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Print version ISSN 1729-4827

liber. vol.22 no.2 Lima Jul./Dec. 2016

 

ARTÍCULOS

Escala de concepçôes educativas morais (ECEM)

Scale of moral educational conceptions (SMEC)

 

Luciana Maria Caetano*, Maria Thereza Costa Coelho de Souza** e Dirceu da Silva***

*, ** Instituto de Psicologia da Universidade de Sâo Paulo, Brasil.

*** Universidade Estadual de Campinas, Brasil.

* lmcaetano@usp.br** mtdesouza@usp.br*** dirceu@unicamp.br


RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar o processo de construçâo e validaçâo da Escala de Concepçôes Educativas Morais (ECEM). A ECEM é um instrumento que investiga as concepçôes educativas de pais e mâes sobre os construtos obediência, respeito, justiça e autonomia, pensados na relaçâo com seus filhos. Participaram do estudo 860 pais e mâes representativos das cinco regiôes do Brasil. A análise de conteúdo descreveu e confirmou a construçâo dos itens e a referência aos seus construtos. A análise fatorial confirmatória sugeriu como aceitável a estrutura multifatorial confirmando os quatro construtos (GFI = 0.933, AGFI = 0.919 e RMSEA = 0.0702). A ECEM apresentou-se, portanto, como um instrumento de medida com características psicométricas adequadas. Em relaçâo aos instrumentos de medida de juízo e competência moral mais utilizados no Brasil, a ECEM apresenta a originalidade da possibilidade de investigaçâo das concepçôes morais dos participantes sobre os tipos de relaçôes sociais que se estabelecem no tocante aos construtos obediência, respeito, justiça e autonomia.

Palavras-chave:Instrumentos de avaliaçâo, desenvolvimento moral, educaçâo moral.


ABSTRACT

The purpose of this article is to present the process of construction and validation of the Scale of Moral Educational Conceptions (SMEC). The SMEC is an instrument that investigates the educational conceptions of parents in relation to the constructs of obedience, respect, justice and autonomy conceived in relation to their children. The study included 860 fathers and mothers representing the five regions of Brazil. The content analysis described and confirmed the construction of the items and the reference to the constructs. The confirmatory factor analysis suggested as acceptable to the multifactorial structure, confirming the four constructs (GFI = 0.933, AGFI = 0.919 and RMSEA = 0.0702). Therefore, the SMEC is a measuring instrument with adequate psychometric characteristics. In relation to the instruments of measurement of judgment and moral competence more used in Brazil, the SMEC presents the original possibility of investigating the moral conceptions of the participants in relation to the types of social relationships that are established with regard to the constructs of obedience, respect, justice and autonomy.

Keywords: Evaluation instruments, moral development, moral education


A Escala de Concepçôes Educativas Morais (ECEM) é um instrumento que se propôe a investigar as concepçôes educativas dos pais sobre obediência, respeito, justiça e autonomia, na relaçâo com os seus filhos adolescentes. A escolha dos construtos obediência, respeito, justiça e autonomia, estâo fundamentados na Teoria do Juízo Moral de Jean Piaget (1932/1994), apontados pelo autor como fatores que integradamente e de forma congruente participam da construçâo da moral autônoma. A obediência é a gênese do processo moral, sendo o respeito o sentimento de obrigaçâo moral que obriga as crianças a manifestarem as primeiras condutas de obediência aos pais e ou adultos e crianças maiores próximos. Nas relaçôes com esses adultos e com seus pares as crianças desenvolvem a noçâo de justiça inicialmente retributiva. Caso as relaçôes com os adultos tendam a favorecer a autonomia, a obediência é substituída pela reciprocidade fundada no respeito mútuo e na justiça por equidade.

Piaget (1932/1994) utilizou a observaçâo sistemática de crianças diante de jogos de regras e interrogou crianças de diferentes idades contando-lhes pequenas histórias ou dilemas sobre os desajeitamentos infantis, a mentira, as relaçôes entre justiça e autoridade, optando por uma análise qualitativa dos dados obtidos. Segundo Lind (2000) foi Kohlberg (1984) quem estabeleceu os primeiros fundamentos para a mensuraçâo objetiva do desenvolvimento moral. Kohlberg (1989) foi leitor de Piaget, entretanto, sua teoria é interpretada por muitos como um aperfeiçoamento da teoria de Piaget, por ter construído os estágios da evoluçâo da autonomia (Biaggio, 1984). Para Kolhberg a moral é sinônimo de justiça (Freitag, 1992).

Dentre os instrumentos mais conhecidos e utilizados no Brasil (Bataglia, Morais e Lepre, 2010; Koller et al., 1994), segundo a fundamentaçâo teórica kohlberguiana estâo:

• O MJI: Moral Judgment Interview (Colby e Kohlberg, 1987) - elaborado pelo próprio Kohlberg - constitui-se de três dilemas morais. Embora permaneça no formato de entrevista estruturada com questôes abertas, o instrumento foi reavaliado sucessivas vezes, como forma de tornar a avaliaçâo objetiva e fidedigna. Segundo Bataglia et al. (2010) o instrumento permite a construçâo de um perfil moral, mas que o instrumento tem limitaçôes com relaçâo à aplicaçâo e à forma de codificaçâo das respostas. Vários pesquisadoresbrasileiros utilizaram o MJI, entre eles: Bataglia (1996), Biaggio (1984), Koller, Biaggio e Viñas (1992), Lepre (2005), Lepre e Martins (2009), Lins (1993).

• O DIT: Defining Issues Test foi elaborado por Rest (1986) com a finalidade de se obter uma medida mais objetiva do julgamento moral. Segundo Rest, Narvaez, Bebeau e Thoma (1999) os estudos com DIT sâo numerosos e atuais. É, portanto, mais utilizado do que o MJI devido à  maior facilidade de apuraçâo dos dados. No Brasil esse instrumento foi adaptado por Bzuneck (1979), que o denominou «Teste de Julgamento de Situaçôes», e Camino, Luna, Alves, Silva e Rique (1989), que o intitularam de «Opiniôes sobre problemas sociais».

Em 1998, Rest e Narvaez (1998) apresentaram uma versâo mais atualizada do DIT (que ficou entâo conhecido como DIT-1). Essa nova versâo, o DIT-2 foi traduzido e adaptado para o contexto brasileiro por Biaggio, Shimizu e Martinez (2001). Shimizu (2004) avaliou a fidedignidade do DIT- 2 e o comparou com ao DIT-1. Conforme os resultados de seu estudo, as versôes dos instrumentos para o contexto brasileiro ainda nâo estavam suficientemente aprimoradas.

• Outro instrumento é o SROM: Sociomoral Reflection Objective Measure (Gibbs, Arnold e Burkhart, 1984), que gera escores de maturidade moral. Tratam-se de dois dilemas morais de Kohlberg, seguidos de 16 perguntas do tipo múltipla escolha. Conforme Bataglia et al. (2010), o uso desse instrumento no Brasil é muito restrito.

• E, finalmente o MJT: Moral Judgement Test (Lind, 2000), tem o objetivo de avaliar a competência do Juízo Moral. Esse instrumento tem uma especificidade que o diferencia dos demais instrumentos citados, pois permite a avaliaçâo da estrutura de juízo moral que o sujeito utiliza conforme adversidade da situaçâo proposta (Bataglia et al., 2010). Tal instrumento vem sendo utilizado em pesquisas no Brasil que investigam a competência moral de estudantes universitários (Bataglia, 2001; Oliveira, 2008).

Quanto á   ECEM é um instrumento de avaliaçâo de concepçôes morais, e, portanto, seus objetivos nâo sâo avaliar o juízo moral e ou a competência moral. A especificidade de seu objeto de avaliaçâo, ou seja, as concepçôes educativas morais na relaçâo entre pais e filhos, justificou a construçâo do instrumento, cujo maior desafio foi conciliar: o respeito à   teoria que o fundamentou (a teoria do juízo moral de Jean Piaget, 1932/1994); o rigor psicométrico; a possibilidade de investigaçâo de uma amostra significativa (no caso desse estudo, uma amostra representativa de pais brasileiros) e a possibilidade de generalizaçâo dos resultados para um nível de abordagem nacional.

Portanto, as perguntas que nortearam todo o processo de construçâo e validaçâo do instrumento foram as seguintes: Quais as concepçôes educativas dos pais a respeito da sua participaçâo na construçâo da autonomia moral dos seus filhos adolescentes? Que variáveis ou intervençôes dos pais representam suas concepçôes a respeito de: obediência, respeito, justiça e autonomia? E a hipótese principal era de que os quatro construtos seriam complementares e autonomia moral do adolescente seria fruto da interaçâo desses fatores. Esse artigo tem o objetivo de apresentar o processo de construçâo e validaçâo da ECEM.

Método

Participantes

Os participantes foram pais e mâes, e/ou responsáveis, de adolescentes de 12 a 20 anos. O total de 860 adultos foi distribuído entre 20.6% do sexo masculino e 79.4% do sexo feminino. O critério para a definiçâo do número de participantes levou em consideraçâo os seguintes aspectos: a amostragem dessa pesquisa buscou atingir o objetivo de uma coleta de dados de nível nacional, o que condicionou a busca de um n mínimo de 70 sujeitos para cada regiâo do país (norte, sul, sudeste, nordeste e centro-oeste); a técnica de amostragem empregada, foi a amostragem por conveniência, (Malhotra, 2006), contando com sujeitos cooperadores e dispostos a participaçâo do projeto.

A pesquisa foi realizada em oito estados brasileiros, representativos das cinco regiôes do país, em escolas públicas e particulares. A Tabela 1 apresenta informaçôes sobre os dados demográficos dos participantes.

Instrumento

A versâo aplicada nos 860 participantes, contava com 36 afirmativas, sendo 10 relativas à autonomia, 8 relativas à justiça, 10 afirmativas ao respeito e 8 à obediência. A forma de resposta é o grau de concordância atribuído por meio de uma escala Likert de 7 pontos (1 = discordo totalmente a 7 = concordo plenamente). A Tabela 2 apresenta as afirmativas agrupadas segundo seu construto.

Procedimentos para coleta de dados

A pesquisa utilizou o espaço das escolas para realizar a coleta de dados. O estudo teve aprovaçâo do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade de Sâo Paulo sob o nº Of.4506/CEPH-180906 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aplicaçâo da escala foi realizada coletivamente e durava em média 30 minutos.

Procedimentos para análise de dados

1. Avaliaçâo qualitativa dos itens considerando questôes como inteligibilidade, representatividade e coerência do item, contando com a participaçâo de juízes;

2. Avaliaçâo da validade de conteúdo. Essa fase também contou com a participaçâo de juízes, doutores especialistas em psicologia do desenvolvimento moral. Os juízes avaliaram a pertinência de cada afirmativa ao seu constructo, bem como a representatividade de tais comportamentos psicológicos enquanto indicadores dos construtos.

3. Avaliaçâo da validade do construto: a Análise Fatorial Confirmatória foi considerada a mais adequada forma de validaçâo de construto (MacCallum e Austin, 2000). Por se tratar de um tipo de análise estatística que testa os itens um a um, estabelece correlaçôes multivariadas e o estudo das covariâncias e permite identificar nos dados empíricos, os construtos previamente definidos pelo instrumento (Pasquali, 2003). Para a realizaçâo desse tipo de testagem utilizou-se um software estatístico específico para tratamento e auxílio na análise: o sistema LISREL® 8.5 (Jöreskog, Sörbom, S. du Toit e M. du Toit, 2000).

Resultados

Validade de conteúdo

A primeira versâo do instrumento contava com 47 itens representativos dos construtos obediência, justiça, respeito e autonomia. Nessa primeira fase de elaboraçâo do instrumento, o mesmo foi apresentado a cinco juízes: dois especialistas em instrumentos de avaliaçâo psicológica e três especialistas em psicologia do desenvolvimento moral. Os cinco juízes apontaram sugestôes e questionamentos a respeito do formato da escala e do próprio conteúdo dos itens, dando procedimento a uma avaliaçâo qualitativa do instrumento. Com a ajuda dos juízes uma segunda versâo do instrumento foi testada num grupo de mâes da cidade de Belo Horizonte. Foi lhes sugerido que além de responder à escala, apontassem os itens que nâo haviam entendido, fizessem sugestôes e outras propostas que julgassem necessárias. O objetivo dessa revisâo foi a análise semântica, ou seja, a verificaçâo da adequaçâo e compreensâo dos itens.

A partir da análise semântica e dos apontamentos dos juízes, uma terceira versâo do instrumento contendo 39 itens foi encaminhada para a análise quantitativa dos juízes, buscando as evidências de validade de conteúdo das escalas.

A busca da validaçâo teórica foi realizada por cinco juízes, doutores em psicologia moral. A tarefa que lhes foi solicitada concerne à análise da pertinência ou nâo dos itens para cada construto. Foram mantidos os itens que pelo menos três juízes consideraram como pertencentes áquele construto. O resultado desse trabalho de Validade de Conteúdo está apresentado pela Tabela 2. A primeira versâo contava com 46 itens e foi realizada a análise semântica, passando para 39 itens e depois para os 36 itens que compôem a Tabela, 2 organizados sob a forma de escala likert, para a qual foi realizada a análise de concordância entre os juízes (6 ao todo), alcançando um índice de 90%. A escala com 36 itens foi aplicada nos 860 participantes para se proceder a análise estatística e, portanto, a Validade de Construto.

Validade de Construto

Segundo Pasquali (2003) as cargas fatoriais medem a correlaçâo ou covariância dos itens nos construtos, apontando dessa forma o percentual que eles representam sobre os seus fatores, ou seja, o quanto esses indicadores ou itens sâo uma boa representaçâo do construto.

Quantoà confiabilidade do construto, denominada de unidimensionalidade do construto, diz respeito à verificaçâo de que os itens representam de fato um único construto. (Hair, Tatham, Anderson e Black, 1998). A constataçâo da unidimensionalidade é realizada, observando-se cada valor da matriz de resíduos normalizados do construto. O valor de resíduo alto indica que aquele item nâo se ajusta ao modelo e a manutençâo desse item causa um efeito sobre o ajuste geral do modelo tornando-o baixo.

Assim a validade do modelo foi realizada através de sucessivos ajustes, sendo que as alteraçôes no modelo foram realizadas buscando maior adequaçâo dos construtos. As medidas observadas pelo pesquisador e os parâmetros de ajustamento do modelo sâo apresentadas na Tabela 3, cujos valores de referência sâo dados conforme Bomtempo (2005).

Para esse caso, com uma amostra robusta de 860 sujeitos, é natural que o valor do qui-quadrado ponderado se apresente inflacionado, logo se deve recorrer à análise do RMSEA: medida que tenta corrigir a tendência do qui-quadrado em rejeitar um modelo especificado com base em uma amostra relativamente grande.

Todo o processo de validaçâo aconteceu a partir dos sucessivos ajustes, cujo objetivo maior foi aproximar-se das medidas de ajuste perfeito do modelo. Observando os níveis de resíduos de alguns itens, identificou-se que eles nâo se ajustavam ao modelo por apresentarem resíduos altos. Assim foram retirados do modelo, individualmente, itens que apresentavam tal comportamento (altos resíduos). Esse foi o caso dos itens: 2, 4, 10, 15, 18, 20, 22, 27, 29, 30, 36.

Outra decisâo que promoveu a melhora do ajuste do modelo foi estabelecer a correlaçâo de alguns itens, como foi o caso, do item 15 com o item 17, do item 13 com o item 34, do item 25 com 33, e do item 32 com o item 33. Essa aproximaçâo desses itens significou dizer ao modelo que tais variáveis estavam mensurando conceitos aproximados e dependentes reciprocamente, pois havia uma correlaçâo forte entre os construtos que estavam mensurando.

Finalmente, ainda como medida de ajustamento do modelo, dois itens tiveram seus construtos alterados. Dessa forma, o item 6 que no modelo inicial representava o construto respeito, teve um ajuste melhor quando recolocado como representante do construto autonomia. E, o item 3 ficou melhor ajustado quando representando o construto justiça, quando no modelo inicial era representante do construto autonomia.

As decisôes de estabelecimento das correlaçôes entre itens, bem como a eliminaçâo de itens e a alteraçâo dos construtos dos itens, ampararam-se obviamente, primeiramente nos índices estatísticos, porém, todo esse processo foi também definido pela reflexâo teórica sobre essas decisôes, ou seja, através do processo reflexivo do pesquisador à luz da teoria, da experiência da coleta de dados e de todo o processo de validaçâo de conteúdo do instrumento.

Dessa forma, pode-se afirmar que o modelo eliminou itens que apresentaram a escrita com ideia dúbia e ou que poderiam causar dupla interpretaçâo como é o caso do item 2: «um pai nunca deve mexer nas coisas do filho sem pedir permissâo». Há duas ideias a serem avaliadas: «mexer nas coisas do filho» e «pedir permissâo para mexer nas coisas do filho». O mesmo se passou com o item 36: «os filhos devem respeitar os pais mesmo que os seus pais nâo os respeitem». Sâo duas ideias também: «filhos devem respeitar os pais» e «pais devem respeitar os filhos», o que pode confundir aos respondentes. O item 29: «cabe aos pais darem soluçôes para as situaçôes difíceis pelas quais passam seus filhos», também apresentou duas ideias: «cabe aos pais darem soluçôes para os filhos» e «cabe aos pais darem soluçôes para situaçôes difíceis».

O modelo eliminou a questâo de incompatibilidade teórica como no item 4: «é fundamental que a ordem dada pelos pais, seja acompanhada de explicaçâo». Quem dá uma ordem nâo a explica. A ideia de ordem já implica na coaçâo. Quem explica é porque tem uma orientaçâo a fazer e nâo uma ordem a impor.

O modelo também eliminou variáveis parecidas com outras que permaneceram no modelo. Um dos objetivos da Análise Fatorial Confirmatória (CFA) é justamente o refinamento de escalas (MacCallun e Austin, 2000). Assim, os itens a seguir sâo bastante parecidos com outros que permaneceram na escala por estarem formulados de forma mais adequada e se ajustarem melhor ao modelo. É o caso do item 30: «os filhos que amam seus pais sempre devem lhes obedecer» (semelhante ao item 8 de obediência); do item 10: «os pais devem usar ofensas quando necessário para educar seus filhos» (semelhante ao item 16 de justiça); do item 15: «os pais devem sempre se esforçar para entender as razôes de desobediência dos seus filhos» (semelhante ao item 3 de justiça) e do item 27: «os pais devem sempre permitir que seus filhos busquem soluçôes para os seus próprios problemas» (semelhante ao item 24 de justiça).

O modelo eliminou ainda itens que contavam com expressôes que poderiam causar confusâo para os respondentes. Esse foi o caso do item 20: «um pai nem sempre deve trocar ideias com seus filhos», cuja expressâo problemática é«trocar ideias», que pode ser interpretado das mais diversas formas. O item 18: «os pais sempre sabem o que é melhor para o seu filho», apresenta expressâo «o que é melhor para o filho», que pode conduzir a diferentes interpretaçôes. Quanto ao item 22: «um filho sempre deve acatar as ordens dos pais», traz a palavra «acatar» como desfavorável ao entendimento requerido.

A análise foi amparada complementarmente pelo gráfico Q-Plot fornecido pelo LISREL® (Jöreskog et al., 2000) e que apresenta a distribuiçâo dos resíduos padronizados relativamente a uma linha de 45º do eixo. A proximidade dos pontos a essa linha indica distribuiçâo normal dos resíduos. A Figura 1 apresenta o gráfico Q-Plot, que mostra os valores das correlaçôes dos construtos entre si, e com cada item. Tal Figura nos permite observar na representaçâo gráfica, todas as decisôes referentes às providências tomadas no modelo com o intuito de ajustá-lo do modo mais próximo possível dos valores de referência.

Conforme o tratamento estatístico, o modelo apresentando pela Figura 1 é o modelo final do instrumento. Contando respectivamente com 25 itens, sendo 4 representativos do construto obediência, 5 pertencentes ao construto respeito, 8 à  justiça e 8 à  autonomia.

Discussôes

O instrumento no seu modelo inicial apresentava itens que avaliavam os construtos obediência e autonomia, respeito (unilateral e mútuo), e justiça. Os itens estavam em aproximado equilíbrio contando com uma média de 8 a 9 itens para cada construto. Uma vez realizada a Validade de Construto do instrumento, observou-se dois fatos bastante relevantes, que se pode compreender como uma comprovaçâo matemática da expectativa teórica da proposta piagetiana para o desenvolvimento do juízo moral.

O primeiro fato diz respeito à questâo da validaçâo estatística ter confirmado a participaçâo dos quatro construtos: obediência, respeito, justiça e autonomia na constituiçâo da ECEM. Conforme a fundamentaçâo teórica dessa pesquisa (Piaget, 1932/1994), os construtos que compôem a escala em validaçâo nâo poderiam apresentar um caráter excludente, pelo contrário, tais construtos se complementam no processo de desenvolvimento psicológico moral da criança e do adolescente. O respeito mútuo é o sentimento moral que alicerça as relaçôes de cooperaçâo que conduzem à autonomia, sendo essa, a condiçâo do sujeito que obedece a princípios de justiça comumente acordados pela troca de pontos de vista.

O segundo fato se remete ao processo de ajustamento do modelo ter eliminado quatro itens do construto obediência e quatro itens do construto respeito, sendo que esses últimos, diziam respeito exatamente a itens que representavam relaçôes de respeito unilateral entre pais e filhos. Dos construtos autonomia e justiça foram retirados respectivamente, apenas dois itens do primeiro e um único item do segundo.

Observa-se que para um instrumento cuja funçâo era analisar as concepçôes morais dos pais no processo de educaçâo moral dos filhos, que segundo Piaget (1948/1998) tem o objetivo máximo de construçâo da autonomia moral, o resultado da validaçâo dos construtos confirmou a tendência proposta pela teoria que o originou, ao manter o maior número de construtos representativos da autonomia, em detrimento da obediência, e também, mantendo o maior número de itens representativos da justiça, considerada por Piaget (1932/1994) como a noçâo moral mais racional, resultado direto das relaçôes de cooperaçâo, por se fundamentar nos princípios de igualdade e equidade.

Segundo a teoria do desenvolvimento moral de Jean Piaget (1932/1994; 1948/1998; 1954/1994) para que o adolescente possa construir a autonomia moral é necessário que as relaçôes sociais de coaçâo ou obediência, sejam substituídas por relaçôes de cooperaçâo, nas quais o sentimento moral da justiça seja o equilíbrio das relaçôes, de modo que as pessoas escolham livremente agir em prol do bem comum (Inhelder e Piaget, 1970/1976).

Essas evidências levam também ao entendimento de que o instrumento cumpriu a sua funçâo no sentido de confiabilidade e validade, pois «de fato mediu o que supostamente devia medir» (Pasquali, 2003, p. 162). A pesquisa comprovou assim a tendência de que, na fase da adolescência, os pais e mâes tendem a estabelecer com seus filhos relaçôes mais fundamentadas em princípios de justiça e respeito mútuo, que conduzem à autonomia, em detrimento das relaçôes de coaçâo, portanto, heterônomas.

Consideramos que a ECEM traz entâo uma contribuiçâo significativa para a avaliaçâo psicológica, especialmente na perspectiva da medida em moralidade, pois se trata de um instrumento cuja originalidade se encontra na perspectiva de investigar as concepçôes de educadores, no caso os pais e mâes sobre os tipos de relaçâo que estabelecem com seus filhos. A ECEM investiga o que pensam os pais sobre as relaçôes de respeito, justiça, obediência e autonomia com os filhos.

Diferentemente dos instrumentos conhecidos e aplicados no Brasil como o MJI, o MJT e o DIT, que têm como principal objetivo avaliar o julgamento moral e a competência moral (Bataglia et al., 2010), a proposta desse novo instrumento de medida moral se consolida na perspectiva relacional.

Outra característica importante do instrumento é o fato de ter sido construído e validado partindo de dados empíricos de participantes das cinco regiôes do Brasil, o que confere ao instrumento a qualidade de ter avaliado as concepçôes educativas morais de pais e mâes do contexto brasileiro. Os demais instrumentos que sâo utilizados nas pesquisas nacionais de moral sâo adaptaçôes e conforme nos mostrou o exemplo de estudo de fidedignidade de Shimizu (2004) sobre as versôes do DIT para o contexto brasileiro, o trabalho de adaptaçâo de escala e instrumentos de investigaçâo moral para diferentes contextos requer estudos comparativos e aprimoramentos sucessivos do instrumento.

Pensamos que a ECEM também apresenta algumas lacunas, entre elas a ausência de um construto que investigasse os valores que os progenitores têm ao educar. Ainda consideramos outra lacuna o fato de que a ECEM foi construída para investigar as relaçôes entre pais e adolescentes. Portanto, consideramos que novas pesquisas necessitem ser realizadas no sentido de atender a essas e outras falhas do instrumento, bem como reconhecemos a necessidade de outros tipos de estudos psicométricos que auxiliem no refinamento da escala.

A temática da elaboraçâo de instrumentos de investigaçâo moral é um campo de pesquisa muito fértil e que prevê a necessidade de novas pesquisas. Segundo Lind (2000) assim como os problemas de desenvolvimento e educaçâo morais ainda sâo persistentes, também os problemas a respeito do significado e medida do juízo e da açâo moral continuam sendo boas perguntas de pesquisa.

Referências

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*, ** Instituto de Psicologia da Universidade de Sâo Paulo, Brasil.

*** Universidade Estadual de Campinas, Brasil.

* lmcaetano@usp.br

** mtdesouza@usp.br

*** dirceu@unicamp.br

Recebido: 02 de março de 2016

Aceitado: 1º de setembro de 2016