
As amostras de fala poderiam ser ouvidas quantas vezes os juízes julgassem necessário e não havia tempo limite para término da tarefa. O registro da transcrição da fala dos participantes foi realizado em planilhas elaboradas pelos pesquisadores e organizadas pela data de sessão.
As transcrições dos juízes foram inspecionadas e a fidedignidade aos dados foi assegurada pela porcentagem de concordância entre juízes (Kazdin, 1982). Essa porcentagem foi calculada pela seguinte fórmula: total das concordâncias dividido pela soma das concordâncias e discordâncias, multiplicadas por 100. A porcentagem de concordância entre juízes foi de 93,89%.
Passo 2 - Pontuação das transcrições para avaliar a precisão da fala
As transcrições dos juízes foram pontuadas a partir da quantidade de acertos dos fonemas (consoantes e vogais) de cada uma das três palavras que compunham cada sentença. Esse método de pontuação é semelhante aos métodos da Fonoaudiologia em que se avalia a produção dos fonemas em palavras, tais como o da porcentagem de consoantes e de fonemas corretos (Preston et al., 2011; Shriberg, Austin, Lewis, McSweeny, & Wilson, 1997).
Foram considerados acertos a correspondência entre a transcrição da fala e a representação grafofonêmica-alvo convencionada pela comunidade verbal. O acerto do fonema-alvo foi contado como “1” (um), enquanto o erro foi contabilizado como “0” (zero).
A precisão da fala foi mensurada em porcentagem de acertos e calculada pela razão entre fonemas produzidos corretamente e o total de fonemas da sentença, multiplicado por 100 (n fonemas corretos/n fonemas X 100). Tomando como exemplo a sentença-alvo “Dudu rala limão” (13 fonemas) e a transcrição da fala do participante “Dudu raga nimão”, pontuaria 11 fonemas corretos, de modo que a precisão da fala seria de 84,61% (11 fonemas corretos/13 fonemas totais x 100).
Passo 3 - Monitoramento da aquisição da precisão da fala de sentenças
A produção correta dos fonemas (obtida no passo anterior) foi mensurada ponto-a-ponto, nos diversos segmentos de cada palavra da sentença; foi definido como porção inicial da sentença o sujeito, como medial o verbo, e como terminal o objeto. Essa produção oral foi rastreada sistematicamente nos sucessivos testes. Esses resultados foram descritos para identificar padrões de aquisição da precisão da fala em cada sentença.
A exemplo da sentença “Dudu rala limão”, se no pré-teste de nomeação o participante falou /Labu coti limão/, obteve 38,46% de precisão na fala e mostrou acertos apenas na porção terminal da sentença (/limão/); após o EBI, ele falou /Dudu coti limão/, obteve uma precisão da fala de 69,23%, com acertos nas porções iniciais da sentença (/Dudu/); depois de uma revisão do ensino, se vocalizou /Dudu rana limão/ demonstrou uma aquisição de fonemas na porção medial da sentença, apresentando 92,30% da precisão da fala, o que corresponde mais à produção oral convencionada como correta pela comunidade verbal.
Passo 4 - Mensuração da magnitude do efeito (effect size)
O presente estudo mensurou também a magnitude do efeito (effect size) do EBI sobre a produção oral de sentenças dos participantes. Foi adotado o Porcentage of Nonoverlapping Data (PND) (Scruggs, Mastropieri, Forness, & Kavale, 1988), que é método baseado em uma abordagem não-paramétrica para pesquisas com delineamento de sujeito único. Essa medida mensura a magnitude do efeito e geralmente confirma o que se observa na inspeção visual dos pontos dos gráficos que estão acima do maior ponto da linha de base (Scruggs et al., 1988).
A magnitude do efeito pelo PND foi calculada pela razão entre o número de pontos no gráfico do pós-teste cujo valor exceda o ponto de maior valor da linha de base e o total de pontos obtidos no pós-teste, que deve ser multiplicado por 100. A fórmula pode ser descrita como: (npontos pós-teste que superam maior ponto linha de base / n total de pontos da intervenção ) x 100. Essa medida é obtida em porcentagem e varia de 0% a 100%, o que pode ser interpretado qualitativamente como: superiores a 90% indicam intervenção “altamente eficaz”; 70% a 90%, “moderadamente eficaz”; 50% a 70%, “minimamente eficaz”; e menos que 50% “ineficaz”.
A título de exemplo, a sentença /Dudu rala limão/ tem um total de 13 fonemas. Se no Pré-teste 1, a produção oral do participante foi /li/, e no Pré-teste 2 foi /limão/, podemos identificar dois pontos na linha de base, isto é, duas medidas de dois e de cinco acertos, sendo cinco o de maior valor. Após o ensino, o participante pode falar /rana limão/ no Pós-teste 1, com oito fonemas corretos e no Pós-teste 2, fala /Dudu rala limão/, com 13 fonemas corretos. Essas medidas podem ser comparadas com as do pré-teste (dois e cinco) e observar que todos os pontos do pós-teste estão acima do maior valor do pré-teste (de valor cinco). Ao aplicar o cálculo PND, os dois pontos do pós-teste (oito e 13) que superaram o ponto de maior valor do pré-teste (de valor cinco) devem ser divididos pelo total de pontos nos pós-testes (duas medidas de pós-testes). Logo, o cálculo foi (2/2) x 100 e o resultado do tamanho de efeito foi 100%, o que sugere a interpretação de que o ensino foi “altamente eficaz”. Essa medida foi obtida apenas para os desempenhos em nomeação, por sentença e por participante.
Resultados
A Figura 1 apresenta a porcentagem de acertos dos participantes nos testes de leitura de sentenças (CD) e de nomeação de figuras de cenas (BD), envolvendo as três sentenças do estudo, e em linha de base múltipla entre participantes.
Durante os pré-testes, os participantes mostraram diferenças entre as porcentagens de acertos na leitura de sentenças e na nomeação de figuras de cenas. Todos obtiveram desempenhos em leitura de sentenças superiores a 70% de acertos (média de 87,39% de acertos, com variação entre 73,91% a 100%), enquanto a nomeação de figuras de cenas estava aquém de 50% de acertos (média de 30,87% de acertos, variando entre 10,87% a 47,83%). Nas repetidas medidas de linha de base, essa diferença entre os desempenhos em leitura e em nomeação foi mantida, com um aumento sutil na leitura e/ou na nomeação de alguns participantes (LUC, LIN, EDU e LIV) e uma variabilidade discreta no desempenho de LET.
Após o EBI, os participantes reduziram de modo importante a diferença entre as porcentagens de acertos de leitura de sentenças e de nomeação de figuras de cenas; em alguns casos, os desempenhos em nomeação ficaram sobrepostos aos de leitura. Seis dos oito participantes (LUI, LUC, EDU, LIV, RAY e LET) mostraram mudança de nível logo após o EBI e alcançaram uma nomeação superior a 80% de acertos, que era mais próxima aos desempenhos em leitura (92% de acertos). LUC teve 100% de acertos em nomeação no primeiro pós-teste e os demais participantes aumentaram gradativamente a nomeação após às revisões de ensino e obtiveram acima de 90% de acertos no último pós-teste (média de 95% de acertos), aproximando das porcentagens de acertos dos pós-testes de leitura (média de 97% de acertos).
A Figura 2 apresenta a aquisição da precisão da fala na sentença /Beto descasca limão/, em linha de base múltipla entre participantes e o respetivo PND de nomeação. A precisão da fala foi indicada por curvas de correspondência dos fonemas em cada porção da sentença, nos sucessivos testes de leitura e de nomeação.
A magnitude do efeito observada no desempenho dos participantes, via PND, foi superior a 70% e o ensino foi considerado efetivo para aumentar a nomeação precisa de /Beto descasca limão/. Para sete participantes, a magnitude do efeito foi de 100% e indicou que o ensino foi “altamente eficaz”, enquanto um efeito “moderadamente eficaz” foi observado para a participante LET (PND=80%).
Nos pré-testes, todos leram /limão/ com bastante precisão. Os participantes SUE, LUI e LUC tiveram uma leitura praticamente precisa na sentença e erros pontuais aconteceram nas porções inicial e medial (/Beto des/), enquanto LIN, EDU, LIV, RAY e LET mostraram mais variabilidade ao ler e aumentaram gradativamente os acertos nas porções iniciais e mediais (/to des/) durante os pré-testes. Todos os participantes aumentaram os desempenhos em leitura após o EBI, exceto LUC que manteve a precisão já demonstrada nos pré-testes. Os outros participantes leram corretamente /limão/ logo depois do EBI e, a partir da revisão do ensino, leram com precisão /Beto/ e mantiveram erros no verbo /descasca/; ao final do estudo, essas crianças continuavam lendo corretamente as porções inicial e final (/Beto/ e /limão/) e os erros circunscreveram-se em /sc/ de /descasca/.
Durante os pré-testes, os participantes nomearam a figura de cena referente a “Beto descasca limão” com pouca ou nenhuma correspondência com a sentença-alvo. Todos apresentaram acima de dez erros quando nomearam o sujeito e o verbo (/Beto descasca/) e a precisão da fala ficou restrita à nomeação do objeto /limão/. Depois do EBI, todos melhoraram a precisão da fala quando nomeavam essa figura: LUC nomeou com precisão logo no primeiro pós-teste; LIN, EDU, LIV, RAY e LET emitiram corretamente os fonemas das porções iniciais e terminais (/Be/ e /limão/) e tiveram erros em /to descasca/; ao passo que SUE e LUI diferiram desse padrão e apresentaram mais erros em /Beto/ do que em /descasca/. Após uma revisão do ensino, todos (exceto LUC, que já tinha alcançado a nomeação precisa) aumentaram a precisão em /Beto/ e /limão/, com incidência dos erros apenas em /sc/ de /descasca/.
A aquisição da precisão da fala na sentença /Juca espreme limão/ está apresentada na Figura 3. A magnitude do efeito foi de 100% para todos os participantes. Esse resultado sugere que o ensino foi “altamente eficaz” para aumentar a precisão na nomeação em /Juca espreme limão/.
Os participantes apresentaram variabilidade nos pré-testes de leitura. SUE leu com precisão a maior parte da sentença, com erros apenas em /limão/. EDU e LIV leram corretamente /espreme limão/ a partir do segundo pré-teste e erravam apenas a leitura da sílaba /ju/ de /Juca/. LUI, LUC, LIN, RAY e LET leram de maneira precisa /limão/ e falhas em /Juca espreme/ foram gradualmente reduzidas durante os sucessivos pré-testes, embora com erros persistentes em /ju/ de /Juca/ e /spr/ de /espreme/. Após o EBI, a leitura precisa foi obtida imediatamente para LUC e ao longo das revisões de ensino para os outros participantes. Ao final do estudo, LUI, LIN, EDU e LET leram corretamente /Juca/ e /limão/ e os erros permaneceram em /pr/ de /espreme/.
Nos pré-testes de nomeação, os participantes emitiram uma fala com pouca precisão em relação à sentença-alvo /Juca espreme limão/. SUE e LIV emitiram uma fala sem correspondência com essa figura, enquanto LUI, LUC, LIN, EDU, RAY e LET nomearam corretamente /limão/. Todos aumentaram a precisão da fala na nomeação da figura depois do EBI, com desempenhos sobrepostos aos de leitura: LUI e LUC nomearam corretamente a figura logo depois do ensino; os demais participantes (SUE, LUI, LIN, LIV, RAY, EDU e LET) alcançaram a precisão a partir das revisões de ensino, alcançando a nomeação precisa de /Juca/ e /limão/, seguida pela aquisição de /espreme/.
A Figura 4 exibe a aquisição da precisão da fala para a sentença /Dudu rala limão/, com curvas, por fonemas, nos sucessivos testes de leitura e de nomeação. Essa figura mostra que todos os participantes tiveram 100% de magnitude de efeito e o ensino foi considerado altamente eficaz para melhorar a precisão na nomeação usando a sentença /Dudu rala limão/.-
Durante os pré-testes, três participantes mostraram proficiência na leitura (LUI, LUC e LIV) e outros quatro ( EDU, LIN, RAY e LET) tiveram mais variabilidade, com falhas na leitura da segunda sílaba de /Dudu/ e em /ra/ de /rala/; de modo inverso, SUE teve mais erros quando lia /la li/ (/Dudu rala limão/). Depois do EBI, sete dos oito participantes passaram a ler com precisão essa sentença, imediato (SUE, LUC, LIN, LIV e LET) ou após uma revisão do ensino (LUI e EDU); RAY manteve a mesma leitura observado nos pré-testes.
Durante os pré-testes, os participantes apresentaram desempenhos variados quando nomearam a figura referente a /Dudu rala limão/. SUE, LUC e RAY nomearam corretamente o verbo e o objeto (/rala limão/). LIN, EDU e LET mostraram variabilidade nos acertos e LUI e LIV nomearam sem nenhuma correspondência. Após o EBI, todos aumentaram a precisão da fala quando nomearam essa figura e a maioria dos participantes mostrou uma sobreposição dos desempenhos de leitura com os de nomeação (exceto LIN); a nomeação precisa foi alcançada imediatamente para cinco participantes (SUE, LUI, LUC, LIV e LET) e após uma revisão do ensino para EDU. Os participantes LIN e RAY reduziram a variabilidade na nomeação e os erros ficaram restritos a porção medial da sentença (/rala/).
Discussão
O presente estudo investigou a aquisição da precisão de fala de sentenças em crianças com IC, como função do EBI. Os resultados mostraram que o EBI foi efetivo para aumentar a nomeação precisa de figuras de cenas (Neves et al., 2018), o que se confirma pela magnitude do efeito via PND superior a 90% (Scruggs et al., 1988). A inspeção por fonemas se mostrou útil para investigar as mudanças na precisão da fala que decorreram do EBI, e foram identificados padrões de aquisição de sentenças que se aproximam do observado em estudos que analisaram palavras por bigramas (Anastácio-Pessan, 2011; Lucchesi et al., 2015).
Durante os pré-testes, os participantes tiveram desempenhos superiores a 70% de acertos em leitura de sentenças e inferiores a 50% de acertos na nomeação de figuras de cenas, o que era critério para inclusão no estudo. A discrepância entre ler e nomear em crianças com IC e leitoras, que foi identificada no presente estudo, se integra aos achados encontrados na literatura, de palavras a sentenças (Anastácio-Pessan et al., 2015; Lucchesi et al., 2015; Neves et al., 2018; Silva et al., 2017, Rique et al., 2017), e sugere que essa performance verbal ocorre independe da extensão da unidade linguística. Embora a experiência em linguagem e as características dos estímulos possam afetar as habilidades verbais de crianças com IC (Jerger et al., 2002; Neves et al., 2018), essa discrepância também pode ser explicada pela independência funcional entre operantes verbais (Skinner, 1957). A fala mais precisa diante da sentença impressa do que diante da figura de cena decorre de distintas relações de controles de estímulos; enquanto grafemas funcionam como componentes discriminativos para emitir fonemas corretos, a figura não fornece nenhuma dica do que deve ser dito (de Rose, 2005).
O presente estudo confirma o EBI como uma “rota” para integrar operantes verbais e refinar um repertório a partir de outro, em crianças com IC e leitoras. Todos os participantes aumentaram as porcentagens de acertos nos pós-testes de nomeação de figuras, com desempenhos aos níveis de leitura. Os desempenhos de ler e nomear mais próximos (ou sobrepostos, em alguns casos) reportam evidências da interdependência desses operantes verbais, a partir das equivalências entre sentenças ditadas e impressas, e figuras de cenas (Sidman, 1986). As relações de controle que a sentença impressa exercia sobre a precisão da fala foram estendidas para as figuras de cenas, por relações de equivalência, e a fala passou ser mais refinada diante da figura (de Rose, 2005; Mackay & Sidman, 1984). Os resultados confirmam achados demonstrados com sentenças (Neves et al., 2018; Silva et al., 2017), replicando os dados com palavras (Anastácio-Pessan et al., 2015; Lucchesi et al., 2015; Rique et al., 2017) em crianças com IC. Esses dados replicam também o de crianças com outros prejuízos na fala como apraxia da fala (Almeida-Verdu et al., 2015) e hipoplasia cerebelar (Neves & Almeida-Verdu, 2014).
A efetividade do EBI foi demostrada, adicionalmente, pela magnitude do efeito via PND (Scruggs et al., 1988). O uso do PND em estudos de controle de estímulos e IC foi inédito desse estudo e se alinha à literatura que busca indicadores de efetividade e de práticas baseadas em evidências (Byiers et al., 2012). A magnitude do efeito no presente estudo foi superior a 70% e considerado efetivo. Esse resultado agregou uma medida importante de efetividade ao ensino, para além da inspeção visual de gráficos, e confirma que o EBI produziu uma melhora na fala de sentenças dos participantes. Replicações com mais crianças com IC e leitoras, em diferentes laboratórios e com o uso de PND poderão confirmar essa efetividade e o potencial de aplicar essa medida na reabilitação auditiva.
A inspeção da precisão da fala, usando fonemas, se mostrou sensível para monitorar as mudanças processuais da fala (Camarata, 1993; Chin et al., 2012; Hustad, 2006) que ocorreram em função do EBI. Enquanto os estudos em controle de estímulos e IC tem analisado a precisão da fala por bigramas (Almeida-Verdu et al., 2012; Almeida-Verdu & Gomes, 2017; Anastácio-Pessan, 2011; Lucchesi et al., 2015), o presente estudo estendeu essa análise para os fonemas; futuros estudos poderão incorporá-la como uma opção e avaliar vantagens dessa análise. Essa forma de registrar por fonemas mostra correlatos com métodos da Fonoaudiologia, como o de porcentagem de consoantes e o de fonemas corretos (Preston et al., 2011), com algumas diferenças. Enquanto tais métodos avaliam a precisão da fala de modo geral e em porcentagem, o presente estudo e os outros (com bigramas) tem buscado detalhar a aquisição da precisão da fala, em cada unidade mínima e considerando momento a momento do EBI; no caso do presente estudo, em cada fonema e segmento de sentença. A precisão da fala foi monitorada no presente estudo por meio da transcrição e inspeção sistemática de fonemas, que é considerada uma avaliação subjetiva pela Fonoaudiologia, e futuros estudos poderão complementar essa análise com avaliações consideradas objetivas, como a análise acústica da fala via espectrografia (Ertmer, 2010); se forem observadas mudanças nos padrões acústicos da fala, correlatos objetivos às medidas por fonemas podem ser estabelecidos e somar às evidências dos efeitos do EBI sobre a precisão da fala.
A leitura das sentenças, que já mostrava curvas fonêmicas bem precisas na linha de base, aumentou após o EBI e pode estar relacionada à alfabetização e à terapia fonoaudiológica dos participantes, visto que esses ambientes favorecem a aprendizagem de relações grafofonêmicas e o controle por unidades textuais (Lund & Schuele, 2013; Matos et al., 2006). Os erros ao ler /pre/ e /sc/ foram recorrentes e podem decorrer de características linguísticas que serão melhor discutidas a seguir.
O presente estudo identificou padrões na aquisição da precisão da fala de sentenças, diante das figuras de cenas, e em função do EBI. Nas sentenças /Beto descasca limão/ e /Juca espreme limão/, foi verificada uma maior precisão da fala nas porções iniciais (sujeito) e terminais (objeto) das sentenças, com incidência de erros na parte medial (verbos). Esses resultados replicam e estendem para sentenças os achados obtidos com palavras de que crianças com IC emitem fala mais precisa nas porções iniciais e terminais, com erros na medial, configurando um padrão em “U”, mesmo após o EBI (Almeida-Verdu et al., 2012; Anastácio-Pessan, 2011; Lucchesi et al., 2015). Esse padrão foi notado tanto palavras convencionais - como tatu e vaca (Lucchesi et al., 2015), e toca e boca (Anastácio-Pessan, 2011) - quanto não-convencionais, como pafe e xede (Almeida-Verdu et al., 2012), e duca e tiba (Anastácio-Pessan, 2011). O presente estudo, somado à literatura (Anastácio-Pessan, 2011; Almeida-Verdu et al., 2012; Lucchesi et al., 2015), sugere inicialmente a generalidade dos dados independente da extensão da unidade linguística.
No entanto, foi identificado um padrão diferente na aquisição da nomeação em /Dudu rala limão/. Os participantes alcançaram precisão em todas as porções dessa sentença em comparação com as demais. Essa diferença pode estar relacionada ao fato de que alguns sons da fala são mais difíceis de pronunciar, por requererem maior controle da fala e experiência com as convenções e práticas linguísticas (Cristófaro-Silva, 2010); logo, a complexidade do responder vocal (topografia) pode interferir na precisão da fala (produto) e reduzir o alcance sobre a audiência (função) (Skinner, 1957; Vargas, 2013). Os participantes tiveram mais precisão nas palavras com função de sujeito (/Beto/, /Juca/ e /Dudu/), no verbo /rala/ e no objeto (/limão/), constituídas de sílabas regulares ou com pouca dificuldade fonética. Em contrapartida, os outros dois verbos foram constituídos de sons mais difíceis de articular e representados por componentes linguísticos complexos (encontro consonantal em /espreme/, e consoantes aglutinadas em /descasca/) que exigiram maior controle da produção da fala (Cristófaro-Silva, 2010; Ertmer, 2010; Fletcher, 1997). Se essa interferência for relevante, a amplitude da curva pode ser modulada como função da composição fonológica. Essa hipótese pode ser investigada experimentalmente por meio de uma avaliação mais abrangente do repertório de entrada dos participantes (e. g., incluir um inventário fonético), do balanceamento fonológico e de sondas sistemáticas ao longo do ensino de sentenças com níveis gradativos de dificuldade fonética.
Ao nomear a figura de cena, os participantes mostraram uma rápida aquisição da precisão da fala de “rala” e de “limão”. As figuras do ralador e do limão, nas cenas, podem ter funcionado como componente discriminativo para nomeá-los, e pode ter induzido acertos já nos pré-testes (Jerger et al., 2002), ao passo que para as cenas de espremer e descascar, o controle sobre a fala recaía exclusivamente sobre a ação do que sobre o objeto (ausente no caso de espreme e faca no caso de descasca). Outra questão é que “limão” foi termo comum nas sentenças e, ao repeti-lo, pode ter funcionado como overtraining e ter estabelecido a emissão dessa palavra com mais precisão (Bortolotiet al., 2013). Manipular o termo comum da sentença (sem ou com sobreposição, alternando as posições) poderá minimizar o efeito dessas variáveis em futuros estudos.
As limitações do presente estudo devem ser contornadas em futuras pesquisas. O quadro fonológico (fonemas que a criança produz), o repertório de leitura, a idade e o tempo de uso do IC devem ser melhor controlados, de modo a avaliar a interferência isolada e combinada dessas variáveis sobre a produção oral. As figuras de cenas podem ser refinadas para salientar a ação motora e ampliar as dicas contextuais (e. g., apresentar cenário de cozinha ou um espremedor na cena de “Juca espreme limão”); e devem ser mensurados os efeitos desses ajustes sobre a nomeação de figuras (Jerger et al., 2002). Novos estudos devem ampliar a amostra e observar a generalidade desses achados com mais participantes.
O delineamento do presente estudo também apresentou limitações. A linha de base múltipla entre participante obteve uma única medida de pré-teste de alguns participantes (SUE e LUI) e foi observada uma variabilidade na linha de base em nomeação, o que afeta parcialmente o controle experimental; esses percalços podem ser contornados pela aplicação de três sondas repetidas da linha de base ou até que se obtenha a estabilidade (Kazdin, 1982). Contudo, essa variabilidade da linha de base (intra e entre participantes) foi mínima (<40%) e sugere que crianças com IC apresentam ganhos na produção oral quando expostas às condições de ensino naturalísticas e interações verbais. Somente após o ensino, o aumento da nomeação foi superior a 60%, com mudança de nível e redução da variabilidade para todos os participantes, o que é um efeito direto do EBI e reitera a validade interna do estudo.
Em suma, o presente estudo demonstra os efeitos do EBI sobre a precisão da fala de crianças com IC e traz contribuições de pesquisa e de potencial aplicado. No âmbito da pesquisa, os resultados desse estudo contribuem com as pesquisas em controle de estímulos e IC e mostram padrões de aquisição da precisão da fala diante das figuras, em crianças com IC e leitoras, em função de condições de ensino sistemático. Enquanto potencial aplicado, o delineamento de sujeito único que foi empregado, combinado às medidas de tamanho de efeito via PND, produziram medidas de efetividade do ensino que podem contribuir para subsidiar práticas baseadas em evidências no contexto da reabilitação auditiva (Byiers et al., 2012); a utilidade e o alcance do PND (Scruggs et al., 1988) podem ser ampliados para aferir os efeitos de diferentes condições de ensino, em contextos menos controlados e com diversas populações, o que pode contribuir para a prática clínica e a avaliação de efetividade de programas e intervenções. Esses achados têm implicações aplicadas e permitem predizer o curso da aquisição da fala precisa de sentenças quando esse EBI é adotado (Grow & Kodak, 2010).