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Contratexto

versión impresa ISSN 1025-9945versión On-line ISSN 1993-4904

Contratexto  no.35 Lima ene./jun 2021

http://dx.doi.org/10.26439/contratexto2021.n035.4881 

Tendencias

O uso das affordances dos dispositivos móveis para a oferta de notícias: uma análise dos aplicativos de jornais latino-americanos

El uso de las affordances de los dispositivos móviles para la oferta de notícias: un análisis de los aplicativos de periódicos latinoamericanos

Using mobile device affordances for news offering: an analysis of Latin American newspaper apps

1Universidade Federal do Paraná novo.eri@gmail.com

Resumo.

Este estudo trata do uso de affordances dos dispositivos móveis em aplicativos de notícias. O objetivo é identificar de que forma os recursos nativos dos aparelhos são explorados pelos grupos de mídia para a oferta de conteúdo informativo e de serviços, como a previsão do tempo. Para isso, são analisados os aplicativos de todos os jornais associados ao Grupo de Diários América (GDA), entidade que reúne publicações de 11 países da região. O resultado revelou que a maioria dos veículos explora de forma resi- dual as possibilidades propiciadas pelas affordances em seus aplicativos. Embora o telefone móvel seja a principal forma de acesso à internet no continente, encontramos em nossa amostra jornais sem aplicativo, o que retrata um cenário ainda desafiador frente às novas tecnologias móveis.

Palavras-chave: jornalismo móvel; dispositivos móveis; aplicativos de notícias; affordances; Grupo de Diários América

Resumen.

Este estudio trata sobre el uso de las prestaciones de los dispositivos móviles en aplicaciones de noticias. El objetivo es identificar cómo los grupos de medios explotan los recursos nativos de los dispositivos para ofrecer contenidos y servicios informativos, como la previsión meteorológica. Para ello, se analizan las solicitudes de todos los periódicos asociados al Grupo de Diarios América (GDA), organización que reúne publicaciones de once países de la región. El resultado reveló que la mayoría de los vehículos explotan las posibilidades que brindan las prestaciones en sus aplicaciones de manera residual. Si bien el teléfono móvil es la principal forma de acceso a internet en el continente, encontramos periódicos sin aplicación en nuestra muestra, lo que retrata un escenario aún desafiante de cara a las nuevas tecnologías móviles.

Palabras clave: periodismo móvil; dispositivos móviles; aplicaciones de noticias; affordances; Grupo de Diarios América

Abstract.

This study deals with the use of mobile device affordances in news applications. It aims to identify how media groups take advantage of the devices’ native resources to offer informative content and services, such as the weather forecast. To that end, all the newspaper applications associated with the Grupo de Diarios América (GDA), an entity that gathers publications from 11 countries of the region, were analyzed. The result revealed that most newspapers take advantage of the potential provided by affordances to their applications in a residual way. Although mobile phones are the main form of Internet access in the continent, we found newspapers without an application in our sample, which portrays a still challenging scenario in the face of new mobile technologies.

Keywords: mobile journalism; mobile devices; news applications; affordances; America Group of Daily Newspapers

Introdução

A conexão através de dispositivos móveis impactou na forma como as notícias são transmitidas ao público e no modo como esses conteúdos são produzidos nas redações. No campo do jornalismo, as rotinas de produção de notícias passaram por uma das maiores mudanças da história, sendo possível aos profissionais atualizar as notícias com informações colhidas no lugar em que os fatos acontecem. Canavilhas e Satuf (2015) destacam que até o início deste século, as fotografias e vídeos produzidos em campo demoravam para chegar nas redações. Embora já existissem equipamentos portáteis, eles não permitiam conexão à internet para a transmissão dos dados. Hoje, os dispositivos móveis não só possibilitam que o material seja captado facilmente através de câmeras integradas a estes aparelhos, como também que sejam transmitidos em tempo real por meio de uma rede sem fio.

O acesso através de dispositivos móveis permite que a navegação na rede possa ser possível a partir de praticamente qualquer lugar. Somado a isso, smartphones e tablets propiciam um desapego cada vez maior dos limites impostos pelas tecnologias fixas, centradas em grandes equipamentos e cabos de telefonia, como era comum até o final do século 20. Canavilhas e Fidalgo (2009) lembram que era uma internet de obstáculos devido a restrições impostas pela conexão. “São os celulares que verdadeiramente trazem a liberdade de movimentos no acesso à internet” (p. 103).

O paradigma da mobilidade também trouxe transformações no modo como o público consome as notícias. Mais do que isso, os acontecimentos passam a poder ser registrados pelos usuários. Goggin (2020) ressalta que as potencialidades de produção de conteúdo pelo público aumentaram, permitindo enriquecer a narrativa jornalística, ampliando o alcance da redação e aproximando a notícia da noção de ubiquidade. Nessa perspectiva, as mudanças ocorridas no jornalismo permitiram dar mais protagonismo à audiência. As formas de participação do usuário na construção da notícia passam tanto pela colaboração através da publicação em blogues e contas em redes sociais, como também por meio do envio de material para as redações diretamente através do dispositivo móvel.

Salaverría (2016) lembra que a convergência no jornalismo é um processo provocado pela implantação de tecnologias digitais que ocorre em várias dimensões, incluindo o âmbito tecnológico, empresarial, profissional e editorial. Sobre a ubiquidade na profissão, o autor define o fenômeno como aquele “que estará ao alcance das pessoas em todo momento e lugar, e se adaptará automaticamente a seus interesses e necessidades” (p. 259). Nesse sentido, “tanto o consumo como a produção de conteúdos jornalísticos se realizará num sistema interconectado de dispositivos que permitirá uma comunicação cada vez mais corpórea com a informação - através da voz, dos gestos, do movimento dos olhos ou, quem sabe, pelo poder da mente” (p. 260).

Na era dos dispositivos móveis, os usuários usam aplicativos de notícias para consumir informação. Essas aplicações oferecem aos utilizadores serviços de push news ou recebimento de alertas noticiosas por meio de notificações enviadas sem o requerimento imediato do usuário. Fidalgo (2009) enfatiza que a tecnologia push é uma das principais características que distingue a oferta de notícias no telefone celular de outros meios, uma vez que o smartphone está ligado 24 horas por dia e ao longo desse período pode receber informações através de um recurso nativo inserido em rotinas de sistemas operacionais, tais como iOS e Android. No browser as notificações são mais restritas, limitando-se ao próprio navegador.

A essência da tecnologia por trás das push news reside na possibilidade de inserção de affordances, ou seja, de rotinas computacionais nativas, incorporadas às narrativas jornalísticas. Para Silveira, as affordances “é a potência, é uma pré-condição do sistema/objeto para a atividade”, ou seja, a sua existência “não obriga que a ação que ela pressupõe seja efetuada, mas a potência dela ocorrer está ali” (2019, p. 64).

Fidalgo (2009) lembra que a construção e difusão da notícia para os dispositivos móveis é possível a partir de um trabalho em equipe que conjuga diversas habilidades. Além de jornalistas, a atuação de programadores e designers é essencial. Assim, num esforço interdisciplinar, esses profissionais são capazes de explorar as funcionalidades e as características técnicas que podem ser percebidas, acionadas e disponibilizadas para a interação com a narrativa jornalística nos aplicativos. O autor chama atenção para o fato de que as notificações de notícias propiciadas pela tecnologia push podem servir como um filtro entre o que são consideradas hard news, ou notícias importantes, e o que são consideradas informações superficiais ou sem relevância.

Pavlik (2020) ressalta que ao fazer uso desses alertas, o jornalismo atua não apenas para chamar atenção da audiência, mas também como construtor de acontecimentos mediáticos dentro de um campo personalizado, individualizado e seletivo em que o público está inserido. A contínua atualização por meio de notificações possui ainda uma função de agendamento do espaço público (Habermas, 2016) com vistas à compreensão do jornalismo enquanto instância favorecedora de uma ética discursiva. Esse espaço comum muitas vezes é criado para validar e legitimar “vontades” do público que podem ser confundidos com “consensos fabricados” para obedecer a interesses institucionais dos meios de comunicação.

Para Habermas (2016), os meios de comunicação de massa atuam como uma fonte de poder diante da sua audiência. Esse poder está relacionado com a tecnologia da informação dos media e o modo como os profissionais de impressa selecionam e processam o conteúdo que consideram relevante. Esse processo implica na interferência da formação das opiniões públicas e da distribuição do que ele considera como “interesses influentes”. O autor alemão complementa sua ideia ao afirmar que “a utilização do poder dos media manifesta-se na escolha da informação e do formato, na forma e no estilo dos programas e nos efeitos de sua difusão - através de mecanismos como agenda setting, priming e enquadramento das questões” (2016, p. 17).

Jornalismo móvel

O jornalismo digital já passou por vários processos evolutivos. Mielkniczuk e Barbosa (2005) dividem essas mudanças em três gerações. A primeira apresenta um webjornalismo centrado na migração de conteúdos do jornal impresso para a internet sem um tratamento específico para as notícias; na segunda geração, que acontece no final da década de 1990, existe uma busca de exploração da linguagem própria para o novo ambiente; já a terceira geração, traz novos recursos para a prática do jornalismo, focado na oferta de recursos multimídias e outros elementos audiovisuais para a construção de uma nova narrativa.

Entre as novas tendências na linha de evolução do jornalismo para além do formato impresso, Silva (2013) aponta a existência de uma quarta geração, na qual o jornalismo toma as bases de dados como fonte para a narrativa. Existe, no entanto, uma quinta geração que, por sua vez, contextualiza melhor o objeto deste estudo. Palacios e Cunha (2012) definem esse novo momento do jornalismo tendo como perspectiva as plataformas móveis, que se apropriam de todas as características evolutivas das anteriores acrescentando novos elementos, como a portabilidade, a mobilidade de produção e o consumo como novas formas de interagir em termo de interface. Assim, novos paradigmas de estudo e análise surgiram, a começar pela adoção do termo jornalismo móvel, descrito por Silva como a utilização de tecnologias móveis digitais e de conexões de redes sem fio “na prática jornalística contemporânea visando ao desenvolvimento das etapas de apuração, produção e distribuição de conteúdos do campo ou de transmissão ao vivo” (2015, p.90).

No lado do jornalista, as tecnologias móveis trouxeram mudanças significativas em seu trabalho de campo. Westlund, define os jornalistas móveis (MoJos) como aqueles profissionais que “usam dispositivos móveis (extensivamente) em suas reportagens” (2012, p. 16). Com o advento dos smartphones e tablets e com a consolidação da conexão sem fio via 4G e 5G, os jornalistas passam a ter a possibilidade de atualizar os fatos apurados no lugar em que eles acontecem, podendo enviar imagens em alta resolução e fazer entradas ao vivo em vídeo. Moretzsohn (2002) ressalta que com a possibilidade de atualização contínua e sob a pressão do fetiche da velocidade o profissional da notícia se vê obrigado a adotar novas práticas de apuração e produção do conteúdo. Os dispositivos móveis também são úteis para a busca de informação. Bivens (2008) ressalta que os jornalistas têm o poder de verificar instantaneamente declarações e fatos anteriores ao entrevistar um político.

Com maior ou menor grau, a realidade é que a evolução do jornalismo móvel não tem acompanhado o mesmo ritmo do crescente número de usuários que navegam por celulares e tablets. Isso é perceptível não apenas na produção, mas também na difusão e recepção. Os indicadores recolhidos por Canavilhas e Santana (2011) apontam para uma lenta adaptação aos novos formatos. Para os autores, aquilo que se verificou nos primeiros anos do jornalismo digital, isto é, uma implementação e evolução rápidas de conteúdos do papel para a versão online, não se repete neste novo cenário de convergência. Segundo eles, uma das razões para o crescimento tímido nos primeiros anos do jornalismo móvel se deve a crise econômica que se seguiu a partir de 2008, o que enfraqueceu os investimentos das empresas de comunicação.

O Relatório de Notícias Digitais 20201, produzido pelo Instituto Reuters em parceira com a Universidade Oxford, é considerado um dos principais estudos mundiais sobre jornalismo e novas tecnologias. Ao todo, mais de 80 mil pessoas foram entrevistadas em 40 países, abrangendo todos os continentes. Na América Latina, quatro países participaram da pesquisa: Argentina, Brasil, Chile e México. Conforme ilustra a Figura 1, a maioria dos usuários consomem notícias através do smartphone, com média de 80%, seguido do computador, com 33%, e tablet, com 10%. Os índices demonstram equilíbrio entre os países, mas o Brasil foi o que menos registrou preferência pelo consumo de notícias via celular, tendência mais fortemente captada no Chile.

Fonte: Instituto Reuters/Universidade Oxford (2020)

Figura 1 Consumo de noticias por tipo de ispositivo 

As affordances na palma da mão

Ao analisar as modificações tecnológicas nos meios de comunicação é comum uma tendência de associação das características nativas da tecnologia à indução de inovações, principalmente quando esses recursos conseguem oferecer novas soluções nas maneiras de utilização dos objetos aplicados ao jornalismo. Nesse sentido, o uso da tecnologia push para notificações de notícias apresenta novas implicações aos quais a linguagem e os processos jornalísticos são submetidos considerando as limitações, características e potencialidades desse novo mecanismo inserido nas empresas jornalísticas. “No que diz respeito mais especificamente a inovações no jornalismo, os estudos recentes têm associado de maneira consistente e recorrente a inovação à tecnologia” (Palacios, et al, 2015, p. 14).

Um dos conceitos centrais deste trabalho está relacionado ao termo affordance no sentido de sua aplicação ao acionamento de funcionalidades nativas aos dispositivos móveis conectados. Contudo, essa expressão foi cunhada pela primeira vez pelo psicólogo James J. Gibson, em 1989, e depois introduzida em estudos relacionados a interação entre homem e máquina por William Gaver, Donald Norman, entre outros. Para este estudo, nos interessa o quadro referencial de Gaver (1991, p. 80), que divide as informações perceptíveis de determinado objeto. Dos três tipos descritos na Tabela 1, vamos considerar em nossa análise apenas as affordances visíveis.

Tabela 1 Tipos de Affordances  

Tipo Definição
Affordance falsa O recurso é identificado pelo usuário, mas não tem nenhuma função prática
Affordance oculta Existem possibilidades de ação, mas estas não são percebidas pelo utilizador
Affordance visível Há informações disponíveis de modo que o usuário perceba e possa utilizar o recurso

Fonte: Gaver (1991)

No campo do jornalismo, as affordances dos dispositivos móveis podem ser aplicadas às narrativas, produção e difusão de notícias. Martin Kaplan (2009) ressalta que as push news são usadas pelos seletores de notícias para chamar a atenção da audiência para fatos que nem sempre os interessam. Ele lembra que embora o envio de alertas noticiosos não seja novidade, sendo feito através de e-mails desde a década de 1990, os meios de comunicação não se preocuparam em oferecer uma seleção de conteúdo mais autônoma. Nessa perspectiva, se aplica a tradução literal de “empurrar” as notícias.

A tecnologia dos telefones celulares e tablets atuais permite saber a localização do usuário através de sistema de posicionamento global, mais conhecido pela sigla GPS (em inglês global positioning system), integrado aos equipamentos ou também por meio de torres de celulares ou redes Wi-Fi. Esse recurso é considerado outra affordance dos aparelhos móveis e permite a oferta de notícias e serviços de utilidade pública baseados na exata localização do utilizador. Luna e Fante explicam que o mecanismo é ativado a partir do “acionamento do sensor já presente no dispositivo móvel e seu uso atua em favor da distribuição de notícias” (2016, p. 179). No caso dos aplicativos, os veículos de imprensa podem identificar de que lugar o usuário está acessando e oferecer uma seleção dos acontecimentos daquela localidade ou região. Também é possível personalizar a previsão do tempo e as condições do trânsito a partir do acionamento desse recurso.

Os dispositivos móveis atuais possuem também recursos multimídia integrados aos aparelhos, como é o caso de câmeras que podem ser usadas para fotos e vídeos, além da possibilidade da gravação de áudio. Nesse sentido, os veículos de imprensa podem usar dessas características para permitir que o público possa participar ativamente do processo de construção da notícia, enviando imagens, denúncias e estimulando pautas de seu interesse ou repercutindo e colaborando com informações já previamente divulgadas. Portanto, a partir de um aparelho móvel o usuário conectado dispõe de uma série de recursos que podem contribuir com o trabalho dos jornalistas e com a narrativa dos fatos, bastando aos veículos de imprensa permitirem o acionamento desses recursos em seus aplicativos.

Por fim, um outro diferencial dos dispositivos móveis reside no fato de geralmente serem usados por apenas uma pessoa, o que permite a personalização aos usuários. Um fato que reforça a ideia de que esses aparelhos pertencem a somente um indivíduo pode ser verificado através do funcionamento dos dois principais sistemas operacionais. Enquanto o Android requer a criação de uma conta da Google, o iOS está associado ao “iCloud” (serviço de armazenamento virtual de arquivos da Apple). O uso individual é outra característica distinta dos dispositivos móveis. No caso dos aplicativos de notícias, este contexto pode ser usado para que os usuários possam filtrar o conteúdo de seu interesse, salvando informações para leitura offline, selecionando os assuntos e editorias e montando a sua própria “playlist” de acontecimentos. Nessa perspectiva, as affordances permitem que os utilizadores de celulares e tablets montem as suas próprias seleções com os fatos que jugam mais relevantes.

Metodologia

De acordo com relatório da GSMA2, principal entidade de operadoras de telefonia móvel no mundo, divulgado em 2020, a América Latina possuia 427 milhões de celulares conectados à internet em 2018, o que representa 67% da população da região. A previsão das operadoras é que até 2025 esse universo chegue a 87%. Diante de um contexto cada vez mais conectado, nosso objetivo é entender como o jornalismo está se apropriando dos recursos que as affordances dos dispositivos móveis permitem.

A nossa primeira hipótese (H1) é de que os aplicativos de notícias dos 11 jornais analisados não exploram todo o potencial das affordances para a oferta de conteúdo aos usuários. Além disso, a nossa segunda hipótese (H2) acredita que, apesar do crescente número de ferramentas e dos avanços propiciados pelas novas tecnologias, os veículos de comunicação continuam a desprezar o papel ativo da audiência por meio de recursos de interatividade e personalização do usuário, mantendo o mesmo pacto de leitura dos jornais impressos.

Para a operacionalização da pesquisa, utilizamos como metodologia a análise quantitativa de conteúdo proposta por Bardin (2010) que orienta que todo material coletado seja considerado. A autora também propõe a categorização como forma de operacionalizar os resultados da pesquisa a partir da crença de que esse modelo “não introduz desvios (por excesso ou por recusa) no material, mas que dá a conhecer índices invisíveis, ao nível dos dados em bruto” (Bardin, 2010, p. 147). Para este estudo, as categorias serão construídas considerando as affordances visíveis dos dispositivos móveis, como o envio de notificações e o acionamento de serviços de geolocalização.

Como o nosso objetivo é analisar os aplicativos de notícias na América Latina, utilizamos como critério para seleção do corpus todos os membros do Grupo de Diários América (GDA), entidade que reúne 11 jornais da região de diferentes países, em setembro de 2020. São eles: La Nación (Argentina), O Globo (Brasil), El Mercurio (Chile), El Tiempo (Colômbia), La Nación (Costa Rica), El Universal (México), El Comercio (Peru), El Nuevo Día (Porto Rico), El País (Uruguai), El Nacional (Venezuela) e La Prensa Gráfica (El Salvador). Desses, o único título que não é editado em espanhol é o jornal brasileiro.

Para a coleta, optamos por considerar apenas a loja de aplicativos do Android. De acordo com o ranking de 2020 da StatCounter3, este é o sistema operacional mais utilizado no mundo, estando presente em quase 75% dos dispositivos móveis. Na América do Sul, região que concentra sete dos 11 jornais analisados, esse percentual é ainda maior, chegando a 88% dos aparelhos. Optamos pelo recorte semanal por se tratar do mesmo período de referência usado pela Reuters Institute para o Relatório de Notícias Digitais, acima citado. Deste modo, os aplicativos aqui analisados foram monitorados entre 21 e 27 de setembro de 2020. Isto posto, apresentamos a seguir os resultados da pesquisa empírica e a discussão dos dados.

Resultados

A primeira categoria verificou o número de downloads que cada aplicativo possui na Google Play, loja do sistema Android. O objetivo é verificar se existe uma assimetria entre eles considerando a dimensão de cada país. A Figura 2 mostra da esquerda para a direita os jornais que possuem a maior quantidade de usuários. Esse número foi obtido na própria Google Play, que disponibiliza a informação aproximada, não o número exato, e dividindo por faixas de downloads efetuados: 1 mil, 10 mil, 50 mil, 100 mil, 500 mil e 1 milhão. O dado contempla o total de vezes que o aplicativo foi baixado, o que não quer dizer que necessariamente ele esteja ativo no aparelho. Ainda assim, é um indicador importante para medir o interesse pelo serviço.

Fonte: Google Play (21/09/2020). Elaboração própria

Figura 2 Aplicativos por nº de mil downloads 

Apenas três jornais analisados apareciam entre os aplicativos com mais de 500 mil downloads na Google Play em 21 de setembro de 2020, dia em que a coleta desse dado foi efetuada. São eles: El Nuevo Día, de Porto Rico; El Tiempo, da Colômbia; e La Nación, da Argentina. Embora os dois últimos estejam no grupo dos maiores países da América Latina, com mais de 40 milhões de habitantes, chama atenção o fato de Porto Rico, um dos menores da região (com menos de 4 milhões de habitantes) despontar entre os primeiros. Uma das explicações pode estar no fato da ilha caribenha ser um Estado associado aos Estados Unidos, país que concentra uma grande quantidade de imigrantes hispânicos. Além disso, em 2003 o jornal passou a circular no estado da Flórida, servindo como uma das principais fontes de informação aos imigrantes.

Por outro lado, o jornal O Globo, representante do Brasil, o maior país da América Latina (com mais de 210 milhões de habitantes), aparece apenas com 100 mil downloads. Neste grupo, estão outros três diários: El Comercio, do Peru; El País, do Uruguai; e El Universal, do México. O La Nación, da Costa Rica, contabilizou 50 mil downloads. Optamos por mencionar os jornais onde os aplicativos não foram encontrados, pois a ausência também é simbólica. Neste caso, três jornais zeraram nesta categoria: El Mercurio, do Chile; El Nacional, da Venezuela; e La Prensa Gráfica, de El Salvador. O caso da Venezuela é ainda mais crítico, pois não foi possível encontrar nenhum outro jornal concorrente em nossa busca, diminuindo as fontes de informação no ambiente que concentra a maior quantidade de usuários conectados. Contudo, todos os jornais sem aplicativos oferecem design responsivo, o que permite uma melhor experiência de navegação em diferentes tipos de tela, como no smartphone.

Nota: Coleta entre 21 e 27 de setembro de 2020. Elaboração própria.

Gráfico 3 Total de push news por jornal 

A segunda categoria mapeou, exclusivamente, o envio de push news, uma das affordances dos dispositivos móveis. Dos oito jornais com aplicativos, metade deles não enviou nenhuma notificação entre os dias 21 e 27 de setembro. São eles: El Comercio, El Pais, El Universal e La Nación. Por sua vez, os jornais El Nuevo Dia, El Tiempo, O Globo e La Nación enviaram uma grande quantidade de notificações durante a semana analisada. O Gráfico 3 mostra a proporção de push news enviada pelos quatro jornais durante os dias da coleta. Nenhum deles pediu a aprovação dos utilizadores para enviar os alertas, que passaram a ser disparados minutos após o aplicativo ser instalado no aparelho.

O jornal que disparou a maior quantidade de notificações foi O Globo, com uma média de 24,7% de alertas por dia, um por hora. A maior parte das notícias tratavam de assuntos internos do Brasil, especialmente envolvendo a política, a economia e a pandemia da covid-19. O segundo jornal que mais disparou push news foi o porto-riquenho El Nuevo Dia, com uma média de 20 notificações por dia, uma para cada 80 minutos. Neste caso, a maio parte das notícias envolviam o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e repercutiam os efeitos da pandemia na economia e no turismo local. Observou-se poucos alertas com informações domésticas, o que evidencia que o jornal prioriza questões mais regionais, que impactam na vida dos imigrantes hispânicos. A maior parte dos alertas traziam textos com fotos, ao contrário de O Globo, que constava apenas o título.

O terceiro jornal que mais enviou alertas aos usuários foi o argentino La Nación, com uma média de 14,8% de notificações diárias. A maior parte das notícias eram sobre assuntos internos do país sul-americano, com destaque para informações políticas, econômicas e sobre a covid-19. Em último lugar aparece o diário colombiano El Tiempo, com uma média de apenas oito push news por dia. Percebe-se um equilíbrio entre os assuntos domésticos e internacionais. Quase todos os alertas vieram acompanhados de fotos, ao contrário do título argentino. Uma semelhança observada nos quatro jornais é uma diminuição no número de notificação durante o fim de semana. Os dias com mais envios são entre quarta e sexta-feira. Considerando os quatro veículos, a média geral foi de 16,8 disparos por dia.

A terceira e última categoria trata especificamente das affordances encontradas em todos os aplicativos de jornais analisados. Neste caso, apenas consideramos aquelas que podem ser reconhecidas e acionadas pelos usuários, portanto as affordances visíveis. A Tabela 2 detalha as características encontradas em cada título da nossa amostra. Em relação ao envio de alertas, nenhum dos quatro aplicativos que disponibilizam a função sem o requerimento do utilizador permite escolher quais assuntos ele deseja receber. Por sua vez, o La Nación, da Costa Rica, é o único que só envia os alertas se o usuário aceitar. Além disso, também permite filtrar as editorias de seu interesse, para que só determinadas notícias sejam notificadas. Os outros jornais da lista não enviam push news.

Tabela 2  Affordances visíveis 

Jornal Push Login Custom GPS Upload
El Comercio - X X - -
El Nuevo Día X X X X -
El País (UY) - X - - -
El Tiempo X X X - -
El Universal - X X - -
La Nación (AR) X X X - -
La Nación (CR) X X - - -
O Globo X X X - -

Nota: Coleta entre 21 e 27 de setembro de 2020. Elaboração própria.

Todos os oito aplicativos analisados ofereciam a opção para o usuário efetuar o login de acesso. A maior parte deles também permitia entrar utilizando uma rede social digital. No entanto, nenhum deles condicionou a navegação na plataforma ao login, embora a maioria disponibilize na tela de entrada essa opção, como é o caso do El Nuevo Dia e do O Globo. Como vimos, o uso individual é uma característica distinta dos dispositivos móveis. Ao identificar os utilizadores, os serviços podem oferecer recursos personalizados, tanto em relação ao conteúdo como também em publicidade. Além disso, é possível fazer a coleta de dados pessoais para fins comerciais, o que implica questões sobre a preservação da privacidade. A Lei Geral de Proteção de Dados do Brasil (LGPD), Lei 13.709/2018, determina que todo e qualquer dado pessoal coletado deve ser feito de forma consentida. No caso de O Globo, ao efetuar o login não é informado para que fim os dados serão utilizados.

Entre os recursos de personalização, o El Comercio permite favoritar as notícias de maior interesse e mudar a cor da tela para o modo escuro. O argentino La Nación disponibiliza a função para aumentar o tamanho da letra. No entanto, nenhum deles permite filtrar o conteúdo ou selecionar as notícias que deseja ou não ver na tela inicial. O uso do GPS, uma das principais affordances dos dispositivos móveis também é quase ignorado pelos jornais. Apenas o El Nuevo Dia utiliza a ferramenta. Apesar dos aparelhos permitirem o registro e o envio de material para as redações, como fotos e vídeos, nenhum aplicativo conta com uma seção que permite o utilizador fazer o upload de conteúdo. De modo geral, os recursos analisados nessa categoria foram ignorados ou ofertados com limitações.

Discussão

O resultado da pesquisa indica um caminho ainda desafiador em relação ao uso das affordances dos dispositivos móveis. Apesar dessas características permitirem uma série de recursos que podem aprimorar o consumo noticioso por parte dos utilizadores, como é o caso do GPS integrado e da personalização de conteúdo, a maior parte dos aplicativos analisados não exploram tais potencialidades. Portanto, prevalece uma lógica de cima para baixo, onde quem decide o que e como deve ser consumido pelo público são os próprios programadores e jornalistas dentro das redações. Nesse sentido, o jornalismo móvel pouco evoluiu em relação ao jornalismo impresso quanto a possibilidade de dar autonomia ao público. Além disso, a falta de recursos dos aplicativos não propicia a participação ativa da audiência mesmo com as oportunidades aqui mencionadas que as novas tecnologias permitem.

A nossa primeira hipótese (H1) era de que os aplicativos dos 11 jornais analisados não explorariam todo o potencial das affordances para a oferta de conteúdo aos usuários. De fato, essa expectativa se confirmou. Quase todos os serviços não permitem identificar através do GPS, integrado aos aparelhos, a localização exata do usuário. A partir dessa informação, desde que com o consentimento do utilizador, é possível oferecer notícias e serviços personalizados. Em relação ao envio de notificações, observamos o uso intrusivo da ferramenta. Neste caso, as push news são literalmente empurradas dentro das redações aos usuários. Apesar disso, é possível optar por não receber os alertas diretamente pelo sistema operacional Android. Entretanto, essa opção poderia estar presente nas configurações da própria plataforma.

Para Rublescki (2011), estamos na presença de um midiático líquido em alternância nos papéis de emissor e receptor da informação. Na visão do autor, a audiência antes estática tornou-se uma espécie de “prossumidor” onde o “consumidor que gera conteúdo” (p 12). Apesar disso, a nossa segunda hipótese (H2) considerava que os jornais analisados desprezariam os recursos de interatividade e personalização que permitiriam aos usuários mais autonomia e colaboração, o que se confirmou. Os aplicativos não consideraram o papel ativo da audiência. As empresas de mídia latino-americanas estudadas continuam a dominar praticamente todas as etapas de produção e difusão de notícias, mesmo quando existe a possibilidade técnica de o público ter mais e, também, ser considerado.

O objetivo da pesquisa foi identificar quais os recursos são oferecidos aos usuários de aplicativos de notícias considerando as affordances dos dispositivos móveis. Nesse sentido, utilizamos como metodologia a análise de conteúdo quantitativa. Não obstante, existem outras abordagens possíveis, como a análise qualitativa e a aplicação de surveys com jornalistas e usuários. Também encontramos limitações. Outros aplicativos poderiam ser analisados e uma amostra mais robusta evitaria desvios em decorrência de um fato gerar mais notícias no período. No entanto, entendemos que o essencial foi contemplado considerando nossos objetivos e hipóteses. Nosso foco não foi o consumo de notícias nas redes sociais, mas a análise dos “Instant Articles” do Facebook também seria oportuna, assim como verificar se os algoritmos de IA e machine learning podem (ou não) se tornarem alternativas válidas para novas affordances nos apps de jornalismo. Essas contribuições poderão ser consideradas em trabalhos futuros.

Referencias

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1 Disponível em www.digitalnewsreport.org/. Acesso em 15 fev. 2021.

2 Disponível em https://www.gsma.com/mobileeconomy/latam/ Acesso em 15 fev. 2021.

3 Disponível em https://gs.statcounter.com/os-market-share/mobile/worldwide. Acesso em 15 fev. 2021

Recebido: 06 de Novembro de 2020; Aceito: 18 de Fevereiro de 2021

*Mestre em Comunicação e Política pela Universidade Federal do Paraná, Brasil (véase: https://orcid.org/0000-0003-4158-3444).

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