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Revista Peruana de Ginecología y Obstetricia

On-line version ISSN 2304-5132

Rev. peru. ginecol. obstet. vol.62 no.1 Lima Jan./Mar. 2016

 

CONTROVERSIAS EN GINECOLOGÍA Y OBSTETRICIA

Controvérsias com o emprego de malhas no tratamento de problemas do assoalho pélvico

Controversies about the use of mesh in the management of pelvic floor problems

 

Éder Silveira Brazão Júnior1, Cássio Luís Zanettini Riccetto1, Paulo César Rodrigues Palma1,2,3

1 Disciplina de Urologia da Faculdade de Ciências Médicas, Universidad Estatal de Campinas – UNICAMP, São Paulo, Brasil

2 Past Presidente, Confederación Americana de Urología

3 Membro, Associação Lusófona Urologia


 Resumen

La utilización de las mallas en el tratamiento del prolapso de los órganos pélvicos es una excelente alternativa principalmente en el tratamiento de los prolapsos apicales (uterino / cúpula vaginal), a través de una sacrocolpopexia por vía abdominal, así como en los prolapsos anteriores, por vía vaginal. Para el prolapso de la pared vaginal posterior no existe evidencia del beneficio de las mallas para la corrección del problema. Los factores más importantes para el éxito quirúrgico y minimizar las complicaciones asociadas a las mallas son fundamentalmente la selección adecuada de las pacientes y que el cirujano deba tener un adecuado entrenamiento en cirugías del piso pélvico.

Palabras clave: Prolapso de Órganos Pélvicos; Malla Quirúrgica; Cabestrillo Suburetral.


Abstract

Use of mesh for the treatment of pelvic organ prolapse is an excellent alternative especially in the treatment of the apical prolapse (uterine / vaginal vault) through an abdominal sacrocolpopexia; also in the anterior wall prolapse treated per vagina. There is no evidence to support use of mesh to correct posterior vaginal wall prolapse. Most important factors for favorable surgical outcome and to reduce mesh-associated complications are adequate selection of patients and a surgeon adequately trained for pelvic floor surgery.

Keywords: Pelvic Organ Prolapse; Surgical Mesh; Suburethral sling.


Introdução

Cerca de 40% das mulheres pós-menopausa tem algum grau de prolapso de órgão pélvico (Hendrix, 2002). Por sua elevada prevalência, trata-se de um tema do cotidiano dos ginecologistas e urologistas, que lidam com pacientes com um espectro clínico variado. Felizmente, a maioria das pacientes é assintomática. Outra parcela, com sintomas urinários, evacuatórios e/ ou disfunções sexuais, tem a qualidade de vida intensamente prejudicada, com grande impacto social e psicológico (Lowder, 2011).

O tratamento dos prolapsos depende vários fatores: presença de sintomas, do grau do prolapso, das condições gerais da paciente, das preferências do cirurgião, etc. Estima-se que o risco de uma mulher ser submetida a uma cirurgia para correção de prolapso durante a vida é de 11-19% (Olsen, 19997; Smith, 2010). Existem várias técnicas de reparo dos prolapsos, com técnicas de correção via vaginal ou abdominal, com ou sem o uso de telas. Dentre todas as pacientes submetidas à cirurgia, cerca de 30% precisa ser reoperada (Olsen, 1997).

Pacientes com recidiva parecem ter anormalidades dos tecidos pélvicos, com alterações do colágeno, aumento da expressão de metaloproteinases, fazendo com que essas estruturas tenham uma resposta inadequada às forças dinâmicas do assoalho pélvico (Chen, 2004). Levando isso em consideração, além das elevadas taxas de sucesso e segurança do uso de slings no tratamento de pacientes com incontinência urinária de esforço, foi proposta a interposição de malhas sintéticas com o intuito de melhorar os desfechos.

Em 1996, foi descrito o uso de tela de Marlex no tratamento do prolapso de parede vaginal anterior recidivado (Julian, 1996). Já em 1998, a interposição de tela de polipropileno foi proposta (Nicita, 1998). A partir de 2004, com a aprovação de kits para implante de malhas vaginais, houve uma grande expansão de sua aplicação nos EUA. Entre 2005-2010, cerca de 75% dos procedimentos para correção de prolapso com tela foi por via vaginal (Jonsson, 2013). Associado a essa expansão, houve aumento no número de complicações, levando o FDA a publicar um comunicado público em 2008 e 2011 a respeito da segurança do uso de telas (FDA, 2011).

A seguir, vamos revisar o que existe de mais relevante na literatura favorecendo o uso de telas na correção dos prolapsos de órgãos pélvicos.

Prolapso de parede vaginal anterior

Uma metanálise recente revisou 10 trials comparando o tratamento dos prolapsos anteriores através de colporrafia com cirurgias utilizando telas de polipropileno via vaginal (Maher, 2013). O uso da tela leva vantagem em termos de recidiva subjetiva dos sintomas do prolapso (colporrafia: 28%; tela: 17%; RR: 1,64; IC [1,24, 2,16]), recidiva objetiva pela presença de cistocele ao exame físico (colporrafia: 46%; tela: 13%; RR 3,23; IC [2,55, 4,10]) (Maher, 2013). Ou seja, há um benefício indiscutível do ponto de vista anatômico, com menores taxas de recidiva.

Em relação à evolução dos outros sintomas relacionados ao prolapso, os dados são menos estabelecidos. Não existem diferenças de qualidade de vida entre as duas técnicas. Também, não existem dados suficientes comparando sintomas de urgência e sintomas obstrutivos. O mesmo ocorre em relação aos sintomas intestinais. Em relação à dispareunia, não existe diferença significativa entre as abordagens (colporrafia: 6,7%; tela 7,6%; RR 0,87; IC [0,45, 1,69]) (Maher, 2013).

A cirurgia com utilização de tela tem um grau de complexidade superior ao da colporrafia, demandando além de um maior conhecimento da anatomia pélvica, uma maior dissecção e manipulação dos tecidos. Essa mesma metanálise mostra que existe maior taxas de lesões de bexiga no intra-operatório (colporrafia: 0,3%; tela: 2%; RR 0,19; IC [0,04, 1,06]), bem como maior tempo operatório e até mesmo maiores taxas de sangramento (que não refletem necessidade de transfusão sanguínea) (Maher, 2013).

Em termos de complicações pós-operatórias, existe uma incidência de 11% de exposição de tela, com necessidade de reabordagem de 6,5% dos pacientes por esse motivo (Maher, 2013). Os fatores de risco associados à exposição são experiência do cirurgião, incisão em T invertido, baixo IMC, variação da hemoglobina, histerectomia concomitante (Sirls, 2012; El-Khawand D, 2014).

Outra complicação pós-operatória é a incontinência urinária de novo, que pode surgir em ambos os grupos, sendo maior naqueles em que a tela foi utilizada (colporrafia: 8%; tela: 12%; RR 0,62; IC [0,40, 0,98]). Entretanto a necessidade de cirurgia para esse fim é semelhante (colporrafia: 4%; tela: 3%; RR 1,29; IC [0,63, 2,63]). A necessidade de qualquer tipo de cirurgia subsequente a cirurgia inicial, seja por recidiva do prolapso, incontinência, exposição de tela, dor, é maior nos pacientes submetidos a correção com tela (colporrafia: 4,9%; tela: 10%, P < 0,00001) (Maher, 2013).

Dados semelhantes foram publicados recentemente por Nussler et al, comparando os resultados de colporrafia anterior (n=6247) com uso de tela inabsorvível (n=356). Após 1 ano, os resultados anatômicos e subjetivos foram melhores no grupo da tela (OR= 1,53; IC [1,1, 2,13]). O número de complicações relatadas pelos doentes, pelos pacientes e pelos cirurgiões, bem como as taxas de reoperação (Nussler, 2015).

Acreditamos que existe um papel importante para o uso das telas para os prolapsos anteriores, visto suas menores taxas de recidiva. Entretanto, suas indicações não devem ser indiscriminadas. Não existem ainda estudos prospectivos que indiquem quais os pacientes que mais se beneficiariam do uso de telas. Acreditamos que a principal indicação seja para aquelas pacientes com prolapso anterior recidivado. Além disso, seu uso deve ser considerado em pacientes com maior chance de recidiva.

Uma revisão sistemática recente buscou avaliar os principais fatores de risco para recidiva. O único fator claramente associado à recorrência de prolapso é o grau avançado (prolapso grau 3 e 4) (Vergeldt, 2015). Entretanto, devemos considerar a aplicação de telas anteriores em pacientes com uma maior fragilidade tecidual (mais idosas, tabagistas, diabéticos, uso crônico de corticoides) ou aquelas com grandes elevações da pressão abdominal (constipação grave, obesas e com DPOC).

Prolapso de parede vaginal posterior

Para prolapsos de parede vaginal posterior, podem ser utilizadas a abordagem transvaginal e a transanal. A via transvaginal parece superar a transanal, visto que existe menor recorrência subjetiva e objetiva do prolapso pela primeira (transvaginal 7%; transanal 66%) (Nieminen, 2004).

Existe grande temor do uso de malhas sintéticas no compartimento posterior, pelo risco de dispareunia e erosão visceral. Entretanto, ainda não foram realizados trials que comparam exclusivamente as correções com tecidos nativos com o uso de malhas inabsorvíveis. Nossas evidências atuais se baseiam em estudos que são em sua maioria séries de caso. Um desses estudos demonstrou que as taxas de erosão de 6,5% e a dispareunia pode chegar a 69% (Milani, 2005).

Em relação ao uso de telas absorvíveis, um único trial comparou a colporrafia posterior com colporrafia posterior associado ao uso de tela de Vicryl, sem mostrar diferença nas taxas de recidiva objetiva (colporrafia: 10%; tela 9,6%, RR 1,13; IC [0,40, 3,19]) (Sand, 2001)

Dois trials foram compilados comparando a colporrafia posterior ou correção sitio específica com enxertos de submucosa intestinal suína (SIS), sem diferença nas taxas de recidiva subjetiva (colporrafia 10%; SIS 8,6%; RR 1,09; IC [0,45, 2,62]). Por outro lado, existe uma maior recidiva objetiva nos pacientes submetidos aos enxertos de SIS (colporrafia: 10%; SIS 21%; RR 0,47; IC [0,24, 0,94]) (Maher, 2013).

Acreditamos que não existe papel comprovado para a utilização de telas em prolapso posterior.

Prolapso apical (uterino/cúpula vaginal)

Talvez a abordagem dos prolapsos apicais seja a com mais possibilidades cirúrgicas. Podem ser abordados por via vaginal, com e sem tela, mas podem também ser abordados por via abdominal, seja cirurgia aberta ou laparoscópica.

Além disso, muito tem sido falado sobre a importância do suporte apical, que seria a pedra angular de todo o suporte vaginal. A ausência de sua correção deve acarretar na recorrência dos prolapsos (Eilber, 2013).

Atualmente, a sacrocolpopexia é a cirurgia mais atrativa por via abdominal, considerada por muitos o “padrão-ouro” para o tratamento desses prolapsos. Nesta cirurgia, é utilizada uma tela de polipropileno que fixa a cúpula vaginal ao promontório sacral.

A comparação da sacrocolpopexia abdominal com a colpopexia sacroespinhal transvaginal mostrou vantagem da via abdominal, com uma menor taxa de recidiva (abdominal: 3,5%; vaginal: 9,4%), menor grau de prolapso residual, maior tempo para recorrência do prolapso, menos incontinência urinária pós-operatória (abdominal: 18%; vaginal: 34%); menos dispareunia (abdominal: 15%; vaginal: 36%). Em contrapartida, existe um maior tempo cirúrgico, maior tempo de recuperação e maior custo (Maher, 2013).

A sacrocolpopexia abdominal também foi comparada com a sutura dos ligamentos útero-sacros ao ápice vaginal em um estudo prospectivo, mostrando também menores taxas de recorrência (abdominal: 0%; vaginal: 17%) e menores taxas de reoperação nos pacientes operados por via abdominal. Da mesma forma, o tempo operatório, dias de internação foram também maiores (Rondini, 2011).

Apesar da grande taxa de sucesso da cirurgia aberta, existe uma grande morbidade peri-operatória associada. A abordagem laparoscópica foi comparada com a abordagem aberta, mostrando resultados similares, porém com menor tempo de hospitalização, uma menor taxa de sangramento e necessidade de analgesia (Pantazis, 2011). Um trial recente comparou a técnica laparoscópica e robótica, mostrando os mesmos desfechos, porém com um custo mais elevado para a abordagem robótica (Anger, 2014).

Em relação à exposição de tela, um trial comparando a sacrocolpopexia laparoscópica com abordagem com tela vaginal, mostrou uma taxa menor de exposição na primeira abordagem (sacrocolpopexia: 1,8%; vaginal: 12%) (Maher, 2011).

Alguns novos kits vêm sendo lançados para realização de colpo/histeropexia aos ligamentos sacro- espinhosos bilateralmente, com a utilização de malhas menores (Rivaux, 2012; Palma, 2014). Recentemente, uma coorte com 207 pacientes, mostrou sucesso de 94% em 1 ano, taxa comparável até mesmo com a sacrocolpopexia (Altman, 2016). Ainda não existem trials comparando- os com a sacrocolpopexia.

Acreditamos que os prolapsos apicais são o modelo para a utilização de tela, seja por via abdominal, já bem estabelecida com a sacrocolpopexia, seja por via vaginal, através das novas técnicas de pexia aos ligamentos sacro-espinhosos.

Conclusão

A utilização de malhas no tratamento dos prolapsos de órgãos pélvicos é uma ferramenta fundamental principalmente no tratamento dos prolapsos apicais, através da sacrocolpopexia, bem como dos prolapsos anteriores, por via vaginal. Entretanto, acreditamos que os fatores mais importantes para o sucesso cirúrgico e minimização das complicações associadas às telas são a seleção adequada dos pacientes e treinamento continuado dos cirurgiões do assoalho pélvico.

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