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Educación

Print version ISSN 1019-9403On-line version ISSN 2304-4322

Educación vol.32 no.62 Lima Jan./Jun. 2023  Epub May 18, 2023

http://dx.doi.org/10.18800/educacion.202301.003 

Artículos

Legislações e políticas públicas: um estudo comparado internacional em Educação Especial na Educação Superior

Leyes y políticas públicas: un estudio internacional comparado sobre Educación Especial en Educación Superior

Public laws and policies: an international compared study on Special Education in Higher Education

1Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - Brasil

Resumo

O ensaio analisa legislações e políticas públicas para estudantes público-alvo da Educação Especial na Educação Superior, em contexto latino-americano entre México e Brasil. Para um estudo comparado, baseamo-nos na metodologia histórico-documental trabalhando legislações educacionais entre 1996 e 2018. A perspectiva teórica dos Processos Civilizadores, por Norbert Elias (1993; 1998; 2001; 2006; 2011), destacando um conjunto das relações entre indivíduos e grupos sociais para sua constituição, cujos processos de interdependência formam as figurações humanas e suas ações em paralelo aos Estados em que essas figurações compõem. Os dados demonstram que México e o Brasil contemplam legalmente o acesso de estudantes público-alvo da Educação Especial à Educação Superior. Questionamos sobre a aplicabilidade desses documentos e em que medida a não concretização impacta no Processo Civilizador e aprimoramento do respeito às diferenças.

Palavras-chave: educação especial; educação superior; legislação; políticas públicas; estudo comparado

Resumen

El propósito de este ensayo es analizar las propuestas legales y sus políticas públicas para el ingreso y estadía de estudiantes con discapacidad en Educación Superior, en un contexto latinoamericano entre México y Brasil. Para un estudio comparativo nos basamos en la metodología histórico-documental sobre la legislación educativa que marcó las políticas públicas entre 1996 y 2018. La perspectiva teórica se basa en la idea de procesos civilizadores, desarrollada por Norbert Elias (1993; 1998; 2001; 2006; 2011), destacando que las sociedades utilizan para su constitución un conjunto de relaciones entre individuos y grupos sociales, cuyos procesos de interdependencia configuran las figuraciones humanas y sus acciones en paralelo a los Estados en los que estas figuras la componen. Los datos demuestran que México y Brasil están en condiciones de contemplar legalmente el acceso de las personas con discapacidad en la Educación Superior. Lo que hemos cuestionado es sobre la aplicabilidad de estos documentos legales y la medida en que su falta de materialización impacta nuestro proceso civilizador y la mejora de la condición humana que respeta las diferencias.

Palabras clave: educación especial; educación superior; legislación; políticas públicas; estudio comparativo

Abstract

The purpose of this essay is to analyze legal proposals and public policies related to the entry and permanence of students with special educational needs in higher education, within a Latin American context that includes Mexico and Brazil. To conduct a comparative study, we use a historical-documentary methodology that examines educational legislation and its impact on public policies between 1996 and 2018. Our theoretical perspective is based on the concept of Civilizing Processes, as developed by Norbert Elias (1993; 1998; 2001; 2006; 2011). This perspective emphasizes how societies utilize social relations between different groups to form their constitution and interdependence processes, which in turn impact the actions of individuals as well as the state institutions that govern them.

The data we present in this essay show that Mexico and Brazil have established legal frameworks that recognize the rights of students with special educational needs to access higher education. However, we also question the extent to which these legal documents are effectively implemented and how their failure to materialize can negatively impact our civilizing process, hindering progress towards a society that truly respects diversity and inclusivity.

Keywords: Special education; higher education; legislation,; public policy. comparative study

1. INTRODUÇÃO

Promover um estudo comparado internacional, tendo por base a análise acerca dos processos sociais do público-alvo da Educação Especial no Ensino Superior, entre o México e o Brasil, considerando suas peculiaridades sociais, culturais, legislativas e políticas, na transição entre os séculos XX e XXI, sempre nos apresentou um longo desafio, haja vista que as comparações entre dois países, geograficamente distantes, exigem muito respeito em relação a suas características.

Pensando no desafio de um estudo comparativo internacional, este trabalho tem como proposta analisar as legislações e políticas públicas de entrada e permanência para estudantes público-alvo da Educação Especial no Ensino Superior, em contexto latino-americano, com foco no estudo comparado entre México e Brasil.

Destacamos, como recorte temporal, o final da década de 1980 e o início da década de 1990 até o ano de 2018, pois é um período marcado por reformas na Educação dos dois países. O campo empírico, foco da pesquisa, ocorreu em dois contextos acadêmicos: Universidade Veracruzana (UV-México) e Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes-Brasil).

No contexto desse estudo é pertinente destacar que a UV encontra-se como a quinta instituição pública de Educação Superior representada pelo estado de Veracruz por cinco regiões ou campi. Ingressam a cada ano cerca de 11.500 estudantes. Nela, o processo de ingresso, permanência e saída representa um desafio para os estudantes que apresentam alguma necessidade educacional de atendimento especial, em razão de ainda não estarem disponíveis as condições necessárias para atender cabalmente a este coletivo de acordo com a normatividade jurídica que respalda seus direitos.

A UFES oferta 101 cursos de graduação, abrindo anualmente cerca de 5.157. Possui 53 cursos de mestrado e 22 de doutorado. Apresenta um quadro de 1.630 professores, 2.200 técnico-administrativos, 19 mil estudantes matriculados na graduação e 2.680 na pós-graduação. Sua sede administrativa central está localizada no campus universitário de Goiabeiras, na cidade de Vitória, no estado (província) do Espírito Santo, no Brasil.

Para trabalhar com os processos sociais dessas duas realidades, nos aportamos à perspectiva teórica dos processos civilizadores, elaborada por Norbert Elias (1993; 1998; 2001; 2006; 2011).

Ao tratar dos processos civilizadores, o referido autor aborda as questões relacionadas ao fluxo histórico de longa duração, em que a sociedade se constitui como um todo das relações entre indivíduos e grupos sociais, cujos processos de interdependência formam figurações humanas e experimentam as transformações históricas nas diferentes sociedades interdependentes entre elas.

Desde o delineamento da pesquisa, considerando os objetivos do estudo, organizamos o texto para fazer uma parte introdutória, a fim de ilustrarmos os caminhos seguidos e que levaram à elaboração de uma investigação com o sentido de processo social de Educação Especial no Ensino Superior.

Discutimos como tais questões direcionaram para procedimentos metodológicos e caminhos de pesquisa. Destacamos o levantamento histórico-documental da legislação e das políticas públicas, embora, no que segue, deixamos apenas aquelas que ainda estão em vigor na Educação Especial no México e no Brasil.

Assim, propomos um diálogo com as leis e políticas públicas que o México e o Brasil construíram na transição do século XX para o século XXI, em que as tensões históricas de longa duração foram analisadas de modo a contribuir para com a extensão dos direitos de estudantes público-alvo da Educação Especial em prol da sua educabilidade em sala de aula comum.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Diante das diferentes direções em relação ao estudo comparado em Educação, é necessário dizer que se trata de um estudo que permite o conhecimento da outra pessoa tentado sair dos laços da hierarquia, seja estre os sujeitos analisados, ou, como no nosso caso, a relação com as legislações e políticas públicas enquanto reflexos das características culturais dos países analisados.

Nesse sentido, concordamos com Franco (1992) quando afirma que o estudo comparativo se baseia em estabelecer:

[...] o reconhecimento do outro e de si mesmo pelo outro. A comparação é um processo de perceber diferenças e semelhanças e assumir valores nessa relação de reconhecimento mútuo. Trata-se de compreender o outro a partir do mesmo e, por exclusão, ser percebido na diferença. (p. 14).

Entendemos então que para pensarmos em legislações e políticas públicas sobre Educação Especial entre espaços distintos:

[...] exige do investigador uma atitude favorável ao estudo comparado, de modo a identificar os tópicos recorrentes, as semelhanças nas retóricas produzidas e nas soluções propostas, mas também as dessemelhanças significativas e os traços particulares de âmbito nacional. (Lima & Afonso, 2002, p. 7)

Segundo Lima e Afonso (2002), fatores externos têm implicações diretas nas especificidades internas. Além disso, essas interferências externas, às vezes, foram capturadas por agências de controle do poder financeiro, que teriam consagrado estudos comparados como uma maneira de igualar e classificar. Por esse motivo, o presente estudo é mostrado na tentativa de:

[...] evitar a simples importação de agenda de investigação e a reprodução descontextualizada das análises e críticas produzidas noutros contextos, e de igual modo ao recusar a sobredeterminação de factores racionais e locais. (Lima & Afonso, 2002, p. 7-8)

O que nos faz pensar que um estudo comparado entre o México e o Brasil, mesmo considerando os saques causados ​​pelo processo de colonização/exploração, bem como os problemas históricos das elites locais, precisa superar esse tipo de comparação, uma vez que, apresentado com características comuns, existem diferentes maneiras pelas quais cada Estado trabalha com as questões da Educação Especial no Ensino Superior.

Apesar de, às vezes, tentarmos identificar simultaneamente o que é comum, ou idêntico, e o que é único, específico; no processo de identificação, temos que:

[...] as semelhanças e diferenças não seriam tratadas como estanques, como cópia ou reprodução, mas como resultado da “relação dialética” entre os níveis global e local. Procurando a inter-relação desses dois níveis na organização dos novos sistemas de ensino, é possível iluminar as particularidades e as tendências globais, distinguir o que é próprio/específico do que manifesta a tendência universal, o que demandaria um enfoque de investigação que articula o micro e o macro. (Carvalho, 2014, p. 137)

Pensando nessa perspectiva, um debate sobre o estudo comparado entre tempos e espaços, apesar de paralelos, são apresentados por diferentes perspectivas de ação, juntamente com os processos sociais que o México e o Brasil assumem no que se refere às formas pelas quais a Educação Especial no Ensino Superior segue e suas contribuições para a educação.

Se levarmos em consideração a pesquisa feita sobre legislações, políticas públicas e dados quantitativos anteriores ao início dos anos 2000, veremos que a presença de um espaço garantido para a Educação Especial no Ensino Superior é recente, seja no México ou no Brasil (Bazilatto, 2017; Conceição, 2017).

Por essas razões, entendemos como um processo o movimento da História da Educação, em que não é necessário falar do passado para falar da história (Elias, 1998), uma vez que o registro no presente nada mais é do que um registro da história no presente e que só pode ser analisado no futuro, em sua condição passada, se seu registro ocorrer.

Tratar de registros do processo social de maneira comparada sobre a Educação Especial, do ponto de vista teórico-metodológico, cujo recorte histórico se baseia entre 1996 e 2018, implica-nos dizer também que não se trata de um estudo cuja base venha a ser o calendário e o relógio, como uma fonte do “tempo” (Elias, 1998).

Requer de nós que a análise desse período indique uma breve representação de um fluxo de longa duração, do que vem sendo construído historicamente como direito à educação em todos os seus níveis. Isso provoca-nos dizer que a forma com a qual trabalhamos aqui é a de escrever sobre o processo social da Educação Especial no Ensino Superior, de modo a compreender que os:

[...] acontecimentos passados ou presentes, em nossa sociedade ou em sociedades estrangeiras, representa um grau de progresso. Ela conduziu aqueles que estudam as sociedades sob o prisma que denominamos “história” a trazerem de novo à luz uma massa cada vez maior de fatos particulares, relativos a cada período que eles distinguem entre pré-história e a época contemporânea. (Elias, 1998, p. 148)

No nosso caso, o processo social da Educação Especial no Ensino Superior não se torna “menos histórico ou mais histórico”, pelo simples fato de não estar nas supostas caixas da historiografia. Assim, a Educação Especial no Ensino Superior do México e do Brasil passou por uma transformação na transição do século XX para o século XXI, em que:

Não se trata somente do fato de a sociologia ter se tornado, cada vez mais, um domínio da pesquisa relacionada ao presente, e a história, por sua vez, ao passado; esse tipo de separação proporcionada pela divisão do trabalho, além disso, tem alimentado a tendência a igualar o “histórico” a algo relacionado ao passado e o “sociológico” a algo relacionado ao presente e, consequentemente, a pensar o “presente” e o “passado” das sociedades humanas como se tivessem em si mesmos uma existência separada e independente [...]. Parece evidente que “história” só possa ter esse significado, e nenhum outro. (Elias, 1998, pp. 209-210)

Com base nesse diálogo, reforçamos a necessidade de que a ciência continue a se valer das mais diversas fontes, numa dinâmica do conhecimento. Assim:

[...] nas últimas décadas, se tenta pensar a história ainda que com muitas dessas referências, mas fora de esquemas e ortodoxias, e se adota uma concepção de história que leva em conta toda a experiência humana a que não é alheio o historiador em seu trabalho. (Vieira Peixoto, & Khoury, 2007, p. 17)

Então, este estudo é direcionado para contribuir com a produção de outros sentidos da Educação no Ensino Superior, como é o caso da Educação Especial. Nas abordagens histórico-documentais, baseamo-nos naquelas cujas leis se fazem permanentes, partindo das constituições federais do México e do Brasil, de forma a pensar que estas são reflexo de um fluxo histórico de longa duração, que as concebeu no formato que se encontram hoje. O que trouxe o desafio de que:

Os documentos do Poder Legislativo são importantes, mas a ausência de instituições arquivísticas organizadas e preparadas para abri-las à consulta pública não tem inspirado os historiadores para melhor explorá-los. De maneira geral, pode ser procurado para se consultar os originais da legislação, embora tais documentos sejam encontrados em versões publicadas em diários oficiais e coleções legislativas. (Bacellar, 2011, p. 34)

Os documentos utilizados são oriundos das páginas virtuais da Câmara dos Deputados do México e da Câmara de Deputados do Brasil, e estão disponíveis nos quadros 1 e 2 a seguir.

Apesar de termos entrado em contato com outras tantas leis, decretos, portarias e políticas públicas que tratam do público-alvo da Educação Especial nos dois países (leis trabalhistas, de direito social, direito à saúde e ao lazer etc.), foram priorizados os documentos que abordam do processo de escolarização e que encaminham para o Ensino Superior.

Tabela 1 Relação das legislações mexicanas sobre educação 

Nota: Cámara de Diputados (2020).

Tabela 2 Relação das legislações brasileiras sobre educação 

Nota: Câmara dos Deputados-Brasil (2020).

As leis, além de suas determinações, representam um conceito de sociedade em que foram criadas, e mostram as características de como os grupos que as organizam de compõem, pois são guiadas tanto nos hábitos quanto na alteração destes.

Para o público-alvo da Educação Especial, desde ser considerado como “estorvo” por sociedades mais antigas que a do século XXI no Ocidente, passando por mero “descarte”, relegada à caridade, e que hoje encontrar-se na condição de indivíduos de direito, um longo percurso do processo civilizador precisou ocorrer.

3. DESENVOLVIMENTO

O desafio de fazer um estudo comparado internacional sobre os processos sociais da Educação Especial no Ensino Superior mexicano e brasileiro, considerando suas peculiaridades sociais, culturais, legislativas e políticas, na transição entre os séculos XX e XXI, deixa explícito que há uma continuidade no processo civilizador nesses países, a qual se faz necessário manter.

Analisar as legislações e ases políticas públicas voltadas para o público-alvo da Educação Especial na UV e na Ufes permitiu maior aproximação da realidade desses sujeitos quando acessam o Ensino Superior, e contribuiu para a reflexão sobre o que México e Brasil vêm fazendo com o seu próprio processo civilizador, em que, pelos documentos aqui citados, percebemos um investimento humanitário na preservação dos direitos individuais.

As análises fundamentadas na teoria do processo civilizador (Elias, 1993; 2011) encontram-se aqui na ideia de que processo civilizador não se trata do quanto um determinado grupo se impõe frente a outro, más sim da condição humana na condução de convivência em sociedade, de modo que conflitos e tensões sejam vistos como possibilidades da evolução desse processo.

Dessa forma, compreender que regras fazem parte da organização de todos os grupos sociais dos quais qualquer ser humano venha a compor é de suma importância para que, no caso de um estudo sobre duas federações - México e Brasil -, se entenda a necessidade de constante análise e debate acerca das legislações e políticas públicas que fazem parte dessas sociedades.

As questões que diferem as regras de cada processo civilizador - cosmopolita, núcleos de amizades, núcleos familiares, ou qualquer outro - são as condições que os sujeitos se dispõem a fazê-las, estejam ou não escritas, registradas burocraticamente, ou por acordos transmitidos por histórias orais em sociedade ágrafas, por exemplo. Ou, ainda, pelos pactos não ditos explicitamente entre grupos de amigos e familiares.

Os problemas apresentados evidenciam que a mudança nos “ritos de passagem” para a entrada e permanência no Ensino Superior, com o auxílio das políticas de compensação social, exibe a conquista e segurança de direito. O que não quer dizer que culturalmente tenhamos superado tais questões.

Ademais, faz-nos questionar se há uma democratização ou uma massificação do Ensino Superior, cujas “individualidades de um grupo”, por mais que estejam asseguradas em legislações, mostram que há um longo caminho. Isso também em decorrência de um apagamento da responsabilidade social do Estado, que ultrapassa a linha frágil do não cumprimento dessas legislações.

Outro ponto pelo qual ambas ases universidades, tanto a UV quanto a Ufes, vêm passando, quando o assunto é o público-alvo da Educação Especial, está no entorno de um modelo único de universidade. Isso provoca a necessidade de pesquisas e formação na área da Educação Especial no Ensino Superior, de modo que aprendamos a trabalhar em meio à diversidade, considerando que, independentemente da/o estudante apresentar ou não condições de ser inserida/o no público-alvo da Educação Especial, a aprendizagem exige sensibilidade docente, que vai além da segurança de frequentar um espaço comum de ensino.

Ainda que o façam, precisamos nos questionar sobre em que medida a carga horária de trabalho, a quantidade de hora/aula, a exigência de produtividade de artigos científicos em larga escala, os abusos praticados por agências de fomento à pesquisa, o reduzido tempo para a conclusão de mestrados e doutorados, têm provocado um sucateamento da tríade “Ensino, Pesquisa e Extensão”, a qual a universidade se constituiu historicamente.

O Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que veio como possibilidade de investimento financeiro e de mudança nos currículos, conseguiu contemplar, ainda que, de forma ineficiente, as alterações arquitetônicas das universidades públicas brasileiras de modo geral.

Além disso, quando comparamos as legislações e políticas públicas, percebemos que tanto a UV quanto a Ufes veem que o problema para a própria estrutura que onera o corpo docente pode estar também na sua localização de “zona de conforto” em não repensar práticas de aprendizagem e ensino.

Faz-se necessário que haja adequação do corpo docente às universidades do século XXI, em que a/o docente, além de precisar compreender que o público não é mais aquele homogêneo, rico e privilegiado de décadas atrás, também não é a/o docente a única pessoa que detém ferramentas de acesso à informação, principalmente em meio à revolução das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).

Quando essas relações não são rompidas, percebemos que as estruturas de poder estão intrínsecas nessa sociedade, onde o fato da maioria não se inserir na condição de público-alvo da Educação Especial é o que mantém os formatos de poder na UV e da Ufes.

Todavia, ainda que essas estruturas permaneçam, existem tensões nos processos da interdependência dos quais provocam alterações nos modos como indivíduos, sociedade e Estado conduzem um mesmo processo civilizador, quando, por exemplo, tem-se o caso da estudante surda numa turma de ouvintes na Ufes, bem como de uma estudante cega da UV, que após comprovada a não adaptação da sua avaliação, a instituição reconsiderou como errônea a avaliação não adaptada (Bazilatto, 2017; Conceição, 2017).

Assim, estudantes público-alvo da Educação Especial têm conquistado espaço no Ensino Superior, tal como na UV e na UFES, e não podem ser vistos como meros espectadores de seu processo social e das conquistas por direitos inerentes a sua existência humana. Uma vez que, somente com a participação popular exercendo seu processo de tensão na historicidade do movimento de expansão e universalização da educação, ampliando direitos e políticas públicas junto ao Estado, é que a sociedade terá condições de potencializar os processos de acesso e permanência desse público o ensino superior.

De modo que a América Latina não trabalhe meramente para atingir metas e índices estabelecidos por organismos internacionais, mas que se enxergue na expansão do ensino superior a democratização do saber científico historicamente construído.

Entende-se então que seja indispensável convocar a universidade e as pessoas nela envolvida, para a dedicação de tarefas investigativas para o avanço do conhecimento dos problemas que circundam, e que um estudo histórico-documental complementado pela entrevista oral, cuja análise do processo social em que está inserida advém como uma das possibilidades de pensar o tempo sem hierarquias de si mesmo, no que se refere ao passado, presente ou futuro. Mas fazendo dessa divisão o sustento teórico com o qual a humanidade contribua consigo, para entender o seu próprio estágio de processo civilizador.

Ainda que as particularidades tenham sido consideradas, não podem meramente ser julgadas pela benevolência ou aguardar que ocorram para que sejam contempladas pela correção paliativa. Em Estados federativos, suas legislações e políticas públicas necessitam prever que exceções podem ocorrer e precisam de soluções que contemplem o respeito à condição humana de direito.

Nesse processo, foi possível observar outras questões que o México e o Brasil apresentam em comum, quando comparamos suas legislações e políticas públicas: referem-se aos interesses de organizações de cunho privado, nacionais e/ou internacionais, com ou sem fins lucrativos.

Se ao longo das décadas de 1980 instituições como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional financiaram pesquisas de estudo comparado, visando formas de compreender a realidade de países com os quais forneceu empréstimos financeiros que os afundaram economicamente; por outro lado, as décadas de 1990 e 2000 foram marcadas por políticas em que outras prerrogativas foram gestadas (Célio Sobrinho et al., 2015).

As próprias legislações foram se configurando de modo a estabelecer menor domínio estrangeiro sobre esses países, ainda que seja forte essa influência.

Em ambos os países levamos em consideração os dados relacionados ao primeiro ano em que aparecem informações numéricas sobre estudantes público-alvo da Educação Especial na Educação Superior, e comparamos com o último ano divulgado pelos órgãos responsáveis, para chegar ao percentual de evolução das matrículas.

Tabela 3 Número de matrículas na Educação Superior no México e no Brasil 

Nota: Até o encerramento do presenté trabalho, em 09 de setembro de 2020, o Inep ainda não havia disponibilizado em sua página na internet os dados relativos ao ano de 2019, sobre a Educação Superior no Brasil. Elaboração dos autores (dados do Censo Escolar do Ensino Superior 2011-2018/Brasil e dos Anuarios Estadísticos de Educación Superior 2012-2020/México).

Apesar desse crescimento, de acordo com Hora e Pantaleão (2018), tanto as universidades no México, quanto no Brasil, não deram conta da melhoria de espaços físicos com acessibilidade, e menos ainda das mudanças curriculares, pedagógicas e técnicas para a inclusão e permanência dos estudantes público-alvo da Educação Especial.

No caso brasileiro, mesmo que possuamos esses dados no Censo Escolar da Educação Superior, a sua confiabilidade é duvidosa, tendo em vista que a “Busca Ativa”, feita pelo Núcleo de Acessibilidade da Universidade Federal do Espírito Santo (Naufes), explicitou que a autodeclaração no ato da ­matrícula não representa o real número desse público frequentando a Educação Superior, o que dificulta a organização das políticas de acessibilidade e permanência neste nível de ensino.

Até o segundo semestre de 2016, a Ufes registrava 187 matrículas. Porém, após a “Busca Ativa”, convidando os autodeclarados a conversarem no Naufes, esse número foi reduzido para 54. Atualmente, a Ufes vem implantando uma banca de avaliação no ato de autodeclarar-se, somando aspectos fenótipos aos laudos para se fazer a análise se a/o estudante se insere ou não no público-alvo da Educação Especial.

De toda sorte, ainda que se tenha reduzido o número após a “Busca Ativa”, isso não retira a responsabilidade das coordenações, corpo docente e administrativo de observarem tais questões em seus locais de trabalho, uma vez que a omissão representa a negação dos direitos assegurados constitucionalmente.

As informações como as mudanças e adaptações curriculares, de forma que atendessem às estudantes cega e surda, da UV e da Ufes foram fruto das entrevistas que estabelecemos com as mesmas e docentes que estiveram à frente de setores que organizavam as questões de estudantes público-alvo da Educação Especial nestas universidades.

No caso da UV, as pessoas que cederam as entrevistas foram indicadas pela equipe do “Programa de la Universidad para la inclusión de personas con discapacidad”, de acordo com a disponibilidade de cada indivíduo, levando em consideração as distintas diversidades, sendo essas com deficiência visual, motora, intelectual e de linguagem oral.

Para o caso da Ufes, foram selecionadas quatro pessoas por meio de busca junto aos Diretórios Estudantis e Coordenações de Colegiado, em que as entrevistas orais procederam pelos mesmos caminhos que na UV, com respeito às diversidades que cada estudante possui.

Ambas as instituições com desafios que as fazem situar-se no processo de adaptação para o cumprimento dos direitos do público-alvo da Educação Especial, e as entrevistas foram direcionadas para estudantes de cursos presenciais.

Neste marco de ideais, se aborda o tema com informantes-chave, estudantes do público-alvo matriculadas/os na UV e na UFES, quem por meio de suas vivências descrevem suas experiências de vida, os sentidos, os significados daquilo que sucede e que lhes rodeia; elementos que têm conduzido para a consecução de projetos onde se centra este tema, que desafia a própria universidade.

Também não se quer aqui criminalizar sujeitos, mas contribuir com a produção de trabalhos acadêmicos que objetivam chamar a atenção para a seguridade de direitos humanos, e o quanto os processos sociais narrados, tanto na UV quanto na Ufes, têm contribuído para o processo civilizador em curso nas sociedades do México e do Brasil.

Isso se deve às mudanças de comportamento que o próprio público-alvo da Educação Especial tem promovido. Mudanças estas que versam sobre o comportamento de colegas de classe e docentes. Mudanças, como já sinalizadas, não explicitamente deste momento, mas constituídas no fluxo da escolarização, bem como do próprio modo com o qual a sociedade ocidental tem se constituído em um processo civilizador.

No fluxo do rompimento com processos de “descivilização” (Elias, 2006), encerrar as barreiras passadas do descarte, deixando crianças que nasciam com deficiência para sobreviverem pela própria sorte; questionar medidas caritativas, ainda que estas tenham cumprido papel fundamental diante da omissão do Estado; e chegarmos ao ponto em que entendemos o público-alvo da Educação Especial como detentor de direitos: tudo isso compõe um processo social no fluxo de um processo civilizador que deve continuar.

Essas mudanças de comportamento contribuem para assegurar a execução daquilo que as legislações preveem, e que, por somente existirem, não implicam na efetivação e não asseguram a concretização dos direitos.

Assim, após a nossa análise acerca das legislações e políticas públicas sobre público-alvo da Educação da UV e da Ufes, surgem indagações que instigam a continuidade da pesquisa. Dentre os questionamentos considerados essenciais, está: apesar da legislação e das políticas públicas, das tensões provocadas pelo público-alvo e das dificuldades em concretizar direitos assegurados constitucionalmente, como fazer Educação Especial no Ensino Superior de modo que as atitudes mudem e que os investimentos financeiros contemplem os problemas no atendimento, em um país do capital?

Indagação essa que vai contra os índices de “sucesso” aos quais estudantes são submetidas/os. Sejam nacionais ou internacionais. Refere-se neste trabalho ao conjunto de conhecimento científico e historicamente construído pela humanidade, do qual se dela provém, a ela pertence. E o Ensino Superior não é diferente. Educar precisa ser para além dos “índices”.

Isso faz inteiramente parte do processo social, conforme aponta Elias (2006), tendo em vista a força política e social que a educação especial demonstra ao romper com o histórico do campo do castigo divino, da caridade e ocupar então espaço próprio na educação em seus modos de fazer, de pensar e de ser. Por tais ações (fazer, pensar e ser), configura-se a forma com a qual seres humanos distinguem-se dos demais animais e constroem a história na educação como condição de ciência, na sua própria condição de ser e se fazer humana.

4. CONCLUSÕES

Diante do exposto, o texto se fundamentou em produzir informações de cunho qualitativo para chegar aos resultados apresentados, sem com isso, necessariamente estabelecer um paralelo comparativo para encontrar “as mesmas informações” em ambas ases universidades.

O intuito foi de entender que o estudo comparado que produzimos tem por interesse entender que as informações, independentemente de quantas sejam, nos demonstram um somatório de como temos aprendido, UV e Ufes, México e Brasil, a produção de um mesmo capítulo da história da Educação Especial no Ensino Superior.

Assim, tomamos por interesse observar que a apresentação e exemplificação de informações coletadas nas duas universidades apontadas foram no sentido de dialogar com a literatura que já pesquisou sobre o assunto, tal como em Bazilatto (2017) e Conceição (2017) somados aos documentos indicados como estudados nas tabelas e que subsidiaram as considerações tecidas no artigo.

Concluímos esses apontamentos indagando por meio de duas questões que emanam do processo da pesquisa. A primeira - que se subdivide em três: a presença de estudantes público-alvo da Educação Especial nas universidades movimenta a balança de poder na relação estabelecidos e outsiders no cotidiano das instituições? Como? Por quê?

A segunda, remete-nos às reflexões em que uma das principais críticas à escrita da história, inclusive em Elias (1993; 1998; 2001; 2006; 2011), é essa de que: para se falar de história tem-se que falar de um tempo passado, esquecendo-se de que há um registro no presente que só pode ser analisado no futuro como passado, se ele for registrado? E que é este o foco da história: estudar os registros?

Um estudo que se utilizou dos recursos histórico-documentais não se referenda somente por si, mas ao mesmo tempo fez-se necessário contextualizar sob quais condições políticas as referidas legislações foram construídas.

No entanto, essa é outra crítica que o Elias (2011) faz a esta forma de hierarquizar o registro da história: a de que para ser história tem que dizer do momento político, econômico em que o país vivia, por exemplo. E entendemos a crítica quando pensamos em história da educação e, mais ainda, de um campo marginalizado na história da educação, como é a educação especial.

Ao longo do texto existem questões que explicitam o quanto a pesquisa científica proporciona do frutífero campo das incertezas, o que nos permite, ao menos, por enquanto, dizer que o reconhecimento da humanidade do outro é também o reconhecimento da própria condição humana e da sua/nossa história e, em conjunto, possibilitam caminhos para a manutenção do processo civilizador.

Referências bibliográficas

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Recebido: 18 de Dezembro de 2020; Aceito: 02 de Março de 2023

Autor de correspondencia: * jhora1988@gmail.com

Autor de correspondencia: ** alexandrebztt@gmail.com

Autor de correspondencia: *** edpantaleao@hotmail.com

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