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Liberabit

versión impresa ISSN 1729-4827

liber. v.19 n.1 Lima ene./jun. 2013

 

ARTÍCULOS

 

Sentimento anômico e condutas antissociais e delitivas: verificação de um modelo causal em jovens brasileiros

Anomic feelings and antisocial and criminalconducts: verification ofa causal model in young brazilian

 

Nilton S. Formiga*

* Faculdade Mauricio de Nassau, João Pessoa, PB, Brasil.
* nsformiga@yahoo.com

 


RESUMO

A anomia conduz o indivíduo para uma sociedade carente no consenso do conteúdo das normas sociais fazendo com que as pessoas vivam sem aderir ou cumprir as regras sociais prejudicando a uma boa interação indivíduo-sociedade; nesse sentindo, o sentimento anômico refere-se a um estado mental de desespero e de abandono que acompanha o sujeito, devido à falta de acesso aos meios socialmente prescritos para a realização dos fins sociais. As condutas desviantes referem-se aos comportamentos que não estão de acordo com os códigos e os preceitos morais socialmente estabelecidos, infringindo simultaneamente regras de conduta e causando prejuízo a sociedade e ao individuo. Neste estudo pretende-se verificar a associação do sentimento anômico com as condutas desviantes em jovens. 235 homens e mulheres com idade de 13 e 20 anos, da rede de educação publica e privada da cidade de João Pessoa-PB, responderam a escala de sentimento de estar à margem da sociedade, a escala de condutas antisociais e delitivas e questões sócio-demográficas. A partir do programa AMOS GRAFICS 16.0, observaram-se indicadores psicométricos que comprovaram a associação, positiva, entre sentimento anômico e as condutas desviantes.

Palavras-chave: Sentimento anômico; Condutas antissociais e delitivas; Jovens.

 


ABSTRACT

The anomie leads the individual to a society lacking the consensus of the content of social norms so that people can live without adhering or fulfill the social rules hurting a good individual-society interaction. That been said, the feeling anomic refers to a mental state of hopelessness and helplessness that accompanies the subject, due to lack of access to socially prescribed ways to the achievement of social goals. The deviant behaviors refer to behaviors that are not in accordance with codes and socially established moral precepts, while violating rules of conduct and causing harm to society and the individual. This study aims to verify the association of feeling with the anomic deviant behavior in young people. 235 men and women aged 13 to 20 years, the network of public and private education in the city of João Pessoa, the scale of respondents feeling of being on the fringes of society, the scale of antisocial and criminal behavior and socio-demographic. From the program AMOS 16.0 grafics, it was observed psychometric indicators that demonstrated the positive correlation, between anomic feeling and deviant behavior.

Key words: Feeling anomic, Pipelines antisocial and criminal behaviors, Young.

 


INTRODUÇÃO

As explicações sobre as causas da violência entre os jovens têm sido buscado pelas ciências humanas, sociais e da saúde. Esse problema, também, tem preocupado a população brasileira em geral e as instituições de controle e formação social (por exemplo, escola, família, etc.) sobre os motivos que levam os jovens a manifestarem comportamentos violentos.

A violência entre os jovens brasileiros tem sido destacada, principalmente, quando os seus autores não são apenas aqueles que corresponderiam às características sócio-econômicas e culturais atribuídas aos jovens considerados violentos quando se refere ao padrão de indicadores de pobreza-riqueza, desestruturação da personalidade, exclusão social, disfuncionalidade familiar e de falta de oportunidades para gozar de bem-estar material dos seus autores (Adorno, 2002; Beato, Peixoto & Andrade, 2004; Formiga & Gouveia, 2003; Olmo, 1999; Paixão, 1983; Pino, 2007).

Não bastasse o prejuízo da violência entre os jovens, em termos de dano humano e social, também tem sido discutido sob a perspectiva de um prejuízo material que ela ocasiona. De acordo com Santos e Kassouf (2008), os gastos públicos e privados na prevenção, combate e controle da violência a cada década, ultrapassam o total de 5% do PIB brasileiro, além, das perdas ainda não contabilizadas, em relação ao capital humano, qualidade de vida, redução na atividade turística, etc. Apesar desse investimento, a violência tem aumentado, fazendo ascender à taxa de mortalidade de jovens de 15 a 19 anos, colocando o País no 3.º lugar no mundo em mortes de jovens associados à conduta delituosa (Coffey, Veit, Wolfe, Cini & Patton, 2005; Kahn, 1999; Laub &Vaillant, 2000; Waiselfisz, 2008).

Todavia esse é um fenômeno que tem diferentes formas, atingindo um elevado percentual de atos desviantes e causando fortes danos à população. Para abordá-las, é preciso ter claro as distintas modalidades em que a violência se apresenta, bem como, suas diferentes causas (Sanmartín, 2006). Segundo Formiga, Estevam, Camino, Anderson e Santos (2010), as modalidades da violência entre os jovens, geralmente, tem sido atribuído ao construto do comportamento agressivo, conduta desviante e uso potencial de drogas. Para esses autores, em um estudo com jovens paraibanos, foi observada uma relação positiva entre esses construtos. Porém, a título de parcimônia científica, pretende-se, contemplar no presente estudo, apenas uma das facetas da violência: as condutas desviantes.

As condutas desviantes, não somente estiveram condicionadas as inúmeras elaborações quanto ao seu conceito, mas também, as controvérsias na forma de análise do problema e na forma de lidar com as pessoas responsáveis pela conduta. De maneira geral, esse tipo de conduta refere-se a um conjunto de transgressões, somente aceitas como tal, a considerar um determinado contexto sócio-cultural (Neto, 2004).

Atualmente, entretanto, essas condutas não têm sido identificados autor e rótulo específico, são condutas bastante variadas, apesar de evidentes, conduzidas por pessoas que nem sempre são identificadas, podendo se apresentar como uma conduta antissocial e/ou delitiva. Essas condutas referem-se aos comportamentos que não estão de acordo com os códigos estabelecidos pelas autoridades de determinado espaço geográfico e com os preceitos morais socialmente estabelecidos, infringindo, simultaneamente códigos de conduta moral (Carvalho, 2010; Formiga & Gouveia, 2003).

Segundo Formiga e Gouveia (2003) e Formiga (2005) a conduta antissocial refere-se a não conscientização das normas que devem ser respeitadas –desde a norma de limpeza das ruas ao respeito com os colegas no que se refere a certas brincadeiras– e não praticadas por alguns jovens. Neste sentido, este tipo de conduta caracteriza-se pelo fato de causarem incômodo, mas sem que causarem necessariamente danos físicos a outras pessoas; elas dizem respeito apenas às travessuras dos jovens ou simplesmente à busca pelo rompimento de algumas leis sociais.

Em relação à conduta delitiva, esses autores, concebemna como merecedoras de punição jurídica, capazes de causar danos graves, morais e/ou físicos. Portanto, tais condutas podem ser consideradas mais severas que as anteriores, representando uma ameaça eminente à ordem social vigente. O que essas condutas têm em comum é que ambas interferem nos direitos e deveres das pessoas, ameaçando o seu bemestar, bem como, diferenciando-as em função da gravidade das conseqüências oriundas (Formiga & Gouveia, 2003; Molina & Gómez, 1997). Possivelmente, todo jovem pratica ou já praticou algum tipo de conduta antissocial, o que faz parte do repertório deles, salientando como um desafio na quebra das normas sociais e regras tradicionais da sociedade, pondo em evidência as normas da geração dos seus pais como ultrapassas e que impedem esses jovens de realizarem sua vontade própria.

Considera-se que um fenômeno com essa força entre os jovens é típico de uma sociedade que tem seus valores fragilizados e as ações institucionais de controle do comportamento fracassadas quanto ao estabelecimento da norma social (Beato et al., 2004; Feijó, 2001; Minayo et. al., 1999; Moreira, Rosário & Costa, 2008; Mulvey & Cauffman, 2001; Paixão, 1983).

O aumento da conduta antissocial e delitiva entre os jovens, principalmente, aqueles sem história de delinqüência na época atual, deve-se a uma mudança cultural que se perfila nos países ocidentais, ou seja, o aumento do individualismo (Formiga & Diniz, 2011). De acordo com Reykowski (1994), essa perspectiva individualista salienta o bem estar do self como principal orientação a adaptação, por outro lado, a perspectiva coletivista, tem o foco do bem estar para o grupo. Todas as diferenças cognitivas, atitudinais e comportamentais entre coletivismo e individualismo se originam desta diferença em suposições implícitas sobre o mundo social.

O individualismo, assim, tem como pressuposto fundamental a racionalidade, sendo baseado nos princípios de regulações, regras e leis, de modo a favorecer a individuação, autonomia, auto-realização e a liberdade de escolha. Em contrapartida, o coletivismo tem como pressuposto fundamental o relacionamento, sendo baseado nos princípios de bem estar coletivo, papéis, deveres e obrigações, favorecendo a convivência em grupo.

É nesse sentido que «... o impulso para a individualização encorajou maior liberdade nas relações entre trabalhadores e empregadores, homens e mulheres, pais e filhos. As formas tradicionais de deferência cederam lugar a uma nova afirmação de direitos individuais, reforçadas, se necessário, por apelo às cortes de justiça» (Kumar, 1997). Segundo Giddens (1998), essa condição, já havia sido vislumbrada por Emile Durkheim, o qual defendia a necessidade de que as pessoas precisassem ser ‘individualistas’, mas sem que isso favorecesse a justiça social e o fortalecimento e consistência da autoridade moral na sociedade.

Porém, para Sorj e Martuccelli (2008), a perspectiva defendida por Dukheim no que se refere à necessidade de uma maior individualidade dos sujeitos, deveria implicar no aumento da autonomia e iniciativa individual, mas, não foi isso que ocorreu. Pelo contrário, as pessoas com uma ação individualista, não a realizavam com base na negociação das relações interpessoais e do respeito às normas e regras sociais, tornando, com isso, opaca a relação do mundo subjetivo do indivíduo e a sociedade. Isso gerou uma perda do reconhecimento e compreensão dos espaços da sociabilidade destinados a coesão social e não a um estado de desorganização.

O fato é que essa mudança cultural levou o sujeito à priorização de necessidades pessoais em que a meta seria a obtenção de prestígio. Assim, na falta de recursos ou mesmo de apoio social para alcançar tal prestígio, o indivíduo se utilizaria de condutas desviantes, o que revelaria não apenas o delinqüir juvenil, mas, uma desestruturação e descrédito do poder disciplinar das instituições normativas e formadoras da conduta juvenil e a dissolução do poder socializador dessas instituições quanto à transmissão moral e ética para os jovens, indicando assim, um tempo de anomia (De Giorgi, 2005; Formiga & Diniz, 2011; Idhac, 2009; Lipovetsky, 1986).

Tal estado de anomia segue um caminho de caos social, no qual, quebrar a norma ou manifestar alguma conduta desviante entre os jovens, pode ser um ato enobrecedor para a construção da imagem juvenil e a busca das aspirações de consumo para a própria realização do sujeito. Um desvio excessivo da norma transpõe os espaços da vida privada das pessoas, afetando os espaços públicos e coletivos e um sentimento de insegurança e exclusão social (Arendt, 2009; Neto, 2004; Sorj & Martuccelli, 2008).

Apesar de Durkheim (1893/1992; 1925/2002) considerar que a ação delituosa (leia-se, criminosa) poderia ser entendida como algo normal na dinâmica de qualquer sociedade, mesmo que em níveis suportáveis, essa ação deveria ser punida e inibida, porque é reprovada pela sociedade. Isto ocorreria tanto por causar prejuízo à ordem e harmonia da sociedade quanto pela indicação de que o sujeito não foi capaz de interiorizar as normas e os valores sociais exigidos pela sociedade. Para aqueles que buscam a harmonia e o bem estar social, uma condição delituosa faz surgir sentimentos e condutas de rejeição a essa situação. A intensidade e facilidade do delito revelam uma fragilidade na integração entre individuo, sociedade e as leis para a ordem social, originando a anomia.

O estudo sobre a anomia ganhou força conceitual e de análise dos problemas sociais com Emile Durkheim em seus livros a Divisão do Trabalho Social e o Suicídio. Para Durkheim (1895/2004; 1897/2000), a anomia refere-se a uma condição que a sociedade passa, na dinâmica de suas relações interpessoais, quanto ao reconhecimento da ausência de referência das normas e regras sociais que orientam e regulam o comportamento socialmente desejável do indivíduo e instituições. A existência da anomia na sociedade torna-se ineficaz o poder regulador, que as normas sociais e instituições de controle, têm sobre os comportamentos sociais, sendo incapaz da coesão da sociedade.

De acordo com Agnew (1997), Durkheim concebia que o estado anômico é uma condição peculiar da sociedade moderna e consequente do desenvolvimento econômico dela, na qual os valores, a moral e a ética é determinada pelo enriquecimento material das pessoas, fazendo com que se entreguem as suas paixões e vivam apenas para si mesmo, inexistindo solidariedade e cooperação entre os membros da sociedade, conseqüentemente, uma consciência que priorize o coletivo e o social. Segundo McClosky (1976, 1978), a anomia conduz o indivíduo para uma sociedade carente no consenso do conteúdo das normas sociais fazendo com que as pessoas vivam sem aderir ou cumprir as regras sociais necessárias para uma boa interação indivíduo-sociedade.

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Dicionário - Ver dicionário detalhado

Mesmo que a concepção de Durkheim sobre a anomia tenha sido significativa para o estabelecimento do tema na Sociologia e Criminologia, outro estudioso de grande influência no estudo da anomia foi Robert Merton. Ele desenvolveu de forma sistemática a perspectiva teórica proposta por Durkheim, bem como, a associação desse tema com a conduta desviante (Caliman, 2006; Giddens, 1998; Huertas, 2009; Reyes, 2008).

Diferente de Durkheim, o conceito de anomia elaborado por Merton (1938/2002) foi modificado, referindo-se a pressão que a sociedade impõe as pessoas para que se comportem, de forma desviante, quando as normas e a realidade social entram em conflito. Isto é, a fissura apontada por Durkheim entre a sociedade e as normas sociais, pode até ser reconhecido por Merton (1938/2002), mas, de acordo com esse autor, a anomia ocorre entre o subsistema dos fins e dos meios institucionalmente aceitos para que o desvio social se realize.

Merton (1938/2002), em seu livro Teoria social e Estrutura social, com base na concepção da anomia e com o objetivo de avançar no conceito e explicação do problema do desvio social na sociedade moderna, além de ampliar o conceito esclarece a função da anomia quando se tratar de explicar os conflitos e a ordem social. Para esse autor, a anomia é um problema estrutural e não conjuntural, além de se originar do poder imposto das normas sociais exigidas pela classe social favorecida, trata-se da impossibilidade de que o sujeito aceite e aja normativamente, pois, isso se deve as desigualdades sociais determinadas pela classe social mais alta para a realização dos objetivos dos mais desfavorecidos. O rompimento da estrutura cultural dá lugar a uma separação entre as normas e os objetivos estabelecidos pela cultura e as condições estruturadas socialmente das pessoas da sociedade e do grupo seguir de acordo com o que se exige. Em outras palavras, para Merton a anomia teria como origem a constatação por parte de indivíduos e grupos de uma incongruência na sociedade, fazendo com que os meios socialmente disponíveis sejam insuficientes para o alcance de metas socialmente valorizadas.

A partir dos estudos de Durkheim e Merton, diversas pesquisas foram desenvolvidas com o objetivo de operacionalizar, psicológica e sociologicamente, o conceito e a mensuração da anomia (Caliman, 2006; Rodriguéz, 2006). Desta forma, Srole (1956) estabeleceu, em termos psicológicos, um conceito e uma mensuração sobre essa variável. Este autor concebia a anomia como um estado mental, isto é, um sentimento de desespero e de abandono que acompanha o sujeito, devido à falta de acesso aos meios socialmente prescritos para a realização dos fins sociais.

De acordo com Rodriguez (2006), apesar de serem encontrados outros autores que também atribuíam à anomia um estado mental em termos da falta de sentido e pertença na dinâmica indivíduo-sociedade -por exemplo, Deflem (1989) e Laswell (1952)- em termos pragmáticos, quanto ao construto anomia, Srole (1956) merece destaque por ter desenvolvido um instrumento para a mensuração do construto. Trata-se de uma escala do tipo likert, composta por cinco itens para mensurar o grau de anomia (tomandoa como um sentimento) das pessoas.

Com base na concepção de Srole, Travis (1993) elabora uma escala alternativa para avaliar a anomia em termos psicológicos, uma vez que considera a proposta de Srole (1956) muito abrangente em termos conceituais e, principalmente, quando se pretende mensurar a anomia com amostras mais diversificadas e compara-las a subculturas. Travis (1993), então, toma como referência a teoria da alienação (especificamente, do isolamento social) e da anomia passando a elaborar um instrumento com sete itens, que deveria ser respondido numa escala do tipo likert. Esta escala tinha como objetivo mensurar o quanto o sujeito sente que estar à margem da sociedade em relação à realização de seus objetivos, isto é, o quanto ele se sente socialmente excluído.

Desta forma, a partir dessas perspectivas teóricas, julgase que havendo por parte de um indivíduo uma maior percepção de sua exclusão na sociedade, se sentindo impotente para realizar seus objetivos, provavelmente, este, será capaz de manifestar uma conduta antissocial e delitiva. O presente estudo tem como hipótese a verificação de um modelo teórico em que o sentimento de estar à margem da sociedade se associe, positivamente, com as condutas antissociais e delitivas.

Método

Participantes

Participaram do estudo 235 jovens de 13 a 20 anos, com uma distribuição equitativa de jovens do sexo masculino (49%) e do sexo feminino (51%), da rede de educação pública e particular da cidade de João Pessoa – PB, que voluntariamente aceitaram participar do estudo.

Instrumentos

Os participantes responderam os seguintes questionários:

  • Escala de sentimento de estar à margem da sociedade (MOS - Margins of Society Scale). A MOS foi desenvolvida por Travis (1993) e adaptada por Souza e cols. (2003) para o contexto brasileiro, apresentando alfas confiáveis.

    A presente escala é composta por sete itens que procuram avaliar o quanto as pessoas sentem sofrer uma exclusão social (por exemplo, Eu me sinto muito sozinho atualmente; Não importa o quanto a pessoa se esforce na vida, isso não faz diferença; Eu me sinto discriminado socialmente; Sinto como se meu mundo estivesse caindo; Eu queria ser alguém importante; É difícil para mim dizer o que é certo e errado atualmente; Eu não gosto de viver de acordo com as regras da sociedade). Para responder a pessoa deve ler cada item e indicar o quanto elas estão em acordo com cada uma das sete questões e indicar (marcando com um X ou circulo) numa escala do tipo Likert, que variava de 1 = Discordo totalmente, 2 = Discordo em parte, 3 = Não concordo nem discordo, 4 = Concordo em parte e 5 = Concordo totalmente.

    Nesse estudo, além da escala revelar indicadores de consistência interna aceitáveis para o contexto brasileiro, ela apresentou indicadores de qualidade de ajuste para o seu modelo estrutural próximos aos recomendados na literatura: χ2 / gl (7.11/11) = 0.64; RMR = 0.04; GFI = 0.99; AGFI = 0.98; CFI = 1.00; RMSEA = 0.00 (0.00-0.04). O valor do ECVI e CAIC não foram necessários por não haver modelo para ser comparado (Byrne, 1989; Tabachnick & Fidell, 1996; Van de Vijver & Leung, 1997).
     

  • Escala de Condutas Antissociais e Delitivas. Este instrumento, proposto por Seisdedos (1998) e validado por Formiga e Gouveia (2003) para o contexto brasileiro, compreende em uma medida comportamental em relação às Condutas Antissociais e Delitivas. Tal medida é composta por quarenta elementos, distribuídos em dois fatores, como segue: condutas antissociais, seus elementos não expressam delitos, mas comportamentos que desafiam a ordem social e infligem normas sociais (por exemplo, jogar lixo no chão mesmo quando há perto um cesto de lixo; tocar a campainha na casa de alguém e sair correndo); e as condutas delitivas, estas incorporam comportamentos delitivos que estão fora da lei, caracterizando uma infração ou uma conduta faltosa e prejudicial a alguém ou mesmo a sociedade como um todo (por exemplo, roubar objetos dos carros; conseguir dinheiro ameaçando pessoas mais fracas). Para cada elemento, os participantes deveriam indicar o quanto apresentava o comportamento assinalado no seu dia a dia. Para isso, utilizavam uma escala de resposta com dez pontos, tendo os seguintes extremos: 0 = Nunca e 9 = Sempre.

    A presente escala revelou indicadores psicométricos consistentes identificando os fatores destacados acima; para a Conduta Antisocial foi encontrado um Alpha de Cronbach de 0.86 e a Conduta Delitiva ou Delinqüente, 0.92. Considerando a Análise Fatorial Confirmatória, realizada com o Lisrel 8.0, comprovou-se essas dimensões previamente encontradas (χ²/gl = 1.35; AGFI = 0.89; PHI (Φ) = 0.79, p > 0.05) na análise dos principais componentes (Formiga, 2003; Formiga & Gouveia, 2003).
     

  • Caracterização Sócio-Demográfica. Os participantes responderam um conjunto de perguntas sobre característica pessoais (sexo, idade, etc.) com a finalidade de caracterizar os respondentes da pesquisa.

Procedimento e análise dos dados

Todos os procedimentos adotados nesta pesquisa seguiram as orientações previstas na Resolução 196/96 do CNS e na Resolução 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia (Cns, 1996; Anpepp, 2000).

Para a aplicação do instrumento, o responsável pela coleta dos dados visitou a coordenação ou diretoria das instituições de ensino, falando diretamente com os diretores e/ou coordenadores para depois tentar a permissão junto aos professores responsáveis de cada disciplina, procurando obter sua autorização para ocupar uma aula e aplicar os questionários. Sendo autorizado, os estudantes foram contatados, expondo sumariamente os objetivos da pesquisa, solicitando sua participação voluntária.

Foi dito aos respondentes que não havia resposta certa ou errada e que mesmo necessitando uma resposta individual, estes não deveriam se ver obrigados em respondê-los podendo desistir a qual momento seja quanto tivesse o instrumento em suas mãos ou ao iniciar sua leitura, ou outro eventual condição. Em qualquer um desses eventos, não haveria problema de sua desistência.

A todos era assegurado o anonimato das suas respostas, enfatizando que elas seriam tratadas em seu conjunto estatisticamente; apesar do questionário ser autoaplicável, contando com as instruções necessárias para que possam ser respondidos, os colaboradores estiveram presentes durante toda a aplicação para retirar eventuais dúvidas ou realizar esclarecimentos que se fizessem indispensáveis, não interferindo na lógica e compreensão das respostas dos respondentes. Um único aplicador, previamente treinado, esteve presente em sala de aula, apresentando os instrumentos, solucionando eventuais dúvidas e conferindo a qualidade geral das respostas emitidas pelos respondentes.

No que se refere à análise dos dados desta pesquisa, utilizou-se a versão 18.0 do pacote estatístico SPSS para Windows. Foram computadas estatísticas descritivas (tendência central e dispersão). Os seguintes indicadores estatísticos para o Modelo de Equações Estruturais (SEM) foram considerados segundo uma bondade de ajuste subjetiva. Esse programa estatístico tem a função de apresentar, de forma mais robusta, indicadores psicométricos que vise uma melhor construção da adaptação e acurácia da escala desenvolvida, bem como, permita desenhar um modelo teórico pretendido no estudo.

Com o programa AMOS, versão 16.0, pretendeu-se testar a adequação do modelo unidimensional, considerando-se como entrada a matriz de covariâncias, tendo sido adotado o estimador ML (Maximum Likelihood). Este tipo de análise estatística é mais criteriosa e rigorosa do que aquela que a do primeiro estudo no presente estudo. Isto permite testar diretamente uma estrutura teórica, como é o caso da que se propõem no presente estudo. Esta análise apresenta alguns índices que permitem avaliar a qualidade de ajuste do modelo proposto (Byrne, 1989; Hair,Anderson, Tatham & Black, 2005; Kelloway,1998; Tabachnick & Fidell, 1996; Van de Vijver & Leung, 1997), por exemplo:

  • O χ² (qui-quadrado) testa a probabilidade de o modelo teórico se ajustar aos dados; quanto maior este valor pior o ajustamento. Este tem sido pouco empregado na literatura, sendo mais comum considerar sua razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.). Neste caso, valores até 5 indicam um ajustamento adequado.

  • Root Mean Square Residual (RMR), que indica o ajustamento do modelo teórico aos dados, na medida em que a diferença entre os dois se aproxima de zero. Para o modelo ser considerado bem ajustado, o valor deve ser menor que 0.05.

  • O Goodness-of-Fit Index (GFI) e o Adjusted Goodnessof-Fit Index (AGFI) são análogos ao em regressão múltipla. Portanto, indicam a proporção de variância– covariância nos dados explicada pelo modelo. Estes variam de 0 a 1, com valores na casa dos 0.80 e 0.90, ou superior, indicando um ajustamento satisfatório.

  • O Comparative Fit Index (CFI) compara, de forma geral, o modelo estimado e o modelo nulo, considerando valores mais próximos de um como indicadores de ajustamento satisfatório (Hair et al., 2005).

  • A Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA), com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), é considerado um indicador de «maldade» de ajuste, isto é, valores altos indicam um modelo não ajustado. Assume-se como ideal que o RMSEA se situe entre 0.05 e 0.08, aceitando-se valores de até 0.10 (Garson, 2003; Kelloway, 1998).

  • O Expected Cross-Validation Index (ECVI) e o Consistent Akaike Information Criterion (CAIC) são indicadores geralmente empregados para avaliar a adequação de um modelo determinado em relação a outro. Valores baixos do ECVI e CAIC expressam o modelo com melhor ajuste (Bilich, Silva & Ramos, 2006; Hair et al., 2005; ).

Resultados e Discussão

Considerando o objetivo central desse estudo -a explicação da conduta desviante a partir do sentimento de estar à margem da sociedade- efetuou-se, a partir da análise e modelagem de equação estrutural, no programa AMOS 16.0, a verificação empírica quanto aos seus critérios preditivos dessa variável, garantindo, com isso, uma robustez e consistência explicativa entre elas.

Para isso, considerou-se um modelo não recursivo de equações estruturais. Na Figura 1, após as devidas modificações nos ajustes de erro, encontrou-se um modelo adequado, apresentando a seguinte razão: χ2/gl (26.08/27) = 0.97; RMR = 0.05; GFI = 0.98; AGFI = 0.96; CFI = 1.00, RMSEA = 0.01 (0.00-0.05). Observou-se que o peso da variável considerada sobre o sentimento de estar à margem da sociedade apresentou um escore associativo positivo (λ = 0.36) com as condutas desviantes (ver Figura 1).

 

 

Considerando que o modelo proposto foi comprovado, optou-se em realizar uma análise de variância a fim de avaliar a pontuação média das respostas dos sujeitos nas condutas antissociais e delitivas em relação ao sentimento anômico. Desta forma, houve um resultado significativo quanto a uma pontuação média superior, apenas, para alta conduta antissocial (M = 2.67, DP = 0,05) [F (1.234) = 7.54, p < 0.01] no que se refere ao sentimento anômico dos sujeitos. Para a conduta delitiva, os resultados não foram significativos, condição essa que é compreensível, pois, a amostra não contemplou, especificamente, jovens com história de delinquência ou aqueles que estavam em instituições coercitivas.

Isto é, provavelmente, o sujeito com um sentimento de exclusão, não observa ao cumprimento das normas sociais, manifestando maior conduta antissocial. Objetivamente, alude-se ao estado mental desse sujeito quanto à debilidade da coesão social e apoio afetivo das pessoas no seu entorno em termos da aceitação e adesão das normas sociais, impedindo com isso, o não agir desviante, mesmo que os outros possam transgridir (Aceituno, Asún, Ruiz, Reinoso, Venegas & Corbalán, 2009).

Afinal, estando estes sujeitos, com uma auto-percepção de abandono social, esta, por sua vez, distorceria a realidade, fazendo com que o sujeito não compreenda a organização e o funcionamento da sociedade quanto à condição de atingir os fins sociais a partir dos meios socialmente aceitos (McClosky & Schaar, 1965; Srole, 1956) sem quebrar a norma social vigente.

De forma geral, de acordo com López (2009), esse sentimento anômico visa uma análise do individuo, o qual, como parte da sociedade é quem, a partir de suas características pessoais percebe o sistema social desorganizado, levando o sujeito ao desvio de conduta. Este desvio, por sua vez, é justificado, não somente, porque a sociedade fracassou com suas promessas sociais e econômicas, destinadas a sua ascensão pessoal, mas também, que esse fracasso societal influenciou a baixa identidade e ambiguidade sentimental da pessoa com a sociedade vigente e o estabelecimento das regras de controle da conduta, tanto da externalidade quanto da internalidade das regras e normas sociais (Deflem, 1989; Laswell, 1952; MacIver, 1950).

Um estudo desenvolvido por Aillet, Le Queau e Olm (2000), mesmo não utilizando a escala de Travis (1993), mas, abordando semelhante perspectiva teórica sobre a anomia psicológica, observaram que esse tipo de anomia, não somente influenciou as condutas de riscos e a delituosidade (maior hedonismo, maior instabilidade psíquica, etc.), mas, também, uma tendência suicidária. Apesar do conceito de anomia psicológica precisar de algum ajuste, pois, existe uma quantidade significativa de teóricos que buscam propor uma mensuração desse construto em termos psicológicos (Atteslander & Gransow, 1999; Nikos & Agnew, 1997), tal construto, cada um ao seu modelo de avaliação, tem o objetivo tanto de verificar a negatividade social do sujeito a fim de que se possa estabelecer não somente compensações sociais, quanto às intervenções psicológicas quando for o caso do sujeito apresentar um alto sentimento anômico.

Silgemann (1981), em um estudo com brasileiros, utilizando a escala de Srole e observou uma relação positiva com a Alienação. Isto é, quanto maior o sentimento anômico, o qual, para Srole (1956) refere-se à sensação de abandono, maior o sentimento de impotência social, maior a passividade e acomodação com a situação vivida pela pessoa, já que ela não é capaz de mudar em nada pois no sistema a pessoa não tem poder de soberania, predominando uma espécie de vazio interior e impotência.

Considerando a perspectiva da anomia psicológica atribuída por Travis (1993), de acordo com a comprovação do modelo teórico verificado neste estudo, uma autopercepção do sujeito frente ao seu papel na sociedade e, principalmente, na valoração dele quanto sua função para a mudança social e realização dos objetivos exigidos pela sociedade para que todos os seus membros alcancem o que desejam com base nas normas prescritas, provavelmente, poderia inibir a conduta desviante entre os jovens; caso contrário, o desvio poderá ocorrer, pois, com uma auto sentimento anômico o sujeito não somente manifestará uma experiência de vazio social, mas também, de que ele precisa assimilar e reconhecer os valores dos outros, a fim de que sua dignidade se afirme, colocando a margem do seu desenvolvimento social e psicológico sua condição de ser criativo e espontâneo.

O instrumento proposto por Travis (1993) para avaliar a anomia psicológica comprovou um modelo causal em termos da intensidade da conduta desviante (a conduta antissocial e a delitiva) associada ao sentimento anômico, especificamente, no que se refere às pessoas que sentem sofrer uma exclusão social. Tal resultado permite refletir sobre a debilidade do estado mental dos indivíduos em termos de sua valoração, como ser social, na sociedade, e a estrutura e organização psicológica quanto à pertença e identidade social.

O sentimento anômico poderia, assim, corresponder a um traço psicológico de vacuidade, atração pelo novo e o efêmero, os quais, quando identificados, seriam capazes de prever as condutas humanas, especialmente, aquelas destinadas ao rompimento da norma e regra social. Essa sensação de vacuidade e isolamento reflete o declínio do poder de instituições tradicionais, como o Estado e a Família e seu apoio social e emocional aos sujeitos que formam estas instituições, imperando, com isso, o individualismo, a incerteza do futuro e uma ação que experiencie o aqui-eagora, causando uma crise não somente na coesão social, mas também, na qualidade de vida e no estado psicológico frente às crenças e atitudes sociais socialmente desejáveis, originando uma excessiva dedicação em condutas individualistas (Aceituno et al., 2006; Formiga & Diniz, 2011; Gadea, 2006; Magalhães, 1998; McCloskey, 1976).

Essa dinâmica individualista, estabelecida na estrutura e organização do trabalho concebido por Durkheim, bem como, do conflito meio-fim social destacado por Merton, provavelmente, poderá predizer as condutas desviantes. Isto, porque, o sujeito buscará cada vez mais satisfazer a sua necessidade e interesse particular, já que o Estado não cumpriu a sua promessa e, por não cumprir, não merece confiança, fazendo com que o sujeito sinta-se rejeitado e marginalizado diante do avanço social e econômico da sociedade (Formiga & Diniz, 2011; Reyes, 2008; Silgemann, 1981).

Aponta-se, com isso, em direção da insatisfação com as normas legais e/ou sociais, na qual, elas são insuficientes para orientação do comportamento individual, adequadamente conformado aos meios e fins estabelecidos culturalmente levando as condutas desviantes. Esse individualismo, tal como discutido anteriormente, favorece uma maior valorização das normas individuais, as quais se sobrepõem às normas sociais, principalmente, porque o indivíduo, não somente, não se sente integrado ao sistema, mas, também, porque o respeito, a consideração e civilidade para com ele próprio e para com o outro já não lhe são dedicados, sendo, assim, a descrença em si mesmo e na sociedade é uma condição inevitável, construindo nele uma sensação de falta de interesse com ele mesmo e com o que possa fazer para a sociedade melhorar. Isto é, nada mais importa, já que o próprio sujeito não é importante.

De acordo com Garcia (2006), próximo ao que considera Durkheim e Merton, acredita-se que devido à evolução da sociedade industrial os indivíduos encontram-se desorientados e inadaptados, pois o sucesso econômico é provocador da falta de controle sobre os desejos do homem por uma sociedade e normas socialmente aceitas, causando prejuízo no grau de controle e força dos vínculos sociedadeindivíduo para o comportamento social; ao enfatizar os resultados encontrados neste estudo, se vai mais além, o processo evolutivo da sociedade e sua força capitalista é influenciadora, também, de experiências psicológicas subjetivas de sentimento de inferioridade, provocando um desencaixe frente aos direitos e deveres estabelecidos e exigidos pelo Estado e suas autoridades.

O problema anomia e conduta desviante não deveria ser exclusividade de carências sociais e econômicas, mas, também, da percepção do sujeito quanto a um ser que não sente como parte da sociedade, um ser que não valorado e incluído nos planos do avanço e sucesso da sociedade vigente, tornado o sujeito incapaz de internalizar, com isso, um sentimento de cidadania. Assim, a falta da internalização de um sentimento de ordem, reflete um limite na racionalidade da identificação dos laços sociais responsáveis pela sustentabilidade da harmonia social e resolução de conflitos causadoras da conduta delituosa (Pegoraro, 2006).

Esse sentimento anômico aponta em direção de uma conduta de subversão, a qual é responsável pela desintegração e ruptura das relações sociais, mas, também, pela não submissão as relações sociais de ordem interior e social. O desejo de estar e permanecer unido é o que impede a dissolução da estrutura social e psicológica, capaz de regular a reciprocidade, o reconhecimento e aceitação das diferenças das funções sociais de cada sujeito estabelecida hierarquicamente e uma aproximação maior com a solidariedade social; não sendo assim, o desvio social surgirá.

Mesmo que não tenha sido objetivo principal do presente estudo, isto é, avaliar a estrutura fatorial da escala MOS, é importante destacar que a escala proposta por Travis (1993) se aproxima da perspectiva psicológica da escala de anomia salientada por McCloky e Schaar (1965) e de Srole (1956) as quais foram validadas por Rodriguez (2006) com uma amostra em Costa Rica. Especificamente, a escala de por McCloky e Schaar (1965) apresentou indicadores de ajuste aceitáveis pela literatura vigente (por exemplo, χ2 = 33.74; gl = 25; p = 0.11, RMR = 0.45, RMSEA = 0.04, CFI = 0.96, GFI = 0.96 e AGFI = 0.93).

Considerando o construto psicológico para se avaliar a anomia, a escala de Travis (1993) revelou, neste estudo, melhores indicadores do que os encontrados por Rodriguez (2006). Vale destacar que, apesar da diferença qualitativa entre esses indicadores, isso não pode ser considerado uma condição de eliminação e inviabilidade da escala avaliada por Rodriguez (2006), mas, deve-se destacar que a escala de Travis (1993) trata-se de mais uma peça no quebracabeça do estudo da anomia psicológica. Porém, exige-se que futuros estudos sejam realizados com essa escala a fim de avaliar a acurácia do construto.

Conclusão

A comprovação desse modelo teórico quanto à perspectiva psicológica da anomia e sua explicação para a conduta antissocial e delitiva refletem-se sobre a necessidade de se resgatar não somente da autoestima, mas também, uma consciência coletiva nas pessoas em relação ao sentimento de que elas fazem parte da construção e integração da sociedade. Este fato corresponderia ao estabelecimento, no sujeito, do sentimento de inclusão social não somente frente às promessas do Estado, mas também, do cumprimento delas por parte do próprio Estado e das pessoas que a formam. Estas por sua vez, provavelmente, influenciariam na inibição da manifestação da conduta desviante (antissocial ou delitiva).

Além dos gastos com a violência já apontados anteriormente, outros podem ser previstos, já que com o aumento da violência e a ineficiência das leis e norma sociais, maior a necessidade de investir em policiamento e outras estratégias visando coibir comportamentos desviantes (relato constante frente à situação do trânsito ou mesmo da criminalidade nas cidades brasileiras – por exemplo, Rio de Janeiro, São Paulo, etc.), bem como, ressurgir com o estabelecimento dessas estratégias de segurança, o sentimento de inclusão e de uma auto-percepção de que a pessoa, o grupo, a comunidade, etc., são importantes para a sociedade, por isso, são organizados fatores de proteção social.

Estudos futuros poderiam buscar novas variáveis associadas à anomia, visando orientar profissionais em diferentes áreas, sobretudo na educação, bem como orientar o desenvolvimento de políticas públicas com o objetivo de diminuir a percepção do desmoronamento das normas sociais. Por exemplo, o ambiente educacional oferece um campo rico para investigações da relação entre anomia e outras variáveis relacionadas ao tema, não só pelo histórico de violência em nossas escolas, mas também, devido ao fato de que a educação vem sendo desafiada na sua função de permitir uma maior igualdade social.

Espera-se que os objetivos desse estudo tenham sido cumpridos e venha acrescentar mais uma variável no estudo sobre as condutas desviantes em jovens brasileiros. Acredita-se contribuir, no que se refere ao estudo da anomia no espaço da ciência psicológica, reflexões sobre a participação das instituições de proteção psicossocial (por exemplo, família, escola, ONGs, etc.) frente a organização e administração da conduta sociamente desejável e manutenção das relações interpessoais visando a harmonia social e psicológica.

Embora considere comprovada a hipótese levantada no presente estudo, nesses resultados é necessário considerar alguns limites: seria interessante um estudo em que abordasse as variáveis sócio-demográficas como influência da anomia e das condutas desviantes; poderia ser útil um estudo intercultural e transcultural com o objetivo de avaliar tanto a variação da anomia quanto da conduta desviantes assumidas pelos jovens de diferentes contextos sociais e culturais; por fim, poderia replicar um estudo com as mesmas variáveis, contemplando grupos juvenis considerando a dinâmica parental de socialização quanto ao envolvimento dos pais e da escola, comparando-lhes aos jovens sem o envolvimento dessas instituições.

Contudo, é bom destacar que quando for considerar os resultados deste estudo é necessário ter em conta os aspectos mais específicos ou universais de cada contexto cultural na avaliação dessas variáveis quando se pretender abordá-las para outros espaços sociais. Por um lado, é importante considerar as dimensões locais, específicas ou exclusivas (emics) da orientação de cada cultura, bem como, e não menos importante, avaliar as dimensões universais (etics) da Cultura, com o objetivo de compara os construtos estudados aqui para outro espaço geo-político e social (Muenjohn & Armstrong, 2007; Triandis et al., 1993; Triandis, 1995; Van de Vijver & Leung, 1997).

 

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Recibido: 05 de junio de 2012
Aceptado: 24 de setiembre de 2012