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Educación

versión impresa ISSN 1019-9403versión On-line ISSN 2304-4322

Educación vol.32 no.62 Lima ene./jun. 2023  Epub 18-Mayo-2023

http://dx.doi.org/10.18800/educacion.202301.004 

Artículos

Experiência de Aprendizagem Mediada de Reuven Feuerstein: uma revisão sistemática

Experiencia de Aprendizaje Mediada de Reuven Feuerstein: una revisión sistemática

Reuven Feuerstein’s Mediated Learning Experience: A systematic review

Fábio dos Santos Lima1  * 
http://orcid.org/0009-0002-2813-2809

Marlene Schüssler D’Aroz1  ** 
http://orcid.org/0000-0002-8017-5681

1Universidade Federal do Paraná - Brasil

Resumo

O objetivo deste estudo é apresentar uma revisão sistemática de literatura produzida no Brasil sobre a Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM), com estudantes da educação básica, considerando estudos de Reuven Feuerstein, no período de 2000 a 2020, em português, espanhol e inglês, em quatro bases de dados: BVS, SciELO, Periódicos Capes e Pepsic, com os descritores: Aprendizagem Mediada, Mediação, Mediação Docente, Professor Mediador, Pedagogia e mediação, Aprendizaje Mediado, Mediación, Mediación Docente, Maestro Mediador, Pedagogía y mediación, Feuerstein, Mediated Learning Experience, Mediated Learning, Modificabilidade, utilizando o operador OR e AND. A análise evidenciou estudos sobre a EAM na educação especial e na formação docente, mas também mostrou a carência de pesquisas sobre a EAM em relação aos alunos da educação básica de forma geral. Conclui-se que a aprendizagem mediada de Feuerstein é pouco investigada, indicando a necessidade de compreender e interpretar a importância do tema para a educação.

Palavras-chave: aprendizagem mediada; estudante; educação básica; Reuven Feuerstein

Resumen

El objetivo es presentar una revisión sistemática de la literatura producida en Brasil sobre la Experiencia de Aprendizaje Mediada (EAM), por profesores de educación básica, considerando estudios de Reuven Feuerstein, en el período entre 2000 y 2020, en portugués, español e inglés, en cuatro bases de datos: BVS, SciELO, Capes y Pepsic, con los descriptores: Aprendizagem Mediada, Mediação, Mediação Docente, Professor Mediador, Pedagogia e mediação, Aprendizaje Mediado, Mediación, Mediación Docente, Maestro Mediador, Pedagogía y mediación Feuerstein, Mediated Learning Experience, Mediated Learning, Modificabilidade, utilizando el operador OR y AND. El análisis evidenció estudios sobre EAM en educación especial y formación docente, y la falta de estudios sobre EAM con respecto a estudiantes de educación básica en general. Se concluye que el aprendizaje mediado de Feuerstein está poco investigado, lo que indica la necesidad de comprender e interpretar la importancia del tema para la educación.

Palabras-clave: aprendizaje mediado; estudiante; educación básica; Reuven Feuerstein

Abstract

The objective of this study is to present a systematic review of literature produced in Brazil on the Mediated Learning Experience (MLE) by teachers in basic education. The review considers studies by Reuven Feuerstein between 2000 and 2020 in Portuguese, Spanish, and English. Four databases, namely VHL, SciELO, Capes, and Pepsic were searched using the following descriptors: Aprendizagem Mediada, Mediação, Mediação Docente, Professor Mediador, Pedagogia e Mediação, Aprendizaje Mediado, Mediación, Mediación Docente, Maestro Mediador, Pedagogía y mediación Feuerstein, Mediated Learning Experience, Mediated Learning, and Modificabilidade. The OR and END operator was used to combine these descriptors. The analysis revealed that there are numerous studies on MLE in special education and teacher training. However, there is a lack of research on MLE with regard to students in basic education in general. These findings lead us to conclude that Feuerstein’s mediated learning is an under-researched area, indicating the need to understand and interpret the importance of this theme for education.

Keywords: mediated learning; student; basic education; Reuven Feuerstein

1. INTRODUÇÃO

Conhecer a produção científica de temas diversos em todas ases áreas do conhecimento se faz fundamental para quem quer ser pesquisador. Uma revisão sistemática permite a identificação e uma sistematização dos temas já estudados, fornecendo as implicações desses estudos para as novas necessidades científicas. Além disso, proporciona analisar pontos de vista sobre públicos, contextos e metodologias, a fim de que novos aspectos teóricos emerjam e auxiliem na compreensão da realidade. Em outras palavras, “a revisão sistemática é um método que permite maximizar o potencial de uma busca, encontrando o maior número possível de resultados de uma maneira organizada” (Costa et al., 2015, pp. 55-56). Sobre esse modelo, a concepção dos autores se aproxima da concepção de Koller, Couto e Hohendorff (2014). É nessa direção que este artigo pretende contribuir.

Optou-se por uma análise da produção científica sobre Experiências de Aprendizagem Mediada (EAM) baseadas nos estudos do psicólogo israelense Reuven Feuerstein, por entender que as suas contribuições são de grande relevância para a educação e para a formação de professores que atuam também na educação básica, porém pouco investigadas no Brasil. Feuerstein (1990) define a EAM como sendo uma qualidade de interação humano-ambiente resultante das mudanças introduzidas nessa interação por um mediador humano que se interpõe entre o receptor e as fontes de estímulos.

O ponto central dos estudos de Reuven Feuerstein parte da premissa de que todas as pessoas podem aprender, independente do contexto de vida, da idade, nível de escolaridade ou da experiência profissional. Elas necessitam desenvolver seu potencial cognitivo. Todas as pessoas podem acessar informações, o que falta são habilidades cognitivas necessárias para processar e aplicar essas informações (Feuerstein, 1990; 1991; 2002). Com base na premissa desse autor, seus estudos centram-se na mediação do professor e na modificabilidade de estudantes com dificuldades como: problemas de memória, baixo rendimento escolar e dificuldades de aprendizagem, hiperatividade dificuldades de atenção, síndrome de Down, dificuldades de raciocínio e abstração, desordens perceptivas, entre outros.

De acordo com a concepção de Feuerstein (2002), o professor mediador não é qualquer pessoa, ele possui um perfil diferenciado. Esse perfil, quando combinado ao ensino mediado, promove a modificabilidade cognitiva estrutural. A modificabilidade consiste na capacidade geral do indivíduo de modificar-se, modificar sua estrutura cognitiva: um sistema flexível e mutável, que envolve tanto o fator biológico quanto cultural, já ressaltado nos estudos de Vygotsky (Feuerstein & Feuerstein, 1999).

Portanto, segundo Feuerstein et al. (2014), essa mudança se expressa, de forma significativa, por meio da EAM, uma vez que o desenvolvimento não pode ocorrer suficientemente em situações de exposição direta a estímulos e experiências no mundo. Tal afirmação reside no argumento de que “a modificabilidade é transmitida para o ser humano por meio da mediação pela qual o mundo é mediado para ele e cria ferramentas e condições prévias necessárias para ser modificado” (Feuerstein, Feuerstein & Falik, 2014, p. 52). Enquanto o mediador é capaz de produzir modificações no sujeito, também deve modificar-se.

Embora na educação tem-se produzido transformações significativas nessas duas últimas décadas, há que se reconhecer que as transformações ainda estão muito distantes do sonhado. Pensar a educação do presente é pensar a formação de indivíduos autônomos capazes responder às demandas de seu tempo (Nóvoa, 2017). É pensar a dicotomia teoria-prática na formação docente para discentes (Freire, 2016). É entender os critérios que distinguem o professor mediador do facilitador de aprendizagens.

Como mediador, o docente potencializa o desenvolvimento de competências pela modificabilidade cognitiva que oferece. É nesse sentido que se evidencia a importância de se investigar quais as contribuições que a aprendizagem mediada traz para o desenvolvimento de competências aos alunos da educação básica, bem como para uma significativa prática docente.

Com esse intuito, o presente estudo tem como objetivo apresentar uma revisão sistemática da literatura nacional de artigos que abordam a temática acerca de experiências de aprendizagem mediada, na educação básica, analisando produções da comunidade científica brasileira. A revisão objetiva rastrear a temática desenvolvida por docentes no período de 2000 a 2020, a fim de analisar a EAM, considerando os aspectos metodológicos (abordagem de pesquisa) e seus principais resultados e impactos da aprendizagem mediada nos docentes e nos estudantes da educação básica. Delimita-se a análise a partir de 2000, considerando que a produção de Feuerstein se tornou conhecida e investigada fora de Israel, por diferentes pesquisadores, mais precisamente a partir daquele ano.

2. MARCO TEÓRICO

2.1. Relação ensino, aprendizagem e mediação

Paulo Freire, educador brasileiro, dizia: “saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 2016, p. 47). De acordo com o autor, ao criar possibilidades, a aprendizagem passa pela capacidade que os sujeitos envolvidos possuem de problematizar a realidade. Por isso, a aprendizagem tem a ver com autonomia. Quem ensina deve trazer em si a capacidade para problematizar a realidade. Isso exige autonomia.

Autonomia no processo de ensino é entendida quando o professor evoca a necessidade de permitir que o aluno exercite a sua curiosidade. Para isso, deve proporcionar vez e voz aos sujeitos, além de ter clareza acerca do processo de aprendizagem como uma construção coletiva, autônoma e consciente. Já o aluno é autônomo quando realiza uma atividade por conta própria sem a necessidade de um mediador. É com base nessa premissa que Freire (2016) se coloca em posição muito evidente como norteador da prática educativa, ressaltando a sua atuação como fundamental no processo educativo.

Criar possibilidades é um dos perfis esperados de um mediador. Os mediadores, de acordo com Tébar (2011, p. 114), “são todas as pessoas que organizam com intencionalidade sua interação e atribuem significados aos estímulos que o educando recebe”. Isto é, o professor tem consciência de onde quer chegar. Existe todo um fator emocional envolvido no processo. O mediador deve se sentir confiante. À medida em que medeia, que mergulha na interação mediadora, o mediador deve estar aberto à possibilidade da modificação. Quando há intencionalidade no ensino, o professor filtra, seleciona e interpreta os estímulos da maneira mais apropriada, escolhendo o momento, a ordem, a intensidade e a forma mais adequada para apresentá-los aos seus estudantes. É nesse sentido que “a mediação demanda domínio da prática das relações humanas, dos valores que pretende transmitir” (2011, p. 114). Nesse processo está a formação docente.

Sobre a formação docente, Nóvoa (2017, p. 6) destaca que a formação profissional dos professores parece uma ideia simples, mas que define um rumo claro e ressalta um ponto interessante: “a formação docente deve ter como matriz a formação para uma profissão”. A profissão docente, na visão de Nóvoa (2009; 2017), não pode ser definida, primordialmente, pela capacidade de transmitir um determinado saber, mas pela capacidade de mediar o saber com o fazer. É preciso ir além da «teoria» e da «prática», refletindo sobre o processo histórico da constituição, as explicações que prevaleceram e as que foram abandonadas, o papel de certos indivíduos, as habilidades, certos contextos, as dúvidas que persistem, as hipóteses alternativas, entre outros.

Nóvoa (1995, p. 27), ao abordar a mediação docente, diz que “mediação tem caráter dialógico, construtivo, é um trabalho que ao ensinar se aprende junto”. A relevância do papel docente em Freire e Nóvoa vai ao encontro da premissa de Reuven Feuerstein de que para despertar interesse e curiosidade, no aluno, é preciso rever alguns princípios do fazer docente e da profissão. Sobre a educação e o docente, Feuerstein postula: “É nosso dever encontrar a força em cada pessoa” (Feuerstein, 2002, p. 7)

O judeu-romano, Reuven Feuerstein, dedicou grande parte da sua vida a estudos com crianças e adolescentes que eram indicados pelos professores como mentalmente limitados ou incapazes de aprender devido à sua baixa pontuação obtida nos testes de Quociente de Inteligência (QI). Essas crianças e adolescentes apresentavam dificuldades de aprendizagem impactadas por fatores emocionais que tem como causa a violência estrutural devido às respostas desfavoráveis do meio social e carências cognitivas e eram, em sua maioria, sobreviventes do Holocausto. Feuerstein, contrapondo o rótulo imposto, argumentava que os testes de QI não fornecia informações sobre o verdadeiro potencial das crianças.

A ideia central de Feuerstein foi atender às necessidades psicoeducacionais (psicológicas e educacionais) de crianças e adolescentes com dificuldades, independentemente do tipo e grau, uma vez que a criança formará naturalmente suas expectativas em torno de modelos e informações que a família e a escola lhe proporcionam. Feuerstein buscou enriquecer a realidade imediata destas crianças com novas informações e significados. Certo dos seus propósitos acerca da importância da qualidade da mediação e da sua convivência com Piaget e André Rey, desenvolveu seu trabalho como mediador, com enfoque na modificação cognitiva, que mais tarde delineou como “Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural” (Sasson & Macionk, 2020). De acordo com Feuerstein et al. (2003, pp. 6-7), por Modificabilidade Cognitiva Estrutural,

[...] podemos entender uma tendência, uma propensão do sujeito a assimilar e acomodar os objetos do conhecimento de modo que cause impacto em toda rede estrutural cognitiva relacionada com aquela realidade. O sujeito aqui aprende mais além do mero aprendizado local. Do objeto, ele retira informações e relações internas, relaciona com informações e relações implícitas em seus esquemas prévios, revisa e remodela toda a realidade construída anteriormente (reaprende o aprendido) e modifica sua maneira de organizar todos os objetos futuros que estejam ligados àquele presente no momento da aprendizagem. Tendo realizado isso, diremos que ocorreu uma Modificação da Estrutura Cognitiva.

Em outras palavras, a modificabilidade é uma tendência autônoma do sujeito a realizar tal modificação diante da necessidade de conhecer o novo.

De acordo com Feuerstein (1990; 1991; 2002); Feuerstein e Feuerstein (1999), Feuerstein et al. (2003), Feuerstein, Feuerstein e Falik (2014), a ­experiência educativa deve ser mediada, e o professor é este mediador. É uma figura que se interpõe entre o objeto a ser conhecido e o sujeito da aprendizagem. Tal movimento insere o processo ensino-aprendizagem numa dinâmica que foge aos protocolos atuais, de um ensino bancário pautado na transmissão de conhecimento. Seu foco está nos processos acionados pelo pensamento dos alunos ao tratarem os conteúdos, vistos aqui como meios para o desenvolvimento cognitivo e não como fins em si mesmos, processo que Feuerstein chama de Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM).

Com base na teoria acima referenciada e experiências com crianças de diferentes países, Feuerstein observou que havia diferenças de funcionamento cognitivo nos diversos grupos sociais e étnicos que se explicavam a partir do ambiente no qual o sujeito estava inserido, de acordo com sua privação ou abertura cultural, proporcionada através de pais, colegas e comunidade. A partir dessas experiências, buscou trabalhar também com professores observando a mediação realizada nessas interações.

Conforme Feuerstein et al. (2014, p. 13) mediar é estar no meio, é estar entre. Esse “entre” e “estar no meio” aqui e ali, chama-se mediação. E complementa: para levar a criança a pensar de forma autônoma e adaptável, é preciso que haja mediação. A simples exposição a estímulos ou experiências físicas e cognitivas com os objetos não proporcionaria aos sujeitos o mesmo nível de conhecimento. Mediar é possibilitar interações de forma a conduzir o sujeito a pensar, a ser inteligente. É ensinar que a inteligência não é apenas um dom inato, mas sim um produto de um novo olhar sobre o ser humano.

De acordo com os estudos de Feuerstein, o processo de mediação educativa é constituído por três importantes elementos: o educador, o aprendiz e as relações. O primeiro é qualquer pessoa que possa propiciar, de maneira intencional e guiada, desenvolvimento à outra; o segundo refere-se à pessoa na condição de mediada; o terceiro consiste em tudo o que é expresso/vivenciado no processo de ensino-aprendizagem. A esse respeito, Turra (2007) destaca a necessidade de reforçar que o primeiro - o educador/mediador - é o elo entre o mediado e o saber, entre o mediado e o meio.

Para a eficácia do processo e por ser uma forma especial de interação, a mediação incorpora algumas características que a particularizam. Para que uma interação seja considerada como uma EAM, Feuerstein (1990) lista doze critérios de mediação fundamentais ao ato de mediar: intencionalidade e reciprocidade; significado; transcendência; individuação; compartilhamento; busca da novidade e da complexidade; mediação do sentimento de competência; autorregulação e controle do comportamento; mediação do sentimento de pertinência; otimismo; consciência da mudança estrutural; busca e alcance de objetivos. Entretanto os três primeiros critérios (intencionalidade /reciprocidade; significado; transcendência), concebidos por ele como “universais” (Feuerstein, Feuerstein & Falik, 2014, p. 92), são satisfatórios para que uma interação seja reconhecida como mediação.

Intencionalidade/reciprocidade são para Feuerstein (2002) consideradas como um único critério e indissociáveis na mediação. Desse ponto de vista, o mediador ao interagir com o sujeito, seleciona, interpreta e interfere no processo de construção do conhecimento. O aprendiz não mostra de imediato intencionalidade, ela vai se formando ao longo de um processo. A reciprocidade implica troca e permuta, mas para isso, o mediador deve estar aberto para as respostas do sujeito, que por sua vez deve fornecer indicações de que está cooperando, que se sente envolvido no processo de aprendizagem. O professor mediador provoca curiosidade no aluno. Com isso, obtém respostas.

Para o mesmo autor, o significado refere-se ao valor, à energia atribuída às atividades consideradas relevantes para o mundo. Nesse momento, o mediador demonstra interesse e envolvimento emocional e orienta sobre a realização da atividade, observando se o estímulo que está sendo apresentado está sensibilizando o mediado. No critério “transcendência”, o objetivo é promover a aquisição de princípios, conceitos ou estratégias que possam ser generalizados para outras situações. Exige o desenvolvimento do pensamento reflexivo sobre o que está subjacente na situação, de modo a transcender para outros contextos o conhecimento adquirido. A transcendência estimula a curiosidade, que por sua vez leva a inquirir o desejo de saber mais, de expandir o repertório de experiências por meio de orientações novas e inovadoras.

Os critérios mencionados constituem o tripé da dimensão estrutural. Os demais critérios direcionam a modificabilidade de diferentes maneiras. Por modificabilidade entende-se “o estado de ser modificável, ou seja, nada mais que o potencial humano de aprender sempre” (Feuerstein; Feuerstein & Falik, 2014, p. 28). Dependendo da cultura e relação interpessoal nas quais o indivíduo esteja envolvido, podem ocorrer em momentos distintos, segundo a sua necessidade e relevância, como pontos de equilíbrio e de auxílio uns aos outros, dispondo de um processo aberto e dinâmico com flexibilidade de aplicação e sujeito a modificações. Estes aspectos foram identificados também por Gonçalvez & Richartz (2018).

É por meio de uma EAM que o professor assume o importantíssimo papel de mediador, e possibilita conduzir seu aluno a modificar-se (Lima & Guerreiro, 2019). No entanto, para que tal modificabilidade ocorra, é necessário que não haja simples exposição ao objeto do conhecimento, mas que exista um ambiente modificante. Esse ambiente modificante é o ambiente criado pelo mediador, que age de forma intencional visando à superação das dificuldades cognitivas existentes naquele momento. Por isso, mediação (EAM) e modificabilidade caminham juntas, de tal maneira que sem ela a estrutura cognitiva não sofrerá alterações de modo significativo, isto é, estruturante.

O educador/mediador precisa acreditar no potencial modificante do seu educando/mediado. O aluno que se encontre sob os seus “cuidados pedagógicos” é capaz de aprender, de ampliar os seus horizontes, de pensar de forma adaptável. Segundo Feuerstein (2002), quando o aluno é privado da mediação, ele é privado culturalmente. “Privação cultural é definida como ‘um estado de reduzida modificabilidade cognitiva de um indivíduo, em resposta à exposição direta às fontes de informação’” (Feuerstein, 2002, p. 17). Ainda de acordo com Feuerstein, a privação cultural não tem origem e nem se reduz especificamente à questão social ou econômica, no entanto é base para a explicação da baixa modificabilidade cognitiva, especialmente quando o ambiente social e familiar for empobrecido de interações.

Além da teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) e da Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE), Feuerstein criou outros três sistemas inter-relacionados: a) A Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem (LPAD), sistema que visa reconhecer as dificuldades e habilidades do mediado e, a partir do resultado da avaliação elaborar ou desenvolver, um planejamento sobre a intervenção. b) O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), que consiste em um instrumento que dispõe de conteúdo ou tarefas, intencionalmente fora do currículo escolar, pensadas para promover a modificabilidade do educando, corrigindo suas funções cognitivas deficientes. c) O Programa Modelagem de Ambientes Modificadores (MAM), que tem como objetivo envolver os mediados em ambientes cognitivamente desafiadores especialmente planejados onde os estudantes possam criar oportunidades de aprender e se adaptar, estabelecendo: flexibilidade cognitiva e emocional e capacidade de modificar seu próprio modo de pensar, sentir e de se comportar.

Em Jerusalém, Reuven Feuerstein fundou em 1965 “The Feuerstein Institute”, um centro internacional de educação, tratamento e pesquisa cuja missão é ensinar as pessoas a pensar, aprender e funcionar melhor, alcançados por meio do método Feuerstein, uma técnica educacional única que identifica a aptidão de aprendizagem de um indivíduo, pontos fortes cognitivos e os processos específicos necessários para desbloquear e maximizar seu potencial. O legado de seus estudos e experiências se espalhou por 40 países e, recentemente, também pelo Brasil. Seu programa de intervenção cognitiva é realizado em 80 centros de treinamento, com mais de 10 mil alunos, aplicado em mil escolas, traduzido em 12 línguas e milhares de profissionais formados em seus sistemas aplicativos e teorias em todos os continentes. Em ambientes ­profissionais, o Método Feuerstein é usado para ajudar os funcionários a se adaptarem às novas demandas, e identificar os indivíduos com maior aptidão e potencial. Feuerstein faleceu em 2014, em Jerusalém, aos 92 anos de idade.

3. METODOLOGIA

O presente artigo baseou-se no referencial da revisão sistemática, que consiste na análise da literatura científica do que já se produziu sobre determinado tema. A pesquisa incluiu somente artigos científicos publicados de 2000 a 2020. O recorte temporal se deu em função dos debates acadêmicos sobre as práticas docentes e indicação dos estudos de Reuven Feuerstein no campo da educação brasileira.

Para esse estudo, foi realizada uma revisão bibliográfica das produções científicas sobre o tema, nas bases de dados eletrônicas: Biblioteca Virtual em Saúde no Brasil (Portal BVS) que compreende as bases da Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Idex Psi, Biblioteca Virtual em Salud Enfermagem (Bedenf e Tese), Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePsic), considerando artigos científicos completos, nos idiomas português, espanhol e inglês, nas revistas de psicologia e educação. Na Scientific Electronic Library on Line (SciELO) e portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) consideram-se artigos científicos, seleção Brasil Periódicos; áreas temáticas: educação e pesquisa educacional, psicologia, multidisciplinar, psicologia educacional, psicologia escolar, psicopedagogia, educação especial, educação, disciplinas científicas, ciências sociais, interdisciplinar, humanidades, multidisciplinar e filosofia, nos Idiomas: português, espanhol e inglês.

A busca utilizou uma string, ou seja, um conjunto de descritores com alguns operadores booleanos, mais precisamente o OR e AND, a fim de unificar os procedimentos de busca nas referidas bases e restringir ou ampliar a pesquisa em questão (Koller & Hohendorff, 2014). Utilizando o operador OR e AND para as bases eletrônicas de dados desta pesquisa, as palavras delimitadoras foram: aprendizagem mediada, aprendizagem AND mediação OR mediação docente, experiência de mediação OR experiência AND mediação, professor mediador OR mediação do professor, Pedagogia e mediação, Aprendizaje Mediado, Mediación, Mediación Docente, Maestro Mediador, Pedagogía y mediación, Feuerstein AND mediated learning experience OR, AND mediated learning OR, AND modificabilidade.

Após investigação nas bases acima indicadas, seguiu-se com a análise dos estudos localizados considerando primeiramente o título, após o resumo e, por fim, o texto original, concluindo com discussão baseada nos dados objetivados. Foram incluídos apenas os artigos originais que apresentaram estudos empíricos sobre a aprendizagem mediada (EAM) e alunos da educação básica, publicados no referido período, ou seja, nos últimos 10 anos, nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa. Incluídos também estudos com estudantes com necessidades educativas especiais atendidos em salas de recursos multifuncionais, na educação básica regular. Incluir artigos em outras línguas se deram em função da necessidade de construir uma aproximação exploratória com pesquisas no Brasil. No Brasil, a educação básica corresponde às etapas da Educação Infantil, Ensino Fundamental - anos iniciais e finais e Ensino Médio.

Foram excluídas teses, dissertações e monografias, embora algumas produções abordassem a EAM em pesquisas com estudantes da educação básica. Excluídos ainda, as bibliografias que não atendiam os critérios descritos.

A análise dos dados contidos nos artigos foi realizada com base nas perspectivas da análise qualitativa de conteúdo de Minayo (2001). Na visão da autora, constitui-se na análise de informações sobre o comportamento humano, possibilitando uma aplicação bastante variada e tem duas funções: verificação de hipóteses e/ou questões e descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos. Tais funções podem ser complementares, com aplicação tanto em pesquisas qualitativas como quantitativas, como neste caso que ela se ocupa das duas abordagens.

Para a discussão dos resultados, considerou-se primeiro, destacar o objetivo geral proposto em cada estudo. Em seguida, os resultados e conclusões identificando a mediação e a sua eficácia a partir da EAM.

Todos os artigos foram analisados de forma qualitativa, em conformidade com a questão norteadora do estudo.

4. RESULTADOS

Inicialmente serão apresentados os resultados dos artigos selecionados para este estudo, nas bases de dados BVS, Scielo, Capes e PePsic (Figuras 1, 2, 3 e 4). Na sequência, discussão e conclusões.

Os Figuras indicam a caracterização do acervo estudado, os descritores utilizados, filtros utilizados e periodicidade das produções.

Figura 1 Dados localizados na Plataforma BVS 

Figura 2 Dados localizados na Plataforma SCIELO 

Figura 3 Pesquisa na Plataforma CAPES. 

Figura 4 Pesquisa na Plataforma PePSIC 

Como resultado inicial da busca, foram identificados um total de 61 estudos. Desses, 16 na base de dados BVS, 31 na Scielo, 11 na Capes e 3 na PePsic. Após a primeira leitura considerando o título, 6 estudos foram excluídos por serem repetidos. Dos 55 artigos restantes, realizou-se a leitura dos resumos. Desses, 17 foram excluídos por não relacionar o resumo com a pesquisa descrita e 24 por não se relacionarem diretamente com a temática e o público. Dos 14 estudos restantes, foi realizada leitura na íntegra, excluindo 7 textos por não estarem relacionados à temática mediação da aprendizagem com base nos critérios de Reuven Feuerstein e 3 textos por se tratar de estudo com crianças com Síndrome de Down e Transtornos do Espectro Autista (TAE) atendidas em uma escola de educação especial e não regular. Para a análise foram considerados 4 estudos: BVS (1); Scielo (2); PePsic (1) e Capes (0). Na base de dados da Capes não foram localizados artigos científicos, apenas teses e dissertações referentes à temática, razão pela qual não foram considerados.

Ressalta-se que estudos localizados, embora trouxessem elementos da aprendizagem mediada, desenvolvimento de competências e abordagem na teoria da modificabilidade cognitiva estrutural de Feuerstein, não abordavam a educação básica e sim, a educação especial, enfermagem, mediação docente no ensino superior profissionalizante, presencial e a distância (EAD). Outros estudos, embora realizados com crianças da educação básica avaliados com a EAM, o enfoque foi dado ao funcionamento cognitivo, e não à mediação. E ainda, alguns estudos com avaliação da EAM foram realizados com crianças refugiadas, razão pela qual optou-se pela exclusão. Lembrando que o objeto de estudo é a mediação com base na EAM de Reuven Feuerstein.

5. DISCUSSÃO

O eixo temático analisado é “experiência de mediação” pelo professor, com estudantes da educação básica, independente da etapa frequentada. Vale ressaltar que o tema engloba as produções que empregam o conceito de aprendizagem mediada de Reuven Feuerstein que busca averiguar, por meio da mediação, a modificabilidade cognitiva estrutural. Os artigos foram classificados segundo a abordagem utilizada. Para isso, foram identificados os seguintes estudos.

Marcelo Concário (2014), com o estudo Baixo desempenho e enriquecimento da interação: propostas de Feuerstein e mediação da aprendizagem, investigou sobre o papel da língua portuguesa na construção do conhecimento escolar, tomando como base a promoção de ganhos no desempenho de alunos do ensino fundamental. O objetivo geral do estudo foi discorrer sobre a obra de Feuerstein, as inter-relações entre língua materna e conteúdo específico e o gerenciamento da interação pedagógica. O autor observou 82 aulas com a participação de 32 alunos, 52 professores e 4 estagiários. O estudo destacou a análise mediante intervenções do pesquisador - revela indícios de que a tomada de consciência, de mudança de postura em relação à mediação dos conteúdos trabalhados e de reflexão sobre como falar/escrever sobre o que é estudado na escola contribui para um melhor desempenho nas tarefas pedagógicas, bem como modifica em grande parte a estrutura cognitiva tanto do professor quanto do estudante.

De acordo com Feuerstein, Feuerstein e Falik (2014), o desempenho do estudante em sala de aula tem relação direta com o mediador e a mediação, desde que esta última seja guiada pelos critérios de mediação e que tenha como objetivo favorecer a construção de estruturas cognitivas pelas quais o estudante desenvolva possibilidades de modificabilidade cognitiva. E ainda, para que resulte em modificabilidade cognitiva, torna-se relevante o professor não somente conhecer os critérios de mediação, mas dominá-los de maneira que eles possam guiar o processo de interação mediada em sala de aula. Em outras palavras, para resultar modificabilidade cognitiva estrutural, o professor deve desenvolver paralelamente à mediação, os três principais critérios universais (intencionalidade e reciprocidade; significado; transcendência).

Para ampliar a discussão, pesquisas na base de dados Scielo, destaca-se o artigo intitulado Surdez, mediação e linguagem na escola, das autoras Rute Oliveira do Bomfim e Ana Paula Ramos de Souza (2010). O estudo examina como os princípios da mediação, tomando por base a experiência por aprendizagem mediada de Feuerstein, e de aquisição da linguagem numa abordagem interacionista, podem interferir nas práticas educacionais e/ou terapêuticas na surdez. A pesquisa foi realizada com quatro crianças surdas e suas respectivas professoras com a intenção de verificar o quão frequentes foram os princípios de mediação e seus resultados. Os resultados indicaram que as crianças se tornaram mais ativas, tanto na sala de aula quanto no contexto familiar. O estudo indicou ainda que houve desenvolvimento de competências.

O desenvolvimento das crianças indicados nos resultados do referido estudo mostra a importância da formação e atuação do professor em todos os sentidos. Em seus estudos com crianças da educação especial, Feuerstein ressalta que estas crianças se deparam com vários obstáculos, porém muitos deles podem ser vencidos com a ajuda do professor, por meio da mediação. No entanto, o professor precisa entender concretamente sobre o que ensina, o que diz e faz, além disso, só é possível dizer que a professora praticou mediação se o aluno comprovar o seu sucesso final na realização da tarefa, se o aluno transcender a atividade de forma autônoma (Feuerstein, 2002).

O artigo foi incluído por se tratar de crianças surdas, porém frequentando a educação básica regular.

Outro artigo destacado trás investigação sobre a interação professor-aluno com crianças autistas, por Iara Maria de Freitas, Renata Velozo de Albuquerque Maranhão e Ana Cristina Barros da Cunha. O artigo intitula-se Interação professor-aluno com autismo no contexto da educação inclusiva: análise do padrão de mediação do professor com base na teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (Mediated Learning Experience Theory) (2008). O objetivo foi avaliar o padrão de interação/mediação professor-aluno, por meio de entrevista, com duas professoras que atendem crianças autistas na educação infantil. O padrão de mediação de ambas as professoras apresentou diferenças nos principais componentes de mediação: Intencionalidade, Significação e Transcendência. Uma professora apresentou baixos níveis (nível 1) para todos esses componentes de mediação mencionados, enquanto a outra professora, apresentou níveis 3 de mediação em Intencionalidade. Sendo assim, as autoras concluem que a professora (2º) apresenta comportamentos que não favorecem a modificabilidade cognitiva estrutural da criança. Nessa direção, a escola deve ser capaz de qualificar o professor para promover e a inclusão social e educacional e o desenvolvimento infantil sem deixar de considerar a relevância dos critérios de mediação de Feuerstein.

Na visão de Feuerstein, Feuerstein e Falik (2014), não é aceitável dizer que uma pessoa não pode aprender. Essa premissa diz respeito também às crianças com deficiências. Para os autores, não existe educando ou pessoa que não possa aprender. O que não se pode aprender agora, uma vez desafiado, pode-se aprender daqui a algum tempo. O desafio do mediador é ajudar seu mediado a modificar sua estrutura mental, a respeito de conteúdos e conhecimentos adquiridos em seu processo cognitivo.

Na base de dados da Capes, considerando a temporalidade e temática em Feuerstein, não foram localizados artigos científicos. Por outro lado, ficaram evidentes estudos de teses e dissertações abordando o tema da EAM. Estes estudos centram-se na investigação da prática docente, de como o professor media o aprendizado, se a forma como conduz é adequada ou não, e pouco investiga o resultado da sua prática frente ao aprendizado do aluno com o aluno. Considerando que no Brasil, apesar de a prática docente ser tema recorrente, os métodos de Feuerstein são recentes e a sua aplicabilidade exige conhecimento sobre a EAM.

Nos periódicos em Psicologia, base da PePsic, o estudo selecionado é de autoria de Adriane Censi e Fabiane Adela Tonetto Costa (2013), intitulado Mediação e conceitos cotidianos: os aportes de Feuerstein e Vygotsky para investigar as dificuldades de aprendizagem. O estudo investigou as dificuldades de aprendizagem apresentadas por duas crianças (meninos, gêmeos de 10 anos, no 3º ano do ensino fundamental), porém observando a mediação e formação de conceitos sobre a problemática. A investigação prática desenvolveu-se durante um semestre e organizou-se a partir de observação de aulas, intervenção pedagógica (atendimento educacional) com as crianças e entrevistas com os professores e a mãe. Da análise evidenciou-se que a escassez de experiências de aprendizagem mediada acarretou incipiente desenvolvimento dos conceitos cotidianos nas duas crianças e que esses conceitos estão também na raiz das dificuldades escolares que elas enfrentam. As conquistas recentes dos meninos se justificam, em parte, por essa exposição à EAM. Por fim, as autoras concluem que a escassez de EAM ou a carência de instrução pré-escolar impunham maiores empecilhos à aprendizagem.

Com base nas leituras e análises das aprendizagens, é possível destacar que, desde que a aprendizagem seja mediada (Feuerstein) e não direta, apresenta resultados eficazes, especialmente ao tratar-se do público de inclusão com atenção diferenciada. Aproveitando a máxima de Feuerstein (2002) “aprender é mudar”, no trabalho com estudantes de inclusão, o processo educacional ocorre à medida que se manifesta o desenvolvimento da capacidade de aprendizado do educando.

Na revisão dos quatro estudos selecionados, observou-se que o ponto crucial das pesquisas diz respeito aos resultados da mediação e a sua condução. Os professores identificam e confirmam a modificabilidade cognitiva estrutural, ou seja, com atividades direcionadas considerando os critérios de mediação, as dificuldades são amenizadas e as competências fortalecidas.

Conforme destacado nos quatro estudos, há uma predominância da abordagem qualitativa, bem como da abordagem metodológica baseada nos princípios da mediação de Feuerstein et al. (2014), considerando os três primeiros (intencionalidade e reciprocidade; significado e transcendência).

Com base nos estudos analisados, período compreendido entre 2000 e 2020, ou seja, 20 anos, e os anos de publicação (2008, 2010, 2013 e 2014), nota-se períodos com baixa produção na temática, com o público pretendido. São Paulo é o estado de destaque com três dos quatro estudos; o outro é Belo Horizonte. Em um estudo, os estudantes (ensino fundamental e educação infantil) apresentam necessidades educacionais especiais e, portanto, atendidos também na educação especial. Em outro estudo, a investigação foi com irmãos gêmeos com dificuldades de aprendizagem, anos iniciais (3º ano), ensino fundamental. O terceiro estudo investigou a relação do professor com crianças autistas e outro com 32 crianças do ensino fundamental (anos finais).

No geral, o objetivo principal foi investigar a mediação do professor (baseada em Feuerstein) e o uso de instrumentos e de atividades frente às limitações de aprendizagem do estudante. Na escola observa-se que mediar a prática pedagógica é entendida pelo professor como o momento em que ele acompanha o aluno para que conclua as atividades e apresente resultados, diferente da concepção de Feuerstein que diz que:

[...] a mediação é uma interação intencional com quem aprende, com o propósito de aumentar o entendimento de quem aprende para além da experiência imediata e ajudá-lo a aplicar o que é aprendido em contextos mais amplos - conceitos que vão além da simples transmissão de conhecimento (2002, p. 9).

Quando Feuerstein ressalta a intencionalidade do professor, reafirma a célebre frase de que qualquer um pode aprender se forem dadas as possibilidades. Para ele, o professor deve ficar atento e desenvolver o potencial da criança ao invés de se deter em suas deficiências e déficits.

O que fica evidente é um número significativo de estudos nacionais e internacionais abordando a aprendizagem mediada baseada nas teorias de Reuven Feuerstein, porém, com enfoque na educação especial, em casos com distúrbios severos, na saúde; na mediação docente no ensino superior e em cursos com enfoque profissionalizante (Gomes, 2002; Orru, 2003; Tzuriel, 2014) e a distância (EAD). Vale destacar que estudos com crianças e a educação especial somam grande parte da produção também de Feuerstein.

Fica também evidente uma carência de estudos no tocante aos professores e alunos da educação básica, em sala de aula, sem deficiências, o que aponta para a grande relevância em se empreender pesquisas nesse campo. Outra evidência é a de que a experiência por aprendizagem mediada traz resultados positivos e, consequentemente, desenvolvimento de competências para o estudante nela envolvido. Nos estudos, a mediação investigada não se atém apenas à prática de atendimento do aluno, mas também de se posicionar entre o aluno e o professor. Uma vez estando no meio, possibilita além de aprendizado, modificabilidade cognitiva e estrutural (Feuerstein et al. 2014).

Por outro lado, embora no Brasil e em contextos educacionais, a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural de Feuerstein é ainda pouco conhecida, sua teoria e seu programa de educação cognitiva estão sendo aplicados também em empresas e sindicatos, por entender que é através das trocas estabelecidas com o meio físico e o social que o ser humano se constitui e desenvolve, (re)constrói e se apropria dos conhecimentos, desenvolvendo desse modo, as funções psicológicas superiores (Turra, 2007).

Ao descrever o caminho percorrido por esta pesquisa, levando em consideração a problemática central, a saber: verificar quais contribuições a aprendizagem mediada propicia aos alunos da educação básica, percebe-se a necessidade de se conhecer mais sobre a teoria e a prática de Reuven Feuerstein, e a relevância da temática para a educação.

Em outras palavras, Feuerstein, em seus estudos, deixa claro que as habilidades cognitivas são ensinadas e enriquecidas com experiências culturais e que até mesmo os indivíduos com limitações podiam estender sua capacidade intelectual. Afirma ainda que não se trata de uma mudança, porque esta ocorre no organismo como resultado dos processos naturais e circunstâncias do desenvolvimento e maturação do indivíduo. Se trata de modificabilidade estrutural por influenciarem a estrutura afetando uns aos outros. A modificabilidade se instala e pode permanecer para o resto da vida. Se considerarmos a sala de aula onde todos podem e tem direito de aprender, a sua teoria pode contribuir e muito para transformar realidades ainda desacreditadas por muitos professores.

Imbuídos pelo desejo de vivenciar em nosso país uma educação de crescente aprimoramento e qualidade, é que precisamos buscar aperfeiçoamento constante. A teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, resultante das Experiências de Aprendizagem Mediada, desenvolvida por Reuven Feuerstein, aponta para esse caminho.

6. CONCLUSÕES

O estudo aqui empreendido sobre a experiência de aprendizagem mediada, por docentes, com estudantes da educação básica demarca um avanço significativo na prática docente e no que diz respeito à mediação do ensino e do conhecimento em contexto escolar.

Os estudos analisados representam uma fonte importante de conhecimento para os pesquisadores da área da educação, na formação e na docência escolar, incluindo a educação especial. Ao considerar o baixo número de publicações sobre a temática, constata-se que Reuven Feuerstein é pouco conhecido e, com isso, pouco investigado, embora o tema central seja relevante e estudado a partir de diferentes perspectivas.

Convém destacar que a amostra de estudos analisada sobre a temática se baseia nas experiências de aprendizagem mediada de Reuven Feuerstein com estudantes da educação básica, considerando as bases de dados selecionadas, os descritores e os critérios de seleção utilizados nesta revisão. Para este estudo, foram consideradas as produções de artigos originais produzidos no Brasil, nos idiomas, portugues, inglês e espanhol.

Vale ressaltar que há inúmeras reflexões e discussões teóricas sobre a formação docente, a mediação e a relação com a educação em geral, porém, referenciando outros autores. Apesar de Reuven Feuerstein ser hoje mundialmente reconhecido pela sua Teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada, poucas dessas produções investigam a educação básica, e poucas são produzidas por pesquisadores brasileiros. O que se percebe é um número significativo de estudos centrados em investigações na educação especial, com crianças com dificuldades de aprendizagem, preparação profissionalizante, formação docente e em outras áreas da saúde, com adultos com comorbidades. A esse respeito, ressalta-se a aplicação do seu método estruturado de forma a provocar mudanças na forma de mediar o aprendizado e não somente o ensino.

No que se refere ao autor e aos estudos sobre a EAM, destaca-se que a mediação desenhada para a prática em sala de aula consiste em um processo de intenções guiadas pelos docentes desde que considerados os critérios de mediação, em que se compartilham significados e processos superiores de pensamento, capazes de favorecer a construção de estruturas cognitivas e operações mentais que organizam as ações do estudante, criando a possibilidade de modificabilidade cognitiva. Feuerstein ressalta que não é qualquer mediação, bem como não é para qualquer professor que ao mediar promove modificabilidade, é necessário que o professor queira ensinar e desenvolver no estudante atitudes, tons de voz, gestos, expressividades, olhares e falas que admitam a modificabilidade.

Concluindo, a EAM ajuda as pessoas a se tornarem mais flexíveis, mais bem preparadas para interagir com novas informações por meio de estratégias novas de percepção dessas informações tornando-as mais aptas. O processo de mediação vai além de uma simples e orientada tarefa, de uma orientação de aprendizagem. Ela visa preparar o indivíduo para agir, independentemente de situações específicas, e se adaptar às novas dimensões com as quais irá se defrontar. Visa mediar com intencionalidade e significado de forma a encaminhar o aluno a transcender na compreensão do conteúdo trabalhado, são as três características fundamentais de um bom professor.

Por fim, destaca-se a importância de se conhecer a teoria da EAM e os benefícios que ela pode proporcionar aos estudantes e aos professores, uma vez que o mediador deve ser o primeiro a modificar-se, ou seja, necessita se auto-modificar para poder chegar no indivíduo.

Em vida, Feuerstein pesquisou, acreditou e afirmou que o cérebro muda de maneira mais rápida e mais constante que o corpo. Afirmou que qualquer pessoa, de qualquer idade pode aprender. Com base nessa afirmativa, não podemos continuar produzindo alunos com sentimento de frustração, de inferioridade por ter dificuldades na aprendizagem, para isso requer do professor envolvimento, conhecimento, compromisso com a educação e com a profissão, requer acreditar que é possível fazer diferente. Essa é a proposta da EAM de Reuven Feuerstein.

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Recebido: 14 de Abril de 2021; Aceito: 29 de Março de 2023

Autor de correspondencia: * fabiolimascj@gmail.com

Autor de correspondencia: ** darozmarlene@gmail.com

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