INTRODUÇÃO
A violência contra os adolescentes é uma das formas mais visíveis de violência na sociedade, considerada como um relevante problema de saúde pública 1,2,3,4, que depende de fatores individuais, da família e comunidade 2,4, estando profundamente enraizada nas práticas culturais, econômicas e sociais 2,4,5,6,7. O Ministério da Saúde (MS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhecem crianças e adolescentes como mais vulneráveis à violência, que pode se manifestar sob as formas física (VF), sexual (VS) e psicológica (VP), cometida pelos pais ou pessoas próximas, no contexto de uma relação de confiança 2,4,8,9,10,11,12.
Pesquisas tem mostrado a idade como um fator de risco para o aumento da vulnerabilidade à VF ou VS, apresentando variações conforme o país. Estimativas indicam que 22,6% dos adultos em todo o mundo sofreram abusos físicos na infância e 36,3% sofreram abuso emocional 9, enquanto que as taxas de abuso sexual tendem a crescer após o início da puberdade 4,9. O sexo da vítima é outra variável que aumenta a vulnerabilidade para a violência. Conforme o Mapa da Violência 2012 contra Crianças e Adolescentes, elaborado a partir dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Brasil, mais da metade dos casos notificados (60,3%) tem as meninas como vítimas. A VF é a mais frequente, representando 40,5% dos casos atendidos, estando a vítima, em 77% desses casos, na faixa de 10 a 19 anos 13. Já os agressores variam de acordo com a idade e a maturidade da vítima, podendo ser os pais, padrastos e madrastas, irmãos, outros familiares e cuidadores 4,10,14, algumas vezes justificando o uso de violência como uma medida disciplinar 4,6,14.
A vigilância epidemiológica da violência é uma estratégia útil para dar visibilidade aos casos notificados, caracterizar o perfil da vítima e as circunstâncias da agressão, contribuindo, assim, para a formulação de políticas públicas e a implementação de medidas preventivas. Com a finalidade de dimensionar a magnitude do problema no país e avaliar tendências históricas, buscou-se descrever as características da violência contra adolescentes a partir das notificações do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes, no Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo epidemiológico descritivo, baseado em dados secundários do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes (VIVA) do Brasil, registrados no SINAN, compreendendo as notificações de violência contra adolescentes entre 10 e 19 anos entre 2009 a 2016 no Brasil. O VIVA foi implantado pelo MS em 2006, com a finalidade de viabilizar dados e divulgar informações. Esse sistema foi estruturado em dois componentes: o primeiro relacionado à vigilância contínua de violência doméstica, sexual e outros tipos de violências interpessoais e autoprovocadas; e o segundo relacionado à vigilância sentinela de violências e acidentes em emergências hospitalares. A partir de 2009, o componente de vigilância contínua do VIVA foi incorporado ao SINAN.
Nosso estudo baseou-se na definição de adolescente utilizada pela OMS e pelo MS 9,13,15. Foram incluídos todos os casos notificados de violência contra adolescente de 10-19 anos de idade. As variáveis estudadas foram: a) características demográficas da vítima: idade, sexo, raça/cor, b) dados da ocorrência da violência: local (residência, habitação coletiva, escola, local de prática esportiva, bar ou similar, via pública, comércio/serviços, indústrias/ construção e outros), c) características do agressor: vínculo/grau de parentesco com a vítima (pai, mãe, padrasto, madrasta, cônjuge, namorado, amigo/conhecido), suspeita de uso de álcool; d) tipo de violência: física, psicológica/moral e sexual. Os parâmetros considerados para cada variável foram notificação anual segundo frequência absoluta, conforme instruções para “Ficha de notificação de violência interpessoal e autoprovocada”, elaborada pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), MS, 2016 16. A seleção das variáveis foi realizada no sistema de informação disponível 17, nenhuma variável foi excluída.
Os dados foram salvos em formato tipo *CSV, e armazenados em MS Excel 2010. Fizeram-se tabelas de contingência, obtendo-se frequências absolutas e porcentuais. As estimativas de taxas e tendências foram realizadas com a projeção da população do Brasil por sexo e grupo de idade para o período em estudo, conforme 18. A tendência crescente ou decrescente da violência foi estimada com o teste de tendência de proporções. Utilizou-se o pacote estatístico STATA v.13 para a realização das análises, considerando-se p <0,05 como estatisticamente significativo para todas as variáveis. Por se tratar de um banco de dados governamentais de domínio público, não foi necessária a apreciação e a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa para a realização deste estudo.
RESULTADOS
Entre 2009 e 2016 foram notificados, no Brasil, 204 989 casos de VF, 75 058 de VP, e 77 760 casos de VS perpetrados contra adolescentes de 10 a 19 anos, de ambos os sexos. A prevalência de período calculada foi de 74,60 casos por 100 000 para VF; 27,31 casos por 100 000 para VP e, 28,30 casos por 100 000 para VS.
Observa-se diferenças nas características sociodemográficas das vítimas e dos agressores conforme o tipo de violência notificado. Para todos os tipos, as ocorrências foram mais frequentes entre vítimas do sexo feminino (57,4% VF, 77,4% VP e 92,1% VS). Na faixa etária de 10 a 14 anos, a VS foi duas vezes mais frequente que a VF ou VP. Em relação à raça/cor, adolescentes das raças branca e parda foram as mais atingidas. Ainda, em torno de
50% dos casos de violência notificados ocorreram na residência/habitação coletiva das vítimas, seguidos de casos ocorridos na via pública (em média 20,1%). O mais frequente perpetrador foi um amigo/conhecido da vítima (quase 50% dos casos) para todos os tipos de violência. Houve suspeita de uso de álcool pelos agressores durante a ocorrência da violência, em média, em 34% dos casos notificados (tabelas 1, 2 e 3).
Características na violência física | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | Total | p** | |||||||||||||||
Faixa Etária | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |||||||
De 10-14 | 2279 | 35.40% | 4117 | 35.60% | 6136 | 32.60% | 8575 | 31.10% | 9669 | 30.20% | 10215 | 29.50% | 10140 | 28.20% | 10741 | 28.20% | 61872 | 30.20% | 0.01- | ||||||
De 15-19 | 4164 | 64.60% | 7437 | 64.40% | 12668 | 67.40% | 18992 | 68.90% | 22368 | 69.80% | 24426 | 70.50% | 25755 | 71.80% | 27307 | 71.80% | 143117 | 69.80% | 0.01+ | ||||||
Sexo | 0 | 0 | |||||||||||||||||||||||
Feminino | 3664 | 56.90% | 6686 | 57.90% | 10849 | 57.70% | 15414 | 55.90% | 18513 | 57.80% | 19975 | 57.70% | 20702 | 57.70% | 22417 | 58.90% | 118220 | 57.70% | 0.41 | ||||||
Masculino | 2777 | 43.10% | 4867 | 42.10% | 7955 | 42.30% | 12150 | 44.10% | 13523 | 42.20% | 14663 | 42.30% | 15192 | 42.30% | 15631 | 41.10% | 86758 | 42.30% | 0.41 | ||||||
Em branco/ignorado | 2 | 0.00% | 1 | 0.00% | - | 3 | 0.00% | 1 | 0.00% | 3 | 0.00% | 1 | 0.00% | 11 | |||||||||||
Raça/Cor | |||||||||||||||||||||||||
Branca | 2033 | 31.60% | 4102 | 35.50% | 6848 | 36.40% | 10115 | 36.70% | 11550 | 36.10% | 12153 | 35.10% | 12379 | 34.50% | 13274 | 34.90% | 72454 | 35.30% | 0.71 | ||||||
Parda | 1886 | 29.30% | 3347 | 29.00% | 5861 | 31.20% | 9224 | 33.50% | 11433 | 35.70% | 13140 | 37.90% | 14231 | 39.60% | 15496 | 40.70% | 74618 | 36.40% | 0.01+ | ||||||
Preta | 420 | 6.50% | 837 | 7.20% | 1374 | 7.30% | 2104 | 7.60% | 2602 | 8.10% | 2599 | 7.50% | 2898 | 8.10% | 2948 | 7.70% | 15782 | 7.70% | 0.04 | ||||||
Amarela | 36 | 0.60% | 130 | 1.10% | 129 | 0.70% | 161 | 0.60% | 220 | 0.70% | 191 | 0.60% | 188 | 0.50% | 256 | 0.70% | 1311 | 0.60% | 0.35 | ||||||
Indigena | 32 | 0.50% | 64 | 0.60% | 97 | 0.50% | 160 | 0.60% | 356 | 1.10% | 400 | 1.20% | 426 | 1.20% | 448 | 1.20% | 1983 | 1.00% | 0.01+ | ||||||
Ignorado/Branco | 2036 | 31.60% | 3074 | 26.60% | 4495 | 23.90% | 5803 | 21.10% | 5876 | 18.30% | 6158 | 17.80% | 5773 | 16.10% | 5626 | 14.80% | 38841 | 18.90% | 0.01- | ||||||
Local de ocorrência | |||||||||||||||||||||||||
Residência / Habitação Coletiva | 2304 | 35.80% | 4509 | 39.00% | 7560 | 40.20% | 10797 | 39.20% | 12905 | 40.30% | 14300 | 41.30% | 15495 | 43.20% | 16874 | 44.30% | 84744 | 41.30% | 0.01+ | ||||||
Escola / Local de prática esportiva | 336 | 5.20% | 660 | 5.70% | 1177 | 6.30% | 1785 | 6.50% | 2185 | 6.80% | 2175 | 6.30% | 2138 | 6.00% | 2278 | 6.00% | 12734 | 6.20% | 0.34 | ||||||
Bar ou Similar /Comércio/Serviços | 173 | 2.70% | 429 | 3.70% | 717 | 3.80% | 975 | 3.50% | 1153 | 3.60% | 1214 | 3.50% | 1177 | 3.30% | 1204 | 3.20% | 7042 | 3.40% | 0.45 | ||||||
Via pública | 1435 | 22.30% | 2887 | 25.00% | 4750 | 25.30% | 7807 | 28.30% | 8963 | 28.00% | 9908 | 28.60% | 10209 | 28.40% | 10415 | 27.40% | 56374 | 27.50% | 0.06 | ||||||
Indústrias/construção / outros* | 391 | 6.10% | 614 | 5.30% | 940 | 5.00% | 1294 | 4.70% | 1544 | 4.80% | 1707 | 4.90% | 1736 | 4.80% | 1847 | 4.90% | 10073 | 4.90% | 0.11 | ||||||
Em branco/ignorado | 1804 | 28.00% | 2455 | 21.20% | 3660 | 19.50% | 4909 | 17.80% | 5287 | 16.50% | 5337 | 15.40% | 5140 | 14.30% | 5430 | 14.30% | 34022 | 16.60% | 0.01- | ||||||
Total | 6443 | 100.00% | 11554 | 100.00% | 18804 | 100.00% | 27567 | 100.00% | 32037 | 100.00% | 34641 | 100.00% | 35895 | 100.00% | 38048 | 100.00% | 204989 | 100.00% | |||||||
Vínculo do agressor com a vítima | |||||||||||||||||||||||||
Pai | 455 | 18.00% | 804 | 15.90% | 1285 | 15.10% | 2011 | 16.10% | 2123 | 14.40% | 2322 | 14.40% | 2503 | 14.90% | 2708 | 15.40% | 14211 | 15.20% | 0.12 | ||||||
Mãe | 319 | 12.60% | 624 | 12.30% | 1013 | 11.90% | 1596 | 12.80% | 1778 | 12.10% | 2049 | 12.70% | 2253 | 13.40% | 2342 | 13.30% | 11974 | 12.80% | 0.09 | ||||||
Padrastro | 256 | 10.10% | 421 | 8.30% | 689 | 8.10% | 886 | 7.10% | 1049 | 7.10% | 1155 | 7.20% | 1123 | 6.70% | 1330 | 7.60% | 6909 | 7.40% | 0.08 | ||||||
Madrastra | 44 | 1.70% | 47 | 0.90% | 86 | 1.00% | 113 | 0.90% | 164 | 1.10% | 146 | 0.90% | 112 | 0.70% | 182 | 1.00% | 894 | 1.00% | 0.35 | ||||||
Cônjuge | 261 | 10.30% | 570 | 11.30% | 1026 | 12.00% | 1589 | 12.70% | 2036 | 13.80% | 2159 | 13.40% | 2317 | 13.80% | 2324 | 13.20% | 12282 | 13.10% | 0.04 | ||||||
Namorado(a) | 149 | 5.90% | 321 | 6.40% | 537 | 6.30% | 820 | 6.60% | 1000 | 6.80% | 1237 | 7.70% | 1264 | 7.50% | 1365 | 7.80% | 6693 | 7.10% | 0.01+ | ||||||
Amigos/Conhecido | 1042 | 41.30% | 2266 | 44.80% | 3902 | 45.70% | 5490 | 43.90% | 6560 | 44.60% | 7035 | 43.70% | 7188 | 42.90% | 7335 | 41.70% | 40818 | 43.50% | 0.45 | ||||||
Total | 2526 | 100.00% | 5053 | 100.00% | 8538 | 100.00% | 12505 | 100.00% | 14710 | 100.00% | 16103 | 100.00% | 16759.71 | 100.00% | 17586 | 100.00% | 93781 | 100.00% | |||||||
Suspeita uso de álcool | |||||||||||||||||||||||||
Sim | 1180 | 38.40% | 2330 | 37.50% | 3949 | 36.70% | 5510 | 35.40% | 6291 | 34.30% | 6872 | 33.40% | 6916 | 31.70% | 7344 | 31.00% | 40392 | 33.60% | 0.01- | ||||||
Não | 1891 | 61.60% | 3891 | 62.50% | 6811 | 63.30% | 10066 | 64.60% | 12047 | 65.70% | 13718 | 66.60% | 14918 | 68.30% | 16309 | 69.00% | 79651 | 66.40% | 0.01+ | ||||||
Total | 3071 | 100.00% | 6221 | 100.00% | 10760 | 100.00% | 15576 | 100.00% | 18338 | 100.00% | 20590 | 100.00% | 21834 | 100.00% | 23653 | 100.00% | 120043 | 100.00% |
*Outros, qualquer outro local não contemplado nas categorias anteriormente citadas.
** Valor de p do teste de tendência de proporções
(+) Tendência crescente
(-) Tendência decrescente
Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.
Características na violência psicológica/moral | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | Total | p** | ||||||||||
Faixa Etária | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | ||
De 10-14 | 1420 | 55.1% | 2495 | 54.4% | 3621 | 50.5% | 4703 | 47.6% | 5441 | 46.6% | 5465 | 43.9% | 5499 | 41.4% | 5761 | 42.8% | 34405 | 45.8% | 0.01- | |
De 15-19 | 1156 | 44.9% | 2093 | 45.6% | 3547 | 49.5% | 5177 | 52.4% | 6225 | 53.4% | 6973 | 56.1% | 7768 | 58.6% | 7714 | 57.2% | 40653 | 54.2% | 0.01+ | |
Sexo | ||||||||||||||||||||
Feminino | 2094 | 81.3% | 3629 | 79.1% | 5513 | 76.9% | 7644 | 77.4% | 9133 | 78.3% | 9595 | 77.1% | 10073 | 75.9% | 10384 | 77.1% | 58065 | 77.4% | 0.07 | |
Masculino | 481 | 18.7% | 958 | 20.9% | 1655 | 23.1% | 2236 | 22.6% | 2533 | 21.7% | 2842 | 22.8% | 3193 | 24.1% | 3091 | 22.9% | 16989 | 22.6% | 0.07 | |
Em branco/ignorado | 1 | 0.0% | 1 | 0.0% | 0 | 0.0% | 0 | 0.0% | 1 | 0.0% | 1 | 0.0% | 0 | 4 | 0.0% | |||||
Raça/Cor | ||||||||||||||||||||
Branca | 1019 | 39.6% | 1831 | 39.9% | 3076 | 42.9% | 4257 | 43.1% | 4794 | 41.1% | 4959 | 39.9% | 5257 | 39.6% | 5233 | 38.8% | 30426 | 40.5% | 0.38 | |
Parda | 984 | 38.2% | 1683 | 36.7% | 2562 | 35.7% | 3591 | 36.3% | 4444 | 38.1% | 4822 | 38.8% | 5456 | 41.1% | 5475 | 40.6% | 29017 | 38.7% | 0.08 | |
Preta | 227 | 8.8% | 387 | 8.4% | 612 | 8.5% | 918 | 9.3% | 979 | 8.4% | 963 | 7.7% | 1097 | 8.3% | 1201 | 8.9% | 6384 | 8.5% | 0.51 | |
Amarela | 21 | 0.8% | 32 | 0.7% | 57 | 0.8% | 67 | 0.7% | 93 | 0.8% | 86 | 0.7% | 77 | 0.6% | 108 | 0.8% | 541 | 0.7% | 0.45 | |
Indigena | 15 | 0.6% | 23 | 0.5% | 38 | 0.5% | 49 | 0.5% | 95 | 0.8% | 135 | 1.1% | 151 | 1.1% | 168 | 1.2% | 674 | 0.9% | 0.04+ | |
Ignorado/Branco | 310 | 12.0% | 632 | 13.8% | 823 | 11.5% | 998 | 10.1% | 1261 | 10.8% | 1473 | 11.8% | 1229 | 9.3% | 1290 | 9.6% | 8016 | 10.7% | 0.04- | |
Local de ocorrência | ||||||||||||||||||||
Residência/Habitação Coletiva | 1519 | 59.0% | 2772 | 60.4% | 4266 | 59.5% | 5886 | 59.6% | 7026 | 60.2% | 7354 | 59.1% | 7911 | 59.6% | 8375 | 62.2% | 45109 | 60.1% | 0.23 | |
Escola / Local de prática esportiva | 105 | 4.08% | 197 | 4.29% | 422 | 5.89% | 624 | 6.32% | 719 | 6.16% | 682 | 5.48% | 684 | 5.16% | 711 | 5.28% | 4144 | 5.5% | 0.49 | |
Bar ou Similar /Comércio/Serviços | 66 | 2.56% | 113 | 2.46% | 212 | 2.96% | 287 | 2.90% | 321 | 2.75% | 299 | 2.40% | 340 | 2.56% | 318 | 2.36% | 1956 | 2.6% | 0.35 | |
Via pública | 461 | 17.9% | 845 | 18.42% | 1307 | 18.2% | 1791 | 18.1% | 2129 | 18.2% | 2295 | 18.5% | 2500 | 18.8% | 2344 | 17.4% | 13672 | 18.2% | 0.66 | |
Indústrias/construção / outros* | 290 | 11.3% | 380 | 8.28% | 537 | 7.5% | 760 | 7.7% | 817 | 7.0% | 833 | 6.7% | 888 | 6.7% | 852 | 6.3% | 5357 | 7.1% | 0.01- | |
Em branco/ignorado | 135 | 5.24% | 281 | 6.12% | 424 | 5.9% | 532 | 5.4% | 654 | 5.6% | 975 | 7.8% | 944 | 7.1% | 875 | 6.5% | 4820 | 6.4% | 0.07 | |
Total | 2576 | 100.0% | 4588 | 100.0% | 7168 | 100.0% | 9880 | 100.0% | 11666 | 100.0% | 12438 | 100.0% | 13267 | 100.0% | 13475 | 100.0% | 75058 | 100.0% | ||
Vínculo do agressor com a vítima | ||||||||||||||||||||
Pai | 380 | 22.7% | 640 | 21.0% | 925 | 19.4% | 1278 | 19.4% | 1434 | 18.6% | 1491 | 18.7% | 1553 | 18.3% | 1820 | 19.6% | 9521 | 19.2% | 0.10 | |
Mãe | 240 | 14.3% | 480 | 15.7% | 707 | 14.9% | 1048 | 15.9% | 1180 | 15.3% | 1241 | 15.6% | 1280 | 15.1% | 1578 | 17.0% | 7754 | 15.7% | 0.21 | |
Padrastro | 266 | 15.9% | 419 | 13.7% | 632 | 13.3% | 826 | 12.5% | 983 | 12.7% | 979 | 12.3% | 934 | 11.0% | 1075 | 11.6% | 6114 | 12.3% | 0.01- | |
Madrastra | 28 | 1.7% | 34 | 1.1% | 54 | 1.1% | 65 | 1.0% | 98 | 1.3% | 99 | 1.2% | 72 | 0.8% | 124 | 1.3% | 574 | 1.2% | 0.75 | |
Cônjuge | 125 | 7.5% | 231 | 7.6% | 475 | 10.0% | 687 | 10.4% | 918 | 11.9% | 954 | 12.0% | 1094 | 12.9% | 1143 | 12.3% | 5627 | 11.4% | 0.01+ | |
Namorado(a) | 76 | 4.5% | 181 | 5.9% | 285 | 6.0% | 401 | 6.1% | 523 | 6.8% | 587 | 7.4% | 642 | 7.6% | 620 | 6.7% | 3315 | 6.7% | 0.02+ | |
Amigos/Conhecido | 561 | 33.5% | 1066 | 34.9% | 1680 | 35.3% | 2299 | 34.8% | 2576 | 33.4% | 2608 | 32.8% | 2919 | 34.4% | 2903 | 31.3% | 16612 | 33.6% | 0.10 | |
Total | 1676 | 100.0% | 3051 | 100.0% | 4758 | 100.0% | 6604 | 100.0% | 7712 | 100.0% | 7959 | 100.0% | 8494 | 100.0% | 9263 | 100.0% | 49517 | 100.0% | ||
Suspeita uso de álcool | ||||||||||||||||||||
Sim | 653 | 37.6% | 1228 | 41.7% | 1969 | 40.7% | 2510 | 37.2% | 2923 | 36.4% | 3005 | 35.2% | 3138 | 33.6% | 3207 | 32.5% | 18633 | 35.8% | 0.01+ | |
Não | 1082 | 62.4% | 1716 | 58.3% | 2867 | 59.3% | 4242 | 62.8% | 5100 | 63.6% | 5532 | 64.8% | 6192 | 66.4% | 6647 | 67.5% | 33378 | 64.2% | 0.01+ | |
Total | 1735 | 100.0% | 2944 | 100.0% | 4836 | 100.0% | 6752 | 100.0% | 8023 | 100.0% | 8537 | 100.0% | 9330 | 100.0% | 9854 | 100.0% | 52011 | 100.0% |
*Outros, qualquer outro local não contemplado nas categorias anteriormente citadas. ** Valor de p do teste de tendência de proporções
(+) Tendência crescente; (-) Tendência decrescente
Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.
Características na violência sexual | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | Total | p** | |||||||||||||
Faixa Etária | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |||||
De 10-14 | 2271 | 64.70% | 3739 | 68.30% | 5201 | 67.50% | 6750 | 68.60% | 8385 | 69.30% | 8837 | 68.10% | 8452 | 68.10% | 9346 | 68.10% | 52981 | 68.10% | 0.61 | ||||
De 15-19 | 1240 | 35.30% | 1734 | 31.70% | 2501 | 32.50% | 3096 | 31.40% | 3721 | 30.70% | 4144 | 31.90% | 3955 | 31.90% | 4388 | 31.90% | 24779 | 31.90% | 0.61 | ||||
Sexo | |||||||||||||||||||||||
Feminino | 3197 | 91.10% | 4945 | 90.40% | 7004 | 90.90% | 9037 | 91.80% | 11178 | 92.30% | 12011 | 92.50% | 11466 | 92.40% | 12750 | 92.80% | 71588 | 92.10% | 0.02+ | ||||
Masculino | 314 | 8.90% | 527 | 9.60% | 696 | 9.00% | 809 | 8.20% | 928 | 7.70% | 968 | 7.50% | 941 | 7.60% | 984 | 7.20% | 6167 | 7.90% | 0.02- | ||||
Em branco/ignorado | - | 0.00% | 1 | 0.00% | 2 | 0.00% | - | 0.00% | - | 0.00% | 2 | 0.00% | - | 0.00% | - | 5 | 0.00% | ||||||
Raça/Cor | |||||||||||||||||||||||
Branca | 1387 | 39.50% | 2060 | 37.60% | 2738 | 35.50% | 3499 | 35.50% | 4008 | 33.10% | 3906 | 30.10% | 3855 | 31.10% | 4279 | 31.20% | 25732 | 33.10% | 0.02- | ||||
Parda | 1347 | 38.40% | 2181 | 39.90% | 3306 | 42.90% | 4268 | 43.30% | 5453 | 45.00% | 6268 | 48.30% | 5986 | 48.20% | 6737 | 49.10% | 35546 | 45.70% | 0.01+ | ||||
Preta | 313 | 8.90% | 452 | 8.30% | 697 | 9.00% | 935 | 9.50% | 1045 | 8.60% | 1129 | 8.70% | 1047 | 8.40% | 1137 | 8.30% | 6755 | 8.70% | 0.38 | ||||
Amarela | 32 | 0.90% | 30 | 0.50% | 70 | 0.90% | 61 | 0.60% | 91 | 0.80% | 86 | 0.70% | 75 | 0.60% | 106 | 0.80% | 551 | 0.70% | 0.61 | ||||
Indigena | 15 | 0.40% | 37 | 0.70% | 48 | 0.60% | 80 | 0.80% | 129 | 1.10% | 143 | 1.10% | 139 | 1.10% | 188 | 1.40% | 779 | 1.00% | 0.01+ | ||||
Ignorado/Branco | 417 | 11.90% | 713 | 13.00% | 843 | 10.90% | 1003 | 10.20% | 1380 | 11.40% | 1449 | 11.20% | 1305 | 10.50% | 1287 | 9.40% | 8397 | 10.80% | 0.06 | ||||
Local de ocorrência | |||||||||||||||||||||||
Residência / Habitação Coletiva | 1787 | 50.90% | 2979 | 54.40% | 4454 | 57.80% | 5795 | 58.90% | 6963 | 57.50% | 7710 | 59.40% | 7262 | 58.50% | 8311 | 60.50% | 45261 | 58.20% | 0.03+ | ||||
Escola / Local de prática esportiva | 85 | 2.40% | 132 | 2.40% | 142 | 1.80% | 206 | 2.10% | 245 | 2.00% | 255 | 2.00% | 233 | 1.90% | 247 | 1.80% | 1545 | 2.00% | 0.04- | ||||
Bar ou Similar /Comércio/Serviços | 77 | 2.20% | 118 | 2.20% | 168 | 2.20% | 215 | 2.20% | 290 | 2.40% | 268 | 2.10% | 248 | 2.00% | 317 | 2.30% | 1701 | 2.20% | 0.85 | ||||
Via pública | 641 | 18.30% | 970 | 17.70% | 1146 | 14.90% | 1438 | 14.60% | 1776 | 14.70% | 1819 | 14.00% | 1785 | 14.40% | 1768 | 12.90% | 11343 | 14.60% | 0.01- | ||||
Indústrias/construção / outros* | 555 | 15.80% | 699 | 12.80% | 1011 | 13.10% | 1255 | 12.70% | 1442 | 11.90% | 1439 | 11.10% | 1371 | 11.10% | 1484 | 10.80% | 9256 | 11.90% | 0.01- | ||||
Em branco/ignorado | 366 | 10.40% | 575 | 10.50% | 781 | 10.10% | 937 | 9.50% | 1390 | 11.50% | 1490 | 11.50% | 1508 | 12.20% | 1607 | 11.70% | 8654 | 11.10% | 0.05 | ||||
Total | 3511 | 100.00% | 5473 | 100.00% | 7702 | 100.00% | 9846 | 100.00% | 12106 | 100.00% | 12981 | 100.00% | 12407 | 100.00% | 13734 | 100.00% | 77760 | 100.00% | |||||
Vínculo do agressor com a vítima | |||||||||||||||||||||||
Pai | 237 | 12.60% | 406 | 13% | 565 | 12% | 732 | 12.10% | 852 | 11.30% | 1095 | 12.60% | 837 | 10.90% | 1005 | 11.50% | 5729 | 11.90% | 0.1 | ||||
Mãe | 53 | 2.80% | 93 | 3% | 148 | 3% | 200 | 3.30% | 283 | 3.70% | 478 | 5.50% | 304 | 3.90% | 293 | 3.40% | 1852 | 3.80% | 0.03+ | ||||
Padrastro | 404 | 21.50% | 572 | 19% | 768 | 17% | 1064 | 17.60% | 1201 | 15.90% | 1311 | 15.10% | 1170 | 15.20% | 1364 | 15.60% | 7854 | 16.30% | 0.2 | ||||
Madrastra | 8 | 0.40% | 8 | 0% | 16 | 0% | 13 | 0.20% | 10 | 0.10% | 21 | 0.20% | 13.57143 | 0.20% | 19 | 0.20% | 109 | 0.20% | 0.08 | ||||
Cônjuge | 21 | 1.10% | 35 | 1% | 117 | 3% | 158 | 2.60% | 318 | 4.20% | 628 | 7.20% | 410 | 5.30% | 530 | 6.10% | 2217 | 4.60% | 0.01+ | ||||
Namorado(a) | 204 | 10.80% | 361 | 12% | 766 | 17% | 997 | 16.50% | 1436 | 19.00% | 1642 | 18.90% | 1544 | 20.00% | 1733 | 19.80% | 8683 | 18.00% | 0.01+ | ||||
Amigos/Conhecido | 955 | 50.70% | 1574 | 52% | 2175 | 48% | 2876 | 47.60% | 3457 | 45.70% | 3493 | 40.30% | 3429 | 44.50% | 3790 | 43.40% | 21749 | 45.10% | 0.02- | ||||
Total | 1882 | 100.00% | 3049 | 100% | 4555 | 100% | 6040 | 100.00% | 7557 | 100.00% | 8668 | 100.00% | 7707.571 | 100.00% | 8734 | 100.00% | 48193 | 100.00% | |||||
Suspeita uso de álcool | |||||||||||||||||||||||
Sim | 757 | 35.00% | 1213 | 38% | 1708 | 36% | 1988 | 32.60% | 2297 | 31.30% | 2369 | 28.90% | 2193 | 27.70% | 2557 | 28.70% | 15082 | 31.10% | 0.02+ | ||||
Não | 1404 | 65.00% | 2001 | 62% | 3030 | 64% | 4116 | 67.40% | 5033 | 68.70% | 5818 | 71.10% | 5717 | 72.30% | 6354 | 71.30% | 33473 | 68.90% | 0.02- | ||||
Total | 2161 | 100.00% | 3214 | 100% | 4738 | 100% | 6104 | 100.00% | 7330 | 100.00% | 8187 | 100.00% | 7910 | 100.00% | 8911 | 100.00% | 48555 | 100.00% |
*Outros, qualquer outro local não contemplado nas categorias anteriormente citadas.
** Valor de p do teste de tendência de proporções
(+) Tendência crescente
(-) Tendência decrescente
Fonte: MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.
A análise das proporções das notificações de VF mostra uma tendência crescente estatisticamente significativa na faixa etária de 15 a 19 anos, raça/cor parda e indígena, ocorrência na residência/habitação coletiva, agressão pelo namorado e não suspeita de uso de álcool (tabela 1). Na VP, também houve uma tendência crescente significativa na faixa etária de 15 a 19 anos, raça/cor indígena, namorado ou cônjuge como agressores, e não suspeita de uso de álcool (tabela 2). Quanto à VS, ser menina, raça/cor parda e indígena e ocorrência da violência na residência/ habitação coletiva apresentaram uma tendência crescente no período. Dentre as características do agressor, ser namorado ou cônjuge e suspeita de uso de álcool também apresentaram tendência crescente (tabela 3).
No gráfico 1, nota-se o incremento na tendência da violência nos casos notificados segundo a idade das vítimas. A VF é mais que o dobro frequente na faixa etária de 15 a 19 anos, quando comparada com a faixa de 10 a 14 anos. Em oito anos, a VF passou de 24,21 casos por 100 000 para 159,07 casos por 100 000 adolescentes, com tendência crescente. Por sua vez, a VS, na faixa de 15 a 19 anos, mostrou um comportamento mais linear, enquanto que, na faixa de 10 a 14 anos, apresentou aumento da prevalência de 13,20 casos por 100 000 para 56,06 casos por 100 000 adolescentes (gráfico 1 (A/B)).
A análise segundo o sexo dos adolescentes mostrou uma elevada e crescente taxa de prevalência da VF, independentemente do sexo do adolescente. Contudo, entre as meninas houve uma taxa de crescimento anual perto de 10 casos por cada 100 000, muito maior em comparação aos meninos. A prevalência da VS também cresceu de forma constante, principalmente entre as meninas, em comparação com os meninos. Nestes, tanto a VS como a VP mostram linearidade nos últimos cinco anos (gráfico 1 (C/D)).
Constatou-se que, independentemente do tipo de violência, houve aumento das notificações nos oito anos analisados; entre os anos 2009 e 2016 no Brasil, enquanto a VF aumentou 490,5%, a VP teve um incremento de 423,1%, e a VS, de 291,2%.
DISCUSSÃO
Os resultados mostram uma tendência progressiva de aumento dos casos notificados de violência contra adolescentes ao longo de oito anos (2009-2016) no Brasil. A prevalência da VF foi maior que a descrita na Índia (36%), Egito (26%) e Filipinas (37%) 19, e superou as prevalências encontradas em outros estudos brasileiros 5,11. Estes achados concordam com a literatura, que destaca as meninas entre 15 a 19 anos como as mais atingidas pela violência 9,10,12,13, especialmente a VF 1,20. Destacou- se uma tendência crescente das notificações para a VF, independentemente da idade e sexo da vítima. Provavelmente esses casos envolvam maior agressividade, colocando os adolescentes em risco de vida ou provocando lesões mais visíveis ou graves, que exigem atendimento de saúde, já que a procura pelos serviços de urgência depende da gravidade das lesões 2,4,9. No entanto, em programas de proteção a crianças menores de 9 anos, a VF é maior nos meninos 5,21,22, complementando achados do presente estudo.
Análise de atendimentos de adolescentes de 15 a 19 anos em unidades de urgência indicou que 90,9% das agressões físicas tiveram meninos como vítimas 15. Segundo a UNICEF, os meninos experimentam VF cometida por amigos, professores e outros perpetradores desde que completam 15 anos de idade 4. É possível que os nossos achados estejam apontando para uma tendência atual de maior cuidado na proteção das meninas e para uma cultura de maior tolerância à agressividade masculina.
A VP mostrou crescente tendência entre as meninas de 15 a 19 anos, replicando alguns estudos 7,19,23 e contrariando outras investigações que encontraram maior proporção de VP entre meninos 10. Observou- se baixa proporção de registros de VP em comparação aos demais tipos de violência, corroborando outras pesquisas 24, possivelmente por ser considerada uma forma corriqueira de relacionamento familiar 14, o que leva a sua banalização também nos atendimentos em saúde, reduzindo as notificações 5,7,10,25. Estudos mostraram que VP e VF são aplicadas como medida disciplinar. Ainda, que a VP, por ser concomitante a outros tipos de violência 9,24, é menos perceptível para notificação.
Em relação à VS, pesquisas apontam que as meninas correm maior risco, independentemente da idade 1,5,10,21,23,26. Efetivamente, 92% das notificações por VS referiam-se às adolescentes, com maior índice entre 10 a 14 anos. Estudos multipaíses mostraram que pelo menos uma a cada cinco meninas relataram VS nessa faixa etária 4,8,9. Com o início da puberdade, aumenta o risco de abuso e VS entre as meninas 4.
Ao contrário, a VS contra os meninos mostrou tendência decrescente no presente estudo. Construções sociais podem ter relação com os baixos índices de notificação neste grupo. Em Uganda e Moçambique meninos foram menos propensos do que meninas a relatar relações sexuais forçadas 4,9. Sentimentos de vergonha, culpa ou medo de descrença em seus relatos ou de culpabilização podem contribuir para a menor notificação da VS entre meninos, bem como preconceitos sobre a sexualidade masculina 4. No cotidiano, algumas vezes trabalhadores das unidades de saúde também não aceitam as queixas de adolescentes vítimas de VS pelo fato de o agressor ser um outro adolescente mais novo.
Poucos estudos analisaram a relação entre características étnico-raciais e violência. Notou-se tendência ascendente entre a raça parda; somados aos casos da raça negra, atingiram quase a metade das notificações. Resultados similares foram reportados em outras pesquisas, o que indica um padrão étnico da violência 1,12. Por outro lado, a taxa de notificações entre a raça amarela e indígena ainda é baixa. Esses resultados podem ter diferentes explicações, desde a falta de resposta no preenchimento da autodeclaração até dados preenchidos segundo o juízo de quem notificou o caso.
Nossa pesquisa mostrou tendência crescente de violência na residência/habitação coletiva da vítima, seguida da via pública. Pesquisas tem indicado a residência da vítima como principal local de agressão 1,5,12-14,27,28. Culturalmente, as meninas permanecem mais tempo em casa, o que poderia torná-las mais vulneráveis, já que os agressores tendem a ser pessoas próximas. Outros estudos também encontraram a via pública como segundo lugar mais frequente de violência, principalmente contra meninos 12,15, talvez devido às práticas culturais que permitem aos meninos passar mais tempo fora de casa 5.
No que diz respeito ao agressor, em quase metade das notificações a violência foi cometida por um amigo/conhecido da vítima. Poucos estudos indicaram esta categoria como principal agressor 4,5,12,13,23, destacando-se o pai, a mãe ou o padrasto como os principais agressores no ambiente familiar 4,7,15,21,25,28,29. Segundo a UNICEF, meninas também relatam ter sido vitimadas por amigo/conhecido em alguns países da América Central e África 4. Nossa pesquisa mostrou também uma tendência crescente do namorado como agressor, para todos os tipos de violência. Em estudos multipaíses, a prevalência de VS na infância é maior para as meninas e, na maioria dos casos, o agressor é um familiar (não pai ou padrasto) do gênero masculino 4,8,9. Os achados do presente estudo quanto ao principal agressor sugerem a existência de um vínculo de confiança nos casos de violência extrafamiliar 25.
Em relação ao uso de bebidas alcoólicas, poucos estudos incluem essa variável. Não houve suspeita de uso de álcool pelo agressor nos casos de VF, com tendência crescente, ao contrário da VS. Outros autores encontraram resultados similares para crianças 28, independentemente do tipo de violência 5. Nas pesquisas em que as mães relataram estados de embriaguez dos pais, não houve associação entre este consumo e relatos de adolescentes sobre VP 11,14, o que pode indicar que a violência após a ingesta de álcool seja dirigida à mãe da vítima.
As principais limitações do presente estudo referem-se aos dados em branco/ignorados ou ausentes, e aos dados não atualizados no SINAN, o que pode explicar o leve decréscimo da tendência de VP no último ano analisado. A baixa notificação entre adolescentes de raça/cor amarela e indígena pode estar limitando a real dimensão desse problema entre minorias. Considera-se necessário melhorar os registros, a partir do treinamento das equipes de saúde.
Outra limitação foi a subnotificação dos casos, o que depende das percepções dos profissionais em relação à violência, além da tendência cultural de não envolvimento em assuntos familiares 10,30.
Muitos profissionais desconhecem os aspectos legais da notificação e podem ter medo de se envolver em questões dessa ordem ou mesmo de sofrer represálias, caso notifiquem 10,22,30. A aceitação social da violência contra adolescentes também pode explicar a subnotificação 3,9,10. Sugere-se políticas com uma abordagem multidisciplinar, que sensibilizem as equipes para a identificação de violência contra adolescentes.
A definição de variáveis foi outra limitação do estudo. Por exemplo, a categoria “amigo/conhecido” pode obstaculizar a adoção de medidas preventivas, pela dificuldade de identificação desses indivíduos, que podem ser vizinhos, amigos da família ou colegas da escola. Também o termo “cônjuge” 12, pode gerar confusão, por ser considerado juntamente a parceiro amoroso ou namorado 29. É necessário esclarecer essa informação, para diferenciar cônjuge de namorado ou amigo/conhecido da adolescente. Por fim, destaca-se a dificuldade de comparar os resultados deste estudo com os de outros estudos, em virtude de diferentes delineamentos, fontes de informação, instrumentos de avaliação, métodos de análise e faixas etárias consideradas 11,19,24.
Em conclusão, este estudo mostrou incremento na tendência das notificações de violência contra adolescentes brasileiros entre 2009 e 2016. Predominaram casos de VF independentemente da faixa etária e sexo da vítima. Entretanto, notou- se tendência crescente da VF contra adolescentes do sexo feminino, de 15 a 19 anos, raça parda, na residência da vítima, sendo o principal agressor um amigo/conhecido/namorado. A VP mostrou tendência crescente na faixa de 15 a 19 anos, raça indígena, sendo os principais agressores namorado e cônjuge. Já a VS foi proporcionalmente maior na faixa de 10 a 14 anos, com tendência crescente entre meninas de raça parda, na sua residência. Notou-se aumento das agressões por parte do namorado, cônjuge e mãe, bem como suspeita de uso de álcool pelo agressor. Estudos epidemiológicos, que avaliem outros fatores relacionados ao perfil de vítimas e agressores, são necessários para a implementação de políticas públicas orientadas à prevenção da violência contra adolescentes no país.