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Liberabit

versión impresa ISSN 1729-4827

liber. v.19 n.1 Lima ene./jun. 2013

 

ARTÍCULOS

 

Corpo e cognições sociais

Body and social cognitions

 

Ana Maria Justo* y Brigido Vizeu Camargo**

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil.
* anamjusto@yahoo.com.br
** brigido.camargo@yahoo.com.br

 


RESUMO

Este trabalho trata-se uma revisão da literatura sobre as cognições sociais e comportamentos relacionados ao corpo e tem por objetivo apresentar o entendimento acerca do corpo dentro do escopo da psicologia social, especificamente em relação à teoria e ao fenômeno das representações sociais. Nessa perspectiva, considera-se, além das dimensões psicológicas e individuais, também o papel das crenças e valores compartilhados socialmente para se compreender as concepções e as funções sociais atreladas ao corpo, bem como os comportamentos a ele relacionados.Tomam-se como base estudos empíricos e ensaios teóricos publicados na literatura científica de abrangência nacional e internacional. Nota-se que a teoria das representações sociais possibilita uma compreensão amplificada do corpo e dos comportamentos a ele associados. Sabe-se que o corpo media as relações sociais, e, além disso, considera-se queo mesmo tem sido evidência tanto na mídia como nas produções científicas nas últimas décadas, refletindo o movimento da sociedade em relação a este objeto e os valores a ele imbricados. Vive-se um momento social importante para se pensar o corpo, as crenças e os cuidados relativos a ele.

Palavras-Chave: Corpo, Imagem Corporal, Práticas Corporais, Representação Social.

 


ABSTRACT

This paper is a literature review about social cognitions and behaviors related to the body. Our goal is to present what is understood by body in the scope of social psychology, specifically in relation to social representation theory and phenomenon. In this perspective, the role of socially shared beliefs and values is taken in consideration as well as the psychological and individual dimensions so to comprehend the conceptions and social functions linked to the body, along with behaviors related to it. Empirical studies and theoretical essays published in the scientific literature nationally and internationally were used as a foundation. Social representation theory makes possible an amplified comprehension of the body and behaviors associated to it. It is known that the body mediates social relations and moreover the body has been considered over the last decades as a highlight in the media and scientific productions, mirroring the movement of society in relation to this object and values imbricated in it. We are living an important social moment to think about the body, and the beliefs and cares related to it.

Key words: Bodily Practices, Body, Body Image, Social Representation.

 


O corpo pode ser definido como um organismo natural, um conjunto de órgãos que permite as funções necessárias à vida (Durozoi, 1996). Mas para além do seu caráter orgânico, o corpo humano se caracteriza também pelas representações individuais e sociais a ele associadas. Resultado da interação de sua matéria genética com o ambiente sócio-cultural, o corpo humano constitui-se de hábitos que são impressos em sua matéria por códigos, símbolos e linguagens culturais compartilhados no meio em que vivem (Andrieu, 2006).

Tratando-se de um objeto que se encontra na fronteira entre o individual e o social, e que é revestido de significados, atenta-se à pertinência do estudo do corpo a partir da teoria das representações sociais, como uma forma de possibilitar a integração das dimensões mais privadas e individuais àquelas que são socialmente compartilhadas e que refletem em modos de se relacionar, tanto com o próprio corpo, como com o corpo dos outros (Jodelet, 1994). As representações sociais (RS), de acordo com a autora, assumem um papel importante na elaboração de maneiras coletivas de ver e viver o corpo, difundindo modelos de pensamento e de comportamento a ele relacionados.

A teoria das representações sociais (TRS) foi elaborada por S. Moscovici na década de 1950, a partir de uma pesquisa que investigou o pensamento social sobre a psicanálise, «La Psycanalyse: Son image et son public», publicada em 1961. O autor, primeiro a estudar o fenômeno das RS, considera que as mesmas são produzidas coletivamente e contribuem para processos de formação de condutas e de orientação das comunicações sociais. A TRS aprofunda-se sobre os processos por meio dos quais os indivíduos em interação social constroem explicações acerca dos objetos sociais (Vala, 2006). Estas explicações, também denominadas de senso comum, possibilitam que os indivíduos dêem sentido aos fatos novos ou desconhecidos e do mesmo modo signifiquem a sociedade e o universo a que pertencem (Moscovici, 1961/1976).

As representações sociais são processos dinâmicos, estando constantemente em atualização (Moscovici, 1961/ 1976) e têm a comunicação como sua condição de existência (Jodelet, 2001), uma vez que a representação caracteriza-se por seu caráter social, compartilhado, refletindo as normas e valores de um grupo. As representações sociais servem ainda como um guia para a ação (Abric, 1998) orientando indivíduos e grupos em suas práticas.

Conforme salientam Denegri, Cabezas, Sepúlveda, Valle, González e Miranda (2010), o ser humano é um ser social e, portanto se constrói a partir da trama de relações estabelecidas ao longo de sua vida, onde se compartilham conhecimentos sociais. Esta forma de conhecimento social -RS, para os autores citados, origina-se e sustenta-se em um meio social, desenvolve-se no contato com o outro e incorpora em seus conteúdos o discurso de um grupo de referência.

Assim, verifica-se que a teoria das representações sociais, de acordo com Jodelet (1994), pode contribuir com a compreensão do corpo para além da dimensão individual e psicológica, sem a desconsiderar, mas esclarecendo o papel do conhecimento compartilhado na valorização do corpo e na importância da beleza e da saúde e suas consequências para as pessoas. Considerando-se um objeto que se constitui a partir da interação de sua matéria biológica com o ambiente social, observa-se que há diversas representações do corpo, que passam pela medicina, biologia, arte, economia e pelo social (Andrade, 2003). Em cada uma dessas instâncias, como evidencia Ory (2006), o corpo normalmente é submetido à influência do movimento das sociedades, refletindo um determinado momento histórico do grupo social em que está inserido. Da mesma maneira, o conhecimento que se tem sobre o corpo é diversificado, tanto em relação ao espaço quanto ao tempo (Separavich & Canesqui, 2010).

Jodelet (1994) afirma que desde a Antiguidade o saber do senso comum, as concepções psicológicas enfatizadas nos textos médicos ou literários, os provérbios e os ditados populares; conferem um lugar importante ao corpo na percepção social.

Sabe-se que tanto as representações quanto as práticas relativas ao corpo variam de acordo com ambiente social vivenciado pelos indivíduos (Andrieu, 2006; Chammé, 1996; Ory, 2006). Enquanto em alguns países, como o Brasil, o fato de se ter um corpo a mostra, com poucas roupas para cobri-lo é socialmente aceito e considerado como um evento natural; em outras culturas, como em alguns países da Ásia, por exemplo, o corpo, em especial o das mulheres, é totalmente coberto não podendo ser exposto em um ambiente que não seja o da sua família (Suissa, 2008).

Além da cultura, num sentido mais amplo, o momento histórico também é fundamental para se pensar as formas de representar e cuidar do corpo. Andrade (2003) aponta que no século XX, a imagem do que é saúde e beleza modificou-se em relação a períodos anteriores, onde a gordura era sinônimo de: saúde, beleza e sedução. A partir do século XX, em especial da sua segunda metade, a conquista da beleza e de um corpo saudável passa a ser um objetivo individual, atingido por meio do exercício de autocontrole, envolvendo força de vontade, restrições e vigilância constantes. A gordura, que antes estava associada à saúde, beleza e poder; passou a ser relacionada à falta de controle sobre si mesmo.

Além disso, o século XX foi caracterizado por globalizadas mudanças nos valores morais, contrárias às práticas puritanas; mudanças nos cortes das roupas, nas distâncias tomadas entre os corpos, no olhar, mudanças nas práticas e, sobretudo nas representações que se tem sobre o corpo (Ory, 2006). Tais modificações, relacionadas às alterações nas demandas sociais, segundo Ory (2006), implicaram numa redefinição de regras corporais durante um espaço de duas ou três gerações que contribuíram para a reformulação aos valores atribuídos ao corpo. No plano científico também houve mudanças, e o corpo que até então tinha sua ênfase marcada pelos estudos da biologia e da microbiologia, a partir deste século passa a ser considerado em uma visão que vai além do biológico, considerando também aspectos sociais e psicológicos (Chammé, 1996).

A partir de então, salienta-se que além de um organismo natural, conforme representado pela biologia moderna (Separavich & Canesqui, 2010), o corpo se constitui a partir de representações individuais e sociais, que estão em constante mudança. Essa dinâmica se manifesta na forma como cada um usa, adoece, percebe, modifica, degrada e transforma o corpo. Assim, o mesmo não é inteiramente individual, nem estritamente social, mas resultado de uma construção simbólica e de uma invenção subjetiva segundo as percepções e as representações individuais e coletivas (Andrieu, 2006). Cada indivíduo teria simbolicamente, conforme Helman (2009), dois corpos: (1) Corpo Individual – adquirido ao nascer, físico e psicológico; (2) Corpo Social – indispensável para se viver em sociedade, ou em qualquer grupo, com poder comunicacional. O corpo é ao mesmo tempo objeto privado e social, sendo que em parte, ele é elemento de uma experiência pessoal imediata, no qual se inscreve a subjetividade. Por outro lado, ele é artefato de um pensamento social, regido por sistemas prescritivos, evidenciadas nas cenas sociais (Jodelet, Ohana, Bessis-Moñino & Dannenmuller, 1982). Assim, o corpo mostra-se um objeto privilegiado para se estudar a interação dos processos individuais e coletivos na formação das RS.

Ao mesmo tempo, pode-se dizer que o estudo da representação do corpo possui diferentes enfoques: um coletivo e outro psicológico, individual. Conforme define Jodelet (1994), o enfoque coletivo, baseado na dinâmica social, inclui o conhecimento, ou seja, as representações, advindas da comunicação e interações sociais, tanto formais quanto informais. Por sua vez, o enfoque baseado na esfera subjetiva reflete a relação que o sujeito estabelece com o próprio corpo. Esta se dá por meio da experiência corporal, referente a sensações dolorosas e prazerosas, exercícios e atividades diárias em geral; bem como por meio da relação do indivíduo com seu ambiente, que aparece como um «papel» que o sujeito designa ao seu corpo, ou como a imagem dele que é refletida nos outros ao seu redor.

Imagem corporal

Ao tratar do corpo com um enfoque individual, convêm apresentar o conceito de imagem corporal. Andrieu (2006) considera que o corpo objetivo é percebido por meio do corpo subjetivo e essa experiência vem modificar a imagem corporal, a estima de si mesmo e a relação com o corpo do outro. A imagem corporal, para Schilder (1999), é a representação mental que um indivíduo tem do seu corpo. Tal representação integra os níveis físico, emocional e mental em cada ser humano, com respeito à percepção do próprio corpo. O autor salienta que a imagem corporal é também um fenômeno social, no qual há um intercâmbio contínuo entre a nossa própria imagem e a dos outros. Para Helman (2009), imagem corporal pode ser qualquer forma pela qual um indivíduo conceitua e experiencia o seu corpo, seja consciente ou não. É incorporada pela percepção, mas também por dimensões afetivas, cognitivas e comportamentais (Banfield & McCabe, 2002).

Em termos da implicação do indivíduo, pode-se dizer que duas dimensões principais perpassam o conceito de imagem corporal: o investimento na imagem corporal (percepção), que reflete o grau de importância comportamental e cognitiva que a pessoa dá ao seu corpo e aparência; e a avaliação da imagem corporal (atitude), que refere ao grau de satisfação com a aparência e a capacidade funcional do corpo (Hargreaves & Tiggemann, 2006; Monteath & McCabe, 1997). Apesar de permeada principalmente por esses componentes, a imagem corporal é multifacetada, incluindo componentes perceptuais, cognitivos, emocionais, e comportamentais que interagem e influenciam uns aos outros (Legenbauer, Rühl & Vocks, 2008).

Alguns estudos foram realizados contemplando imagem corporal, principalmente no que se refere à satisfação corporal (definida como a diferença entre o tamanho corporal percebido e o tamanho corporal ideal) e o efeito da mídia nesta. Observa-se nesses estudos uma afirmação em comum: mulheres, principalmente jovens, têm uma satisfação corporal muito baixa que é sim diretamente influenciada pela mídia (Featherstone, 2010; Jones, 2001; Legenbauer et al., 2008; Monteath & McCabe, 1997; Tiggemann, 2004).

Atualmente, pesquisas internacionais e brasileiras acerca da imagem corporal identificam processos paralelos e diferenciados entre homens e mulheres quanto à manipulação do corpo para atingir a satisfação com este. Mulheres usualmente percebem seu corpo como maior do que realmente é, comumente mostrando níveis altos de insatisfação corporal e desejando um corpo mais magro (Ambwani & Strauss, 2007; Camargo, Goetz, Bousfield & Justo, 2011b; Martins, Nunes & Noronha, 2008; Monteath & McCabe, 1997; Russo, 2005). Alguns estudos observaram também que as mulheres expressam sentimentos negativos tanto em relação a partes individuais do corpo quanto ao corpo como um todo; e identificam o corpo ideal para a sociedade como ainda mais magro do que o seu corpo ideal, percebendo-se assim muito mais insatisfeitas com seu corpo quando confrontadas com a expectativa social (Monteath & McCabe, 1997).

Estudos realizados com mulheres de gerações consecutivas diferentes mostram que se pode verificar em diferentesfaixas etárias o desejo de ter o corpo mais magro, mas mulheres jovens usualmente desejam corpos muito mais magros do que as mulheres menos jovens (Lamb, Jackson, Cassiday & Priest 1993; Tiggemann, 2004).

Recentemente as pesquisas realizadas sobre a imagem corporal de homens vem ganhando lugar e visibilidade, constatando que estes se mostram cada vez mais preocupados com a definição muscular, significado compartilhado socialmente como símbolo de masculinidade (Hargreaves & Tiggemann, 2006; Mills & D’Alfonso, 2007). Em pesquisa realizada por Tiggemann, Martins e Churchett (2008) verificou-se que enquanto o peso e musculatura são elementos importantes da imagem corporal dos homens, como demonstrado em diversas pesquisas anteriores, outros aspectos também são importantes, principalmente partes individuais do corpo, como ter mais cabelo, menos pelos no corpo e ser mais alto.

Camargo, Justo e Aguiar (2008), num estudo acerca da satisfação corporal constataram que existe uma diferença considerável entre homens e mulheres quanto a sua autoimagem e satisfação corporal. Se por um lado, os homens, mesmo acima do peso considerado ideal pela Organização Mundial da Saúde (OMS) consideram-se satisfeitos com seu corpo; entre as mulheres, muitas se declararam insatisfeitas com o corpo, apesar de estarem com o peso dentro do considerado ideal. Assim, pode-se observar que há uma diferença entre o padrão corporal estabelecido pela OMS e o padrão estético adotado pelos participantes.

Moscovici (1981) afirma que a imagem que chega ao sujeito resume uma organização complexa de estímulos, estando implícitos juízos de valor e aspectos socialmente compartilhados, de modo que os estímulos sensoriais que chegam ao sujeito são modulados por valores coletivamente partilhados. Neste sentido, Lopes (2007) propõe que ao falar da imagem, não se fala apenas de um corpo anatômico, real e objetivo, instrumento de funções de locomoção, de apreensão e sinestesia, mas uma corporeidade, a qual faz referência à realidade subjetiva. Fala-se assim de um corpo que, tendo atravessado experiências diferentes durante a vida, conta uma história, a qual é inscrita na própria imagem.

Ao tratar da imagem corporal, destaca-se que existem duas ênfases diferentes: uma psicológica, individual, explanada por Schilder (1999); e outra coletiva, que pode ser relacionada à noção de organização, referida por Moscovici (1981), ao afirmar que o conceito de imagem não se afasta muito do de opinião, pelos menos no que se refere aos seus pressupostos de base. Ou seja, a imagem pode ser utilizada na formação de uma organização complexa e coerente de juízos de valor ou de avaliação, tendo uma função social demarcada.

As imagens construídas, bem como avaliações feitas, tanto em relação a si mesmo, quanto relativos a outras pessoas, refletem um papel exercido pela aparência corporal. O corpo media as relações sociais, e ao mesmo tempo pode ser considerado como mediador do conhecimento que se tem de si mesmo e do outro (Jodelet, 1994).

O Corpo como objeto social

Destacando-se o caráter social do corpo humano, observa-se que estese situa numa encruzilhada de uma série de determinações: das intelectuais às mais materiais, mais ou menos disseminadas pela imprensa, publicidade ou ficção; consideradas como modos de difusão de representações e de valores (Ory, 2006). Hubert e De Labarre (2005) falam sobre o apelo da mídia ao culto ao corpo magro, enfatizando práticas que facilitam chegar ao corpo ideal, e a gordura sendo encarada como doença.

Em um estudo documental em revistas de circulação nacional, Goetz, Camargo, Bertoldo e Justo (2008), ao analisar as matérias sobre beleza e saúde, verificaram que as RS do corpo nas revistas analisadas contemplam dois principais aspectos: o primeiro, prático, contempla aspectos eminentemente físicos, relativos à beleza e à saúde corporal; e o segundo, de caráter mais subjetivo, representa o corpo como uma unidade físico-psíquica, que prioriza o equilíbrio e o bem-estar para se alcançar uma vida mais saudável. O embelezamento aparece relacionado à saúde e sensação de bem-estar, e são ressaltadas as técnicas que facilitam a obtenção de um corpo adequado aos padrões sociais difundidos.

Swain (2001), pesquisou as principais RS presentes em capas de revistas femininas brasileiras e observou ênfase que no corpo tecnológico, remodelado para seguir o modelo de mulher cujas imagens estão presentes nestas revistas. Nestas revistas o corpo é considerado essencial, pois é a partir de sua capacidade de sedução que os demais elementos se integram. A diversidade de técnicas de cirurgia plástica, os cosméticos rejuvenescedores: tudo na luta contra o tempo e as imperfeições. O modelo corporal estaria finalmente ao alcance de todas, e a beleza seria a condição essencial para o romance e a felicidade.

Jodelet (1994) afirmou que a imagem externa do corpo aparece como um mediador dos laços sociais que o indivíduo estabelece, especialmente em três fatores: 1) em uma perspectiva instrumental de sucesso das interações sociais; 2) para responder às normas sociais de apresentação; 3) na intenção de ganhar a afeição dos outros. No estudo realizado pela mesma autora, constatou-se que três quartos das pessoas entrevistadas reconheciam uma manipulação utilitária da apresentação física, que tem um papel no sucesso social, e é um modo de se fazer ser aceito pelos outros e de ter mais facilmente relação com os outros.

A imagem corporal, além de estar atrelada à autoestima, representa em um instrumento de status e aceitação social, onde as pessoas pautam-se na ideia de que as características internas, ou da personalidade das pessoas apresentam-se em sua aparência física (Camargo, Justo & Alves, 2011a).

Estudos que investigaram o conteúdo das RS sobre o corpo (Camargo et al., 2011b; Gamboa, Tura & Burztyn, 2009; Justo, 2011; Justo, Camargo, Moreira &Goetz, 2009; Secchi, Camargo & Bertoldo, 2009) apontam que em geral o corpo é representado como objeto possui um papel importante nas relações sociais entre as pessoas, associado ao poder de sedução e de influenciar nas relações pessoais em diversas situações e constataram que os elementos mais evidentes, e que possivelmente compõe o núcleo da representação referem-se a estética e saúde.

Camargo et al., (2011a) constataram que as pessoas costumam atribuir ao corpo alguns poderes relacionados à influência social e principalmente os jovens relatam fazer uso destes poderes de influência em suas interações sociais, ainda que tais funções sociais do corpo não sejam literalmente manifestas no conteúdo lexical da RS – possivelmente por tratar-se de uma parte contranormativa da representação do corpo.

Uma pesquisa já clássica, realizada por Jodelet (1984), constatou que em poucos anos (menos de duas décadas) as mudanças culturais de determinada população tiveram repercussões significativas no relacionamento destas pessoas com os seus corpos. A alteração no relacionamento dos indivíduos com seu próprio corpo, por sua vez, indica que houve mudanças na maneira de representá-lo, o que evidencia a importância da dimensão social nas representações do corpo. A beleza corporal é um dado cultural que varia de acordo com cada concepção de mundo (Queiroz & Otta, 2000). E nesta identificação cultural, a mídia mostrase como um fator fundamental. Para Serra e Santos (2003), a mídia atual caracteriza-se pelo poder de produzir sentidos, projetá-los e legitimá-los, dando visibilidade aos fenômenos que noticiam. Assim, ela produz padrões de consumo e modelos de beleza, os quais, por vezes, não são coerentes entre si. Muitos sujeitos, principalmente os mais jovens, buscam atingir os padrões de beleza associados ao corpo, fazendo sacrifícios que podem levá-los até a adoecer ou morrer (Novaes & Vilhena, 2003).

A beleza é conceituada por Le Pape (2006) como uma qualidade atribuída a um corpo por um indivíduo ou por uma determinada sociedade e seus limites estão longe de ser definidos. Teixeira (2001) acrescenta que falar de beleza pressupõe considerar algo real, que desperta sentimentos intensos e inspira ações de contemplação reverencial, resultantes de elementos que extrapolam as percepções dos cinco sentidos humanos. Existem padrões sociais estabelecidos em relação à beleza corporal, que a evidenciam como forma de prestígio, de aceitação social e até de sucesso. Muitos sujeitos, principalmente os mais jovens, buscam atingir estes padrões associados ao corpo (Shohat & Stam, 1996).

Malysse (2002), em sua pesquisa sobre os usos sociais do corpo na zona sul do Rio de Janeiro, mostrou que na busca de um corpo ideal, os indivíduos incorporam imagensnormas de uma nova beleza corporal e ficam literalmente condenados à aparência. Evidencia-se que para a pessoa sentir-se bem com a própria imagem a aprovação do olhar alheio é necessária (Camargo et al., 2005; Jodelet, 1994; Secchi et al., 2009).

Alferes (2006) afirma que a beleza corporal constitui um dos fatores ou atributos pessoais cuja influência, na gênese das relações interpessoais, tem sido sistematicamente investigada durante as duas últimas décadas. Outra questão bastante estudada, segundo o autor, refere-se à maior ou menor importância que a beleza física pode assumir em função do tipo de relação e dos objetivos e necessidades dos indivíduos nela envolvidos. De qualquer forma, a consciência da sua beleza física e da beleza do outro é fator marcante nas interações sociais. Inúmeros estudos demonstraram que pessoas percebidas como fisicamente atraentes –ou como belas– são pensadas como possuindo mais características positivas de personalidade do que aquelas pessoas percebidas como não-atraentes, sendo preferidas e como recipientes de tratamento especial em várias situações (Bar-Tal & Saxe, 1976; Eagjy, Ashmore, Makhijani & Longo, 1991; Edward, Lemay, Clark & Greenberg, 2010; Gottschall, 2008; Jackson, Hunter & Hodge, 1995; Johnson & Pittenger, 1984; Livingston, 2001; Locher, Unger, Sociedade & Wahl, 1993).

Camargo, Goetz, Barbará e Justo (2007) apontam que representação social de beleza mais compartilhada entre estudantes universitários diz respeito à imposição de padrões ou regras socialmente estabelecidas. Além disso, a beleza aparece como o primeiro aspecto na formação da impressão inicial entre as pessoas. O estudo realizado por Camargo et al. (2005), com estudantes de moda, indicou que a representação social da beleza compartilhada naquela população tem dois aspectos: um interpessoal, no qual a beleza surge como a primeira característica pessoal que se destaca na relação social; e outro normativo, referente aos padrões de beleza determinados socialmente, os quais devem ser seguidos. A aceitação própria, ou sentir-se belo é determinante para que se possa ter a sensação de aceitação social, o que evidencia a preocupação com as normas externas. Em complementação, Novaes e Vilhena (2003) apontam a feiúra, frequentemente associada à obesidade, como forma de exclusão social feminina.

Sobre as RS do corpo feminino entre mulheres estudantes universitárias, Secchi et al.(2009) constataram que este é representado como algo de deve ser dotado de beleza, magreza, está associado ao status, exerce o poder e atração e deve ser saudável. Percebe-se o corpo como um objeto idealizado, longe das dimensões reais destas mulheres, o que repercute na sua insatisfação com o próprio corpo.

O estudo de Camargo, Justo e Jodelet (2010) sugere que existem diferenças na forma de representar o corpo entre participantes homens e mulheres, mas também entre as diferentes faixas etárias. Tal constatação indica que a autoimagem, a representação do corpo, e o papel deste nas relações interpessoais variam de acordo com o grupo social ao qual o indivíduo pertence. O corpo é representado como um elemento normativo, com características que se destacam entre as mulheres e entre os participantes mais jovens. Observou-se que as mulheres são mais exigentes quanto a um corpo ideal e também mais dependentes do outro na construção de sua autoimagem. A imagem do corpo feminino aparece associada à beleza e há pouca tolerância para os desvios dos padrões estéticos socialmente estabelecidos. Entretanto, observa-se que a influência do corpo nas interações sociais diminui conforme aumenta a faixa etária dos participantes.

Tiggemann e McGill (2004) encontraram indícios em seus estudos de que a comparação social como um processo que tem consequências importantes na satisfação com o próprio corpo, e pode estar relacionado à difusão midiática, dado também encontrado por Want, Vickers e Amos (2009). Ainda sobre o papel social do corpo e da sua aparência, destaca-se o estudo experimental realizado por Wookey, Graves e Butler (2009) que verificou o efeito da aparência sensual na competência percebida de mulheres, constatando que a sensualidade está associada com a habilidade social em empregos de baixo status, mas que a sensualidade exacerbada pode ser considerada inapropriada quando a mulher exerce um cargo de alto poder.

Tais estudos evidenciam o quanto a preocupação com a aparência é socialmente motivada e que a aparência do corpo pode mesmo influenciar nas relações sociais, indo ao encontro do proposto por Jodelet na década de 1980, ao afirmar que o corpo é um mediador das relações sociais do indivíduo; o que foi confirmado também pelos estudos de Camargo et al. (2005), Camargo et al. (2010) e Secchi et al. (2009), nos quais os participantes atribuíram à aparência do corpo repercussões na formação da primeira impressão sobre alguém, principalmente para as mulheres. Tais dados foram corroborados pelo estudo de Ali, Amialchuk e Rizzo (2012), o qual constatou diminuídas interações sociais menos relações de amizades entre jovens obesas, quando comparadas com as demais, com peso adequado, num mesmo grupo de estudantes.

Para Jodelet (1984), os modelos de pensamento produzem representações sociais, que ao serem compartilhadas socialmente, determinam os diferentes modos de sentir e relacionar-se com o próprio corpo. As representações assumem assim, um papel importante na elaboração de maneiras coletivas de ver e viver o corpo, difundindo modelos de pensamento e de comportamento relacionados ao corpo (Jodelet et al., 1982). Dessa forma, as representações servem como uma espécie de guia para as práticas de cuidado que se tem com o corpo.

Práticas corporais

O corpo é considerado como o resultado de um trabalho sobre si mesmo que resulta em atratividade e saúde (Damico & Meyer, 2006). Os comportamentos que vão dos cuidados com a higiene - difundidos a partir da medicina social e higienista a partir da década de 1920, até os tratamentos estéticos cada vez mais dotados de tecnologia; possuem uma estreita relação com as RS que se têm sobre o corpo e são ao mesmo tempo determinantes e determinados por elas. Pautados na representação de um corpo ideal, magro, bonito e saudável os indivíduos aderem diferentes práticas de cuidados com seu corpo.

Segundo Abric (1998), as RS são sistemas que conduzem as relações que os indivíduos têm com seu ambiente físico e social, determinando os comportamentos (ou práticas sociais) mesmo que de forma não linear. Orientados pelas RS que os indivíduos têm de seus corpos, estes aderem a diferentes práticas de modificação e cuidado com o corpo. Por práticas corporais entendem-se os comportamentos relativos ao corpo, seja visando à manutenção da saúde ou o embelezamento, que podem ser, em maior ou menor grau, sustentadas pelas RS que os indivíduos têm com o seu corpo. As práticas corporais constituem uma lista um tanto extensa de comportamentos relacionados ao corpo: atividades físicas, dietas, uso de roupas e assessórios, adesão a modas e etiquetas, rituais estéticos e até cirurgias. Parte-se da ideia de que as RS se relacionam com os comportamentos, ou práticas sociais, servindo como um guia para a ação no cotidiano (Abric, 1998; Jodelet, 2001) embora não necessariamente esta determinação aconteça de uma forma linear.

A adesão a dietas, ou mesmo ao consumo de alimentos light e diet, que associam o prazer da alimentação com a manutenção do corpo dentro dos padrões saudáveis e estéticos (Andrade, 2003), a prática de atividades físicas, a utilização de tratamentos estéticos e, em última instância, a submissão a cirurgias plásticas estéticas, são práticas relacionadas ao corpo que ora se associam à obtenção de saúde, ora pendem para a busca da beleza. Também são consideradas práticas corporais a escolha de roupas e o comportamento de observar-se no espelho, conforme descrito por Jodelet et al. (1982). Independente do motivo que justifique a adesão a tais práticas, observa-se que as mesmas refletem representações e posicionamentos a respeito do corpo, padrões normativos acerca do que é beleza, ou do que é a saúde corporal.

Com a atual difusão de informações sobre os diversos cuidados que se deve ter com o corpo, cresce a preocupação com o corpo ideal difundido pela mídia e a insatisfação corporal atinge a população, principalmente as mulheres, que são levadas a adotar dietas altamente restritivas e exercícios físicos extenuantes como forma de compensar as calorias ingeridas, na tentativa de corresponder ao modelo cultural vigente (Andrade, 2003). Em uma pesquisa realizada por Garcia (1997), observou-se o paradoxo alimentação e beleza, notando que atualmente o prazer de comer está submetido ao prazer de ser atraente fisicamente e estar dentro dos padrões estéticos, aparecendo uma dúvida quanto ao satisfazer-se gastronomicamente e o corpo belo.

A prática de atividade física, no estudo de Salles-Costa, Heilborn, Werneck, Faerstein e Lopes (2003), foi valorizada pelos participantes homens e mulheres, considerada como um investimento social, por deixar o corpo mais bonito. Esta prática está predominantemente associada aos homens na amostra estudada (funcionários de uma universidade do Rio de Janeiro) e a prevalência da inatividade física por parte das mulheres foi relacionada à falta de tempo para lazer, uma vez que estas valorizavam a prática de atividade física, e justificam a não adesão a essa prática pela falta de tempo. Outros estudos também apresentam a baixa adesão das mulheres à prática de exercícios físicos, em oposição a uma maior adesão a dietas e favorabilidade a cirurgias estéticas (Camargo et al., 2008; Secchi et al., 2009).

A prática de atividades físicas, se por um lado pode estar associada à manutenção de um corpo saudável e com maior qualidade de vida, por outro lado pode evidenciar o quanto a busca de um corpo bonito a partir de exercícios, por vezes decorre em excessos. Um estudo de Irait, Chaves e Orleans (2009), investigaram dimensões simbólicas acerca do uso de anabolizantes por pessoas de diferentes classes sociais, praticantes de musculação. Para os participantes da pesquisa, a motivação para a prática da musculação é claramente estética. A gordura é a vilã e o objetivo é eliminála. O corpo é representado como um objeto incompleto, que precisa ser trabalhado e aperfeiçoado e o uso de anabolizantes confere uma solução rápida e eficiente na modelagem do corpo. Os cuidados com o corpo distinguem entre as pessoas que se cuidam (e que por isso são valorizadas) e aquelas desleixadas, que não se cuidam. Destaca-se ainda uma forte distinção entre as diferentes classes sociais nas motivações para o uso de anabolizantes e o culto a um corpo musculoso.

A constatação deste estudo evidencia o quanto o corpo e as práticas a ele relacionadas só podem ser estudados por meio da contextualização cultural, e que uma mesma prática pode assumir diferentes conotações de acordo com o contexto em que está inserida. O mesmo padrão que é almejado, se por um lado está relacionado ao status social e ao poder de sedução do sexo oposto, pode estar vinculado também a questões de trabalho e de imposição de respeito perante seus pares (Irait et al., 2009).

Ainda no contexto de academias, Sautchuk (2007) observa em seu estudo um contraste na orientação de práticas corporais a respeito de saúde e estética, onde a medida de saúde assume um estatuto moral e ocupa posição predominante na justificativa do exercício físico; e a estética (objeto menos valorizado e menos explicitado do que a saúde) justifica-se como uma forma de contribuir para a qualidade de vida e para a saúde por meio da satisfação pessoal. Porém, de acordo com o autor, isso não reflete uma importância menor à estética, pois esta está diretamente relacionada com o bem-estar e traduz o interesse pessoal em investir no próprio corpo.

Outra prática relativa ao corpo que ganha destaque na busca pela beleza é a realização de cirurgias plásticas estéticas. Estas intervenções que antes eram mantidas em sigilo (Teixeira, 2001), consideradas uma imoralidade pelos próprios cirurgiões e avaliadas como uma prática marginal até a década de 1950 (Neto & Caponi, 2007); hoje são difundidas na mídia e tratadas pela sociedade em geral com naturalidade (Teixeira, 2001). Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (2009), são realizadas no Brasil aproximadamente 629 mil cirurgias plásticas por ano, destas, 547 mil são cirurgias estéticas. Tal número qualifica o Brasil como o terceiro país que mais realiza cirurgias estéticas no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do México. A difusão deste tipo de intervenção, conforme Neto e Caponi (2007), tem demandado da medicina uma preocupação em definir os padrões biológicos de beleza.

Ainda que venha crescendo consideravelmente o número de procedimentos cirúrgicos estéticos no Brasil e no mundo, De Rosa e Holman (2011) apontam que as cirurgias estéticas ainda adquirem uma conotação negativa por grande parte das pessoas, e tal prática é mais difundida entre adolescentes e mulheres extremamente belas, que utilizam estratégias para manter anonimato em relação a estes procedimentos.

Em um estudo realizado por Slevec e Tiggemann (2010) pode-se determinar que os efeitos da mídia nas atitudes quando a cirurgia estética são diretos, e que investimento na aparência, ansiedade quanto ao envelhecer e exposição à televisão predizem a motivação social para cirurgia estética.

Adams (2010) relata em seu estudo que as motivações para a realização de cirurgias estéticas são articuladas em termos físicos e psicossociais, com a expectativa de que alterações físicas facilitarão alterações emocionais e sociais.

Pesquisas apontam que o maior motivo relatado para a realização de cirurgias estéticas é a melhoria da autoestima, onde se acredita que não haverá apenas uma intervenção no sentido da melhora física, mas especialmente da melhora psicológica e social (Gimlin, 2007; Kinnunen, 2010; Neto & Caponi, 2007). Também se encontra como motivação evitar o envelhecimento e a influência geracional, onde os filhos são motivados pelos pais que já realizaram cirurgias estéticas (Edmonds, 2007; Kinnunen, 2010).

Num estudo que investigou representações e práticas corporais de adultos homens e mulheres, Camargo et al. (2010) constataram que cerca da metade das mulheres declararam que pretendem realizar uma cirurgia estética, enquanto entre os homens esse número cai para 15%. O desejo de ser submetido a tal intervenção é característico das pessoas que estão insatisfeitas com o próprio corpo e com o índice de massa corpórea dentro do considerado normal. A cirurgia apresenta-se relacionada à busca da satisfação corporal e aumento da autoestima pelos participantes.

Andrieu (2006) afirma que em consequência da longevidade, tanto os homens quanto as mulheres tem se ocupado cada vez mais de seus corpos, e a medicina é solicitada para recuperar a vitalidade da juventude, seja por meio de medicamentos, cirurgias estéticas, ou no desenvolvimento de cosméticos. Neste sentido, Clarke e Grifin (2007) investigaram como mulheres entre 50 e 70 anos relacionava o envelhecimento e as técnicas de embelezamento, incluindo cremes anti-rugas, cosméticos, tintura para cabelos, cirurgias plásticas e procedimentos estéticos não cirúrgicos. Os autores observaram que estas mulheres vêem as intervenções estéticas em relação ao envelhecimento como práticas naturalizadas e ao mesmo tempo idealizadas. Os tratamentos de beleza são cada vez mais acessíveis, e tornam-se praticamente obrigatórios para as mulheres, numa cultura que desvaloriza o corpo envelhecido e as realidades físicas naturais.

Por meio da produção em grande escala, meios de comunicação em massa e publicidade, os elementos da moda são rapidamente difundidos e desejados, igualando gostos e aparências e ao mesmo tempo explicitando a identidade, o estilo de vida e o grupo ao qual o sujeito pertence (Pires, 2005). Lee, Damhorst e Ogle (2009) verificam em seu estudo com mulheres universitárias que participantes com uma maior satisfação corporal são menos propícias a modificação corporal devido a modas e comportamentos para perder peso, como dietas, exercícios e cirurgia estética; o que vai ao encontro do que apontam Camargo et al. (2010), sendo as pessoas insatisfeitas com o corpo, e não necessariamente as que estão com sobrepeso, aquelas com maior propensão a buscar procedimentos estéticos.

O corpo torna-se objeto de intervenções na busca por satisfazer os padrões de beleza, e nesse sentido, a medicina torna-se uma importante mediadora (Suissa, 2008), seja a partir do desenvolvimento de tratamentos dermatológicos, cirúrgicos, ou por meio dos demais tipos de intervenções, trabalhando na interface entre a saúde e o embelezamento. Tais práticas sustentam as RS difundidas sobre o corpo, ao mesmo tempo em que são possibilitadas por elas.

Considerações Finais

O corpo humano é um objeto de estudo cuja importância social evidencia-se ao longo de toda a história. E partir da história da humanidade observa-se que o corpo, embora se caracterize como um objeto físico que materializa a existência humana, também é tomado por conteúdo simbólico, o qual é influenciado pelo movimento das sociedades. Assim, resulta da interação da matéria natural, com o ambiente social em que se insere, resultando em representações individuais e sociais (Andrieu, 2006).

Considera-se que a TRS pode ser utilizada como uma importante teoria de base para o estudo do pensamento social acerca do corpo e dos comportamentos a ele associados, tendo em vista que esta favorece o olhar sobre o corpo como um objeto social e que não pode ser distanciado dos valores e crenças vigentes em um grupo. Ou seja, estudo do corpo a partir da TRS apresenta a possibilidade de integração das dimensões privadas àquelas socialmente compartilhadas e que refletem em modos de se relacionar, com o próprio corpo e com o corpo dos outros, assim como apontou Jodelet, (1994). As RS, de acordo com a autora, se mostram fundamentais na elaboração de modos coletivos de conceber e experienciar o corpo, disseminando modelos de pensamento e de comportamento a ele relacionados.

Considera-se que se vive um momento social onde o corpo e as práticas de cuidado corporais tem sido evidenciadas tanto na mídia como nas produções científicas nas últimas décadas, refletindo o movimento da sociedade em relação a este objeto e os valores a ele imbricados. O momento que se presencia é marcado pelo culto ao corpo magro, em forma e saudável, refletindo as exigências e as contradições que vivenciamos. Por um lado ocorre a valorização da exibição de um corpo magro e que reflita saúde, por outro se destaca epidemia da obesidade, que aumenta na medida em que as pessoas tornam-se cada vez mais sedentárias e com menos tempo para cuidar de si. O aumento da longevidade das pessoas, enfatizando o olhar mais atento à saúde, aliada à qualidade de vida, se apresenta como outro enfoque importante para se pensar o corpo e os cuidados relativos a ele.

Por fim, há que se lembrar que o corpo humano abrange uma complexidade notável. Consequentemente, as cognições acerca deste objeto são também complexas, dotadas de nuances delicadas, peculiaridades; facetas que despertaram a atenção dos pesquisadores e dos estudiosos ao longo de toda a história humana, e que continuam trazendo demandas a serem pensadas e investigadas, de acordo com o movimento histórico das sociedades.

 

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Recibido: 10 de abril de 2012
Aceptado: 21 de setiembre de 2012