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Revista de Psicología (PUCP)

versão On-line ISSN 0254-9247

Revista de Psicología vol.41 no.2 Lima jul./dic. 2023  Epub 14-Jul-2023

http://dx.doi.org/10.18800/psico.202302.011 

Artículos

Ensino de Matemática: fundamentação epistemológica, significado e aprendizagem

Enseñanza escolar de Matemáticas: Fundamento epistemológico, significado y aprendizaje

Teaching Mathematics: Epistemological foundation, meaning and learning

Enseignement des mathématiques à l’école: fondements épistémologiques, signification et apprentissage

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Brasil

Resumo

Apresenta-se parte da pesquisa Epistemologia Subjacente ao Trabalho Docente, com dados coletados no Peru, Chile e Uruguai, mediante entrevistas a 17 docentes, do primeiro ao terceiro grau de ensino. Ela visa a identificar concepções epistemológicas que fundamentam o ensino de Matemática e verificar se tais concepções assemelham-se às encontradas no Brasil. O objetivo desta análise é apreender as concepções epistemológicas subjacentes às respostas às questões 20-23 da pesquisa. Os docentes supervalorizam a matemática que ensinam e pensam que os estudantes a subestimam. O resultado é a quase total ausência da compreensão de que os conhecimentos matemáticos resultam de processos construtivos. Atribuem as aprendizagens ao ensino (empirismo), sem tematizar a origem de tais capacidades ou estruturas (apriorismo); acreditam amplamente em sua realização pela memorização de algoritmos, pondo em segundo plano processos criativos e inventivos como a resolução de problemas. A referência teórica básica é a Epistemologia Genética piagetiana.

Palavras-chave: epistemologia do professor de matemática; significado da matemática ensinada na escola; ensino de tabuadas; memorização de algoritmos; resolução de problemas

Resumen

Presentamos parte del estudio Epistemología subyacente al trabajo docente, con datos recogidos en Perú, Chile y Uruguay mediante entrevistas a 17 docentes de primer a tercer grado. El objetivo de la investigación fue identificar las concepciones epistemológicas que subyacen a la enseñanza de las Matemáticas y verificar si son similares a las encontradas en Brasil. Específicamente, se buscó identificar las concepciones epistemológicas subyacentes en las respuestas a las preguntas 20-23. Los profesores sobrevaloran las matemáticas que enseñan y piensan que los alumnos las subestiman. El resultado es la falta casi total de comprensión de que el conocimiento matemático resulta de procesos constructivos. Atribuyen el aprender a la enseñanza (empirismo), sin discutir el origen de tales capacidades o estructuras (apriorismo); la creencia generalizada es que se puede aprender memorizando algoritmos, dejando en un segundo plano procesos creativos e inventivos como la resolución de problemas. El referente teórico básico es la Epistemología Genética Piagetiana.

Palabras clave: epistemología del profesor de matemáticas; significado de las matemáticas enseñadas en la escuela; enseñanza de las tablas de multiplicar; memorización de algoritmos; solución de problemas

Abstract

Part of the research Epistemology Underlying Teaching Work is presented, with data collected in Peru, Chile and Uruguay, through interviews with 17 teachers. It aims to identify epistemological conceptions that underlie the teaching of Mathematics and verify whether such conceptions are similar to those found in Brazil. The objective is to apprehend the epistemological conceptions underlying the answers to questions 20-23 of the research. The result is the almost total lack of understanding that mathematical knowledge results from constructive processes. They attribute learning to teaching, without thematizing the origin of such capabilities or structures; they widely believe in its achievement by memorizing algorithms, putting creative processes such as problem solving in the background. The basic theoretical reference is Piagetian Genetic Epistemology.

Keywords: epistemology of the mathematics teacher; meaning of mathematics taught at school; multiplication tables teaching; algorithm memorization; problem solving

Résumé

Nous présentons une partie de l’étude Épistémologie sous-jacente au travail des enseignants, avec des données collectées au Pérou, au Chili et en Uruguay par le biais d’entretiens avec 17 professeurs de la première à la troisième année. L’objectif de la recherche était d’identifier les conceptions épistémologiques qui sous-tendent l’enseignement des mathématiques et de vérifier si elles sont similaires à celles que l’on trouve au Brésil. Plus précisément, nous avons cherché à identifier les conceptions épistémologiques qui sous-tendent les réponses aux questions 20 à 23. Les professeurs surévaluent les mathématiques qu’ils enseignent et pensent que les élèves les sous-évaluent. Il en résulte une incompréhension quasi totale du fait que les connaissances mathématiques résultent de processus constructifs. Ils attribuent l’apprentissage à l’enseignement (empirisme), sans discuter de l’origine de ces capacités ou structures (apriorisme) ; la croyance largement répandue est que l’on peut apprendre en mémorisant des algorithmes, laissant en arrière-plan les processus créatifs et inventifs tels que la résolution de problèmes. La référence théorique de base est l’épistémologie génétique piagétienne.

Mots clés: épistémologie de l’enseignant de mathématiques; sens des mathématiques enseignées à l’école; enseignement des tables de multiplication; mémorisation d’algorithmes; résolution de problèmes

O projeto de pesquisa, em fase de análise dos dados, intitula-se: “Epistemologia Subjacente ao Trabalho Docente; a docência de Matemática”. Ele tem por objetivo geral saber se os problemas epistemológicos, que comprometem o ensino brasileiro de Matemática, aparecem também fora do Brasil: domínio amplo da concepção empirista; sustentação desse empirismo pelo apriorismo, sem consciência da contradição que isso implica; esporádicas intuições interacionistas ou construtivistas, mas sem sustentação teórica necessária para embasar pedagogias ativas. Esses problemas foram levantados por duas pesquisas anteriores, realizadas no Brasil e publicadas em livros (Becker, 2022a, 2012a). Os dados desta pesquisa foram coletados mediante entrevistas semiestruturadas, de duração aproximada de uma hora, presenciais, com 24 questões com desdobramentos, feitas a 17 docentes do Chile, do Uruguai e do Peru. Gravadas em espanhol, as entrevistas foram transcritas para o português por duas bolsistas de iniciação científica, uma graduada e outra formanda em Letras - a primeira transcreveu e a segunda revisou toda a transcrição; ambas com domínio da língua espanhola. Este texto apresenta a sexta parte da pesquisa. As três primeiras já foram publicadas (Becker, 2019; 2021; 2022b); a quarta e a quinta, com pareceres avaliativos respondidos, estão liberadas para publicação.

Nesta sexta parte da pesquisa, analisam-se as respostas dos entrevistados às questões 20-23, dentre as 25 da pesquisa:

  1. 20. Que significado tem para você a matemática ensinada na escola?

  2. 21. Que significado tem para o aluno a matemática ensinada na escola?

  3. 22. Qual é a função da tabuada no ensino (ou na aprendizagem) de matemática?

  4. 23. O aluno aprende melhor exercitando algoritmos ou resolvendo problemas?

Ordenados por ordem alfabética, os docentes serão referidos pelo número, que coube a cada um nessa ordem, precedido de P (Professor): dez universitários (U), cinco de ensino médio (M), três de ensino fundamental (F), um deles leciona nos dois níveis da educação básica; cinco uruguaios, cinco chilenos e sete peruanos; nove professoras e oito professores. A análise, visando as concepções epistemológicas, foi realizada à base da Epistemologia Genética piagetiana, em especial a abordagem epistemológica do pensamento matemático (Piaget, 1978a), a abstração reflexionante (Piaget, 1995; Becker, 2017), os conceitos de desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem (Piaget, 1972; Piaget & Gréco, 1974a; Becker, 2012b), memória e inteligência (Piaget, 1979) e considerações de Piaget sobre educação matemática (Piaget, 1974b).

Inicia-se a análise agrupando as respostas dos docentes a cada pergunta, de acordo com categorias extraídas de suas falas e de forma a mais resumida possível; justifica-se esse procedimento porque continuamos a considerar esta forma de pesquisa qualitativa como exploratória; pensamos, por isso, que o leitor precisa saber de onde vêm as inferências apresentadas no texto. Em seguida, faz-se um breve apanhado dos conteúdos das respostas que interessam ao objetivo da pesquisa. No final do texto, faz-se uma interpretação epistemológica dos achados num todo interpretativo e crítico. As respostas dos docentes aparecem “purificadas” de repetições, cacoetes linguísticos, faltas de concordâncias gramaticais ou sintáticas etc., comuns na fala, mas incômodas na escrita; e quando a resposta é entrecortada por várias digressões, resume-se sem utilizar itálico; sempre com extremo cuidado para não modificar o significado. Utilizam-se colchetes, contendo três pontos, para cortes de passagens de falas que não contribuem para a pesquisa ou para acréscimo de palavra ou expressão para completar o significado, como também para sinalizar fragmentos de fala inaudíveis ou incompreensíveis. Resposta fabulada não é considerada; há também aqueles que não responderam a uma ou outra pergunta.

Por que é importante saber as concepções epistemológicas dos professores?

A concepção epistemológica do docente determina sua concepção psicológica sobre como os alunos aprendem, como conhecem, sobre quais as condições prévias que um aluno deve ter para aprender o que ele vai ensinar; determina, portanto, sua concepção pedagógica e sua didática. Uma pedagogia, fundada no empirismo, superestima a função docente; ela considera que o aluno é tábula rasa frente a cada novo conhecimento, legitimando uma pedagogia centrada no professor. Uma pedagogia, fundada no apriorismo, subestima a função docente; ela crê que o aluno, já que herdou capacidades lógicas, pode aprender por si mesmo, legitimando uma pedagogia espontaneísta, centrada no aluno. Uma pedagogia, fundada numa concepção interacionista, construtivista, considera que o aluno aprenderá se conseguir mobilizar, desafiado pela docência, seu aparato cognitivo, sintetizado nas capacidades cognitivas que construiu até o momento; isto é, as capacidades de aprendizagem são modificadas no decorrer da vida do indivíduo em função dos desafios que a vida - e a escola - apresenta e a que ele efetivamente respondeu. Essa concepção entende que docente e discente devem comparecer integralmente ao processo pedagógico porque, se faltar, ou diminuir, em quantidade e qualidade, a atividade de um ou de outro, a interação será descaracterizada, redundando em perda de qualidade do processo pedagógico.

A terceira direção, que é decididamente a nossa [...], é de natureza construtivista, isto é, sem preformação exógena (empirismo) ou endógena (inatismo) por contínuas ultrapassagens das elaborações sucessivas, o que, do ponto de vista pedagógico, leva incontestavelmente a dar toda ênfase às atividades que favoreçam a espontaneidade da criança. (Piaget, 1974b, pp. 12-13)

Compreendemos, com o construtivismo de Piaget (1974a, 1972), que a aprendizagem depende em tudo do desenvolvimento cognitivo. Ela é assimilação possibilitada pelas estruturas cognitivas originadas da ação do sujeito, exercidas desde o nascimento do indivíduo; ação assimiladora, seguida de acomodação abrindo caminho para assimilações mais complexas. Piaget (1972, p. 7) define assimilação como “a integração de qualquer espécie de realidade em uma estrutura”; “É a assimilação que me parece fundamental na aprendizagem, e que me parece a relação fundamental do ponto de vista das aplicações pedagógicas ou didáticas” (p. 7).

Ou reflexionamentos, seguidos de reflexões, possibilitando novo reflexionamento, abrindo caminho para abstrações reflexionantes mais complexas, de acordo com o funcionamento do mecanismo da abstração reflexionante (Piaget, 1995). O aprendiz não é um repositório de informações que, para serem efetivamente adquiridas, demandam repetições “tantas vezes quantas necessárias” (ver Thorndike, mais adiante) para serem fixadas na mente do sujeito. Nem o conhecimento é cópia da realidade, é construção. Portanto, a evolução do desenvolvimento cognitivo vai originando capacidades diferenciadas, progressivamente complexas, de aprendizagem; é por isso que a criança só chega à noção de número por volta dos 7/8 anos de idade, em média - o número resulta de construção operatória, cuja origem encontra-se no longo processo de construção, sensório-motor e pré-operatório, das estruturas lógicas. Para a criança compreender o número, ela precisa compreender a conservação (da quantidade) e a transitividade (Nunes & Bryant, 1997, p. 21, 23), inacessíveis à criança pré-operatória. Para aprender álgebra, ela precisa poder operar formalmente; a capacidade algébrica é inacessível à criança operatório-concreta; a fortiori, inacessível à criança pré-operatória.

A criança pode receber valiosa informação via linguagem, ou via educação dirigida por um adulto, apenas se estiver num estado que possa compreender esta informação. Isto é, para receber a informação ela deve ter uma estrutura que a capacite a assimilar essa informação. Essa é a razão por que não se pode ensinar alta matemática a uma criança de cinco anos. Ela não tem a estrutura que a capacite a entender. (Piaget, 1972, p. 4)

Adquirem-se essas capacidades operatórias ou estruturas cognitivas por abstração reflexionante, não por aprendizagem stricto sensu (Piaget, 1974a); por aprendizagem lato sensu, constituída por aprendizagem stricto sensu unida ao processo de equilibração (assimilações seguidas de acomodações); não por experiência empírica, mas por experiência lógico-matemática; não por abstração empírica, mas por abstração reflexionante.

É comum, entre docentes, compreender a abstração como capacidade herdada de pensar formalmente que é moldada pela influência do meio, como, por exemplo, o ensino; deriva daí, talvez, o hábito de nomear os conhecimentos matemáticos como abstratos, em vez de conhecimentos formais, visto que abstrações reflexionantes existem já no período sensório-motor (Piaget, 1995, pp. 262-268), em que predominam abstrações empíricas, são numerosas no período pré-operatório e no operatório-concreto, em que predominam as pseudo-empíricas. Já na concepção piagetiana ela é muito mais complexa. Piaget (1995) a concebe como abstração reflexionante (réfléchissante), processo pelo qual o sujeito retira qualidades das coordenações das próprias ações com as quais constrói, em nível mais complexo, novas capacidades inteligentes. Como categoria, ela desdobra-se em pseudo-empírica (o sujeito retira dos objetos não o que pertence aos objetos, mas o que ele colocou lá) e refletida (reflexionante com tomada de consciência) (Piaget, 1977; 1995). Como processo, ela se amplia por alternância ininterrupta de reflexionamentos e reflexões, “de domínios cada vez mais amplos, sem fim e, sobretudo, sem começo absoluto” (1995, p. 277). A abstração reflexionante submete, progressivamente, significando-as, as abstrações empíricas.

Piaget & Inhelder (1979) fizeram um estudo revelador sobre a memória. Para viabilizá-lo, estabelecem uma distinção básica: memória no sentido amplo e memória no sentido estrito. Cabe-nos aqui um breve resumo desse rico estudo, na direção do que interessa a esta pesquisa. No sentido amplo, a memória:

é a conservação de tudo que foi adquirido no passado, aí compreendidos diversos sistemas de esquemas de todos os níveis (do hábito aos esquemas operatórios), mas com a exclusão dos esquemas hereditários, reflexos etc., que não são devidos a uma aprendizagem. A memória no sentido estrito [...], por outro lado, só compreende os comportamentos que se referem ao passado, do ponto de vista da consciência do paciente: reconhecimento, reconstituições e evocações, com as fixações prévias que comportam...ela constitui o aspecto figurativo da conservação dos esquemas (Piaget & Inhelder, 1979, pp. 387-388, 396).

A memória é uma forma de conhecimento que estrutura e reconstitui o passado; diferente da percepção, que se atém ao presente, e diferente da inteligência que formula novos problemas e planeja modos de resolvê-los. Ela é a inteligência enquanto conhecimento do passado, “a diferença sendo que [...] ela é uma reorganização ativa e seletiva ou, dizendo melhor, uma reorganização permanente” (p. 378); é “uma forma de organização sobretudo figurativa, mas baseada no completo esquematismo da inteligência.” (p. 378) O “resultado mais geral de nossas pesquisas foi o de mostrar a importância, em todas as idades, da esquematização mnêmica e sua evolução em função do desenvolvimento da inteligência.” (p. 381)

Piaget & Inhelder (1979) não aceitam a ideia de que memória e inteligência são a mesma coisa, mas propõem que há, entre elas, uma “solidariedade fundamental” e até “uma comunidade de natureza”. A organização da memória é função das estruturas lógicas, portanto, da razão, da inteligência. “Os ‘esquemas’ utilizados pela memória são tomados de empréstimo à inteligência e é porque se sucedem por etapas, que correspondem aos níveis operatórios” dos sujeitos investigados (p. 382). As ações, organizadas em “coordenações de ações” constituem a “matéria prima” da abstração reflexionante, processo que constitui as estruturas progressivamente complexas da inteligência que, por sua vez, possibilitam aprendizagens progressivamente complexas que podem ser memorizadas. Dizem os autores (1979, p. 391): “já pudemos estabelecer pela experiência que uma lembrança que é fixada logo depois de uma simples percepção do dispositivo [apresentado aos sujeitos] é menos completa e menos fiel do que uma lembrança que é adquirida depois de uma ação...”.

Piaget (1974b) foi um crítico do ensino escolar praticado como exposição de conceitos, ou de procedimentos (como tabuadas e algoritmos), chamados conteúdos, que o aluno deverá copiar e repetir até memorizar, sem se preocupar com a compreensão; entendendo-se tal memorização como aprendizagem. Piaget & Inhelder (1979) retomam essa crítica, de grande significado para nossa análise:

Entretanto, para que exista uma conservação das lembranças, é preciso um exercício constante dos esquemas mais diferenciados, enquanto que os mais gerais funcionam mais frequentemente e a [triste experiência que cada um faz do esquecimento quase total de uma fração considerável dos conhecimentos escolares mostra suficientemente bem o que é a memória, depois que se separou da vida dos esquemas correspondentes e é uma maneira bem educada de falar, porque o absurdo de um certo número de práticas nas escolas é exatamente dissociar desde o início a memória da atividade espontânea da inteligência, em seus esquemas operatórios]. (p. 397)

Os autores admitem a memorização, porém longe do significado consagrado pelas práticas escolares: “... seu exercício (quando é funcional e não escolar) é útil ao desenvolvimento do esquematismo, sob todas suas formas, operatórias e pré-operatórias.” (p. 397). Sigamos o resumo que os autores fazem reiterando sua compreensão de que a memória, lato e stricto sensu, é tributária dos esquemas da inteligência, que emergem das ações e das coordenações das ações. A hipótese,

na qual devemos, por via de consequência, depositar nossa confiança, é que existem realmente duas formas de conservações, a dos esquemas, que resultam de seu funcionamento generalizador [memória lato sensu], e a das lembranças, em sua atividade de constante restituição das existências particulares e passadas [memória stricto sensu], mas que a segunda se apoia na primeira e em parte reciprocamente, existindo, entretanto, um papel privilegiado, que é concebido ao esquematismo da inteligência. Que a conservação das lembranças dependa da conservação deste esquematismo, tudo o que vimos sobre a esquematização das lembranças e de suas transformações, seja no sentido de uma deformação por excesso desta tendência, seja no sentido de uma melhoria, tudo o prova abundantemente. (Piaget & Inhelder, 1979, p. 390)

Há, pois, uma afinidade indissociável entre a memória e a inteligência. Os autores (1979) afirmam que encontraram patamares sucessivos de formação da memória que não são os mesmos que os da inteligência, mas cuja formação depende dos estádios de seu desenvolvimento; são os seguintes:

o dos reconhecimentos, que corresponde a seu ponto de partida no nível sensório-motor, o das reconstituições, que mostra a passagem do sensório motor para o representativo, e o das evocações, que corresponde ao nível das formas representativas, pré-operatórias ou operatórias da inteligência (p. 406).

Eles exemplificam com o fato de que uma estrutura formal só se fixa na memória no nível das operações formais. Um esquema sensório-motor permite reconhecimento, já um esquema representativo possibilita evocação.

O significado desse resumo é que a memorização só tem legitimidade, em atividades pedagógicas como no ensino de matemática, se precedida da compreensão do que se quer memorizar. Isto é, se esse processo memorizador está afinado com a inteligência e dá continuidade a seu esquematismo “sob todas suas formas, operatórias e pré-operatórias” (p. 397); em especial, as operatórias com as quais se pensa matematicamente. Portanto, nos antípodas das afirmações de que “as tabuadas não são para serem compreendidas” ou que, para memorizá-las, “uma pessoa não precisa ser inteligente nem nada”, como dirá mais adiante uma professora de Ensino Médio.

A compreensão de Piaget de que a aprendizagem só é significativa quando há assimilação ativa, e de que a atividade do sujeito deve constituir o cerne da pedagogia, e da didática que a expressa, coerentes com o interacionismo construtivista fundado pela Epistemologia Genética, impregna e orienta esta pesquisa. Ação que dá significado às coisas entendida sempre como interação.

As relações entre o sujeito e o seu meio consistem numa interação radical, de modo tal que a consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem pelo da atividade do sujeito, mas por um estado indiferenciado; e é deste estado que derivam dois movimentos complementares, um de incorporação das coisas ao sujeito, o outro de acomodação às próprias coisas (Piaget, 1978b, p. 386).

Portanto, trata-se de pesquisa qualitativa que busca, nas concepções epistemológicas dos docentes, a razão que determina suas concepções psicológicas e pedagógicas e suas práticas didáticas. Desafiar o docente a falar sobre suas práticas pedagógicas ou didáticas e extrair, de suas falas, suas concepções epistemológicas é o que se propõe nesta pesquisa.

Resultados

Significado da Matemática ensinada na escola

Os professores respondem à pergunta: “Que significado tem para você a matemática ensinada na escola?” Formulamos, após numerosas leituras das respostas dos professores, duas categorias de análise: Grande significado, Ferramenta útil.

Grande significado

Os professores dizem que “a matemática se ensina para [se] ter um pensamento lógico, estrutural [...]” (P05U); “para mim é tudo, porque permite à criança o pensamento lógico. Ela é aplicável a todas as disciplinas que a criança vai aprender”. Ela será útil na vida diária, na resolução de problemas, no cálculo, em tudo (P17M); “tem bastante significado, porque o aluno, na escola, aprende a realizar as operações, a conhecer os números [...]” (P07F); “quem estuda aqui, no futuro vai ser matemático”. Para esses alunos, matemática “vai ser tudo; [...] a forma de vida, a paixão” (P02U); “a Matemática, no colégio ou aqui na Universidade, é o porquê das coisas. É o que te dá a justificativa de porque tudo funciona. A Matemática é, para mim, muito perfeita. [...]. Ninguém pode escapar da matemática. Está presente [em tudo]. Tudo está presente na matemática” (P13U); a Matemática “é uma parte da vida do ser humano. Assim como a linguagem, ela permite comunicar-se com outras pessoas, porque podemos falar e podemos expressar nossas ideias” (P09M); “Desde pequenas, [as crianças] aprendem a diferença das cores e formas. Esta é a importância da matemática na escola, desenvolve este tipo de capacidade”; elas aprendem também a “comparar, diferenciar, mas principalmente a lógica do pensamento matemático, do raciocínio [pelo qual] vão encontrar justificativas para certas situações, descobrir teoremas, modificar teoremas” (P15U).

Não deixa de impressionar o significado que esses sete docentes atribuem à matemática ensinada na escola. Atribuem a ela a aquisição da capacidade lógica, de fazer relações, de comparar, de diferenciar e de realizar operações; mais, é a explicação do funcionamento de tudo, tudo está presente nela e ela está em tudo, é até “o porquê das coisas”; é uma parte da vida do ser humano; ela é muito perfeita. É difícil imaginar significado maior que esses. O que isso nos sugere? Sugere que as capacidades lógicas dos humanos são aprendidas por força do ensino, não por construção. No entanto, todas essas aquisições são resultantes de aprendizagem lato sensu ou abstração reflexionante, e não por aprendizagem stricto sensu.

Ferramenta útil

Com a Matemática ensinada na escola, o aluno “melhora bastante sua vida. E não será [...] surpreendido quando ganhar algumas coisas” (P07F); “os números [...] permitem expressar nossas ideias, de maneira quantitativa como qualitativa. Por exemplo, esta pessoa é mais alta que a outra, seria qualitativa. Esta pessoa mede 30cm mais que a outra, seria medida quantitativa”; aprender matemática “é como aprender um idioma”, o aluno aprende a realizar operações, fazer equações, vai se “preparando para distintas áreas”, para “adquirir certos conhecimentos, certas noções gerais” de Aritmética, Álgebra, Geometria; “saber do que se trata” (P12U); a Matemática “é a área que está encarregada de ser a coadjuvante no desenvolvimento das capacidades de raciocínio e demonstração, capacidade de solução de problemas e de comunicação matemática” (P15U); “[...] quando eu ensino matemática para [a licenciatura em] Biologia [Matemática ou Química], o que estou ensinando é uma ferramenta para poder usar na Biologia, para poder modelar.[...]; quando estou ensinando às licenciaturas matemáticas, estou esperando que o aluno entenda [...] o porquê e o como. Então, se aprende como e por que, e a jogar com as coisas. [...]” (P03U). No caso das licenciaturas matemáticas, o objetivo é “[...] dar a possibilidade [para] que a pessoa se converta em matemático. E para que ensine. Ou seja, é uma maneira de se conectar com a situação mais ou menos atual da Matemática. Isso seria uma possibilidade de uso, no caso de Física, porque a Matemática é uma ferramenta muito importante para um físico” (P04U). A Matemática “É uma ferramenta básica. Facilita [a resolução de] muitos problemas da vida cotidiana” (P01U); ela promove a capacidade racional. “E, querendo ou não, [os que aprendem Matemática] conseguem solucionar quase todos os problemas que enfrentam diariamente [...]. Sempre vi a matemática como o ensino que permite à criança pensar mais a realidade. Ela vai pensar mais antes de tomar decisões, abrir a mente [...]” (P10M). Ensina-se Matemática “[...] para enfrentar, mais adiante, situações, ou problemas reais, [...] vinculados com um contexto mais real [para] que possa tomar decisões”. Para dispor de diferentes instâncias racionais de enfrentar problemas. “Os alunos [...] questionam: [...] ‘Por que tenho que aprender isto, se nunca vou usá-lo?’” Penso que se deveria “dar prioridade [aos conteúdos] que desenvolvem o pensamento, coisa que vão lhes servir para enfrentar outros problemas, outras situações”. Entretanto, há certos conceitos que, embora “muito abstratos”, precisam ser ensinados, “mesmo que o aluno não veja significado e pergunte: ‘O que eu faço resolvendo o valor de x?’; ele precisa saber resolver problemas de área, equações de segundo grau etc. [...]” (P05U).

Esses oito docentes pensam que a Matemática ensinada na escola é ferramenta básica pois é a área que está encarregada de ser a coadjuvante no desenvolvimento das capacidades de raciocínio, demonstração e resolução de problemas; ela promove a capacidade racional pondo à disposição diferentes instâncias racionais de enfrentar problemas, melhorando bastante a vida, possibilitando que os que a aprendem consigam solucionar quase todos os problemas que enfrentam cotidianamente; ela serve para adquirir certos conhecimentos, certas noções gerais de Aritmética, Álgebra, Geometria; possibilita à criança pensar mais e melhor a realidade, abrindo a mente antes de tomar decisões; ela ajuda a enfrentar, mais adiante, situações ou problemas reais; além disso, os números permitem expressar ideias, de maneira quantitativa e qualitativa. Seu ensino nas licenciaturas pode transformá-la em ferramenta para usar na Biologia, para modelagem e, para o físico, é uma ferramenta indispensável; ela serve para que o aluno entenda o porquê e o como das coisas e, quem sabe, um dia se converta em matemático; também, para que ensine. Finalmente, os alunos precisam aprender conceitos abstratos (formais), mesmo que não saibam o significado, para saber resolver problemas de área, equações de segundo grau etc.

A aquisição de capacidades lógicas e matemáticas são atribuídas ao ensino e não à ação organizadora do sujeito. À aprendizagem stricto sensu, promovida pelo ensino, e não às abstrações reflexionantes enquanto constroem capacidades, retirando qualidades de suas coordenações de ações, habilitando-se a aprender o que o ensino dispõe. O ensino é valorizado, enquanto a aprendizagem, e as construções que ela pressupõe e a possibilita, tende a ser subestimada.

Três docentes compareceram nas duas categorias, e cinco em nenhuma pois se restringiram a criticar o sistema de ensino ou suas respostas não contribuíram para a presente análise.

Significado para o aluno da Matemática ensinada na escola

Os professores respondem à pergunta: “Que significado tem para o aluno a matemática ensinada na escola?” Encontramos algumas ­categorias de análise: Significativa, pouco ou nenhum significado, Grande significado, Obstáculos à aprendizagem.

Significativa

Nove docentes afirmam que a matemática ensinada na escola é significativa.

Para meus alunos a Matemática é tudo, é fundamental. “A ocupação deles é esta: Matemática! [...]”. “É um projeto de vida?”, pergunta-se. “Sim, claro!” O entrevistador, que assistira à aula desse professor antes da entrevista, comenta: “Eu notei muito o envolvimento dos teus alunos. Eles estão ali como se não existisse outra coisa no mundo. O grupo parecia completamente presente! Confere?” “Sim!”, diz ele, sem hesitar (P02U). A Matemática ajuda muito na aquisição da capacidade de abstração. História, Geografia e Língua espanhola ajudam na aquisição da capacidade lógica, mas, na Matemática, a significação é muito maior (P17M). Há alunos que se dão conta de que se desenvolvem aprendendo matemática e desenvolvem “certo pensamento lógico”; ordenam e processam melhor as informações (P05U). A Matemática ensinada “Tem bastante significado porque [o aluno] vai desenvolver sua inteligência [e] sua capacidade de raciocínio. A matemática ajuda a raciocinar” e isso vai ajudar a melhorar sua vida como aluno e, mais tarde, como adulto (P07F). Para estudantes de física, a Matemática é uma ferramenta, “muito mais do que para quem ensina”. [Segue uns momentos inaudíveis na gravação). Eles realizam o desejo de estar atualizados, de conhecer o estado atual da Matemática, mas não o desejo de conhecer seus fundamentos (P04U). Uma boa base matemática pode ajudar a entender distintas teorias. “Creio que é isso que devem pensar os estudantes” (P06U). Os alunos gostam da exatidão estrutural da Matemática, tanto quanto gostam do que estão fazendo, das demonstrações e, até, “aplaudem quando gostam de algo”. Veem significado para a vida cotidiana porque chegam a resultados. “Podem medir coisas que antes não podiam”. Pelo menos alguns deles sabem que a Matemática é importante para quem pensa no amanhã (P01U). É importante que os alunos se convençam da importância da Matemática para que conheçam e consigam apreciar, de forma equilibrada, a matemática básica. “Espero que para ele[s] signifique o mesmo [que para mim]: conhecer o resultado da revolução matemática da primeira metade do século XIX, que continuou até a década de 30 do século XX” (P14UU). “Alguns, que pensam no dia de amanhã, sabem que a matemática é importante”; aqueles “que são partidários da engenharia, sabem” de sua importância para prosseguir (P10M). Atribuir importância “depende um pouco de cada caso. Por exemplo, as pessoas que fazem Licenciatura Matemática, querem aprender Matemática [..]” (P03U). Há licenciandos para quem a Matemática é importante (P15U) e “há as crianças que amam a matemática” (P17M).

Em resumo, dizem esses onze docentes que, para seus alunos, a Matemática ensinada na escola é fundamental, é projeto de vida, é tudo; tem significado porque leva a resultados, é importante para pensar o futuro. Mais do que a aprendizagem de outras disciplinas, ela ajuda muito na aquisição das capacidades lógicas e de abstração; muitos alunos dão-se conta de que essa aprendizagem contribui na capacidade de ordenar e processar informações, desenvolve a inteligência e a capacidade de raciocínio; ela pode ajudar a entender distintas teorias. Alunos gostam da exatidão estrutural da Matemática, das demonstrações que fazem, e de poderem executar medidas que antes não podiam. Há crianças que amam a matemática e licenciandos que a consideram importante. Alunos de Física consideram-na uma indispensável ferramenta e manifestam o desejo de conhecer a matemática atual, mas não de conhecer seus fundamentos. Já os alunos de engenharia sabem de sua importância e de quão longe a Matemática pode levá-los. E os de Matemática pura querem simplesmente compreendê-la.

É importante atentar para o fato de que é isso que os docentes acham que seus alunos pensam; não o que ocorre realmente. Nesta pesquisa não se entrevistou um aluno de cada professor entrevistado, como ocorreu em Becker (2012a, p. 423), para saber o que os alunos pensam da matemática ensinada na escola; eles apresentam um quadro bem diferente daquele manifestado por esses professores.

Pouco ou nenhum significado

Há alunos que podem dizer: “‘Estão me traumatizando’; ou, ‘não entendo nada’”. Alunos de Letras são os que mais questionam: “Por que me ensinas matemática se eu, na realidade, vou fazer contas, porcentagem [com] minha calculadora? Não necessito mais [disso]”. Outros alunos “não vão entender por que estudar matemática até que tenha a necessidade de usá-la” (P05U). Dizem alunos: “Professora, [...] isto não me serve para a vida’. Há crianças que se perguntam, que se questionam: ‘Para que me serve o que estás me ensinando?’”. “E para eles é fórmula, é resolver problemas - e a maioria vai mal, se complica. Os problemas são um problema para eles”. “Quando eu pergunto o que é a matemática eles me dizem: ‘fórmulas, operações’. E quando eu lhes pergunto: quem criou a matemática, dizem: ‘Os matemáticos’. [...] ‘E quem criou essa regra?’, eu pergunto. ‘Os matemáticos’, me dizem eles” (P11M). “Eu acho que os estudantes não dão a devida importância às matérias/cadeiras. Creio que só alguns vão para a escola para aprender”. Vão porque a mãe mandou, não porque estão dispostas a aprender o que se ensina. E acrescenta: “Mas volto a repetir, às vezes só querem aprender [para] passar de ano, de curso” (P13U). “Para o aluno é um significado quase nulo. Ele pensa que a matemática existe somente [...] para cumprir tarefas. O aluno entende que a Matemática existe somente por capricho da natureza” (P09M). “Para ele não tem grande significado. De repente, para ele significa uma chatice. Esta é a realidade. Um de mil vai dizer que a matemática é linda” (P15U). Para licenciandos em Matemática é importante, mas para “outros é um obstáculo na sua carreira, não lhes interessa em nada; [mas] tenho que ensinar a todos” (P03U). “Porque há crianças que amam a matemática e as que a odeiam. [...]. Há crianças que se dão conta da importância e há crianças que não. Há crianças que perguntam: ‘Tia, para que me serve isto?” (P17M). “[...]. Mas, há outros que aprendem mecanicamente, [só] para aprovar. [...]” (P01U).

Em resumo, esses oito docentes acham que os alunos pensam que a Matemática ensinada na escola tem pouco ou nenhum significado porque: alunos dizem que não precisam aprender o que se ensina pois vão fazer contas e resolver porcentagem usando calculadora; o que ensinam não serve para a vida; não veem sentido nos problemas que têm que resolver; veem fórmulas e operações como inúteis; não dão importância ao que é ensinado; poucos vão à escola com vontade de aprender; querem aprender só o necessário para serem aprovados; o ensino só existe para fazer cumprir tarefas; a Matemática não passa de um capricho da natureza; é uma chatice que pode traumatizar; só um entre mil ama a matemática ou a considera linda; para os demais é um obstáculo na carreira.

É isso que os professores acham que os alunos pensam da matemática ensinada a eles. Isso parece sugerir uma dissonância profunda ente ensino e aprendizagem.

Obstáculos à aprendizagem

Vários obstáculos à aprendizagem de Matemática interpõem-se entre o ensino do professor e a aprendizagem do aluno.

Diferentes alunos atribuem diferentes significados à matemática ensinada na escola. Para alguns, é “a forma de vida, a paixão” (P02U), para outros, “significa uma chatice” (P15U) que só serve para “passar de ano, de curso” (P13U). Alunos não construíram estruturas cognitivas necessárias ou desenvolveram capacidade de abstração suficiente para compreender o ensino. É importante que sejam operatórios, de preferência de nível formal (professores chamam de abstrato) para compreender o que se está ensinando (05). Inconsciência do aluno sobre as condições prévias, chamadas na academia de prerrequisitos. “Mas, se tu não aprendeste bem a matemática do primeiro ano, então como pretendes continuar? E avançar?” (P13U). Desconhecimento da utilidade prática do conhecimento matemático. “Se [o aluno] não vê a utilidade, não vai entender” (P09M). A docência raramente explica como a matemática resolve problemas da vida diária e raramente explica de acordo com as condições de aprendizagem dos alunos. Por exemplo, não mostram que agora podem medir coisas que antes não podiam (P01U). Alunos que não conseguem mais acompanhar o ensino. Depoimento de criança do sexto ano dá conta de que não entende mais nada. Se não compreende que a matemática se compõe de uma sequência de conteúdos, que é como uma escada - só consegue escalar o décimo degrau depois de escalar o nono, o oitavo, o sétimo..., não conseguirá prosseguir (P17M).

Em resumo, esses seis docentes dão conta de alguns obstáculos que dificultam ou impedem a aprendizagem do aluno:

  • alunos diferentes atribuem diferentes significados à matemática ensinada na escola;

  • alunos não construíram estruturas cognitivas necessárias para exercer a operatoriedade; exigida pelos conteúdos matemáticos ensinados;

  • alunos não trazem os prerrequisitos necessários para aprender esses conteúdos;

  • docentes eximem-se de explicar a utilidade prática da matemática que ensinam;

  • incompreensão do aluno de que a matemática é como um edifício: para chegar ao nono andar tem que escalar antes os andares anteriores.

Por um lado, docentes pensam que os alunos pensam que a matemática ensinada na escola impacta positivamente sua vida, tal como docentes a significam (1.1) ou como docentes pensam que alunos a significam (2.1). Outros, ao contrário, pensam que os alunos pensam o contrário: que a matemática é inútil, atrapalha, é algo como um pesadelo que precisa ser superado (2.2 e 2.3).

Função da tabuada no ensino, ou na aprendizagem, de matemática

Os professores respondem à pergunta: “Qual é a função da tabuada no ensino (ou na aprendizagem) de matemática?” Encontramos as seguintes categorias de análise: É importante ensinar a tabuada, tem importância relativa, tem função se os alunos compreendem o significado, não se deve ensinar tabuada.

É importante o ensino da tabuada

“A tabuada de multiplicação vai lhe ajudar a abreviar suas operações, já que podemos relacionar a multiplicação com a adição; por exemplo, três por três, o aluno vai dizer: nove (3x3=9), mas com a soma vai ter 3 mais 3 mais 3. [...]. Isso é importante, ajuda”. “Ajuda a passar do mais simples ao mais complexo?”, pergunta-se. “Claríssimo!”, responde ele (P07F). Ensinam-se às crianças, na terceira série, as tabuadas do 1, 2 e 3. Essa memorização facilita os cálculos, por exemplo, 3x4=12. “Simplifica, não?” “Pensas que isso é importante no ensino?”, pergunta-se. “Sim, deve ser usada” (P12U). Aprender tabuadas é básico em Matemática para que as crianças sigam aprendendo. Sua função “é ajudar a compreender coisas em Matemática. Se tu não sabes somar, subtrair, multiplicar, como pretendemos que te desenvolvas para algo mais complexo?” “Eles aprendem isso aprendendo tabuadas?”, pergunta-se. “Sim, eu creio que sim”. “Não há outro modo? “Há vários modos, mas... as tabuadas funcionaram muito bem para mim” (P13U). “É aprender a parte operativa”. “Você, professor universitário, pensa que está certa a forma de ensinar Matemática à criança?”, pergunta-se. “Eu creio que sim. Que se tem que aprender as tabuadas, que são úteis. Hoje, há computadores; qualquer celular tem. Mas acho que dá independência à pessoa. Não é um esforço tão grande” (P02U). “Sim, claro que tem função! Sobretudo, permitem rapidez de cálculos. Hoje, cada vez tem menos função, porque se usa a calculadora que calcula frações, tabuadas. São menos necessárias que antes. Mas igual, ajudam a pegar rapidez. É parte do conhecimento, não há de ser depreciada, por mais que uma maquininha faça muitos cálculos por nós. [...]” (P06U). “Sua função é abreviar os exercícios, ou seja, realizar os cálculos com mais rapidez, porque a multiplicação é uma abreviatura da soma. Para que eu não esteja somando tantas vezes, eu multiplico uma vez”. “[...] É que tem que se saber as tabuadas, para agilizar o processo. [...]”. Pergunta-se: “Não há o perigo de memorizar sem compreender?” Ela responde, após digressões teóricas: “É que as tabuadas não são para serem compreendidas. Nós temos uma taxionomia da aprendizagem. [...]. O exercício que vai se resolver não está na memória. [...]”. “Memorizar vem antes de compreender?”, pergunta-se. “É o mais básico. Para memorizar, uma pessoa não precisa ser inteligente nem nada, porque a memória é uma parte somente da inteligência; mas a criança, para que possa fazer o exercício, tem que ter memorizado desde sempre as tabuadas, [...] depois, ela vai compreender e fazer todo o pensamento superior”. “Para a criança é difícil memorizar sem saber o significado!”, objeta-se. “No primeiro ciclo, ensinam às crianças as tabuadas com canto, com jogo, com as mãozinhas e os dedinhos. Há muita estratégia. Então, não é tão difícil querer aprender ou não aprender”. “Mas, muitos não aprendem”, objeta-se. “Muitos não aprendem. Não foram envolvidos, foi chato...” (P17M). P10M, professor de ensino médio de escola privada, diz: “somar e diminuir significa que não vão me escapar da cabeça. Em realidade, as operações básicas são as que mais se veem no cotidiano, por que em geral tem que contar tanto dinheiro, entre tantas pessoas. Ou seja, [com tabuada] se faz automaticamente, em pensamento. [...] Se vou a um comércio comprar batatas, pão, queijo etc., sei que tenho que somar tudo o que consumi, para poder conseguir o total”. “A tabuada é importante para o ensino de Matemática?” “É que as tabuadas são um processo mais curto [...]. Então, se lhes ensina as tabuadas para que eles tenham a habilidade de saber que se tem que somar muitas coisas, é melhor multiplicar tal valor pelas vezes, do que somar; e, como tudo em Matemática, tem a ver com multiplicações [...]. Para economia, acima de tudo tem que saber multiplicar; se não, não vão saber quanto tiram do salário” (P10M).

Em resumo, justifica-se o ensino das tabuadas pelos seguintes motivos:

  • A memorização das tabuadas facilita os cálculos, simplifica, dá independência

  • Memorizar tabuadas é básico para o que vem depois, para o mais complexo

  • A memorização de tabuadas permite rapidez de cálculo, multiplicando em vez de somar

  • Memorizar tabuadas é básico para compreender e para todos os processos que se sucedem

  • Com tabuadas memorizadas, fazem-se cálculos com rapidez, em pensamento

  • As tabuadas são para serem memorizadas, não compreendidas

  • Para memorizá-las a pessoa não precisa ser inteligente.

Importância relativa

Afirma P05U que a tabuada “[...] é somente uma forma de representar a relação entre duas variáveis; mas não é a única”; há outras, como representação gráfica, algébrica ou equação. Não se deve dar prioridade, nem descartar a tabuada; deve-se entendê-la como parte de um todo maior. Deve-se evitar usar memória “mecânica” que leva ao “fazer sem entender o que está fazendo”. P11M vai na mesma direção ao dizer que “Eu acho que elas [as crianças] não deveriam memorizar. Deveriam começar pelo que elas conhecem, assim como a soma. [...] as crianças [...] serem obrigadas [a decorar], não me parece bom. Mas, atualmente, sim, tem que saber a tabuada”. “Não, de memória” nunca chegarão às propriedades comutativas. P15U insiste que “não é necessário que os alunos a tenham na memória. [...] podem ir aprendendo como [se] aprende uma canção, mas não dedicar este tempo que [se] perde para lembrar a tabuada”. P14UU considera que elas “São úteis para os cálculos. Sabe-se que Gauss [...] sabia de memória as potências dos números”. As tabuadas “são instrumentos para cálculo; mas hoje não são tão importantes, pois se calcula com a máquina”. E acrescenta uma preciosa observação: o “importante da tabuada é que o estudante a construa ele mesmo [...]. Isso sim é útil e informativo. Claro, se ele se lembra pode calcular rápido, mas hoje em dia não é importante”.

Em resumo, esses quatro docentes afirmam o seguinte:

  • Tabuada deve ser compreendida como parte de um todo maior

  • É preciso saber tabuada, mas não se deve priorizar nem a descartar

  • É uma entre várias formas de representar a relação entre duas variáveis

  • Não se deve obrigar a criança a memorizar tabuadas; menos ainda sem as entender

  • Tabuadas são instrumentos de cálculo; são úteis para isso

  • Tabuada é importante somente se o estudante a construir

  • Aprender tabuadas possibilita chegar às propriedades comutativas

  • É melhor aprender tabuadas do modo como se aprende uma canção

  • Memorizar tabuadas é perda de tempo e desnecessário, pois existem calculadoras

Tem função, se compreendem o significado

P09M diz que trabalha com a tabuada de multiplicar. Afirma que ela “[...] não ajuda, porque não adianta que memorizem que 3x2=6, mas nunca interpretam o que significa 3x2”. P04U diz que atualmente isso não é muito relevante “porque se pode fazer o cálculo com uma calculadora. Na realidade, não creio que tenha muita importância”. Teria importância se a utilizasse “para ligar as tabuadas para entender as propriedades do produto, da multiplicação”. Ele sugere: “Ver uma tabuada e ver a regularidade. Aí, capaz que seja um exercício mais instrutivo; ou seja, me parece que não serve memorizar as tabuadas. Fazer um esforço deliberado e enfocado para memorizar as tabuadas me parece um exercício que não tem muita utilidade”. “O ensino de matemática insiste muito na memorização para se aprender. Em vez de insistir para se compreender e, então, memorizar O que pensas desta crítica?”, pergunta-se. “[...] Teria que pensar melhor. Primeiro memorizar para depois compreender!? Tendo a pensar que um é acompanhante do outro. Ou seja, ir para o lado da compreensão, da resolução dos problemas”. Já P01U afirma que a tabuada “É uma ferramenta, para que possa resolver problemas depois. É a base para poder resolver problemas muito mais complexos”. Ela pensa que a memorização da tabuada deveria vir após sua compreensão. “No colégio lhe ensinam a multiplicar [...], mas não se vê o exemplo necessário para a pessoa [compreender] [...]” o significado da multiplicação.

Em síntese, esses três docentes afirmam que:

  • De nada adianta memorizar tabuada de multiplicação e não saber o que significa 3x2;

  • Tabuadas serão úteis se servirem para entender as propriedades da multiplicação;

  • Compreender deve vir antes de memorizar;

  • A presença de calculadoras tornou irrelevante a memorização de tabuadas;

  • Seria instrutivo investigar as regularidades das tabuadas;

  • Memorizar e compreender devem andar juntos na resolução de problemas;

  • Tabuada é ferramenta para resolver problemas mais complexos.

Não se deve ensinar tabuadas

“Se fosses ensinar para criança pequena, como trabalharias a tabuada?”, pergunta-se ao professor de Matemática pura. “Não sei. É uma boa pergunta. Deveria pensar o que faria com o meu filho...”. E continua: “Isto é uma boa pergunta. Eu gostaria de pensar nisto; sempre gosto de pensar que seria bom eu mesmo ensinar para o meu filho as coisas que ensinam na escola. Eu mando [os filhos] para a escola, só porque ali eles [se] socializam, não pela aprendizagem. Para mim, não sei se é muito bom... Não sei o que eu faria. Eu acho que não, que eu não ensinaria [tabuada]” (P02U).

Em síntese, esse docente afirma que leva o filho para a escola com vistas a sua socialização, não pela aprendizagem; e que não ensinaria tabuada.

Exercício de algoritmos ou resolução de problemas?

Os professores respondem à pergunta: “O aluno aprende melhor exercitando algoritmos ou resolvendo problemas?” Encontramos algumas categorias de análise: Combinar exercício de algoritmos com resolução de problemas, Compreender por que o algoritmo funciona, Contra argumentação, Resolvendo problemas.

A intenção dessas perguntas é a de saber se o professor ensina com a intenção pedagógica de ajudar o aluno a pensar matematicamente, e a desenvolver essa capacidade, ou se está preocupado em que o aluno saiba aplicar algoritmos, retidos na memória por repetição, a problemas por ele formulados, sem consciência (Piaget, 1977) da matemática que eles implicam ou, o que dá no mesmo, sem pensar matematicamente. Na pesquisa feita no Brasil (Becker, 2012a), a “decoreba” de tabuadas ou a memorização “mecânica” de algoritmos tem pautado os esforços de aprendizagem dos estudantes, por insistência da docência. O resultado é uma maioria de ex-alunos semianalfabetos em Matemática e, com grande frequência, frustrada e, até, alimentando, vida a fora, sentimentos aversivos a essa importante ciência quando, na verdade, o problema reside no ensino, não na Matemática; também não no aluno. Quando um estudante diz nutrir aversão à Matemática, ele está se referindo à sua experiência ao frequentar às aulas de matemática e não a essa ciência; mas ele raramente faz essa distinção, nem o docente parece tomar consciência disso. Analisaremos as respostas dos 13 docentes que responderam à questão com contribuições úteis. Nenhum docente respondeu que o aluno aprende melhor apenas exercitando algoritmo. As categorias de análise foram retiradas das respostas dos docentes, após reiteradas leituras.

Combinar exercício de algoritmos com resolução de problemas

Seis docentes puseram, mais ou menos em condições de igualdade, o exercício de algoritmos e a resolução de problemas. Algoritmos e resolução de problemas têm que andar juntos porque “para resolver problemas eu necessito desenvolver o algoritmo”. Começa-se pelo algoritmo porque a criança não sabe resolver o problema que eu apresento “porque não sabe o algoritmo” (P14UU). Aprende-se mais com resolução de problema, mas “sempre tem que haver uma instância na qual se aprendam alguns algoritmos. Já automatiza certas técnicas para, depois, ter sua mente mais liberada para os problemas”. Só resolução de problemas não é suficiente. “Creio que há que ir internalizando1 alguns algoritmos” (P04U). Começar por uma ou por outra depende de cada um, mas as duas tem que comparecer juntas. “Eu aprendo das duas maneiras” (P02U). No ensino para crianças, diferente do ensino para universitários, é melhor começar com resolução de problemas. O docente pensa que os alunos às vezes só conseguem compreender o problema depois de resolver o algoritmo. Pensa, por isso, “que as duas coisas estão muito ligadas” (P02U). Precisa-se saber as duas coisas: resolver algoritmo “do ponto de vista cognitivo, [...] requer menos que solucionar um problema. Mas conhecer algoritmos ajuda a pensar um problema. Então, se precisa saber as duas coisas”. Dependendo dos objetivos, a parte algorítmica seja “talvez a mais importante, porque é a mais elementar. As pessoas têm que conhecer algoritmos para a solução das coisas”. Porém, se ensinarmos para quem vai fazer ou investigar matemática, não se deve enfatizar os algoritmos, mas sim a resolução de problemas já que se busca o desenvolvimento de capacidades matemáticas; só algoritmos “não contribui para desenvolver a mente. [...]” (P03U). Pode-se exercitar algoritmos resolvendo problemas, mas precisa-se exercitar um pouco algoritmos. Se ensinarmos como achar raízes ou polinômios, o estudante terá que aprender o algoritmo da divisão; dividir várias vezes. Se ele vai resolver um problema que implica divisão, sem o algoritmo “vai ter muitas dificuldades, porque, se emperra no algoritmo, isto lhe complica[rá] para pensar o problema [...]” (P03U). O docente acredita que o algoritmo pode, em certas situações, vir depois da resolução de problemas. Quando se ensina, muitas vezes o estudante não consegue compreender a matemática embutida no algoritmo; “se não se compreender completamente o algoritmo, quando for fazer soma de frações, vai dar dor de cabeça [...]” (P04U). Nem tudo que os estudantes vão fazer tem que ser resolução de problemas; “também devem treinar a parte operativa [os algoritmos]” que vai impactar a resolução de problemas (P11M). Na vida cotidiana, precisa-se da matemática. “Se tu não apresentar ao aluno um problema, como vai aplicar [o algoritmo]? Tem que resolver problemas!” (P13U). Esta professora universitária considera que um problema se configura de certa forma como um algoritmo. “Planejar, tomar dados, planejar a equação e dar a solução. Possivelmente é assim. Ver o status, significar, ler o enunciado e depois planejar um caminho para resolver” (P12U). Os estudantes precisam entender que há caminhos a seguir. Isso não implica necessariamente memória “mecânica”. Mas compreender que “para chegar a um resultado tem que seguir um processo. Eu assim entendo o algoritmo” (P12U).

Esses seis docentes pensam que algoritmos e resolução de problemas devem andar juntos, mas divergem quanto ao lugar de um e de outro no processo de aprendizagem. A precedência, ou a necessidade, do algoritmo é afirmada pela maioria: “para resolver problemas eu necessito desenvolver o algoritmo”; “conhecer algoritmos ajuda a pensar um problema”; “há que ir internalizando alguns algoritmos”; a parte algorítmica é “talvez a mais importante, porque é a mais elementar”; “se emperra no algoritmo, isto lhe complica[rá] para pensar o problema”; “se não se compreender [...] o algoritmo, [...] vai dar dor de cabeça [...]”; memorizar algoritmos “automatiza certas técnicas para [...] sua mente [ficar] mais liberada para os problemas”. Mesmo aqueles que afirmam que “eu aprendo das duas maneiras” ou “que as duas coisas estão muito ligadas” acabam afirmando a necessidade de “treinar a parte operativa [os algoritmos]”. Ou aqueles que valorizam a resolução de problemas dizendo: “tem que resolver problemas!”; “do ponto de vista cognitivo, [treinar algoritmo] requer menos que solucionar um problema”; só algoritmos “não contribui para desenvolver a mente”; a quem vai ser matemático, deve-se enfatizar a resolução de problemas; eles pensam que se deve exercitar o algoritmo, mesmo que se faça depois da resolução de problemas. Aparentemente, apenas um docente propõe que a aprendizagem ocorra mediante resolução de problemas e por ela, e apenas por ela, se chegue ao algoritmo: “Ver o status, significar, ler o enunciado e depois planejar um caminho para resolver”.

Não houve questionamento sobre o modo como o estudante se apropria dos algoritmos. Sabemos como o ensino de matemática exige dos estudantes, de todos os níveis, que façam exercícios para memorizar algoritmos; que repitam tantas vezes quantas forem necessárias até “fixar” na memória, não importando se compreenderam o conteúdo; ou, como diz um professor universitário, de graduação e pós-graduação, “se matar de fazer exercício, fazer tanto exercício, até se estrebuchar no chão2” (BECKER, 2012a, p. 297); segundo ele, este é o caminho não só para aprender matemático, mas para ser matemático.

Entretanto, o mais importante é saber por que o algoritmo funciona. Sigamos os argumentos de dois professores.

Compreender por que o algoritmo funciona

Afirma o professor universitário P14UU: “É certo que a teoria de algoritmos é uma maneira de solucionar o problema”. Algoritmos são “soluções pré-estabelecidas para problemas que se sabe solucionar”. Mas, o que importa é “que se possa construir o teorema, senão não funciona; e isso é a parte do conhecimento do problema”. Ele entende que “É uma fórmula [didática] errada” utilizar, no ensino, a resolução de problemas apenas para treinar o algoritmo. “O importante é que [o estudante] entenda por que o algoritmo funciona”; e resolver problemas para “repensar o algoritmo”. E acrescenta que, se ele tivesse que ensinar aritmética a uma criança, faria como fez com seu filho. Antes de o filho entrar na escola, ensinou a ele como funciona a aritmética. “Foi construtivo, e ele aprendeu a trabalhar de maneira natural”. Não acredita no modo como a escola ensina matemática às crianças; esse ensino não é eficaz (P14UU). A professora universitária P01U, embora insista na precedência da aprendizagem do algoritmo, afirma a importância de seu significado quando orientado para o problema (por isso retomaremos, em 4.3, sua resposta). Explica como faz: “eu lhes coloco o problema como meta”. Surge, então, a questão de como encontrar a solução para esse problema. “Ele é motivador, uma fórmula aplicada, na qual ensino a teoria e, usando a teoria, e assim que [os alunos] souberem manejá-la, voltamos ao problema”. Mas, no final de sua resposta, ela insiste: “eu acredito que primeiro tem que saber a matemática necessária para resolver o problema” (P01U), ou seja, saber o algoritmo; porém, não por memorização “mecânica”, mas no interior do contexto teórico da matemática que está ensinando.

Para os dois docentes, o mais importante não é saber o que deve preceder no ensino, se o algoritmo ou o problema. Para o primeiro, interessa que o algoritmo funcione. Para o segundo, deve-se partir de um problema e buscar saber como chegar a uma solução, o que exige que se construa o teorema, pois essa construção “é a parte do conhecimento do problema”; é ela que permite retornar ao problema com a resolução. Vejamos como os professores respondem à contra argumentação.

Contra argumentação

O que temos em mente é o seguinte: se quisermos que os alunos aprendam certo conteúdo matemático, cuja resolução já conta com algoritmos conhecidos, podemos ensinar o algoritmo e apresentar uma quantidade de problemas para o aluno resolver e, assim, memorizar o algoritmo; sob o ponto de vista lógico, nada a retrucar; mas, sob o ponto de vista psicológico e pedagógico, será o melhor caminho? A ênfase desse caminho está na memorização do algoritmo e em sua “mecânica” aplicação. Podemos, pois, fazer diferente, visando uma orientação pedagógica construtivista, apresentando primeiro um ­problema. Os alunos, organizados, por exemplo em duplas, procuram entender o problema e, em seguida, discutir formas de resolvê-lo, buscando informações em livros, revistas ou internet. Se conseguirem a solução, expõem aos colegas e ao professor o que conseguiram. Se não, o professor entra com a parte matemática e, então, eles voltam ao problema procurando compreender o caminho da resolução e porque ele funcionou. A ênfase desse procedimento reside na compreensão do problema e na criatividade e inventividade da escolha do caminho para sua resolução.

A exemplo da contra argumentação do método clínico piagetiano, apresentou-se ao entrevistado argumento contrário ao que ele acabara de afirmar, atribuindo-se esse contra-argumento a um professor imaginário, de qualificação parecida com a do entrevistado, perguntando o que ele pensa a respeito. A seguir, as respostas às contra argumentações apresentadas nas entrevistas.

A professora (P13U) responde: “Para mim, primeiro são os algoritmos [que] são a definição formal, [o] como funciona. Então, em seguida [...], lhes mostro como se aplica. Mas isso para mim leva novamente [...] ao porquê ele funciona”. “Primeiro, [...] na minha aula lhes mostro o algoritmo e, logo, lhes dou um exercício [o problema] para que solucionem. [...] Eu não posso dizer a eles: ‘Vamos resolver este exercício’, se não lhes ensinei função linear. Tenho que lhes mostrar o caminho e, depois, lhes dizer: este caminho funciona para isto. [...]”. Contra-argumenta-se: “Um professor me disse: ‘Primeiro, dou o problema; eles tentam resolver. Depois trabalhamos o algoritmo. Como já entenderam o problema eles se instrumentalizariam melhor’. O que pensas disso?” “Aqui, se tentou fazer o mesmo” e os alunos diziam que não entendiam e não sabiam o que fazer “porque, claro, não conhecem as funções”. Ao contrário, “Se eu apresento o algoritmo ao aluno e lhe digo: ‘Isto funciona! Esta é a função linear’. O aluno [diz]: ‘Ah! [isto] me serve!’”. Contra-argumenta-se: “Não seria uma frustração passageira? Após a resolução do problema o aluno aprenderia o algoritmo. Não funcionaria melhor, pedagogicamente?” “[...]. Para mim, tem um resultado melhor assim: algoritmo e, depois, [re]solução de problemas”. “Exercitando algoritmos faz com que ele [o aluno] interprete correlações. Por que 2x3 me dá 6? O que significa isso?” Objeta-se: “Se ele fizer isso, sem resolver problemas, ele aprende?” “[...] Sim, vai aprender porque isso é uma lógica. Mas nem sempre se pode fazer isso, ou seja, nem tudo se pode fazer da maneira algorítmica. Existem alguns assuntos que tem que fixar bem e que custam mais. Em alguns assuntos tem que se fazer que resolvam alguns exercícios” (P13U).

P12U responde: “Por exemplo, se vou dizer aos alunos: há uma inversão na matriz e ponho na ordem 5x5, eles vão ter a ideia do que fazer. Vão operar...”. O caminho é “planejar e resolver”. “Há outros [caminhos], quando alguém estabelece um algoritmo, mas criando a necessidade; [...] creio que, em cada passo, o aluno tem que entender que há caminhos a seguir. Não que se vá ‘mecanizar’ [memorizar mecanicamente]. Mas sim, para chegar a um resultado, tem que seguir um processo. Eu assim entendo o algoritmo”.

P01U responde ao contra-argumento: “Eu creio que tem que estar mais capacitado [para enfrentar problemas]. Um estudante pode tentar resolver um certo problema, mas igual o professor tem que formalizar. Creio que é mais difícil construir a matemática a partir de um problema [do] que, se alguém lhe der a matemática [o algoritmo], depois aplicar. Eu creio que os estudantes têm que ser mais capazes para [então] se dar o problema”. Diz que mostra o problema [passagem ininteligível na gravação], depois vemos a matemática, esquecendo o problema; no final, retornamos ao problema. Acrescenta: “eu lhes coloco o problema como meta”; então, procuramos o caminho para sua solução. Esse caminho “é motivador, uma forma aplicada, na qual ensino a teoria e, usando a teoria e assim que [os alunos] souberem manejá-la, voltamos ao problema”. Finalmente, diz: “Mas eu acredito que primeiro tem que saber a matemática necessária para resolver o problema”.

De diferentes maneiras, esses três docentes estão convictos de que o aluno precisa, primeiro, aprender o algoritmo; já se tentou começar com resolução de problemas e não deu certo, afirma P13U. Eles justificam isso dizendo que: “o aluno tem que entender que há caminhos a seguir” (P12U), ele “tem que estar mais capacitado” e, além disso, “primeiro [ele] tem que saber a matemática necessária para resolver o problema” (P01U).

Se a docência lança ao estudante um problema, por ela formulado, sem fornecer-lhe a matemática necessária para resolvê-lo, desafiando-o a ir além do que é capaz no momento, o empenho em resolvê-lo fará com que ganhe em capacidade de pensamento matemático e até em encontrar o caminho que os matemáticos já traçaram ou, no limite, um caminho original de solução. Não é assim que a atividade científica funciona? Não é assim que os matemáticos trabalham? Esse é o caminho, parece-nos, de conquista da autonomia do pensar matemático que, uma vez conquistada, leva-se para a vida toda podendo evoluir indefinidamente. A proceder assim, o estudante ativará seu processo de abstração reflexionante com a possibilidade de atingir novos patamares de reflexionamento, pois o destino de um processo de abstração reflexionante é atingir novos patamares de generalização. Nutrimos a certeza de que é esse o caminho que a atividade escolar deve percorrer. É assim, parece-nos, que pensam os docentes a seguir.

Resolvendo problemas

O melhor caminho é “definitivamente, resolvendo problemas” (P15U). Para essa professora, o que é algoritmo para ela é problema para a criança. “Então, à medida em que se enfrenta um problema, e [se] possibilita construir [...], se converte em algoritmo [segue passagem ininteligível, na gravação]. Porque a solução de problemas é o mais importante, é onde a ciência matemática será desenvolvida [...]. Algoritmo somente sistematiza algo, [...] mas a solução de problema é que vai fazer com que a ciência vá [se] desenvolvendo, [que] o aluno vá abstraindo, elevando seu pensamento a níveis mais altos”. P05U diz: “Eu creio que o aluno aprende resolvendo problemas. Os algoritmos são parte do cálculo [...], mas creio que aprendem resolvendo problemas”. [...]. Estávamos “trabalhando mais algoritmos e não damos tanta ênfase aos problemas; mas, agora, estamos trabalhando com uma realidade, que é melhor para aprender: resolver problemas”. P06U vai na mesma direção: “Ah, para mim é melhor resolver problemas. É mais difícil, mas é melhor. Quem se prepara, prepara-se para resolver problemas. Sempre vai ter um conhecimento mais profundo do que quem [apenas] memoriza” algoritmos. A memória é um ingrediente muito importante, mas é secundário. No conhecimento, não só [no] matemático, vem antes a razão, o pensamento. A memória ajuda porque é muito importante recordar o que se vai aprendendo. É muito melhor pensar, do que não pensar e apenas memorizar. Quem assim procede, terá espírito mais crítico, vai ter melhor conhecimento. Como ele ministra aulas para alunos que não pretendem ser matemáticos, mas buscam a matemática para usá-la como ferramenta, trabalha mais com algoritmos; ... mas insiste para que os alunos entendam o porquê do algoritmo. Prefere resolução de problemas que é melhor para desenvolver o senso crítico; e arremata: “Não creio que me saia muito bem nisto. Não é fácil, mas eu tento”. P10M acrescenta: “Prioritariamente, que ele [o estudante] saiba primeiro resolver um problema, analisar, ver o que tem que fazer, antes de aprender apenas a fórmula” (P10M).

Esses cinco docentes deixam clara sua opção, embora reconheçam que, na prática, nem sempre conseguem ser coerentes: resolver problemas é o caminho para melhor aprender. É resolvendo problemas que se pode construir, exercer a abstração (reflexionante), conquistar níveis matemáticos mais elevados, lograr espírito mais crítico, desenvolver a ciência matemática, atingir conhecimento mais profundo, do que quem apenas memoriza algoritmos; “é melhor pensar, do que não pensar e apelar para a memória”, que é importante, mas é secundária. Algoritmos são parte do cálculo, mas se aprende mesmo resolvendo problemas; é mais difícil, mas é melhor. Afinal, “Quem se prepara [para a vida], prepara-se para resolver problemas”.

Dia Piaget (1974b, p. 20): Em resumo, o princípio fundamental dos métodos ativos [...] assim pode ser expresso: compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir.

Discussão

Lembramos, aqui, que esta pesquisa busca inferir, das falas didático-pedagógicas dos professores, suas concepções epistemológicas com o objetivo de buscar causas do histórico fracasso no ensino de Matemática para todos. A importância desse objetivo reside no fato de que a concepção epistemológica determina as concepções sobre aprendizagem e a origem das capacidades lógicas ou cognitivas; e, por consequência, determina o modo como o ensino será praticado. O professor ensina conforme pensa que a aprendizagem acontece.

Parece pouco, quase um preciosismo de metodologia de ensino, mas é muito diferente um professor desafiar o aluno a resolver problemas, cujos caminhos (algoritmos) ele desconhece, e somente depois ensinar os conceitos necessários para percorrer o caminho que a Matemática consagrou, do que começar ensinando conceitos, vazios de sentido para a maior parte dos alunos, ou algoritmos e exigir deles que façam tantos exercícios até aprender (memorizar) o conteúdo em pauta. Para a maioria, exercitar ou repetir sem compreender.

A crença epistemológica empirista pensa que se aprendem conceitos copiando e repetindo, “tantas vezes quantas forem necessárias”, sem compreender, estar motivado ou sentir necessidade. Cabe aqui, integralmente, a lei do exercício de Thorndike (1874-1949): “O fortalecimento [de conexões entre estímulo e resposta] é definido pelo aumento da probabilidade de que a resposta será dada quando a situação se repetir. Esta probabilidade de ocorrência pode ser maior se a situação for repetida imediatamente, ou igual se decorrer mais tempo.” (Hilgard, 1973, p. 24). Até esse psicólogo behaviorista criticava a aplicação dessa lei, independentemente da lei do efeito; isto é, repetir sem motivação, sem sentir necessidade; e acrescentamos, o que é ainda pior, sem compreensão. Pretendemos que a repetição só deva ser praticada após compreender o que será repetido (Marques, 2005, p.157-163) de acordo com a seguinte fórmula: repetir não para compreender, mas repetir porque compreendeu. Não faz sentido um pianista repetir dezenas, ou até centenas, de vezes uma partitura sem compreender a música.

Além disso, Piaget (1978c) nos ensina que repetição não deve ser entendida como cópia do que se fez anteriormente. Mas como retomada. A segunda repetição não é igual à primeira; a décima não é igual à nona... Elas já mostram melhoras na aprendizagem com relação às anteriores. A enésima repetição (retomada) da partitura, pelo violinista, é bem diferente das primeiras. A qualidade da aprendizagem é gradativa, pois se trata de processo; não de compreensão súbita (insight), como propunha a Gestalt. O próprio insight, se o admitirmos, é função de um longo processo de construção. Além disso, há diferenças importantes entre aprender uma habilidade manual e aprender conceitos. Conceitos são totalidades operatórias não aprendidas stricto sensu, mas construídas; aprendidas lato sensu. O mesmo acontece com teorias que são coordenações de conceitos. Importa, pois, ter presente as diferenças entre aprender a dirigir um automóvel, executar uma partitura musical e aprender teorias físicas ou matemáticas. Entretanto, mesmo levando em conta suas diferenças, a compreensão deveria marcar presença em todas elas como condição da repetição.

A irracionalidade, subjacente à repetição para a compreensão, produz efeitos perversos no processo educacional. Ouvimos, em situações diversas (observações de aula, depoimentos de alunos, de professores de matemática, em entrevistas para pesquisa) a seguinte afirmação de docentes, dirigindo-se a alunos a quem destinavam exercícios: “Não pense, faça!”.

O fazer pedagógico que não busca a compreensão é criticado por Freire (1976, pp. 96-97):

Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aula. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guardas. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção.

A epistemologia empirista que sustenta essa forma pedagógica conta, surpreendentemente, com o apoio do seu oposto. A docência não toma consciência da contradição que aí reside.

A crença epistemológica apriorista, de tipo inatista-maturacionista, acredita, por sua vez, que a inteligência segue a herança biológica, tal como herdada dos pais, do mesmo modo que a herança da cor dos olhos ou dos cabelos, da estatura física, do tipo sanguíneo (Goulart, 2010); acredita-se que habilidades inteligentes, como leitura, escrita, cálculo resultam do processo de maturação, tal como acontece com ossos, músculos e nervos; ela é, pois, predeterminada; nasce-se com ela. Segundo essa concepção, a educação, especificamente o ensino, tem função negativa: deixar aflorar, não impedir. De acordo com essa concepção, os humanos nascem com o dom, o talento; o meio social, a educação e o ensino terão pouca função, pois os estudantes aprenderão sozinhos. O recém-nascido humano só será um matemático de expressão se tiver nascido com dom ou talento. Essa concepção legitima certa forma de exclusão escolar porque, se a criança ou o adolescente não tiverem nascido com talento, a docência não terá motivo para ensiná-los a pensar matematicamente.

Essa forma de pensar, levada ao limite, pode ter consequências nefastas. Se pensarmos que uma criança, filha de pintores famosos, já nasce com uma herança genética que a levará a ser também uma pintora, estaremos reforçando uma ideia que muitos críticos dessa posição denominaram como “ideologia do dom”. Trata-se de pensar que as diferenças no desempenho de determinada tarefa ocorrem em razão de uma herança genética ou mesmo de raças e não por causa de diferenças culturais ou de oportunidades. Assim, uma criança brasileira, pobre e negra teria dificuldades de aprendizagem na escola, não por lhe faltarem oportunidades, mas por já nascer com deficiências intelectuais, provenientes de sua família ou mesmo de sua raça. (Goulart, pp. 24-25)

Raras vezes, mesmo assim sem sustentação teórica, docentes entrevistados afirmam que o aluno constrói suas capacidades lógicas com as quais aprendem a matemática que se ensina; ou ainda, que não conseguem aprender porque não construíram os instrumentos lógicos necessários. Da forma como esses docentes falam, de como valorizam a matemática que ensinam, como pensam que seus alunos a valorizam, como tratam da memorização de tabuadas e algoritmos, fica bastante claro que nivelam os alunos sob o ponto de vista de suas capacidades lógicas. Atribuem as aprendizagens precárias, ou as não aprendizagens, apenas a motivos outros (Becker, 2021, 2022) que não às capacidades lógicas ainda insuficientemente construídas. Pensam que os humanos nascem com estruturas lógicas que, entretanto, só se manifestam na medida da maturação do organismo, como constatamos em análises anteriores (Becker, 2019, 2021).

Vemos, pois, o ensino, a sala de aula praticando pedagogias sustentadas por epistemologia empirista, fundamentada por epistemologia apriorista, sem suspeitar da contradição epistemológica que isso implica (Becker, 2012a, 2021, 2022a, 2022b). Tudo isso devido, basicamente, à ausência de reflexão epistemológica.

O que encontramos nesta pesquisa?

É quase inexistente na docência investigada a consciência de que a aprendizagem da matemática, patrocinada pelo ensino escolar, ocorre no prolongamento de demorado processo de construção de estruturas lógicas (qualitativas) que só se diferenciam em estruturas quantitativas por volta dos 7/8 anos, em média; quando, com a noção de quantidade, se torna possível a noção de número; que sem a atividade do sujeito, do estudante, possibilitada por esse complexo de estruturas lógicas previamente construídas, o poder do ensino é praticamente nulo. Essa certeza, que nos vem da Psicologia e Epistemologia genéticas, colide frontalmente com o significado que os docentes entrevistados atribuem à matemática que ensinam: aquisição da capacidade lógica, de relacionar, de realizar operações, de explicar o funcionamento de tudo, de sua onipresença, de ser o porquê das coisas, de ser perfeita. Inegavelmente, a aprendizagem de Matemática, patrocinada pelo ensino, redunda em avanços nas estruturas lógicas. Porém, o ensino não é responsável pela sua gênese e seu desenvolvimento ocorrido nos períodos sensório-motor e pré-operatório.

Quando a criança atinge as operações concretas, com a reversibilidade inerente às noções de conservação como a de quantidade, a escola deveria mudar profundamente os procedimentos porque, nessa passagem, a criança inaugura nova etapa no seu desenvolvimento cognitivo com a reversibilidade (ainda parcial) própria das operações. Por exemplo, começa a fazer perguntas sobre os porquês das exigências docentes, sobre a validade de aprender matemáticas. Quando conquista as operações formais, com a reversibilidade completa, sua inteligência exige espaço virtual de atuação na busca da compreensão do funcionamento da sala de aula, das exigências docentes, das cobranças dos pais, do funcionamento da sociedade, do mundo, do universo. Por que a escola continua a tratar o aluno como criança heterônoma que deve obedecer cegamente às ordens dos professores: “Faça isso; só assim você aprenderá”? Logo adiante, a escola deveria instaurar nova mudança visando a desafiar a inteligência, agora operatório-formal, a pensar problemas das relações interindividuais, interraciais, intersexuais, de diversidade étnica, geográfica, histórica, sociológica, ideológica, política, de trabalho etc.; de como a Matemática poderá marcar presença como recurso significativo para pensar essas realidades. Jamais reduzir o funcionamento da amplitude inteligente da criança, agora adolescente, à memorização de conteúdos sem sentido ou com sentidos frágeis, distantes, alheios a sua realidade, que não atraem seu interesse (Marques, 2005). Se a adolescência é a etapa em que os humanos se tornam capazes de pensar o futuro, planejar e teorizar, invertendo as relações entre o possível e o real (Inhelder & Piaget, 1976), e o ensino continua a tratá-los como crianças heterônomas, a aprendizagem é profundamente prejudicada.

Mesmo quando docentes manifestam-se de forma um pouco mais comedida afirmando que a matemática que ensinam é ferramenta básica porque é coadjuvante do desenvolvimento da capacidade de raciocínio, de demonstração e resolução de quase todos os problemas do cotidiano, de pensar mais e melhor a realidade para entender o como e o porquê das coisas e poder pensar o futuro, parecem não tomar consciência de quão complexas devem ser as capacidades lógicas, construídas pelos alunos até o momento, para poderem aprender a matemática que ensinam. Por que só os alunos de matemática pura querem compreendê-la integralmente?

A posição de não poucos docentes muda bastante quando eles dizem o que pensam que os alunos pensam da matemática que ensinam, e até se opõem ao que afirmaram em resposta à pergunta anterior: ela tem pouco ou nenhum significado, não precisam dela porque usarão calculadora; ela não serve para resolver os problemas que enfrentam na vida, obstaculiza a carreira, não passa de um capricho da natureza; fórmulas e operações são inúteis, uma chatice que pode traumatizar. Que os alunos vão à escola sem vontade de aprender, ou para aprender somente o necessário para o cotidiano; pensam que o ensino só existe para fazer cumprir tarefas. Apenas um entre mil ama a Matemática ou a considera linda.

Os professores apontam para obstáculos que dificultam ou impedem a aprendizagem do aluno: alunos diferentes atribuem diferentes significados à matemática que ensinam; eles comparecem à escola sem ter construído a capacidade operatória e aprendido os prerrequisitos necessários para compreender a matemática ensinada, ou sem compreender que, para aprender um conteúdo matemático, precisam ter domínio dos conteúdos anteriores (metáfora do edifício). E criticam a própria docência dizendo que ela se exime de explicar a utilidade prática da matemática.

Muito se tem criticado o uso da memorização “mecânica”, para a aprendizagem de tabuadas e de algoritmos diversos, como sinônimo de aprendizagem de matemática. Uma professora de terceiro ano do ensino fundamental, cuja aula assisti, utilizou seis modalidades diferentes de abordagem da tabuada que ensinava naquela aula (na periferia de cidade interiorana, onde começava a zona agrícola); cada abordagem era seguida de exercícios que ela acompanhava, atendendo a cada aluno que demandava sua atenção (infelizmente, a professora não pode ser entrevistada). O objetivo era claro: possibilitar às crianças a compreensão da tabuada; em nenhum momento ela insistiu, naquela aula, na memorização. Esse fato permite que nos aproximemos do ponto de vista aqui defendido: se é recomendada a memorização que seja apenas após a compreensão. Mesmo assim, que ela seja feita, como sugere um docente, “como [se] aprende uma canção”. Alguém repete uma canção sem gostar dela?

A propósito, como os docentes encaram o ensino de tabuadas? Esse ensino insiste tradicionalmente na memorização, na maior parte das vezes sem envolver a prévia compreensão do significado do que está sendo memorizado. A pergunta foi feita para saber o que pensam os docentes da memorização - de tabuadas e de outros algoritmos. Há claras discordâncias entre eles a respeito.

Há os que consideram básica essa memorização, que chamam às vezes de aprendizagem - aprender é memorizar -, com as seguintes justificativas: possibilita transitar de conteúdos e processos mais simples para conteúdos e processos mais complexos; promove simplicidade e rapidez própria do cálculo mental - por exemplo, multiplicando em vez de somar muitas vezes; garante independência mental. Esses objetivos, pensamos, podem ser conquistados sem sacrificar a compreensão, ao contrário do que propõe uma professora: para memorizar tabuadas não é necessário ser inteligente; tabuadas são para serem memorizadas, não compreendidas.

Há os que atribuem importância relativa à memorização de tabuadas na medida em que pensam que é preciso aprendê-las, mas sem priorizá-las; antes, compreendê-las como parte de um todo maior, já que elas são uma forma de representar a relação entre duas variáveis, as propriedades da multiplicação e propriedades comutativas; sua memorização não deve ser obrigatória, e ser desaconselhável se não forem compreendidas; são instrumentos de cálculo, mas só terão importância se o estudante as construir; devido às calculadoras é perda de tempo memorizá-las; compreender deve preceder a memorização; ou, pelo menos, compreensão e memorização devem vir juntas; um bom modo de valorizá-las seria investigar suas regularidades. Apenas um docente sustentou a posição de que não se deve ensinar tabuadas; e acrescenta que o ambiente escolar serve para socializar, não para aprender matemática. Numa palavra, a verdadeira memorização é aquela que privilegia o sentido do conteúdo memorizado. Porque alguém memorizaria uma poesia, música, partitura, cálculo sem sentido?

Há docentes que pensam que algoritmos e resolução de problemas devem andar juntos, mas divergem quanto ao lugar de um e de outro no processo de aprendizagem. A precedência, ou a necessidade, do algoritmo é afirmada pela maioria: o conhecimento do algoritmo ajuda a resolver problemas, ele é, pois, importante, elementar e necessário; por isso é preciso internalizá-lo (nota de rodapé 3), automatizar certas técnicas e liberar a mente para resolver os problemas. Até quem afirma que aprende memorizando algoritmo, pari passu com resolução de problemas, acaba afirmando que é preciso treiná-los. É exceção ouvir dizer que se deve optar pela resolução de problemas por ser caminho mais fecundo e exigente, do ponto de vista cognitivo, do que treinar algoritmo; só algoritmos não promove desenvolvimento mental. Para quem vai ser matemático, deve-se enfatizar a resolução de problemas, mas o exercício de algoritmo deve ocorrer mesmo que venha depois da resolução de problemas. Apenas um docente propõe, sem meias palavras, que a aprendizagem ocorra mediante resolução de problemas e, apenas por ela, se chegue ao algoritmo.

Não houve questionamento sobre o modo como o estudante se apropria dos algoritmos; isto é, sobre o processo de aprendizagem. Sabemos como o ensino de matemática exige dos estudantes, de todos os níveis, que façam exercícios para memorizar algoritmos e nesta análise, salvo raras exceções, não encontramos motivo para pensar diferente; que repitam tantas vezes quantas forem necessárias até “fixar” na memória, não importando se compreenderam o conteúdo a ser memorizado; ou como diz um professor universitário, de graduação e pós-graduação, o melhor modo de aprender matemática é “se matar de fazer exercícios, fazer muito exercício, até se estrebuchar no chão” (Becker, 2012a, p. 297). Fica clara a equivalência entre aprender e memorizar; sem o cuidado e a exigência da compreensão, a memorização será “mecânica” e, como lembrou um docente, perda de tempo.

É a concepção empirista que sustenta essa forma de pensar. Piaget (1973) expressa assim sua crítica ao empirismo: “Em suma, o objeto só é conhecido na medida em que o sujeito consegue agir sobre ele e essa ação é incompatível com o caráter passivo que o empirismo, em graus diversos, atribui ao conhecimento” (p. 99). “Pensar não se reduz, acreditamos, em falar, classificar em categorias, nem mesmo abstrair. Pensar é agir sobre o objeto e transformá-lo” (p. 85). Lembrando que “objeto” não é apenas coisa física, mas tudo aquilo que é exterior ao sujeito e passível de ser assimilado: conceitos, teorias, ciências, matemática, filosofia, informações, saberes, procedimentos etc.

Apenas para dois docentes, o mais importante não é saber o que deve preceder no ensino, se o algoritmo ou a resolução de problema. Para eles, o importante é que se parta de um problema e se procure descobrir, criar ou, até, inventar o caminho de sua resolução - essa construção é parte do conhecimento desse processo; é assim que o estudante compreenderá por que o algoritmo funciona. Poderá, então, retornar ao problema e solucioná-lo.

Vimos que os docentes concordam amplamente com a aprendizagem de tabuadas, de algoritmos, mas discordam amplamente sobre o modo de fazê-lo. Porém, predomina a aprendizagem entendida como memorização, tida como um valor do qual não se pode abrir mão; mas, raramente se insiste na compreensão como condição prévia da memorização. Para poucos, memorização e compreensão devem vir juntas e, apenas para um, a compreensão antes da memorização. Apenas alguns fazem ressalvas à memorização, e apenas um a veta totalmente.

Há, nessas manifestações, uma orientação pedagógica defendida, consciente ou inconscientemente, por esses docentes e que pode - e, a nosso ver, deve - ser revista. Se os alunos enfrentam um problema matemático, obviamente bem planejado para essa finalidade, e “quebram a cabeça” para solucioná-lo, como fazem em brinquedos de “quebra-cabeça” ou em jogos eletrônicos, eles ganham em exercício de pensamento matemático e, eventualmente, encontram o caminho de sua resolução. Não é assim que fazem pesquisadores e cientistas? Por que queremos poupar o aluno desse esforço? E, se ele não o encontrar, ao saber, pelo ensino posterior, como a Matemática já traçou caminhos para isso e criou fórmulas/algoritmos para resolver esse, e outros problemas similares, o estudante valorizará muito mais o saber matemático a respeito, do que se ganhasse “de presente” do ensino - não conquistasse! - esse saber, para ele frequentemente vazio de sentido.

Além disso, quando se ensina diretamente o algoritmo, e só então se o exercita pela resolução de problemas, está-se subestimando a capacidade inteligente dos estudantes ao desacreditar que, pelo menos alguns, chegarão a resolver o problema, inventando caminhos próprios. Nesse sentido, a resolução de problemas é um caminho, não apenas para resolver este ou aquele problema, mas para conquistar um pensar matemático autônomo; para aprender a pensar matematicamente. Pensamos que este é o verdadeiro objetivo do ensino de Matemática: aprender a pensar matematicamente o mundo e não apenas acumular conteúdos, a maioria dos quais tem como objetivo apenas serem prerrequisitos para os próximos.

Se a inteligência não se reduz à memória, o ensino deverá desafiar a inteligência do estudante, e não apenas a sua memória, por mais importante que ela seja; muito menos, apenas a memória stricto sensu. Deverá desafiar a memória lato sensu, mirando sempre o processo de abstração reflexionante, a experiência lógico-matemática, a aprendizagem lato sensu; numa palavra, “o completo esquematismo da inteligência” (Piaget & Inhelder, 1979, P. 378). É nesse plano profundo que opera a Matemática e é nele que se produzirá a capacidade de pensar matematicamente; pois é nele que se constitui a racionalidade humana.

Constatamos, nas respostas dos docentes, importância exacerbada atribuída às imposições do ensino, como memorização de tabuadas e algoritmos, em oposição à flagrante desimportância atribuída à aprendizagem; isto é, em função de quê se aprende e de que modo ela acontece; quase um silêncio sobre ela, isto é, à atividade do sujeito que aprende. Como se os docentes entendessem que todos os humanos aprendem do mesmo modo, em função dos mesmos pressupostos, pelos mesmos motivos e no mesmo ritmo. Uma noção que pouco se diferencia do senso comum. Consideram, coerentes com suas concepções pedagógicas e epistemológicas, que, se o estudante não aprende, ou aprende precariamente, o problema não é da docência, é dele.

Atribui-se a evolução das capacidades lógicas ao ensino, não a construções do sujeito; e a passagem, de conhecimentos mais simples aos mais complexos, à memorização (stricto sensu) de tabuadas ou algoritmos.

Tudo isso fundamentado por epistemologia empirista, sustentada, de forma amplamente inconsciente, por um apriorismo de tipo inatista - estruturas lógicas são provenientes do ensino (empirismo), não de construções do sujeito (Piaget, 1974a, 1977, 1978a, 1978b, 1995; Becker, 2012b). Mas, a capacidade para aprendê-las é tida como inata, e seu desenvolvimento como função do processo de maturação. O ensino, instância do meio social, interviria sobre os resultados desse processo de maturação.

O conhecimento não é predeterminado pela hereditariedade, nem pelas coisas que nos cercam - apoderando-se do entorno, o sujeito acrescente sempre algo de si. Se o conhecimento não nos é dado pela hereditariedade, nem pelo meio, donde vem então a novidade? Penso que de cada etapa sucessiva da auto-regulação. [...] é o processo de auto-regulação que explica a passagem de um nível a um nível mais elevado. Estamos, pois, perante um sistema autorregulador (Piaget, 1973, p. 94).

Uma pedagogia ativa, fundada na epistemologia construtivista, orienta-se pela certeza relativa de que a aprendizagem acontece apenas na medida das construções cognitivas ou construções de estruturas lógicas. As estruturas com as quais se aprende a somar e subtrair não são suficientes para se aprender a multiplicar e dividir; aquelas com as quais se aprende aritmética não são suficientes para se aprender álgebra, cálculo diferencial e integral etc. Por isso, o ensino não deve mirar apenas a aprendizagem stricto sensu, mas a aprendizagem lato sensu; deve ativar o processo de abstração reflexionante do aluno. Por isso, assim pensamos, iniciar com resolução de problemas é mais indicado que iniciar com memorização de algoritmos - por mais importantes que sejam estes; pela resolução de problemas o algoritmo será conquistado pelo aluno, não doado pela docência. Resolvendo problemas, progressivamente complexos, o estudante terá chance de reinventar para si algoritmos que os matemáticos construíram e, posteriormente, cotejá-los com os caminhos construídos por eles. É assim que o estudante toma consciência da qualidade, genialidade e importância do conhecimento matemático, construído nesses últimos 2.500 anos, sem que o professor tenha que reiteradamente convencê-lo, mediante discursos laudatórios, da importância desse conhecimento. Aprendendo assim, o estudante memorizará a matemática que construiu “como se aprende uma canção”; e, mais importante, conquistará a capacidade de pensar matematicamente o mundo.

Não poucos docentes, mesmo sem formação pedagógica específica, intuem caminhos próprios para melhorar seu ensino e possibilitar aprendizagens mais produtivas; ou revelam que, às vezes, sentem incômodo de seguir caminhos consagrados pelo ensino de Matemática, mas sentem-se limitados pois não dispõem de teoria capaz de arguir as práticas consagradas, criando ou inventando caminhos novos.

Se, por um lado, as concepções epistemológicas dos professores entrevistados coincidem com as encontradas no Brasil, por outro lado, a impressão - por enquanto, só impressão - de que a consciência dos problemas, vivenciados no ensino de Matemática, manifestada pelos entrevistados, é mais viva do que as encontradas no Brasil; e, pelo menos por alguns, mais bem exteriorizada em ensaios de críticas às práticas existentes e de busca de práticas inovadoras na direção de uma pedagogia interacionista construtivista. Infelizmente, para a maioria sem acesso aos recursos teóricos necessários para viabilizar, de forma consistente e duradoura, tais ensaios.

Todas as minhas afirmações de hoje representam a criança e o sujeito da aprendizagem como ativos. Uma operação é uma atividade. A aprendizagem é possível apenas quando há uma assimilação ativa. É essa atividade de parte do sujeito que me parece omitida no esquema estímulo-resposta. A formulação que proponho coloca ênfase na ideia de autorregulação, na assimilação. Toda ênfase é colocada na atividade do próprio sujeito, e penso que sem essa atividade não há possível didática ou pedagogia que transforme significativamente o sujeito. (Piaget & Inhelder, 1979, p. 7)

Entre as limitações da pesquisa salientam-se as condições em que ocorreu a maior parte das entrevistas: horários prensados entre aulas, o que dificultou desdobrar as perguntas iniciais em tantas outras, quantas necessárias para que o entrevistado melhor esclarecesse suas convicções; algumas entrevistas feitas em ambientes um tanto ruidosos, o que dificultou o entendimento de algumas passagens das gravações. O ideal é que se agendem entrevistas em local neutro e com tempo disponível para levá-la a bom termo.

Quanto à interpretação dos dados, as dificuldades enfrentadas dizem respeito à complexidade do processo analítico, pois as perguntas levam os professores a falar o que pensam sobre questões pedagógicas e didáticas; não diretamente sobre questões epistemológicas. O desafio consiste em retirar de suas falas suas concepções epistemológicas, não sem antes criar categorias de análise e organizar as numerosas informações, fornecidas pelos docentes, de acordo com essas categorias. Talvez o uso de algum aplicativo, como NVivo por exemplo, possa ajudar no tratamento da grande quantidade de informações, mais ou menos dispersas, que uma pesquisa como esta busca organizar.

Na referida pesquisa brasileira foram feitas entrevistas com alunos dos professores entrevistados. As respostas desses alunos trouxeram notáveis contribuições para compreender os fundamentos epistemológicos da atividade docente. Pensamos, por isso, que, em próximas pesquisas, deva-se incluir tais entrevistas.

Finalmente, agradecemos a generosidade dos docentes entrevistados que anuíram ao nosso convite para responder a tantas perguntas, muitas delas desafiadoras e até incômodas. As críticas traçadas nesta análise não são dirigidas a eles, mas ao sistema de ensino de Matemática que continua a ser vítima de epistemologias do senso comum, empiristas ou aprioristas, e da ausência do exercício da crítica epistemológica nos cursos de formação docente.

Referências

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1Piaget fala em interiorização das ações. As ações, coordenadas entre si no mundo endógeno, constituem a matéria prima do mecanismo da abstração reflexionante. Vygotski, por sua vez, fala em internalização. Ele acredita que um fenômeno psicológico é antes de tudo social; que a formação do sujeito consiste em internalizar fenômenos sociais, tais como a linguagem, os conhecimentos matemáticos. Essa é uma discordância epistemológica considerável entre esses dois autores. Assume-se, no texto, a posição piagetiana. (BECKER, 2019, nota de rodapé 2)

2“A primeira maneira é fazer exercícios, a segunda maneira, melhor ainda, seria fazer bastante exercícios, bem mais e a terceira maneira que seria bem melhor ainda, se matar de fazer exercícios, fazer muito exercício, até se estrebuchar no chão. Então é por aí, tentar resolver problemas, mas não resolver os problemas sem os conceitos, atacar os problemas que são apropriados naquele estágio. E nesse ponto eu acho produtivo ensinar certos algoritmos [que] só vai ter valor quando passar para o raciocínio dele, quando ele começar a entender por que ele está fazendo aquilo.” (BECKER, 2012a, p. 309)

Recebido: 30 de Janeiro de 2023; Aceito: 13 de Maio de 2023

Autor correspondente: * fbeckerufrgs@gmail.com

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