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Revista de Psicología (PUCP)

On-line version ISSN 0254-9247

Revista de Psicología vol.36 no.2 Lima  2018

http://dx.doi.org/10.18800/psico.201802.006 

ARTÍCULOS

 

Processo criativo de publicitários brasileiros: Fatores motivadores e inibidores à criação

Proceso creativo de la publicidad brasileña: Factores motivadores e inhibidores para crear

The creative process of Brazilian advertising: Motivators and limiting factors in the creative process

Le processus créatif de la publicité brésilienne: facteurs motivants et inhibiteurs pour créer

 

Nívea Pimenta Braga1, Denise de Souza Fleith2, Eunice M. L. Soriano de Alencar3 y Asdrúbal Borges Formiga Sobrinho4

Universidade de Brasília, Brasil

1 Mestrado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde da Universidade de Brasília. Endereço postal: QRSW 07 Bloco B-5 Apto. 203, Setor Sudoeste, Brasília DF, 70675-725. Contato: npbraga@gmail.com.
2 Ph.D. em Psicologia Educacional pela University of Connecticut, professora titular do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Endereço postal: Instituto de Psicologia, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, Brasília - DF, 70910-900. Contato: fleith@unb.br.
3 Ph.D. em Psicologia pela Purdue University, professora emérita da Universidade de Brasília. Endereço postal: Instituto de Psicologia, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, Brasília - DF, 70910-900. Contato: eunices.alencar@gmail.com.
4 Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília, professor adjunto da Faculdade de Comunicação e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de Brasília. Endereço postal: Faculdade de Comunicação, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, Brasília - DF, 70910-900. Contato: asdru_bal@uol.com.br.

 


RESUMO

Este estudo investigou como publicitários da área de criação de agências de propaganda de grande porte percebem e caracterizam o seu processo criativo. Para isso, foram ouvidos 13 profissionais brasileiros, a partir de entrevistas semiestruturadas. Os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo. Constatou-se que várias etapas do processo criativo se sobrepõem, como, por exemplo, o período de incubação de um trabalho funcionando como a preparação do próximo. Como fatores motivadores, destacam-se o prazer do ato de criar, a visibilidade do trabalho nas ruas e o seu alcance social. Como elementos cerceadores, figuram o excesso de departamentalização das agências, além dos prazos reduzidos e a subjetividade da aprovação da propaganda por parte dos clientes.

Palavras-chave: criatividade, processo criativo, motivação, publicidade.

 


RESUMEN

Este estudio investigó la manera en que publicistas de las áreas creativas de agencias de publicidad de gran tamaño perciben y caracterizan su proceso creativo. Se entrevistaron 13 profesionales brasileños, a partir de guías de preguntas semiestructuradas. Los datos fueron analizados por medio del análisis de contenido. Se constató que varias etapas del proceso creativo se sobreponen, como por ejemplo, el periodo de incubación de un trabajo funcionando como la preparación del próximo. Como factores motivadores, se destacan el placer del acto de crear, la visibilidad del trabajo en las calles y su alcance social. Como elementos limitantes figuran el exceso de departamentalización de las agencias, además de los plazos reducidos la subjetividad de la aprobación de la propaganda por parte de los clientes.

Palabras clave: creatividad, proceso creativo, motivación, publicidad.

 


ABSTRACT

This study investigated how advertisers from the creation area of large advertising agencies perceive and characterize their creative process. Thirteen Brazilian professionals were interviewed using semi-structured interviews. Data were analyzed by content analysis. Results indicate that several stages of the creative process overlap, such as the incubation period of one job functioning as the preparation for the next. Motivating factors include pleasure of the act of creating, media visibility and its social reach. Limiting factors include the agencies’ excessive departmentalization, reduced deadlines, and the clients’ subjectivity influencing the advertisement approval.

Keywords: creativity, creative process, motivation, advertising.

 


ABSTRAIT

Cette étude a examiné comment les publicistes dans le domaine de la création de grandes agences de publicité perçoivent et caractérisent leur processus créatif. Pour cela, 13 professionnels brésiliens ont été interrogés, sur la base d’entretiens réalisés à l’aide d’instruments semi-structurés. Les données ont été analysées au moyen d’une analyse de contenu. Il a été constaté que plusieurs étapes du processus de création se chevauchent, comme la période d’incubation d’un travail fonctionnant comme la préparation de la suivante. En tant que facteurs de motivation, le plaisir de l’acte de créer, la visibilité du travail dans la rue et sa portée sociale se distinguent. Les éléments limitants comprennent l’excès de départementalisation des agences, en plus des délais réduits la subjectivité de l’approbation de la propagande par les clients.

Mots-clés: créativité, processus créatif, motivation, publicité.

 


Estudos empíricos que investigam a relação entre atividade profissional e processo criativo encontram-se presentes na literatura sobre criatividade. Não é, portanto, uma área inexplorada no que se refere a pesquisas em psicologia e outras áreas do conhecimento (Barron, Montuori, & Barron, 1997; Bonini & Sbragia, 2011; Botella et al., 2013; Finck, 2001; Kratz, 2016; Martinelli, Barbato, & Martínez, 2003; Sawyer, 2016; Wallace & Gruber, 1989).

Alencar e Fleith (2009) salientam que, já nos anos 50, estudos clássicos buscavam investigar traços de personalidade em pessoas de destaque em suas carreiras e mapear quais fatores contribuíam para a sua produtividade superior. Sobressai, nesse período, o trabalho de MacKinnon (1961) junto a arquitetos, revelando que intuição, flexibilidade cognitiva, persistência, tolerância à ambiguidade, maior abertura às experiências e interesses não convencionais eram achados recorrentes. Nas décadas seguintes, observou-se a consolidação de estudos que contemplavam aspectos que iam além das características de personalidade. Sawyer (2003) aponta a abordagem por processos como a segunda onda das pesquisas em criatividade. Ao expandir a visão de que não apenas os traços de personalidade são definidores da performance dos indivíduos adultos, o foco das pesquisas passou a contemplar também a forma como se manifesta o potencial criador, a partir de seu processo criativo.

O fazer publicitário pode ser um campo promissor para análise, por se tratar de uma atividade em que profissionais lidam com a criação diariamente, participando de vários ciclos de preparação, incubação, iluminação e elaboração em um mesmo dia. A produção publicitária, de cunho comercial, caracteriza-se pelo desenvolvimento de anúncios e campanhas com a finalidade de promover produtos e serviços. Nesse domínio, a criatividade figura não como uma habilidade desejável, mas como pré-requisito de quem deseja atuar na área. Criativo, no contexto publicitário, não é um apenas um adjetivo usado para qualificar os profissionais, mas passa a ser o nome de um cargo ocupado por uma dupla de criação. Os "criativos", como são conhecidos no mercado, dividem-se em duas funções, conforme o ramo de atuação. O profissional responsável pelo texto é denominado redator. Aquele que desenvolve a parte imagética, layouts, é conhecido por diretor de arte. O cargo responsável por avaliar as peças criadas recebe o nome de diretor de criação e pode ser ocupado tanto por um redator ou por um diretor de arte (Stuhlfaut & Yoo, 2013).

Os estudos empíricos já realizados têm como base primordial as pesquisas de recepção e o comportamento do consumidor, que examinam como os produtos publicitários são percebidos por seus públicos. Tellis (2007) destaca que o estudo da eficácia da publicidade nos mercados em que está inserida tem crescido rapidamente nos últimos 50 anos, em função de uma bem-sucedida combinação da investigação científica e dados oriundos das pesquisas de marketing. Segundo Tellis, os estudos existentes podem ser compreendidos em três principais categorias: os efeitos da intensidade da propaganda nos mercados, a dinâmica de criação da propaganda e os impactos do mercado sobre a propaganda. Ainda assim, existe uma escassez de estudos que abordam, especifica-mente, o processo criativo dos publicitários, através da análise de suas práticas cotidianas.

Stuhlfaut e Yoo (2013) realizaram um estudo com 240 publicitários americanos, por meio de questionários on-line, em que se buscava compreender as dimensões da criatividade no fazer publicitário. Os resultados demonstraram a forte influência que a publicidade possui na cultura popular americana e que as principais dimensões da criatividade na produção publicitária dessa amostra podem ser agrupadas como: novidade, afetividade e utilidade.

Kim e Yu (2015) avaliaram como os níveis de criatividade de um anúncio e o papel do público-alvo (cliente, publicitário e consumidor) impactam a forma como uma propaganda é apreendida. Ao todo, foram recrutados 382 participantes, entre profissionais de agência (n = 138), clientes (n = 105), e consumidores (n = 139). Três escalas diferentes foram aplicadas para mensurar as impressões gerais de um anúncio publicitário, as atitudes individuais em relação ao anúncio e as atitudes individuais em relação aos produtos anunciados. Os participantes também foram expostos à exibição de peças publicitárias, divididas entre muito criativas, medianamente criativas e pouco criativas. Os resultados indicaram que os anúncios mais criativos impactavam de maneira mais significativa a audiência. Clientes que eram expostos a propagandas altamente criativas demonstravam atitudes mais favoráveis a elas. Em relação aos profissionais que trabalham nas agências, os publicitários se mostraram mais críticos em relação à qualidade dos anúncios do que os demais participantes, que reagiram espontanea-mente ou emocionalmente ao que foi apresentado.

No Brasil, Formiga Sobrinho (2012) conduziu um estudo em uma agência publicitária brasileira de grande porte5, investigando as práticas publicitárias dos profissionais que lá atuavam, a partir da análise de processos de criação da publicidade de utilidade pública. Uma campanha sobre desarmamento, solicitada pelo Ministério da Justiça, foi tomada como base de discussão. Ao todo, foram entrevistados cinco publicitários, por meio de uma abordagem qualitativa, com o uso de entrevistas semiestruturadas com duração média de 120 minutos.

Os resultados apontaram a existência de quatro fatores determinantes no grau de julgamento da criatividade de uma campanha: o briefing, o conhecimento que se tem acerca do tema, a relação com o cliente, o tipo de linguagem e a apresentação da campanha. Estes foram os fatores primordiais passíveis de influenciar o resultado de uma campanha de natureza pública no que diz respeito à expressão da criatividade dos profissionais entrevistados e também responsáveis pela criação da campanha. É recorrente pensar em processo criativo, seja ele em que área for, a partir da dinâmica de estágios, embora, nem sempre eles se apresentem de forma rigidamente definida. Sawyer (2003) descreve que, já em 1891, o fisiologista Hermann von Helmholtz havia refletido sobre seu próprio trabalho criativo, identificando três momentos: um período de investigação, um período de descanso e um momento em que a solução emergia de modo inesperado.

Vernon (1982) recupera o pensamento de Poincaré que, em 1908 também propunha fases para o pensar criativo, a partir de sua experiência no campo da matemática. Destaca-se a importância do empenho para a emergência de um insight. O que parece uma emergência inconsciente, portanto, nada mais é do que uma somatória de esforços, sejam eles conscientes ou não. Há então uma primeira fase reflexiva, baseada na pesquisa. A segunda é focada no amadurecimento das ideias geradas, que traria uma síntese, fruto de uma sensibilidade estética. A fase final corresponderia à verificação da solução gerada.

A Wallas (1982) cabe as denominações para os quatro estágios que ainda hoje são utilizados: preparação, incubação, iluminação e verificação. O autor destaca que essas etapas se sobrepõem de maneira natural, conforme a necessidade do problema a ser solucionado. Preparação corresponde à fase inicial de trabalho preliminar. Nela, as informações são coletadas, pesquisadas, listadas, organizadas. Destaca, o autor, que o homem foi educado para isso, ou seja, tem sido treinado a observar e memorizar, desde que se insere na instrução formal. A partir daí, essa lembrança de fatos passar a ser acessada em forma de associação de ideias.

O período de incubação está ligado a uma etapa inconsciente de assentamento e reorganização das informações coletadas. De maneira não consciente, o solucionador se prepara para buscar a solução que irrompe de maneira não controlada. A experiência subjetiva, ou insight, equivale a ideia que surge como solução para a situação-problema. Ao contrário de Helmholtz e Poincaré, no entanto, a iluminação não se restringe ao surgimento da ideia. O flash inicial é acompanhado de iluminações adicionais que perpassam todo o processo de tentativas e erro. A etapa final consiste em verificar a aplicabilidade da ideia, colocando-a efetivamente em prática.

A partir desses modelos, muitos outros surgiram ao longo de muitas décadas sem um consenso sobre formas ou número de etapas. Joseph Rossman (como citado por Pfeifer, 2001), por exemplo, conduziu estudos com 710 inventores e identificou sete estágios comuns: (a) observação da necessidade ou dificuldade, (b) análise da necessidade, (c) pesquisa das informações disponíveis, (d) formulação de soluções objetivas, (e) análise crítica das soluções disponíveis, (f) insight ou invenção, e (g) fase de testes e aperfeiçoamento das soluções.

Um modelo essencial para a dimensão de processos foi proposto por Amabile (1996), conhecido por Modelo Componencial. Destacamos aqui sete principais pressupostos: (a) é possível que qualquer pessoa, com habilidades cognitivas consideradas normais, consiga gerar trabalhos criativos, seja na dimensão cotidiana ou no campo das artes, histórias e ciência; (b) os graus de criatividade são variáveis conforme o indivíduo em questão; (c) altos níveis de criatividade sugerem sinergia entre os indivíduos e seus domínios; (d) a idade varia amplamente de acordo com o domínio; (e) apesar de indivíduos diferirem em seus potenciais criativos, em dado domínio, é possível ampliar a criatividade, com esforços conscientes; (f) os talentos, a educação e as habilidades cognitivas não parecerem ser suficientes para denotar altos níveis de criatividade por si só; e (g) alguns traços de personalidade são recorrentes em indivíduos que apresentam altos índices de criatividade.

Esse processo compreende os mais altos aos baixos níveis de criatividade. No estágio inicial, existe um problema a ser resolvido, que pode partir de um estímulo interno ou externo. A motivação para a realização da tarefa possui um papel determinante. Altos níveis de motivação, notadamente intrínseca, são importantes para alimentar o processo criativo.

O segundo estágio é preparatório para a geração de respostas ou soluções. Com base nas habilidades de domínio relevantes, são gerados caminhos possíveis de serem explorados. O período da preparação é também uma espécie de aquecimento para que possa emergir a resposta para a questão.

O terceiro estágio concentra-se na geração da resposta, que consiste em alcançar determinado nível de novidade do produto ou resposta. Alternativas possíveis são mapeadas, algumas respostas são produzidas e acontece a seleção. A presença de um conjunto de habilidades relevantes é fundamental para que haja flexibilidade e a resposta mais adequada seja alcançada. A motivação para a tarefa, mais uma vez, apresenta papel preponderante.

Validação da resposta corresponde ao quarto estágio. As habilidades relevantes de domínio permitem verificar se a resposta encontrada é apropriada, útil, correta ou dotada de valor. O quinto estágio desse modelo refere-se aos resultados. O processo é finalizado com a obtenção da resposta adequada, testada e comprovada. Caso a solução não responda satisfatoriamente a questão, volta-se ao estágio inicial no qual o problema é redefinido e um novo ciclo se apresenta. Sawyer (2012) também apresenta um modelo de processo de processo criativo que corresponderia a oito estágios.

O primeiro estaria ligado à formulação do problema. O segundo consiste em reunir conhecimento para lidar com a questão que está em foco. O terceiro está centrado na aquisição de informações sobre o tema, pois acredita-se que a criatividade possa surgir de associações inesperadas. O quarto estágio corresponde à incubação, com o desligamento consciente da resolução do problema. No quinto, espera-se a ampla geração de ideias, em um processo em que a quantidade conduz à qualidade. O sexto estágio corresponde à combinação de ideias. No sétimo, a seleção das melhores ideias, mais adequadas, efetivas, é a realizado. O oitavo estágio, finalmente, resultaria na externalização o que foi pensado, finalizado e lapidado.

Estudos conduzidos por Csikszentmihalyi e Sawyer (1995) analisam uma determinada maneira de solucionar problemas criativos. No modelo conhecido como presented problem solving process, o problema já é conhecido na etapa inicial. A partir de então, os quatro estágios – preparação, incubação, iluminação e avaliação – são curtos e cíclicos. A avaliação é feita, geralmente, no momento do insight e a preparação costuma ser contínua. Esse modelo é também caracterizado pela geração de um grande número de ideias, considerando que a quantidade conduziria à qualidade. Em razão da agilidade e da sobreposição dos estágios, existe a hipótese de que essa estrutura seja compatível com a rotina dos publicitários.

Turnbull e Wheeler (2017) conduziram um estudo empírico com 22 publicitários do Reino Unido, sendo 11 mulheres e 10 homens, investigando, exclusivamente, suas rotinas de trabalho. A metodologia qualitativa foi empregada com o uso de entrevistas semiestruturadas. Como achados desse estudo, foram mapeadas 24 etapas do processo de criação publicitária, que engloba desde a entrada do trabalho na agência até a sua verificação após veiculado. As etapas 1 e 2 correspondem à fase de problematização. Os estágios de 3 a 10 são condizentes com a fase de Preparação. As etapas 11-12 e 17 foram reunidas em torno da geração de respostas. Os estágios 13-16, 18-19 e 21-23 foram agrupados como validação. Finalmente, as etapas de 20-24 corresponderam aos resultados.

Para conhecer o processo criativo desses profissionais, é preciso entender como se combinam as motivações intrínsecas e extrínsecas em um ambiente em que a criação é fortemente marcada por recompensas externas, como salário, reconhecimento e premiações. Segundo Amabile (1996), a motivação intrínseca diz respeito a um impulso para a realização, um facilitador para o ato criativo. A criatividade aparece, então, como um fim em si mesmo e não um meio para se alcançar algum fim. Já a motivação extrínseca estaria ligada a recompensas financeiras e reconhecimento. Lubart (2007) destaca que, no processo de criação, os tipos de motivação estão frequentemente em interação, em uma orquestrada simbiose para se atingir os fins. Ainda assim, na visão de ambos os autores, a motivação intrínseca ocupa uma posição de destaque, já que o indivíduo responderia criativamente a uma tarefa movido pelo prazer de executá-la.

O presente estudo investigou como publicitários da área de criação de agências de propaganda de grande porte percebem e caracterizam o seu processo criativo, buscando identificar características comuns entre o fazer publicitário de profissionais de quatro capitais que se destacam no cenário da publicidade brasileira. O objetivo foi responder a três questões de pesquisa: qual o perfil dos publicitários que hoje atuam em agências de grande porte do universo pesquisado? Existem etapas recorrentes em seu processo criativo? Quais são os fatores motivadores e quais são as barreiras experimentadas por publicitários em seu cotidiano?

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 13 publicitários de quatro capitais brasileiras: Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Utilizou-se como critério de seleção a escolha por profissionais do departamento de criação que trabalham ou já trabalharam em uma agência de grande porte. Os publicitários inicialmente selecionados indicavam outros criativos, constituindo-se, assim, uma amostra de conveniência. Constatou-se que 11 são do gênero masculino (84.6%) e duas (15.4%) do gênero feminino, com idades entre 23 e 50 anos (M = 34.15).

A carga horária de trabalho semanal era de 40 horas semanais, embora quase todos tivessem relatado que já trabalharam ou trabalhavam em horários alternativos com frequência, como períodos noturnos, finais de semana e horários de almoço, de acordo com a demanda da agência. O tempo de trabalho em agência variava de 4 a 25 anos de profissão. Foram encontrados 6 participantes que relataram ter entre 1 e 9 anos de agência; 4 participantes com 10 a 19 anos de agência; e 3 participantes disseram ter entre 20 a 25 anos de agência. 10 trabalham ou já trabalharam nas 50 maiores agências de publicidade do Brasil. Para preservar a confidencialidade, serão utilizados números para a identificação de cada entrevistado.

Medidas

A entrevista semiestruturada foi o instrumento utilizado para a coleta de dados, com protocolo constituído de duas partes: a primeira, para levantamento dos participantes (nome, gênero, idade, tempo de atuação no mercado, carga horária semanal) e a segunda, composta por um conjunto de questões sobre criatividade na produção publicitária. São elas: (a) como funciona seu processo de criar propagandas? Existe algo comum em todos os processos de criação? (b) você costuma utilizar alguma técnica específica ao criar? Percebe algumas etapas recorrentes? (c) existem coisas que estimulam a sua criatividade? E o que a inibe? (d) a quais características de personalidade você atribui seu perfil criativo? (e) como é o seu processo criativo? Ele é livre ou existem etapas recorrentes que você consegue perceber? (f) como você busca informações e referências? (g) existe algum período de descanso? (h) você percebe quando surge uma boa ideia? Ela geralmente corresponde à opinião do Diretor de Criação? (i) como se dá o processo de elaboração da peça após a aprovação pelo cliente? (j) para você, o que é mais motivador nessa profissão? (k) e o que te desmotiva? (l) você se dedica a projetos paralelos? A elaboração das perguntas baseou-se na literatura sobre criatividade, visando abranger questões ligadas ao perfil criativo, processo criativo, motivação e fatores que promovem a expressão criativa.

Procedimentos

Inicialmente, os contatos foram feitos com os profissionais através das redes sociais. Ao todo, dos 15 publicitários contatados, 13 concordaram em conceder a entrevista. Um documento detalhado, contendo os objetivos da pesquisa, o roteiro de perguntas e a garantia de confidencialidade havia sido preparado, mas nenhum dos participantes manifestou o desejo de recebê-lo, antecipadamente, por mensagem eletrônica. As entrevistas foram agendadas e realizadas de duas formas: presenciais ou por intermédio de plataformas digitais, como Skype. Apenas um profissional solicitou que as perguntas fossem enviadas por mensagem eletrônica.

A participação no estudo foi voluntária e é importante ressaltar que, apesar da rotina atribulada dos publicitários, todos se mostraram solícitos e reflexivos ao responder as questões. As entrevistas presenciais foram realizadas, em horário pré-agendado, em locais próximos às agências, com o objetivo de facilitar o deslocamento dos participantes.

O tempo médio de duração da entrevista foi de 60 minutos. Apenas um dos entrevistados respondeu às questões em 30 minutos e dois ultrapassaram 90 minutos. Todas as entrevistas foram conduzidas pela primeira autora, gravadas e transcritas.

Análise dos dados

Os dados obtidos nas entrevistas foram submetidos à análise de conteúdo, seguindo-se os pressupostos de Bardin (2004). Ao todo, foram contempladas três fases: (a) pré-análise; (b) exploração do material; e (c) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Na primeira fase, foi realizada a leitura completa do material. Essa fase compreendeu a leitura flutuante, que é o primeiro contato com as res-postas, e a elaboração de indicadores, entendidos como os assuntos, palavras ou trechos comuns nas falas dos entrevistados. Foram respeitadas as recomendações de Bardin sobre exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Após a leitura inicial, trechos das entrevistas foram recortados e coletados em uma planilha, a partir de unidades de registro, por meio do processo de codificação. O agrupamento se deu por uma categorização proposta por temas recorrentes que apareciam nas respostas e eram contemplados pelo referencial teórico escolhido. Dessa forma, todas respostas referentes a um mesmo tema foram reunidas e analisadas.

Resultados

A partir da análise das respostas, foram eleitas nove categorias para o agrupamento das respostas. São elas: Perfil criativo dos publicitários, processo criativo, preparação, incubação, iluminação, elaboração/verificação, motivação, fatores inibidores à criação e projetos paralelos.

Perfil criativo dos publicitários

A primeira categoria identificada refere-se ao perfil criativo dos entrevistados. As características mais enumeradas, pelos próprios publicitários foram perseverança (n = 7), curiosidade (n = 4), impulsividade ou coragem de arriscar (n = 4), espontaneidade (n = 3), bom humor (n = 3), imaginação (n = 3). Cada entrevistado se referiu a dois ou três traços. Resiliência, liberdade, coragem, motivação, ansiedade, persistência, observação, paciência, teimosia, colaboração também figuram nas respostas, citadas apenas uma vez. Duas falas ilustram essa categoria:

"Me diziam que eu era muito inventivo na infância e adolescência e eu imagino que fui trabalhando isso aos poucos para que inventividade se tornasse criatividade. Sempre experimentei muitas atividades nesse sentido, desde legos na infância aos quadrinhos, animações digitais, e manipulações de imagem na adolescência." (Publicitário 3)

"Sou persistente, não desisto fácil das minhas ideias. E o que mais estimula a minha criatividade é a liberdade. É preciso inventar um espaço para as ideias fluírem. Quanto mais liberdade, maior o potencial criativo. Acredito muito também no ouvir o outro. Ando muito descrente com criativos solitários." (Publicitário 7)

Em relação às razões que os levaram a ingressar em publicidade, três categorias de respostas foram mais frequentes: algum tipo de inclinação artística (n = 6), o fascínio que a carreira publicitária desperta (n = 3) e, com menor incidência, alguma habilidade técnica prévia, como familiaridade com os softwares gráficos (n= 2). Foi registrada, ainda, uma resposta atribuída à entrada na área ao acaso e outra, à oportunidade. Duas respostas ilustram esse extrato:

"Sempre gostei de propaganda, de escrever, de imitar vozes nos comerciais. Mas teve o caso do biscoito. Um dia, na hora do lanche, um colega me ofereceu um biscoito. Eu aceitei e ele disse que foi o pai dele quem fizera. Eu perguntei: ‘O biscoito?’ Ele: ‘Não, a embalagem.’ Aí descobri que o pai era publicitário, que desenhara a embalagem e criara comerciais de TV bem legais que eu adorava. Aquilo me marcou. Fiquei fascinado com a história." (Publicitário 10)

Um dado importante que surgiu das respostas é que nem sempre a publicidade foi a primeira escolha no processo de escolha da profissão. Cursos como psicologia, geologia, biologia, medicina e outros figuravam como a escolha inicial. Três participantes chegaram a cursar outro curso de graduação. Seguem falas ilustrativas:

"Cheguei a cursar um ano e meio de medicina bem no começo. Depois percebi que estava mais ligado na produção e divulgação dos eventos do curso do que em qualquer outra coisa (...). Isso foi me levando, de alguma forma, à propaganda." (Publicitário 9)

"Tinha uma afinidade com jogos e desenho e acabei fazendo Engenharia da Computação, só que a vontade de trabalhar com criatividade me fez buscar outra área. Era importante para mim expressar o lado criativo." (Publicitário 13)

"Eu fiz Filosofia durante um tempo e me amarrava no curso. Mas a publicidade estava sempre ali rondando. Eu tinha madrinha publicitária e que sempre se relacionava com criativos. Aquilo para mim era a propaganda da propaganda." (Publicitário 7)

Processo criativo

A segunda categoria de respostas, e a mais extensa, reuniu as percepções dos publicitários acerca do seu próprio processo criativo. Perceber a existência de um processo criativo que passa por algumas etapas recorrentes, mesmo que não intencionais, figurou nas respostas da maioria dos entrevistados (n= 9) em contraposição à inexistência de métodos para criar (n= 2). Dois entrevistados relataram que cada trabalho pede seu próprio método de criação. Na fase inicial, muitos publicitários, espontaneamente, citaram a barreira de se criar em uma agência de grande porte. Seguem respostas que exemplificam a temática:

"Existem etapas, mas que vão sendo condensadas com a prática até se tornarem indistinguíveis no processo. Mas normalmente envolve busca de referências na área do problema e fora dela, seguida de brainstorming e lapidação das ideias para solucionar o problema." (Publicitário 3)

"Para criar, para mim, não existe protocolo ou sequência de eventos. Há sempre uma tentativa de a agência grande padronizar, criando reuniões para "start" de projetos. Na minha opinião, toda vez que a agência tenta enrijecer demais na metodologia e padronização, isso compromete a criação." (Publicitário 2)

"Não é o tamanho da agência que define o meu processo criativo. Gosto de entender cada detalhe da demanda, conhecer o problema de comunicação, saber a postura do cliente e me aprofundar no público. Aí começo a criar." (Publicitário 5)

Preparação. Todos os profissionais relataram que começam pela leitura do briefing (n= 13), documento que contém todas as informações sobre o cliente e o trabalho a ser realizado. No segundo momento, também citado por todos, a busca por referências aparece, mas com suaves diferenças. Dos 13 que responderam a primeira questão, parte dos entrevistados relata que prefere organizar as ideias que surgem, de maneira solitária, para depois buscar referências externas (n= 6). Outros, que a partir da leitura do briefing, já começam a busca por referências nas redes sociais, web, revistas e outras plataformas possíveis para depois irem selecionando-as num processo de brainstorm (n = 5). Duas outras ocorrências afirmam que cada trabalho pede uma estrutura diferente de pesquisa (n = 2).

Incubação. Sobre o período de incubação, é predominante o raciocínio de que a pausa é muito importante (n = 13). No entanto, dos 13 respondentes, uma parte significativa dos entrevistados (n = 9) afirma que o ritmo intenso faz com que o jeito mais comum de descansar de um trabalho é dedicar-se ao próximo. Apenas três afirmam cultivar pausas, ainda que sejam curtas, para fazer outras coisas além da propaganda (n = 4). Algumas falas descrevem o período de incubação:

"No mundo real não existe um job, mas vários deles, aos montes, em fila. Com o tempo, aprendi a eleger o mais importante da pauta. Leio os outros nove e vou resolvendo de forma correta e menos elaborada os outros, enquanto o principal vai maturando, sendo remoído e pensado." (Publicitário 9)

"Depois de começar o job eu procuro esquecê-lo, largo pra lá. Vou navegar na internet. Vou pegar o próximo da pauta." (Publicitário 11)

"Eu percebo como o exercício físico me deixa aceso e bem-disposto durante o dia inteiro. No momento atual, quando está muito apertado e eu estou muito cansado, eu dou um jeito de parar 20 min na hora do almoço e deitar no chão. Tem que ser no chão mesmo! Aí eu fico apenas respirando fundo e deixo um alarme ligado para eu não dormir." (Publicitário 2)

"Sempre é melhor fechar o brain no outro dia, depois de um boa noite de sono. Melhor ainda depois de um final de semana, porque eu consigo andar pela cidade, observar as pessoas, fazer algo que gosto, e daí as ideias vão maturando." (Publicitário 12)

Iluminação. Sobre o período de iluminação, a maior parte (n = 10) diz ser capaz de perceber o potencial de uma boa ideia. Esse momento é descrito com sensações como entusiasmo, exultação, alegria e alívio. Três profissionais, no entanto, relataram ter grande dificuldade em perceber quais são as ideias com mais potencial.

Quando questionados se esse julgamento pessoal sobre qual é a melhor ideia corresponde à opinião do diretor de criação, existem divergências. Parte dos entrevistados (n = 9) dizem que, com o passar do tempo, eles começam a entender os critérios de aprovação de uma peça e tudo fica mais fácil. Outros relatam que a opinião do diretor de criação acerca da melhor ideia quase nunca é coincidente (n = 4). Três extratos ilustram essa realidade:

"Raramente, a minha opinião, do que é a melhor ideia para a peça coincide com a de quem aprova. Isso porque meu chefe leva em conta o que funciona, o que vai ser aprovado, e nem sempre o que é o mais inovador de fato." (Publicitário 8)

"No início era assim. Eu já fiz 500 títulos pra um job, mas os raciocínios eram infantis. Eu achava até que estava bom, mas nada agradava (ao diretor de criação). Com o tempo, você vai pegando o jeito." (Publicitário 7)

"Só consigo achar uma ideia boa, se considero ela melhor que outras vinte, pelo menos. Pode ter sido até a primeira ideia, mas eu só consigo descobrir isso no final." (Publicitário 9)

Elaboração/Verificação. A etapa seguinte é o processo de elaboração. Essa etapa inclui o processo de aprovação dos clientes e as melhorias no escopo geral do projeto. Sobre a pergunta sobre o processo de elaboração e verificação, a maior parte dos entrevistados relatou que essa é a etapa mais difícil do processo (n = 11). Após as correções e críticas, a ideia é então readaptada para as peças.

Sobre os fatores que mais interferem nessa etapa, mais de um fator foi citado em cada fala. Entre eles estão: (a) a quantidade de etapas para aprovação de um trabalho (n = 9), (b) a opinião subjetiva do cliente (n = 8), (c) os prazos apertados (n = 8), e (d) a falta de comunicação entre os departamentos (n = 3). Seguem duas falas ilustrativas:

"As etapas de aprovação em departamentos muito polvilhados, muitas vezes, de pessoas que não têm sequer a coragem de acreditar, de ousar, de levar pra frente. O que é novo demais não passa. Existe o medo da hierarquia." (Publicitário 1)

"Trabalhar em agência de grande porte, muitas vezes, é trabalhar com contas públicas. É muita gente para aprovar. Fazer algo a mais, criativo e inteligente, demora, exige mais tempo e iniciativa. Nem todo mundo está a fim de abraçar a causa." (Publicitário 13)

Motivação

Como fatores motivadores do trabalho, alguns fatores foram citados mais de uma vez. Os principais foram ver a ideia nascer ou ver a peça nas ruas (n = 8), vontade de fazer a diferença na vida das pessoas (n = 6), desejo de ver a campanha ser lembrada (n = 2), pagar as contas ou bom salário (n = 2). Algumas respostas exemplificam a motivação.

"Quando estou imerso em um trabalho, esqueço até de comer, de ir ao banheiro. Chego a perder a noção do tempo." (Publicitário 13)

"É muito bom ver uma peça fazendo diferença na vida do público a qual ela foi direcionada. Nisso existe uma vaidade pessoal mesmo. Não conheci um criativo até hoje que não ficasse orgulhoso de ver algo bom nas ruas." (Publicitário 1)

"Gosto de confrontar a página em branco, olhar para o nada, ter ideias. Adoro o fato de me envolver emocionalmente com o desenvolvimento de algo que ainda não existe e que, aos poucos, vai fazer parte da vida de tanta gente." (Publicitário 10)

Fatores inibidores à criação

Como fatores desmotivadores, o mais citado foi o longo processo de aprovação das peças (n = 9), jornadas extenuantes ou prazos curtos (n = 6), excesso de regras para criar (n = 3), baixa tolerância ao erro (n = 4), desvalorização do profissional criativo (n =2). Esses fatores foram enumerados ao longo de toda a entrevista. Embora a baixa tolerância ao erro não tenha sido o apontamento mais frequente, ela foi defendida com bastante veemência pelos entrevistados que a destacaram. Seguem dois exemplos:

"Às vezes eu acho que criação em agência virou ciência exata. Alguém não está me pagando pra eu criar e sim pra eu não errar. Tem muito dinheiro envolvido. Errar é perder uma conta de milhões de reais." (Publicitário 7)

"Eu acho que ainda existe muito a desvalorização do criativo. Você não pode errar. E ainda tem aquela velha história, o cliente te contrata como profissional, mas na hora de aprovar ou reprovar, as considerações são subjetivas. O que conta no final é gosto." (Publicitário 8)

Projetos paralelos

A última categoria que se destacou no discurso dos publicitários está ligada à existência de projetos paralelos ligados à área de criatividade. Apenas um relatou não possuir nenhum, dedicando-se, inteiramente, aos trabalhos de free lancer. A maioria chega a ter até mais de um projeto. Entre os principais citados estão palestras (n = 4), camisetas e ilustrações (n = 3), eventos musicais (n = 2), blogs ou fan pages (n = 2), livros infantis (n = 1), roteiros (n = 2). Algumas respostas ilustram a fala:

"Sou fotógrafo free lancer, faço vídeos, cubro festas e eventos como shows. Fora isso, estou imerso no cenário dos startups, do design thinking, são muitas coisas." (Publicitário 11)

"Tenho seis livros infantis publicados, escrevo músicas como hobby, tenho uma página do facebook com boa visibilidade. Quando sobra tempo, também faço contação de história." (Publicitário 5)

"Tenho pensado muito em usar a criatividade em outras esferas da minha vida. Já ouviu falar em Human Centered Design? É o uso do design em processos colaborativos para criar soluções para problemas que afetam a vida das pessoas. Tenho pensado muito nisso, as pessoas criando inovações com propósitos que beneficiem elas mesmas." (Publicitário 10)

"Tenho um estúdio de design com um grupo de amigos publicitários e um projeto de estampas de camisetas. Isso serve muito com válvula de escape criativo, já que na agência é tudo muito engessado, com muitas policies." (Publicitário 4)

Discussão

Um dos objetivos deste estudo foi identificar o perfil criativo dos publicitários que trabalham em agências publicitárias de grande porte. As características relatadas pelos profissionais são condizentes com o que aponta a literatura como perseverança, bom humor, imaginação, espontaneidade, intuição (Alencar & Fleith, 2009; Wechsler, 1993). É importante observar que o traço perseverança apareceu com maior frequência no universo pesquisado e palavras relacionadas a ela como persistência, teimosia, paciência foram também citadas ao longo dos discursos e por mais de uma vez. Infere-se, portanto, que essa é uma característica que se destaca. Uma hipótese, é que ela seja essencial em ambientes como os investigados neste estudo, caracterizados por muitas instâncias de aprovação, nas quais é comum a reprovação da ideia inicial. Isso está em consonância com o pensamento de Stuhlfaut e Yoo (2013) ao afirmarem que os processos de criação publicitária são marcados pelo empenho de muito tempo e energia na aprovação de ideias criativas. A fase de testes das campanhas que seria muito necessária nem sempre acompanha o ritmo de produção. Além disso, os autores assinalam que o exaustivo processo de aprovação coexiste com prazos restritivos, que exigem muita dedicação dos publicitários. De fato, a questão dos prazos, que é apontada na literatura, esteve bastante presente na fala dos publicitários como elemento cerceador da criatividade.

A segunda questão de pesquisa investigou o processo criativo dos publicitários ouvidos na pesquisa. Os resultados mostraram que a maior parte dos entrevistados identifica etapas recorrentes em seu ato de criar, embora nem sempre as sigam conscientemente. A fala de alguns entrevistados revelou que agências de grande porte, por serem muito departamentalizadas, exigem que certos protocolos sejam cumpridos, mesmo que não formalmente institucionalizados. Ademais, o ato de criar individual aparece, nos discursos, sempre mediado pelo julgamento de outras pessoas. Essa inter-relação entre o ato de criar e a relação entre indivíduo, campo e domínio, é expressa na literatura pela perspectiva sistêmica, em que um dos expoentes é Csikszentmihalyi (1996, 2014). Segundo ele, a criatividade emerge a partir da interação entre três fatores: (a) indivíduo, (b) campo, e (c) domínio. O autor ressalta, por exemplo, que, caso o indivíduo não tenha acesso ao domínio, ele não estará passível de fazer suas contribuições, por mais dotado que ele seja de habilidades criativas (Csikszentmihalyi, 1996, 2014). Essa interação entre as três instâncias acima citadas permeia boa parte das respostas dos entrevistados.

Quanto às etapas do processo criativo, é notável que acontece a fusão entre as etapas descritas, tornando difícil percebê-las detalhadamente. Nesse estudo, o processo de preparação, particularmente, emerge como algo contínuo. Os publicitários pesquisados relataram que, em tempo integral, buscam referências nas redes sociais, em sites especializados, alimentando-se de cultura, arte e referências do cotidiano. Muitos afirmam ter pastas em que vão guardando o que acham interessante sem saber quando usar. Mesmo no período de descanso, o ato de ver filmes, assistir a séries e navegar na internet é compatível com a preparação contínua. Esse pensamento é condizente com o que a literatura trata sobre o processo de preparação, que foi abordado por Vernon (1982). Corresponde, também, ao que a literatura trata como presented problem solving, em que um processo criativo funciona a partir de etapas mais curtas e dinâmicas (Csikszentmihalyi & Sawyer, 1995). Além disso, o estudo revelou que é comum várias etapas acontecerem ao mesmo tempo em que o período de preparação de um corresponde ao período de incubação do outro.

Em relação à etapa de iluminação, o estudo mostra que, no universo pesquisado, a percepção do momento de insight, ou iluminação, é percebido pela maioria dos criativos. Mas, a interação indivíduo-campo-domínio, mais uma vez, revela a insegurança de alguns em perceber se a solução criativa encontrada por ele será escolhida para ser apresentada ao cliente. Relacionando essa resposta ao tempo de experiência profissional, foi curioso observar que todas as respostas ligadas a essa insegurança foram proferidas por profissionais com menos de seis anos de agência. As respostas dadas por profissionais com mais de 16 anos de atuação revelaram um certo alinhamento entre o insight e a escolha dos pares. Isso condiz com o que a literatura apresenta sobre persistência e o caráter executivo, legislativo e judiciário presente na propaganda. O amadurecimento profissional, portanto, conduziria não somente ao ato de criar, como também ao ato de julgar aquilo que foi criado. Quanto ao caráter legislativo, executivo e judiciário, pode-se afirmar que esses são estilos intelectuais importantes para o fazer criativo. O primeiro está presente em todo aquele que se interessa pela formulação dos problemas, criação de novas regras e jeitos de se ver as coisas. O segundo, executivo, diz respeito a quem se dedica à implementação das ideias, portanto, com preferência a problemas que estruturem de forma clara e bem organizada. Já o terceiro, judiciário, diz respeito a uma forma de pensar baseada no prazer em emitir opiniões e avaliar aquelas já proferidas pelos pares (Sternberg, 2006).

Em relação à etapa de elaboração/verificação, as principais críticas realizadas referem-se à burocratização dos processos de aprovação, os julgamentos subjetivos das instâncias que aprovam e às falhas de comunicação inerentes ao processo. Na fala de alguns entrevistados, os prazos curtos para reelaboração das peças também contribuem negativamente para a finalização das ideias. Essas limitações encontram eco na literatura que mostra que criar nunca é um ato totalmente livre e que, de fato, depende de fatores ambientais, sociais e políticos (Amabile, 1996; Csikszentmihalyi, 1996).

Em relação à motivação, nota-se que a motivação intrínseca, como o desejo de criar, de ver as ideias no papel, de ver o trabalho ganhando visibilidade nas ruas, interage com a motivação extrínseca, como prêmios, altos salários, reconhecimento. Uma agência de grande porte tem clientes de grande visibilidade, verbas significativas de mídia e influência na cultura popular. Isso faz com que as campanhas veiculadas sejam vistas por muitas pessoas, façam parte de seu vocabulário e história. Esse ponto aparece nos relatos como um fator motivador nas campanhas. A vontade de ver o trabalho nas ruas, comentado pelas pessoas, reforça a dimensão do reconhecimento que é visto na psicologia como uma motivação extrínseca. No entanto, ela não aparece como um resultado isolado. Ela vem combinada com a forte influência de fatores intrínsecos que pontuam toda a entrevista, como o desejo intenso de todos os entrevistados em confrontar a página em branco, de fazer a diferença na vida das pessoas e na dedicação aos projetos paralelos. É curioso observar que, imbuídos da vontade de relatar o processo criativo, pouco se falou sobre ganhar prêmios. Também os altos salários, bem acima da média de mercado, pouco figuram nos discursos. Isso condiz com o pensamento de Amabile (1996) ao relatar que a importância da motivação, notadamente, a intrínseca, para o processo de produção criativa humana. Embora ambas atuem sinergicamente, é clara a importância da motivação intrínseca no processo de criação apresentados nesta investigação.

Como limitação desse estudo, aponta-se a ausência de entrevistados de outros estados brasileiros. Em virtude do tempo destinado à pesquisa e dos recursos disponíveis, foram escolhidas quatro capitais e agências de grande visibilidade no mercado publicitário. Para estudos futuros, sugere-se a ampliação da amostra e uma possível coleta de dados que ocorra em duas fases ou mais fases, conforme os pressupostos da entrevista reflexiva, sugeridos por Szymanski (2004), para que o entrevistado possa pensar sobre as próprias respostas em momentos distintos, ampliando o universo de significados produzidos.

 

REFERÊNCIAS

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5 Agências de grande porte se diferenciam das demais pela intensa departamentalização, equipes com significativo número de funcionários para cada tarefa e investimento significativo de verba em mídia e produção por parte de grandes anunciantes (Baptista & Abreu, 2011).

 

Recibido: 12 de junio, 2017
Revisado: 26 de marzo, 2018
Aceptado: 28 de marzo, 2018

 

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