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versión impresa ISSN 1729-4827

liber. vol.22 no.2 Lima jul./dic. 2016

 

ARTÍCULOS

Adaptaçâo transcultural para o português (Brasil) do Kidcope

Transcultural adaptation of Kidcope to portuguese (Brazil)

 

Hedyanne Guerra Pereira*, Rodrigo da Silva Maia**, Izabel Augusta Hazin*** e Eulália Maria Chaves Maia****

*, **, ***, ****Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil.

*hedyanne_guerra@hotmail.com **rodrigo_maia89@yahoo.com.br ***izabel.hazin@gmail.com ****eulalia.maia@yahoo.com.br


RESUMO

O objetivo do presente artigo é traduzir e realizar a adaptaçâo transcultural para o Português (Brasil) do instrumento Kidcope. Trata-se de uma pesquisa metodológica, de caráter transversal, na qual se realizou a equivalência conceitual e de itens, semântica e operacional entre o instrumento original e a versâo brasileira do Kidcope. Os resultados evidenciam uma boa equivalência conceitual e de itens, além de semântica, entre os itens do instrumento original e das retrotraduçôes, sobretudo quanto à  díade T2 - R2. Quanto à  equivalência operacional, as crianças avaliaram o instrumento como adequado e compreensível. O estudo atingiu o objetivo desejado. Os resultados se mostraram satisfatórios, indicando a possibilidade de continuidade à  etapa subsequente, a equivalência de mensuraçâo.

Palavras-chave: Criança, adaptaçâo psicológica, traduçâo.


ABSTRACT

The objective of this paper was to translate and carry out the cross-cultural adaptation of Kidcope´s instrument to Portuguese (Brazil). The conceptual and item equivalence, semantic and operational equivalence between the original instrument and the Brazilian version of the Kidcope were performed in this cross-sectional methodological research. The results show a good conceptual and item equivalence, besides semantics between the elements of the original instrument and the translations, especially with reference to the T2 - R2 dyad. Regarding operational equivalence, the children confirmed to instrument as adequate and comprehensible. The study reached the desired goal and the results were satisfactory, noting the possibility of continuing to the next stage, the equivalence of measurement.

Keywords: Children, psychological adaptation, translation


Introduçâo

O termo enfrentamento (do inglês, coping) é definido como um conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais, que possibilitam à pessoa lidar com demandas externas e/ou internas, que sâo avaliadas como desafiando ou excedendo os recursos dela (Folkman, Lazarus, Gruen e DeLonguis, 1986). Trata-se de área de estudo tida como controversa, visto que existe falta de clareza conceitual e metodológica nos estudos que visam medi-la (Cerqueira, 2000). Nesse sentido, Lima, Barros e Enumo (2015) afirmam que, embora atualmente haja uma vasta produçâo científica sobre este tema, ainda há a necessidade de se clarificar questôes relacionadas aos instrumentos de medida.

Este é um tema de estudo fundamental para a compreensâo de como as situaçôes estressoras afetam as pessoas de forma positiva e negativa a curto e longo prazo, no desenvolvimento humano (Skinner, Edge, Altman e Sherwood, 2003). Assim, quando se trata do estudo do enfrentamento de situaçôes estressoras na infância, considera-se que este se torna ainda mais importante, uma vez que ao longo dessa etapa do desenvolvimento a criança aprende as modalidades básicas da existência humana, em padrôes pessoal e culturalmente significativos, que influenciam na forma com que ela se relaciona com o mundo e com que integra suas experiências (Oliveira, 2010).

Ademais, ressalta-se que contextos estressores se manifestam como uma oportunidade tanto de crescimento quanto de deteriorizaçâo psicológica (Caplan, 1980), requerendo outros modos de enfrentamento. Nesse contexto, estudos nacionais e internacionais vêm sendo desenvolvidos visando investigar as estratégias de enfrentamento de crianças em eventos estressores, dentre eles situaçôes de abrigamento (Batista, Silva e Reppold, 2010); processo de migraçâo (Caqueo-Urízar et al., 2014); e contextos de saúde, como a situaçâo pré-cirúrgica (Carnier, Padovani, Perosa e Rodrigues, 2015), e a vivência da hospitalizaçâo (Lima et al., 2015), dos procedimentos médicos invasivos para tratamento oncológico (Motta e Enumo, 2010) e da quimioterapia (Sposito et al., 2015), em funçâo de doenças crônicas, como o câncer.

As investigaçôes sobre as estratégias de enfrentamento infantil mencionadas foram realizadas por meio de entrevistas semiestruturadas (Batista et al., 2010; Motta e Enumo, 2004); de escala de autorrelato, o Kidcope (Lima et al., 2015; Caqueo-Urízar et al., 2014), e do Instrumento para Avaliaçâo do Enfrentamento da Hospitalizaçâo (AEH) (Carnier et al., 2015; Lima et al., 2015; Motta e Enumo, 2004) ou do Instrumento Informatizado de Avaliaçâo do Enfrentamento da Hospitalizaçâo (AEHcomp) (Motta e Enumo, 2010) elaborados para a identificaçâo destas estratégias de crianças. Verificou-se que, no Brasil, o AEH e o AEHcomp sâo utilizados neste tipo de estudo com infantes, elaborados visando a avaliaçâo das estratégias de enfrentamento apresentadas por crianças com câncer hospitalizadas (Lima et al., 2015; Motta e Enumo, 2010), sendo aplicados também a infantes com outros quadros clínicos (Carnier et al., 2015). Dos instrumentos utilizados em estudos internacionais, destaca-se o Kidcope, uma medida de autorrelato desenvolvida por Spirito, Stark e Williams (1988), que investiga estratégias de enfrentamento utilizadas por crianças e adolescentes de 7 a 12 anos.

Nesse contexto, a literatura enfatiza a necessidade de aprofundar a potencialidade de medidas de enfrentamento infantil baseadas no autorrelato (Lima et al., 2015). Diante disso, considera-se oportuno disponibilizar versôes brasileiras de ferramentas advindas de investigaçôes constatadas e bem estabelecidas de outras culturas, como o instrumento Kidcope.

Para tanto, o presente estudo teve como objetivo promover a traduçâo e adaptaçâo transcultural para o Brasil do Kidcope. Especificamente, realizou-se a equivalência: conceitual e de itens; semântica, quanto aos aspectos idiomáticos (literais) e culturais (conotativos); e operacional entre o instrumento original e a versâo brasileira.

Método

Desenho e procedimentos

Trata-se de pesquisa metodológica, de caráter transversal, na qual foi realizado o processo de adaptaçâo transcultural do instrumento Kidcope , conforme proposiçôes de Reichenheim e Moraes (2007). Destaca-se que esta metodologia vem sendo utilizada em estudos nacionais de adaptaçâo transcultural (Correa, Hökerberg, Daumas e Brasil, 2015; Maia, Torres, Oliveira e Maia, 2014; Sampaio, Moraes e Reicheinheim, 2014).

Foi realizada a apreciaçâo de diferentes tipos de equivalência: a conceitual e de itens, a semântica e a operacional. Este processo de adaptaçâo transcultural e avaliaçâo da compreensâo e aceitabilidade do questionário se encontra ilustrado no Figura 1.

Na etapa de equivalência conceitual, o instrumento foi apreciado por três profissionais expertises na área de psicologia infantil e conhecedores dos métodos de adaptaçâo e validaçâo instrumental. Estes avaliaram o conceito base para a apreensâo do fenômeno pelo instrumento, a partir de revisâo bibliográfica envolvendo publicaçôes no contexto cultural do instrumento original e da populaçâo-alvo.

Na etapa de equivalência de itens, estes expertises avaliaram a pertinência dos itens do instrumento original para a captaçâo de cada uma das dimensôes propostas. Estes utilizaram como comparativo o conceito de enfrentamento (Folkman et al., 1986) e avaliaram sua adequabilidade à populaçâo-alvo.

A equivalência semântica foi realizada em cinco fases: (a) o instrumento passou por duas traduçôes do original em língua inglesa à língua portuguesa brasileira (T1 e T2); (b) depois o instrumento foi retrotraduzido (R1 e R2). Estas fases foram realizadas por quatro profissionais formados em letras, atuantes como tradutores, fluentes em inglês, língua materna do instrumento, e português, de forma independente e paralela.

A partir disso, estas traduçôes e retrotraduçôes foram apreciadas por três expertises, proficientes nos dois idiomas e ligados à área da psicologia infantil, bem como à validaçâo de instrumentos, com a finalidade de avaliar comparativamente as retrotraduçôes com o instrumento original. Esta avaliaçâo comparativa aconteceu em termos de (c) equivalência idiomática (significado referencial; sentido denotativo/literal) e (d) equivalência cultural (significado geral; sentido conotativo). Por fim, (e) foi realizada a escolha dos itens da versâo síntese, por consenso, incorporando itens oriundos das versôes traduzidas ou adaptados pelos expertises para melhor atender ao objetivo deste estudo.

Estas etapas foram realizadas a partir da técnica do Painel de Especialistas, que consiste na reuniâo de um grupo de expertises habilitados e conhecedores da temática abordada neste estudo (Pinheiro, Farias e Abe-Lima, 2013). Estes contribuíram na discussâo acerca da adaptaçâo do instrumento escolhido.

Na equivalência operacional, foi realizado um pré-teste da versâo síntese com juízes nâo-especialistas, buscando- se avaliar o grau de compreensâo e aceitabilidade da versâo brasileira do instrumento para a populaçâo infantil. Para tanto, convidou-se crianças em idade escolar para a participaçâo na presente etapa. Solicitou-se a avaliaçâo do instrumento para verificar a sua adequabilidade em termos de compre-ensâo e pertinência de seus itens, objetivan-do elaborar a versâo infantil a ser testada numa populaçâo maior, em um estudo mais amplo de adaptaçâo transcultural e validaçâo, em andamento, para crianças e adolescentes brasileiros que estejam enfrentando problemas cotidianos, hospitalizadas ou vivenciando uma doença crônica.

Conforme indicado por Beaton, Bombardier, Guillemin e Ferraz (2000), nesta etapa, sâo sugeridos que participem de 30 a 40 indivíduos. Foram incluídos 33 infantes de sete a doze anos, que participavam regularmente das atividades acadêmicas há, no mínimo, seis meses e que, após saber dos objetivos do estudo, aceitaram participar, assinaram o Termo de Assentimento e foram autorizadas pelos responsáveis a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídas as crianças que tiveram intercorrências em sua saúde e foram afastadas das atividades escolares por mais de sete dias consecutivos; as que obtiveram desempenho inferior à média (abaixo do percentil 26) no Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, que avalia a inteligência fluida; ou as que tinham déficits sensoriais, surdez ou cegueira.

Análise dos dados

Com o objetivo de verificar a confiabilidade do consenso obtido no painel de especialistas entre os juízes expertises e a avaliaçâo dos juízes nâo-especialistas, foi utilizado o Coeficiente Kappa de Fleiss (k). Com relaçâo à  interpretaçâo deste coeficiente, julga-se que para valores entre 0.81 e 1.00, tem-se uma concordância quase perfeita; entre 0.61 e 0.80, con-cordância substancial; entre 0.41 e 0.60, concordância moderada; entre 0.21 e 0.40, concordância fraca ou pequena; e entre 0.0 e 0.20, concordância leve; e quando menor que zero, nâo há correlaçâo (Landis e Koch, 1977). Este foi obtido através do «Computer Program to Calculate Cohen and Fleiss Kappa for Ordinal Scales», criado por Chang (n.d.).

Aspectos éticos

O presente estudo atende às exigências e aos princípios éticos contidos na Declaraçâo de Helsinki. Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento à  Resoluçâo Nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/BRASIL, obtendo parecer nº 1.109.829.

Resultados

Na etapa de equivalência conceitual e de itens, o grupo de expertises, à luz de revisâo da literatura e discussôes, considerou que o conceito relacionado ao enfrentamento (Folkman et al., 1986) e os itens da escala sâo pertinentes quanto à apreensâo do fenômeno no contexto cultural brasileiro. Com relaçâo à etapa de equivalência semântica, o instrumento passou por duas traduçôes (T1 e T2) e duas retrotraduçôes (R1 e R2), de forma independente e paralela, evidenciando-se boa equivalência entre os itens provenientes das retrotraduçôes e do instrumento original, sobretudo quanto aos itens da díade T2 - R2 (Tabela 1).

Ainda na equivalência semântica, o trio de expertises avaliou comparativamente as retrotraduçôes e o instrumento original, com base no significado referencial (denotativo) e geral (conotativo) de cada item. Utilizou-se o Coeficiente Kappa de Fleiss para avaliar a concordância da avaliaçâo dos expertises ao longo desta etapa.

Quanto à  avaliaçâo da correspondência idiomática (referencial/denotativa/literal) dos termos entre as retrotraduçôes e o instrumento original, obteve-se o coeficiente 0.76 para R1, e 0.72 para R2, o que indica que houve con-cordância substancial em ambas (Landis e Koch, 1977). Quanto à  correspondência em termos de equivalência cultural entre as traduçôes, verificou-se que T1 obteve 0.30, o que corresponde a uma concordância fraca ou pequena; e T2 obteve 0.64, considerada uma correspondência substancial. Foram identificados pelos expertises problemas no processo de T1 e R1, o que gerou variaçôes na avaliaçâo dos itens e uma baixa concordância entre estes juízes em T1.

A partir disso, foi proposta a versâo síntese do instrumento. Por meio de consenso, os expertises optaram, principalmente, pelo uso de itens procedentes da T2 (13 itens) para a elaboraçâo da versâo síntese, de forma integral ou parcialmente modificados para melhor atender ao objetivo deste estudo. Dessa forma, para uso com crianças de sete a doze anos, algumas alteraçôes foram sugeridas, conforme consta na Tabela 2, visando tornar a versâo em português, em termos culturais, o mais coloquial e aceitável para a populaçâo-alvo.

Na etapa de equivalência operacional, foi realizado um pré-teste da versâo síntese obtida na etapa anterior. Desta, parti-ciparam 33 crianças com idades entre sete e doze anos, das quais 15 eram meninos; e 18, meninas, com média de idade 9.5 anos. Nesta etapa, a concordância entre a avaliaçâo dos juízes nâo-especialistas, obtida através do coeficiente Kappa de Fleiss (k), foi de 0.57, o que indica uma concordância moderada (Landis e Koch, 1977).

Nesta etapa, questionou-se a criança acerca do entendimento das instruçôes e, a cada item, foi perguntado ao infante sobre o que seria fazer o que aquele item a firmava, por exemplo: no item 11 «Eu tentei me acalmar», indagava-se «e tentar se acalmar é fazer o que?». Assim, buscava-se um relato da criança acerca da situaçâo abordada pelo item, com a finalidade de avaliar se os conceitos apreendidos pelos itens traduzidos e adaptados mantinham-se equivalentes à queles propostos pelo instrumento original. Além disso, foram realizadas ilustraçôes no questionário, visando torná-lo mais atrativo para as crianças, e inseridas instruçôes, para fazê-lo mais compreensível e adequado ao público ao qual se destina.

De forma geral, as crianças avaliaram o instrumento como adequado e compreensível. Ainda assim, foram necessárias algumas modificaçôes, que foram sugeridas em conjunto entre o entrevistador e a criança, em caso de dificuldade no entendimento ou na marcaçâo do item, e posteriormente discutidas pelos juízes expertises. Estas estâo explicitadas na Tabela 3.

Discussâo

Sampaio et al. (2014) enfatizam a importância da realizaçâo das etapas de avaliaçâo das equivalências conceitual, de itens, semântica e operacional, incluindo o pré-teste, quando se objetiva adaptar instrumento oriundo de outro contexto cultural, visto que cada sociedade possui comportamentos, crenças, atitudes, costumes e hábitos sociais próprios que precisam ser considerados em um processo de traduçâo e adaptaçâo transcultural (Leite, Ferreira, Prado, Prado e Carvalho, 2014; Mathias, Tannuri, Ferreira, Santos e Tannuri, 2016). Além disso, neste processo, é possível que se identifiquem possíveis falhas que se nâo forem resolvidas podem resultar em dificuldades no uso, na emissâo de respostas e/ou na súmula dos resultados do instrumento, bem como na realizaçâo de estudos comparativos interculturais (Sampaio et al., 2014).

Nesse sentido, além da realizaçâo das equivalências conceitual, de itens e semântica, na equivalência operacional, conforme realizado por Sampaio et al. (2014), questionou-se cada criança acerca do entendimento das instruçôes e dos itens. Foi, também, instruído que cada participante indicasse possíveis dificuldades de compreensâo ou outras dúvidas quanto ao instrumento (Lima, Rech e Reis, 2013). A literatura aponta a importância de que o participante seja sondado quanto ao entendimento de cada item do questionário e das respostas dadas para que se tenha uma boa equivalência e uma versâo bem sucedida (Beaton et al., 2000). As alteraçôes visuais realizadas, conforme em outros estudos, visam facilitar o entendimento das instruçôes e a compreensâo do questionário, considerando-se também a necessidade de adaptaçâo visual dos instrumentos (Leite et al., 2014; Leme, Barbosa e Gaviâo, 2011).

O Kidcope foi desenvolvido enquanto uma ferramenta clinicamente útil para verificaçâo de estratégias de enfrentamento de crianças e adolescentes, podendo complementar a lacuna existente entre pesquisa e prática clínica. Além da possibilidade de examinar de forma sistemática a variedade de estilos que infantes podem adotar em diferentes situaçôes, nâo apenas diante da hospitalizaçâo.

Nesse sentido, Badaró, Araújo e Behlau (2014) afirmam que questionários de fácil utilizaçâo e aplicaçâo sâo de grande importância para a prática clínica, como mais uma possível ferramenta de avaliaçâo que complemente esta atividade, devendo, pois, ter seu uso difundido e explorado. Este tipo de instrumento, criado especificamente para o público infantil, que se utiliza de métodos objetivos, quantitativos, reprodutíveis e que permitem seguimento longitudinal sâo apontados como importantes para a avaliaçâo de crianças (Mathias et al., 2016).

Ademais, instrumentos com esta configuraçâo, voltados para avaliar características do infante, podem ser ferramentas úteis para estudos epidemiológicos (transversais e follow-up), avaliaçâo de intervençôes e para a prática clínica envolvendo a saúde mental de crianças e adolescentes (Bordin et al., 2013). Além de serem fundamentais para a investigaçâo da eficácia de açôes terapêuticas e preventivas desenvolvidas e utilizadas com este público (Braccialli et al., 2013).

Assim, o Kidcope poderá contribuir para avaliar a eficácia de programas de intervençôes direcionados ao público infantil que visem favorecer o enfrentamento de situaçôes estressoras, uma vez que o autor deste instrumento ressalta a possibilidade de readministraçâo da escala. Tornando-se possível analisar mudanças nas estratégias de enfrentamento adotadas pela criança ao longo de todo o processo de manejo de eventos estressores, como o adoecimento, a separaçâo dos pais, o bullying, dentre outros. No caso específico de doenças crônicas, como o câncer, essas estratégias de enfrentamento vem sendo apontadas pela literatura como variáveis ao longo das fases da doença (Peçanha, 2008), o que justifica o desenvolvimento de pesquisas longitudinais que investiguem variaçôes dos modos de enfrentamento dos infantes diante das várias fases do adoecimento.

Além disso, o Kidcope pode ser útil em estudos epidemiológicos, em diferentes estados do Brasil. Peçanha refere que o uso de instrumentos padronizados pode ser uma estratégia benéfica no mapeamento da distribuiçâo dos tipos de estratégias de enfrentamento em diferentes populaçôes (Peçanha, 2008).

Aponta-se como limitaçâo o fato de a etapa de equivalência operacional ter sido realizada apenas com crianças escolares. Entretanto, este é um instrumento utilizado em diferentes contextos, inclusive escolares. Visando preencher esta lacuna, será realizado um estudo piloto junto aos pacientes com doenças crônicas e às crianças hospitalizadas.

Considera-se que este estudo de traduçâo e adaptaçâo transcultural permitiu que se obtivesse a versâo brasileira do instrumento Kidcope, que investiga estratégias de enfrentamento de crianças e adolescentes. Os resultados das equivalências da adaptaçâo transcultural deste instrumento se mostraram satisfatórios, indicando a possibilidade de continuidade à  etapa subsequente. Esta consistirá na equivalência de mensuraçâo, na qual se pretende investigar evidências psicométricas preliminares do instrumento e realizar a validaçâo do mesmo, com crianças escolares que vivenciem problemas cotidianos; infantes hospitalizados; e com uma doença crônica, como a leucemia, fibrose cística, diabetes, asma e síndrome nefrótica.

Por fim, ressalta-se que os resultados sugerem que esta versâo do Kidcope é promissora. Espera-se que este instrumento possa auxiliar pesquisadores no rastreio de estratégias de enfrentamento de crianças e fazer parte de protocolos clínicos de atendimento ao infante, direcionando intervençôes que visem minimizar possíveis sequelas inerentes ao enfrentamento de uma situaçâo estressora, atendendo às necessidades biopsicossociais da criança.

Referências

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*, **, ***, **** Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil.

* hedyanne_guerra@hotmail.com

** rodrigo_maia89@yahoo.com.br

*** izabel.hazin@gmail.com

**** eulalia.maia@yahoo.com.br

Recebido: 04 de maio de 2016

Aceitado: 07 de setembro de 2016