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Revista Medica Herediana

versión impresa ISSN 1018-130Xversión On-line ISSN 1729-214X

Rev Med Hered vol.32 no.2 Lima abr./jun. 2021

http://dx.doi.org/10.20453/rmh.v32i2.3981 

Investigación Original

Epidemiologia da violência contra adolescentes no Brasil: Análise de dados do sistema de vigilância de violência e acidentes*

Epidemiology of violence against adolescents in Brazil: Data analysis of the violence and accident surveillance system*

María Esther Salazar López1  , Enfermeira, Doutora em Ciências da Saúde

Graciele Linch1  , Enfermeira, Doutora em Enfermagem

Adriana Aparecida Paz1  , Enfermeira, Doutora em Enfermagem

Lupe Vidal Valenzuela2  , Médica

Daniela Centenaro Levandowski1  , Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento, Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq

Helena Maria Tannhauser Barros1  , Médica, Doutora em Neuropsicofarmacologia, Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq

1 Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

2 Universidad Peruana Cayetano Heredia. Lima, Perú

RESUMO

Objetivo

: Descrever as características da violência contra adolescentes notificados a partir do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes/VIVA, no Brasil.

Material e métodos

: Estudo descritivo, com dados do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes/VIVA, Brasil, no período de 2009 a 2016. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, raça, local de ocorrência, vinculo do agressor com a vítima e suspeita de uso de álcool nos casos de violência física, psicológica/moral e sexual. Utilizou-se estatística descritiva e o teste de tendência de proporções no STATA.

Resultados

: A taxa de prevalência da violência física na faixa de 15-19 anos alcançou 104,4 por 100 000 casos, e a prevalência da violência sexual na faixa de 10-14 anos foi de 38,5 por 100 000 casos. A violência sexual alcançou nas meninas a prevalência de 52,0 por 100 000 casos, enquanto que, nos meninos, de 4,5 por 100 000 casos. Houve tendência crescente significativa de violência física na faixa de 15-19, e de violência sexual na faixa de 10-14 anos. Ambos tipos de violência atingiram as raças parda e indígena, acontecendo na residência da vítima, sendo o agressor o namorado. No caso de violência sexual, cresceu a suspeita de uso de álcool pelo agressor. A variação percentual na violência física e psicológica aumentou em mais de 400%.

Conclusões:

Houve aumento de todos os tipos de violência nestes oito anos. Foram mais frequentes as notificações de violência física e sexual, atingindo principalmente as meninas, na residência, sendo o amigo/conhecido ou namorado da vítima os principais agressores.

PALAVRAS-CHAVE: Maus-tratos infantis; Monitoramento epidemiológico; Notificação de abuso; sistemas de informação em saúde; exposição à violência; causas externas

SUMMARY

Objective:

To describe the characteristics of violence against adolescents in Brazil reported from the Violence and Accident Surveillance System (VIVA).

Methods:

A descriptive study, based on data from the VIVA, Brazil, from 2009 to 2016. The variables analyzed were age, gender, race, place of occurrence, bond between the aggressor and the victim, and suspected of alcohol use in cases of physical, psychological/moral and sexual violence. Descriptive statistics and tends proportion test with STATA were used.

Results

: The prevalence rate of physical violence in the 15-19 years age bracket reached 104.4 per 100,000 cases, and the prevalence of sexual violence in the 10-14 years age bracket was 38.5 per 100,000 cases. Sexual violence reached 52.0 per 100,000 cases in girls, compared to 4.5 per 100,000 in boys. There was a significant upward trend in physical violence in the 15-19 years age bracket, and in sexual violence in the 10-14 years age bracket. Both types of violence affecting more frequently brown and indigenous races, and happening at the victim’s home, with the perpetrator being the adolescent’s boyfriend. In cases of sexual violence, the suspicion of alcohol use by the aggressor has grown. The percentage change in physical and psychological violence increased by more than 400%.

Conclusions

: Regardless of the type of violence, there was an increase in the eight years. Notifications of physical and sexual violence were more frequent, affecting mainly girls, in their residence, being a friend/acquaintance or boyfriend of the victim the main aggressors.

KEYWORDS: Child abuse; epidemiological monitoring; mandatory reporting; health information systems; exposure to violence; external causes

INTRODUÇÃO

A violência contra os adolescentes é uma das formas mais visíveis de violência na sociedade, considerada como um relevante problema de saúde pública 1,2,3,4, que depende de fatores individuais, da família e comunidade 2,4, estando profundamente enraizada nas práticas culturais, econômicas e sociais 2,4,5,6,7. O Ministério da Saúde (MS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhecem crianças e adolescentes como mais vulneráveis à violência, que pode se manifestar sob as formas física (VF), sexual (VS) e psicológica (VP), cometida pelos pais ou pessoas próximas, no contexto de uma relação de confiança 2,4,8,9,10,11,12.

Pesquisas tem mostrado a idade como um fator de risco para o aumento da vulnerabilidade à VF ou VS, apresentando variações conforme o país. Estimativas indicam que 22,6% dos adultos em todo o mundo sofreram abusos físicos na infância e 36,3% sofreram abuso emocional 9, enquanto que as taxas de abuso sexual tendem a crescer após o início da puberdade 4,9. O sexo da vítima é outra variável que aumenta a vulnerabilidade para a violência. Conforme o Mapa da Violência 2012 contra Crianças e Adolescentes, elaborado a partir dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Brasil, mais da metade dos casos notificados (60,3%) tem as meninas como vítimas. A VF é a mais frequente, representando 40,5% dos casos atendidos, estando a vítima, em 77% desses casos, na faixa de 10 a 19 anos 13. Já os agressores variam de acordo com a idade e a maturidade da vítima, podendo ser os pais, padrastos e madrastas, irmãos, outros familiares e cuidadores 4,10,14, algumas vezes justificando o uso de violência como uma medida disciplinar 4,6,14.

A vigilância epidemiológica da violência é uma estratégia útil para dar visibilidade aos casos notificados, caracterizar o perfil da vítima e as circunstâncias da agressão, contribuindo, assim, para a formulação de políticas públicas e a implementação de medidas preventivas. Com a finalidade de dimensionar a magnitude do problema no país e avaliar tendências históricas, buscou-se descrever as características da violência contra adolescentes a partir das notificações do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes, no Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo epidemiológico descritivo, baseado em dados secundários do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes (VIVA) do Brasil, registrados no SINAN, compreendendo as notificações de violência contra adolescentes entre 10 e 19 anos entre 2009 a 2016 no Brasil. O VIVA foi implantado pelo MS em 2006, com a finalidade de viabilizar dados e divulgar informações. Esse sistema foi estruturado em dois componentes: o primeiro relacionado à vigilância contínua de violência doméstica, sexual e outros tipos de violências interpessoais e autoprovocadas; e o segundo relacionado à vigilância sentinela de violências e acidentes em emergências hospitalares. A partir de 2009, o componente de vigilância contínua do VIVA foi incorporado ao SINAN.

Nosso estudo baseou-se na definição de adolescente utilizada pela OMS e pelo MS 9,13,15. Foram incluídos todos os casos notificados de violência contra adolescente de 10-19 anos de idade. As variáveis estudadas foram: a) características demográficas da vítima: idade, sexo, raça/cor, b) dados da ocorrência da violência: local (residência, habitação coletiva, escola, local de prática esportiva, bar ou similar, via pública, comércio/serviços, indústrias/ construção e outros), c) características do agressor: vínculo/grau de parentesco com a vítima (pai, mãe, padrasto, madrasta, cônjuge, namorado, amigo/conhecido), suspeita de uso de álcool; d) tipo de violência: física, psicológica/moral e sexual. Os parâmetros considerados para cada variável foram notificação anual segundo frequência absoluta, conforme instruções para “Ficha de notificação de violência interpessoal e autoprovocada”, elaborada pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), MS, 2016 16. A seleção das variáveis foi realizada no sistema de informação disponível 17, nenhuma variável foi excluída.

Os dados foram salvos em formato tipo *CSV, e armazenados em MS Excel 2010. Fizeram-se tabelas de contingência, obtendo-se frequências absolutas e porcentuais. As estimativas de taxas e tendências foram realizadas com a projeção da população do Brasil por sexo e grupo de idade para o período em estudo, conforme 18. A tendência crescente ou decrescente da violência foi estimada com o teste de tendência de proporções. Utilizou-se o pacote estatístico STATA v.13 para a realização das análises, considerando-se p <0,05 como estatisticamente significativo para todas as variáveis. Por se tratar de um banco de dados governamentais de domínio público, não foi necessária a apreciação e a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa para a realização deste estudo.

RESULTADOS

Entre 2009 e 2016 foram notificados, no Brasil, 204 989 casos de VF, 75 058 de VP, e 77 760 casos de VS perpetrados contra adolescentes de 10 a 19 anos, de ambos os sexos. A prevalência de período calculada foi de 74,60 casos por 100 000 para VF; 27,31 casos por 100 000 para VP e, 28,30 casos por 100 000 para VS.

Observa-se diferenças nas características sociodemográficas das vítimas e dos agressores conforme o tipo de violência notificado. Para todos os tipos, as ocorrências foram mais frequentes entre vítimas do sexo feminino (57,4% VF, 77,4% VP e 92,1% VS). Na faixa etária de 10 a 14 anos, a VS foi duas vezes mais frequente que a VF ou VP. Em relação à raça/cor, adolescentes das raças branca e parda foram as mais atingidas. Ainda, em torno de

50% dos casos de violência notificados ocorreram na residência/habitação coletiva das vítimas, seguidos de casos ocorridos na via pública (em média 20,1%). O mais frequente perpetrador foi um amigo/conhecido da vítima (quase 50% dos casos) para todos os tipos de violência. Houve suspeita de uso de álcool pelos agressores durante a ocorrência da violência, em média, em 34% dos casos notificados (tabelas 1, 2 e 3).

Tabela 1. Características sociodemográficas das adolescentes vítimas de violência física e dos agressores no Brasil. Período 2009-2016 

Características na violência física 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Total p**
Faixa Etária N % N % N % N % N % N % N % N % N %  
De 10-14 2279 35.40% 4117 35.60% 6136 32.60% 8575 31.10% 9669 30.20% 10215 29.50% 10140 28.20% 10741 28.20% 61872 30.20% 0.01-
De 15-19 4164 64.60% 7437 64.40% 12668 67.40% 18992 68.90% 22368 69.80% 24426 70.50% 25755 71.80% 27307 71.80% 143117 69.80% 0.01+
Sexo 0 0
Feminino 3664 56.90% 6686 57.90% 10849 57.70% 15414 55.90% 18513 57.80% 19975 57.70% 20702 57.70% 22417 58.90% 118220 57.70% 0.41
Masculino 2777 43.10% 4867 42.10% 7955 42.30% 12150 44.10% 13523 42.20% 14663 42.30% 15192 42.30% 15631 41.10% 86758 42.30% 0.41
Em branco/ignorado 2 0.00% 1 0.00% - 3 0.00% 1 0.00% 3 0.00% 1 0.00% 11
Raça/Cor
Branca 2033 31.60% 4102 35.50% 6848 36.40% 10115 36.70% 11550 36.10% 12153 35.10% 12379 34.50% 13274 34.90% 72454 35.30% 0.71
Parda 1886 29.30% 3347 29.00% 5861 31.20% 9224 33.50% 11433 35.70% 13140 37.90% 14231 39.60% 15496 40.70% 74618 36.40% 0.01+
Preta 420 6.50% 837 7.20% 1374 7.30% 2104 7.60% 2602 8.10% 2599 7.50% 2898 8.10% 2948 7.70% 15782 7.70% 0.04
Amarela 36 0.60% 130 1.10% 129 0.70% 161 0.60% 220 0.70% 191 0.60% 188 0.50% 256 0.70% 1311 0.60% 0.35
Indigena 32 0.50% 64 0.60% 97 0.50% 160 0.60% 356 1.10% 400 1.20% 426 1.20% 448 1.20% 1983 1.00% 0.01+
Ignorado/Branco 2036 31.60% 3074 26.60% 4495 23.90% 5803 21.10% 5876 18.30% 6158 17.80% 5773 16.10% 5626 14.80% 38841 18.90% 0.01-
Local de ocorrência
Residência / Habitação Coletiva 2304 35.80% 4509 39.00% 7560 40.20% 10797 39.20% 12905 40.30% 14300 41.30% 15495 43.20% 16874 44.30% 84744 41.30% 0.01+
Escola / Local de prática esportiva 336 5.20% 660 5.70% 1177 6.30% 1785 6.50% 2185 6.80% 2175 6.30% 2138 6.00% 2278 6.00% 12734 6.20% 0.34
Bar ou Similar /Comércio/Serviços 173 2.70% 429 3.70% 717 3.80% 975 3.50% 1153 3.60% 1214 3.50% 1177 3.30% 1204 3.20% 7042 3.40% 0.45
Via pública 1435 22.30% 2887 25.00% 4750 25.30% 7807 28.30% 8963 28.00% 9908 28.60% 10209 28.40% 10415 27.40% 56374 27.50% 0.06
Indústrias/construção / outros* 391 6.10% 614 5.30% 940 5.00% 1294 4.70% 1544 4.80% 1707 4.90% 1736 4.80% 1847 4.90% 10073 4.90% 0.11
Em branco/ignorado 1804 28.00% 2455 21.20% 3660 19.50% 4909 17.80% 5287 16.50% 5337 15.40% 5140 14.30% 5430 14.30% 34022 16.60% 0.01-
Total 6443 100.00% 11554 100.00% 18804 100.00% 27567 100.00% 32037 100.00% 34641 100.00% 35895 100.00% 38048 100.00% 204989 100.00%  
                     
Vínculo do agressor com a vítima                                  
Pai 455 18.00% 804 15.90% 1285 15.10% 2011 16.10% 2123 14.40% 2322 14.40% 2503 14.90% 2708 15.40% 14211 15.20% 0.12
Mãe 319 12.60% 624 12.30% 1013 11.90% 1596 12.80% 1778 12.10% 2049 12.70% 2253 13.40% 2342 13.30% 11974 12.80% 0.09
Padrastro 256 10.10% 421 8.30% 689 8.10% 886 7.10% 1049 7.10% 1155 7.20% 1123 6.70% 1330 7.60% 6909 7.40% 0.08
Madrastra 44 1.70% 47 0.90% 86 1.00% 113 0.90% 164 1.10% 146 0.90% 112 0.70% 182 1.00% 894 1.00% 0.35
Cônjuge 261 10.30% 570 11.30% 1026 12.00% 1589 12.70% 2036 13.80% 2159 13.40% 2317 13.80% 2324 13.20% 12282 13.10% 0.04
Namorado(a) 149 5.90% 321 6.40% 537 6.30% 820 6.60% 1000 6.80% 1237 7.70% 1264 7.50% 1365 7.80% 6693 7.10% 0.01+
Amigos/Conhecido 1042 41.30% 2266 44.80% 3902 45.70% 5490 43.90% 6560 44.60% 7035 43.70% 7188 42.90% 7335 41.70% 40818 43.50% 0.45
Total 2526 100.00% 5053 100.00% 8538 100.00% 12505 100.00% 14710 100.00% 16103 100.00% 16759.71 100.00% 17586 100.00% 93781 100.00%  
Suspeita uso de álcool                      
Sim 1180 38.40% 2330 37.50% 3949 36.70% 5510 35.40% 6291 34.30% 6872 33.40% 6916 31.70% 7344 31.00% 40392 33.60% 0.01-
Não 1891 61.60% 3891 62.50% 6811 63.30% 10066 64.60% 12047 65.70% 13718 66.60% 14918 68.30% 16309 69.00% 79651 66.40% 0.01+
Total 3071 100.00% 6221 100.00% 10760 100.00% 15576 100.00% 18338 100.00% 20590 100.00% 21834 100.00% 23653 100.00% 120043 100.00%  

*Outros, qualquer outro local não contemplado nas categorias anteriormente citadas.

** Valor de p do teste de tendência de proporções

(+) Tendência crescente

(-) Tendência decrescente

Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.

Tabela 2. Características sociodemográficas dos adolescentes vítimas de violência psicológica/moral e dos agressores no Brasil. Período 2009-2016. 

Características na violência psicológica/moral 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Total p**
Faixa Etária N % N % N % N % N % N % N % N % N %
De 10-14 1420 55.1% 2495 54.4% 3621 50.5% 4703 47.6% 5441 46.6% 5465 43.9% 5499 41.4% 5761 42.8% 34405 45.8% 0.01-
De 15-19 1156 44.9% 2093 45.6% 3547 49.5% 5177 52.4% 6225 53.4% 6973 56.1% 7768 58.6% 7714 57.2% 40653 54.2% 0.01+
Sexo
Feminino 2094 81.3% 3629 79.1% 5513 76.9% 7644 77.4% 9133 78.3% 9595 77.1% 10073 75.9% 10384 77.1% 58065 77.4% 0.07
Masculino 481 18.7% 958 20.9% 1655 23.1% 2236 22.6% 2533 21.7% 2842 22.8% 3193 24.1% 3091 22.9% 16989 22.6% 0.07
Em branco/ignorado 1 0.0% 1 0.0% 0 0.0% 0 0.0% 1 0.0% 1 0.0% 0 4 0.0%
Raça/Cor
Branca 1019 39.6% 1831 39.9% 3076 42.9% 4257 43.1% 4794 41.1% 4959 39.9% 5257 39.6% 5233 38.8% 30426 40.5% 0.38
Parda 984 38.2% 1683 36.7% 2562 35.7% 3591 36.3% 4444 38.1% 4822 38.8% 5456 41.1% 5475 40.6% 29017 38.7% 0.08
Preta 227 8.8% 387 8.4% 612 8.5% 918 9.3% 979 8.4% 963 7.7% 1097 8.3% 1201 8.9% 6384 8.5% 0.51
Amarela 21 0.8% 32 0.7% 57 0.8% 67 0.7% 93 0.8% 86 0.7% 77 0.6% 108 0.8% 541 0.7% 0.45
Indigena 15 0.6% 23 0.5% 38 0.5% 49 0.5% 95 0.8% 135 1.1% 151 1.1% 168 1.2% 674 0.9% 0.04+
Ignorado/Branco 310 12.0% 632 13.8% 823 11.5% 998 10.1% 1261 10.8% 1473 11.8% 1229 9.3% 1290 9.6% 8016 10.7% 0.04-
Local de ocorrência
Residência/Habitação Coletiva 1519 59.0% 2772 60.4% 4266 59.5% 5886 59.6% 7026 60.2% 7354 59.1% 7911 59.6% 8375 62.2% 45109 60.1% 0.23
Escola / Local de prática esportiva 105 4.08% 197 4.29% 422 5.89% 624 6.32% 719 6.16% 682 5.48% 684 5.16% 711 5.28% 4144 5.5% 0.49
Bar ou Similar /Comércio/Serviços 66 2.56% 113 2.46% 212 2.96% 287 2.90% 321 2.75% 299 2.40% 340 2.56% 318 2.36% 1956 2.6% 0.35
Via pública 461 17.9% 845 18.42% 1307 18.2% 1791 18.1% 2129 18.2% 2295 18.5% 2500 18.8% 2344 17.4% 13672 18.2% 0.66
Indústrias/construção / outros* 290 11.3% 380 8.28% 537 7.5% 760 7.7% 817 7.0% 833 6.7% 888 6.7% 852 6.3% 5357 7.1% 0.01-
Em branco/ignorado 135 5.24% 281 6.12% 424 5.9% 532 5.4% 654 5.6% 975 7.8% 944 7.1% 875 6.5% 4820 6.4% 0.07
Total 2576 100.0% 4588 100.0% 7168 100.0% 9880 100.0% 11666 100.0% 12438 100.0% 13267 100.0% 13475 100.0% 75058 100.0%  
Vínculo do agressor com a vítima                                      
Pai 380 22.7% 640 21.0% 925 19.4% 1278 19.4% 1434 18.6% 1491 18.7% 1553 18.3% 1820 19.6% 9521 19.2% 0.10
Mãe 240 14.3% 480 15.7% 707 14.9% 1048 15.9% 1180 15.3% 1241 15.6% 1280 15.1% 1578 17.0% 7754 15.7% 0.21
Padrastro 266 15.9% 419 13.7% 632 13.3% 826 12.5% 983 12.7% 979 12.3% 934 11.0% 1075 11.6% 6114 12.3% 0.01-
Madrastra 28 1.7% 34 1.1% 54 1.1% 65 1.0% 98 1.3% 99 1.2% 72 0.8% 124 1.3% 574 1.2% 0.75
Cônjuge 125 7.5% 231 7.6% 475 10.0% 687 10.4% 918 11.9% 954 12.0% 1094 12.9% 1143 12.3% 5627 11.4% 0.01+
Namorado(a) 76 4.5% 181 5.9% 285 6.0% 401 6.1% 523 6.8% 587 7.4% 642 7.6% 620 6.7% 3315 6.7% 0.02+
Amigos/Conhecido 561 33.5% 1066 34.9% 1680 35.3% 2299 34.8% 2576 33.4% 2608 32.8% 2919 34.4% 2903 31.3% 16612 33.6% 0.10
Total 1676 100.0% 3051 100.0% 4758 100.0% 6604 100.0% 7712 100.0% 7959 100.0% 8494 100.0% 9263 100.0% 49517 100.0%
Suspeita uso de álcool
Sim 653 37.6% 1228 41.7% 1969 40.7% 2510 37.2% 2923 36.4% 3005 35.2% 3138 33.6% 3207 32.5% 18633 35.8% 0.01+
Não 1082 62.4% 1716 58.3% 2867 59.3% 4242 62.8% 5100 63.6% 5532 64.8% 6192 66.4% 6647 67.5% 33378 64.2% 0.01+
Total 1735 100.0% 2944 100.0% 4836 100.0% 6752 100.0% 8023 100.0% 8537 100.0% 9330 100.0% 9854 100.0% 52011 100.0%  

*Outros, qualquer outro local não contemplado nas categorias anteriormente citadas. ** Valor de p do teste de tendência de proporções

(+) Tendência crescente; (-) Tendência decrescente

Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.

Tabela 3 Características sociodemográficas dos adolescentes vítimas de violência sexual e dos agressores no Brasil. Período 2009-2016 

Características na violência sexual 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Total p**
Faixa Etária N % N % N % N % N % N % N % N % N %  
De 10-14 2271 64.70% 3739 68.30% 5201 67.50% 6750 68.60% 8385 69.30% 8837 68.10% 8452 68.10% 9346 68.10% 52981 68.10% 0.61
De 15-19 1240 35.30% 1734 31.70% 2501 32.50% 3096 31.40% 3721 30.70% 4144 31.90% 3955 31.90% 4388 31.90% 24779 31.90% 0.61
Sexo
Feminino 3197 91.10% 4945 90.40% 7004 90.90% 9037 91.80% 11178 92.30% 12011 92.50% 11466 92.40% 12750 92.80% 71588 92.10% 0.02+
Masculino 314 8.90% 527 9.60% 696 9.00% 809 8.20% 928 7.70% 968 7.50% 941 7.60% 984 7.20% 6167 7.90% 0.02-
Em branco/ignorado - 0.00% 1 0.00% 2 0.00% - 0.00% - 0.00% 2 0.00% - 0.00% - 5 0.00%
Raça/Cor
Branca 1387 39.50% 2060 37.60% 2738 35.50% 3499 35.50% 4008 33.10% 3906 30.10% 3855 31.10% 4279 31.20% 25732 33.10% 0.02-
Parda 1347 38.40% 2181 39.90% 3306 42.90% 4268 43.30% 5453 45.00% 6268 48.30% 5986 48.20% 6737 49.10% 35546 45.70% 0.01+
Preta 313 8.90% 452 8.30% 697 9.00% 935 9.50% 1045 8.60% 1129 8.70% 1047 8.40% 1137 8.30% 6755 8.70% 0.38
Amarela 32 0.90% 30 0.50% 70 0.90% 61 0.60% 91 0.80% 86 0.70% 75 0.60% 106 0.80% 551 0.70% 0.61
Indigena 15 0.40% 37 0.70% 48 0.60% 80 0.80% 129 1.10% 143 1.10% 139 1.10% 188 1.40% 779 1.00% 0.01+
Ignorado/Branco 417 11.90% 713 13.00% 843 10.90% 1003 10.20% 1380 11.40% 1449 11.20% 1305 10.50% 1287 9.40% 8397 10.80% 0.06
Local de ocorrência
Residência / Habitação Coletiva 1787 50.90% 2979 54.40% 4454 57.80% 5795 58.90% 6963 57.50% 7710 59.40% 7262 58.50% 8311 60.50% 45261 58.20% 0.03+
Escola / Local de prática esportiva 85 2.40% 132 2.40% 142 1.80% 206 2.10% 245 2.00% 255 2.00% 233 1.90% 247 1.80% 1545 2.00% 0.04-
Bar ou Similar /Comércio/Serviços 77 2.20% 118 2.20% 168 2.20% 215 2.20% 290 2.40% 268 2.10% 248 2.00% 317 2.30% 1701 2.20% 0.85
Via pública 641 18.30% 970 17.70% 1146 14.90% 1438 14.60% 1776 14.70% 1819 14.00% 1785 14.40% 1768 12.90% 11343 14.60% 0.01-
Indústrias/construção / outros* 555 15.80% 699 12.80% 1011 13.10% 1255 12.70% 1442 11.90% 1439 11.10% 1371 11.10% 1484 10.80% 9256 11.90% 0.01-
Em branco/ignorado 366 10.40% 575 10.50% 781 10.10% 937 9.50% 1390 11.50% 1490 11.50% 1508 12.20% 1607 11.70% 8654 11.10% 0.05
Total 3511 100.00% 5473 100.00% 7702 100.00% 9846 100.00% 12106 100.00% 12981 100.00% 12407 100.00% 13734 100.00% 77760 100.00%  
                                 
Vínculo do agressor com a vítima                                    
Pai 237 12.60% 406 13% 565 12% 732 12.10% 852 11.30% 1095 12.60% 837 10.90% 1005 11.50% 5729 11.90% 0.1
Mãe 53 2.80% 93 3% 148 3% 200 3.30% 283 3.70% 478 5.50% 304 3.90% 293 3.40% 1852 3.80% 0.03+
Padrastro 404 21.50% 572 19% 768 17% 1064 17.60% 1201 15.90% 1311 15.10% 1170 15.20% 1364 15.60% 7854 16.30% 0.2
Madrastra 8 0.40% 8 0% 16 0% 13 0.20% 10 0.10% 21 0.20% 13.57143 0.20% 19 0.20% 109 0.20% 0.08
Cônjuge 21 1.10% 35 1% 117 3% 158 2.60% 318 4.20% 628 7.20% 410 5.30% 530 6.10% 2217 4.60% 0.01+
Namorado(a) 204 10.80% 361 12% 766 17% 997 16.50% 1436 19.00% 1642 18.90% 1544 20.00% 1733 19.80% 8683 18.00% 0.01+
Amigos/Conhecido 955 50.70% 1574 52% 2175 48% 2876 47.60% 3457 45.70% 3493 40.30% 3429 44.50% 3790 43.40% 21749 45.10% 0.02-
Total 1882 100.00% 3049 100% 4555 100% 6040 100.00% 7557 100.00% 8668 100.00% 7707.571 100.00% 8734 100.00% 48193 100.00%
Suspeita uso de álcool
Sim 757 35.00% 1213 38% 1708 36% 1988 32.60% 2297 31.30% 2369 28.90% 2193 27.70% 2557 28.70% 15082 31.10% 0.02+
Não 1404 65.00% 2001 62% 3030 64% 4116 67.40% 5033 68.70% 5818 71.10% 5717 72.30% 6354 71.30% 33473 68.90% 0.02-
Total 2161 100.00% 3214 100% 4738 100% 6104 100.00% 7330 100.00% 8187 100.00% 7910 100.00% 8911 100.00% 48555 100.00%  

*Outros, qualquer outro local não contemplado nas categorias anteriormente citadas.

** Valor de p do teste de tendência de proporções

(+) Tendência crescente

(-) Tendência decrescente

Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.

A análise das proporções das notificações de VF mostra uma tendência crescente estatisticamente significativa na faixa etária de 15 a 19 anos, raça/cor parda e indígena, ocorrência na residência/habitação coletiva, agressão pelo namorado e não suspeita de uso de álcool (tabela 1). Na VP, também houve uma tendência crescente significativa na faixa etária de 15 a 19 anos, raça/cor indígena, namorado ou cônjuge como agressores, e não suspeita de uso de álcool (tabela 2). Quanto à VS, ser menina, raça/cor parda e indígena e ocorrência da violência na residência/ habitação coletiva apresentaram uma tendência crescente no período. Dentre as características do agressor, ser namorado ou cônjuge e suspeita de uso de álcool também apresentaram tendência crescente (tabela 3).

No gráfico 1, nota-se o incremento na tendência da violência nos casos notificados segundo a idade das vítimas. A VF é mais que o dobro frequente na faixa etária de 15 a 19 anos, quando comparada com a faixa de 10 a 14 anos. Em oito anos, a VF passou de 24,21 casos por 100 000 para 159,07 casos por 100 000 adolescentes, com tendência crescente. Por sua vez, a VS, na faixa de 15 a 19 anos, mostrou um comportamento mais linear, enquanto que, na faixa de 10 a 14 anos, apresentou aumento da prevalência de 13,20 casos por 100 000 para 56,06 casos por 100 000 adolescentes (gráfico 1 (A/B)).

Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração

Gráfico 1.  A/B. Tendência dos casos notificados de violência contra adolescentes, segundo o tipo de violência e faixa etária no Brasil. Período 2009-2016.  

A análise segundo o sexo dos adolescentes mostrou uma elevada e crescente taxa de prevalência da VF, independentemente do sexo do adolescente. Contudo, entre as meninas houve uma taxa de crescimento anual perto de 10 casos por cada 100 000, muito maior em comparação aos meninos. A prevalência da VS também cresceu de forma constante, principalmente entre as meninas, em comparação com os meninos. Nestes, tanto a VS como a VP mostram linearidade nos últimos cinco anos (gráfico 1 (C/D)).

Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.

Gráfico 2 .  C/D. Tendência dos casos notificados de violência contra adolescentes, segundo o tipo de violência e sexo no Brasil. Período 2009-2016.  

Constatou-se que, independentemente do tipo de violência, houve aumento das notificações nos oito anos analisados; entre os anos 2009 e 2016 no Brasil, enquanto a VF aumentou 490,5%, a VP teve um incremento de 423,1%, e a VS, de 291,2%.

DISCUSSÃO

Os resultados mostram uma tendência progressiva de aumento dos casos notificados de violência contra adolescentes ao longo de oito anos (2009-2016) no Brasil. A prevalência da VF foi maior que a descrita na Índia (36%), Egito (26%) e Filipinas (37%) 19, e superou as prevalências encontradas em outros estudos brasileiros 5,11. Estes achados concordam com a literatura, que destaca as meninas entre 15 a 19 anos como as mais atingidas pela violência 9,10,12,13, especialmente a VF 1,20. Destacou- se uma tendência crescente das notificações para a VF, independentemente da idade e sexo da vítima. Provavelmente esses casos envolvam maior agressividade, colocando os adolescentes em risco de vida ou provocando lesões mais visíveis ou graves, que exigem atendimento de saúde, já que a procura pelos serviços de urgência depende da gravidade das lesões 2,4,9. No entanto, em programas de proteção a crianças menores de 9 anos, a VF é maior nos meninos 5,21,22, complementando achados do presente estudo.

Análise de atendimentos de adolescentes de 15 a 19 anos em unidades de urgência indicou que 90,9% das agressões físicas tiveram meninos como vítimas 15. Segundo a UNICEF, os meninos experimentam VF cometida por amigos, professores e outros perpetradores desde que completam 15 anos de idade 4. É possível que os nossos achados estejam apontando para uma tendência atual de maior cuidado na proteção das meninas e para uma cultura de maior tolerância à agressividade masculina.

A VP mostrou crescente tendência entre as meninas de 15 a 19 anos, replicando alguns estudos 7,19,23 e contrariando outras investigações que encontraram maior proporção de VP entre meninos 10. Observou- se baixa proporção de registros de VP em comparação aos demais tipos de violência, corroborando outras pesquisas 24, possivelmente por ser considerada uma forma corriqueira de relacionamento familiar 14, o que leva a sua banalização também nos atendimentos em saúde, reduzindo as notificações 5,7,10,25. Estudos mostraram que VP e VF são aplicadas como medida disciplinar. Ainda, que a VP, por ser concomitante a outros tipos de violência 9,24, é menos perceptível para notificação.

Em relação à VS, pesquisas apontam que as meninas correm maior risco, independentemente da idade 1,5,10,21,23,26. Efetivamente, 92% das notificações por VS referiam-se às adolescentes, com maior índice entre 10 a 14 anos. Estudos multipaíses mostraram que pelo menos uma a cada cinco meninas relataram VS nessa faixa etária 4,8,9. Com o início da puberdade, aumenta o risco de abuso e VS entre as meninas 4.

Ao contrário, a VS contra os meninos mostrou tendência decrescente no presente estudo. Construções sociais podem ter relação com os baixos índices de notificação neste grupo. Em Uganda e Moçambique meninos foram menos propensos do que meninas a relatar relações sexuais forçadas 4,9. Sentimentos de vergonha, culpa ou medo de descrença em seus relatos ou de culpabilização podem contribuir para a menor notificação da VS entre meninos, bem como preconceitos sobre a sexualidade masculina 4. No cotidiano, algumas vezes trabalhadores das unidades de saúde também não aceitam as queixas de adolescentes vítimas de VS pelo fato de o agressor ser um outro adolescente mais novo.

Poucos estudos analisaram a relação entre características étnico-raciais e violência. Notou-se tendência ascendente entre a raça parda; somados aos casos da raça negra, atingiram quase a metade das notificações. Resultados similares foram reportados em outras pesquisas, o que indica um padrão étnico da violência 1,12. Por outro lado, a taxa de notificações entre a raça amarela e indígena ainda é baixa. Esses resultados podem ter diferentes explicações, desde a falta de resposta no preenchimento da autodeclaração até dados preenchidos segundo o juízo de quem notificou o caso.

Nossa pesquisa mostrou tendência crescente de violência na residência/habitação coletiva da vítima, seguida da via pública. Pesquisas tem indicado a residência da vítima como principal local de agressão 1,5,12-14,27,28. Culturalmente, as meninas permanecem mais tempo em casa, o que poderia torná-las mais vulneráveis, já que os agressores tendem a ser pessoas próximas. Outros estudos também encontraram a via pública como segundo lugar mais frequente de violência, principalmente contra meninos 12,15, talvez devido às práticas culturais que permitem aos meninos passar mais tempo fora de casa 5.

No que diz respeito ao agressor, em quase metade das notificações a violência foi cometida por um amigo/conhecido da vítima. Poucos estudos indicaram esta categoria como principal agressor 4,5,12,13,23, destacando-se o pai, a mãe ou o padrasto como os principais agressores no ambiente familiar 4,7,15,21,25,28,29. Segundo a UNICEF, meninas também relatam ter sido vitimadas por amigo/conhecido em alguns países da América Central e África 4. Nossa pesquisa mostrou também uma tendência crescente do namorado como agressor, para todos os tipos de violência. Em estudos multipaíses, a prevalência de VS na infância é maior para as meninas e, na maioria dos casos, o agressor é um familiar (não pai ou padrasto) do gênero masculino 4,8,9. Os achados do presente estudo quanto ao principal agressor sugerem a existência de um vínculo de confiança nos casos de violência extrafamiliar 25.

Em relação ao uso de bebidas alcoólicas, poucos estudos incluem essa variável. Não houve suspeita de uso de álcool pelo agressor nos casos de VF, com tendência crescente, ao contrário da VS. Outros autores encontraram resultados similares para crianças 28, independentemente do tipo de violência 5. Nas pesquisas em que as mães relataram estados de embriaguez dos pais, não houve associação entre este consumo e relatos de adolescentes sobre VP 11,14, o que pode indicar que a violência após a ingesta de álcool seja dirigida à mãe da vítima.

As principais limitações do presente estudo referem-se aos dados em branco/ignorados ou ausentes, e aos dados não atualizados no SINAN, o que pode explicar o leve decréscimo da tendência de VP no último ano analisado. A baixa notificação entre adolescentes de raça/cor amarela e indígena pode estar limitando a real dimensão desse problema entre minorias. Considera-se necessário melhorar os registros, a partir do treinamento das equipes de saúde.

Outra limitação foi a subnotificação dos casos, o que depende das percepções dos profissionais em relação à violência, além da tendência cultural de não envolvimento em assuntos familiares 10,30.

Muitos profissionais desconhecem os aspectos legais da notificação e podem ter medo de se envolver em questões dessa ordem ou mesmo de sofrer represálias, caso notifiquem 10,22,30. A aceitação social da violência contra adolescentes também pode explicar a subnotificação 3,9,10. Sugere-se políticas com uma abordagem multidisciplinar, que sensibilizem as equipes para a identificação de violência contra adolescentes.

A definição de variáveis foi outra limitação do estudo. Por exemplo, a categoria “amigo/conhecido” pode obstaculizar a adoção de medidas preventivas, pela dificuldade de identificação desses indivíduos, que podem ser vizinhos, amigos da família ou colegas da escola. Também o termo “cônjuge” 12, pode gerar confusão, por ser considerado juntamente a parceiro amoroso ou namorado 29. É necessário esclarecer essa informação, para diferenciar cônjuge de namorado ou amigo/conhecido da adolescente. Por fim, destaca-se a dificuldade de comparar os resultados deste estudo com os de outros estudos, em virtude de diferentes delineamentos, fontes de informação, instrumentos de avaliação, métodos de análise e faixas etárias consideradas 11,19,24.

Em conclusão, este estudo mostrou incremento na tendência das notificações de violência contra adolescentes brasileiros entre 2009 e 2016. Predominaram casos de VF independentemente da faixa etária e sexo da vítima. Entretanto, notou- se tendência crescente da VF contra adolescentes do sexo feminino, de 15 a 19 anos, raça parda, na residência da vítima, sendo o principal agressor um amigo/conhecido/namorado. A VP mostrou tendência crescente na faixa de 15 a 19 anos, raça indígena, sendo os principais agressores namorado e cônjuge. Já a VS foi proporcionalmente maior na faixa de 10 a 14 anos, com tendência crescente entre meninas de raça parda, na sua residência. Notou-se aumento das agressões por parte do namorado, cônjuge e mãe, bem como suspeita de uso de álcool pelo agressor. Estudos epidemiológicos, que avaliem outros fatores relacionados ao perfil de vítimas e agressores, são necessários para a implementação de políticas públicas orientadas à prevenção da violência contra adolescentes no país.

Agradecimentos

M. E. Salazar-López foi bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Programa de Alianças para a Educação e Capacitação - OEA-GCUB Internacional Peru- Brasil.

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Recebido: 19 de Março de 2020; Aceito: 25 de Março de 2021

Correspondência: María Esther Salazar López Rua Sarmento Leite 245 Sala 604 CEP 90050-170, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Endereço eletrônico: m.esthersalazar@gmail.com / melopez@hcpa.edu.br

Conflito de interesse: Os autores declaram não haver conflito de interesse

Contribuições dos autores: MESL: colaborou na: concepção e delineamento do estudo; coleta de dados; análise e interpretação de dados, escrita e revisão crítica do artigo; aprovação da versão do texto final. GFL y AAP: colaborou na: concepção e delineamento do estudo; análise e interpretação de dados; aprovação da versão do texto final. LYVV, DCL y HMTB: colaborou na: análise e interpretação de dados, escrita e revisão crítica do artigo; aprovação da versão do texto final.

* Este estudo faz parte da Tese de Doutorado em Ciências da Saúde da primeira autora, orientada pela última autora, sendo derivado do projeto “Consequências da morte materna nos órfãos de até 15 anos de idade na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul - Brasil”.

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