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Lengua y Sociedad

versión impresa ISSN 1729-9721versión On-line ISSN 2413-2659

Leng. Soc. vol.21 no.2 Lima jul./dic. 2022  Epub 05-Dic-2022

http://dx.doi.org/10.15381/lengsoc.v21i2.23444 

Artículos académicos

Para uma revisão da linguagem jurídica em sentenças judiciais

Una revisión del lenguaje jurídico en las sentencias judiciales

Towards a review of the legal language in court sentences

1 Universidade Federal de Sergipe, Sergipe, Brasil. gisa.mendes@academico.ufs.br

2 Universidade Federal de Sergipe, Sergipe, Brasil. rkofreitag@academico.ufs.br

Resumo

Partindo da base de que o direito tem como fundamento de validação as pessoas, e em alinhamento ao movimento de linguagem simples, a presente investigação aborda, inicialmente, o papel da linguagem técnica no escopo da comunidade de práticas jurídicas e os efeitos da sua extrapolação para a sociedade civil. Também se discutem as implicações sociais do uso exagerado do jargão de área jurídica, e a análise dos mecanismos que monopolizam e democratizam esse acesso ao conteúdo jurídico. Por fim, se realiza um estudo experimental para mensurar a percepção da sociedade civil acerca da linguagem jurídica, identificando pontos que possam contribuir para a sua democratização. A investigação concluiu que a simplificação da linguagem, sem desvirtuar a técnica jurídica, contribui para a compreensão do conteúdo jurídico, assinalando a importância de ações formativas na área de linguagem simples voltadas para o direito.

Palavras-chave: linguagem simples; democratização; direito; sociolinguística; inclusão social

Resumen

Partiendo de la base de que el derecho tiene como fundamento de validación a las personas, y en alineación con el movimiento del lenguaje simple, la presente investigación aborda, inicialmente, la función del lenguaje técnico en el ámbito de la comunidad de prácticas jurídicas y los efectos de su extrapolación a la sociedad civil. También se discuten las implicaciones sociales de la exacerbación del uso de la jerga en el lenguaje jurídico, y el análisis de los mecanismos que monopolizan y democratizan el acceso a los contenidos jurídicos. Asimismo, se realiza un estudio experimental para medir la percepción de la sociedad civil sobre el lenguaje jurídico identificando los puntos que pueden contribuir a su democratización. La investigación concluye que la simplificación del lenguaje, sin desvirtuar la técnica jurídica, contribuye a la comprensión del contenido jurídico, señalando así, la importancia de las acciones de formación en el ámbito del lenguaje simple dirigida al derecho.

Palabras clave: lenguaje simples; democratización; derecho; sociolingüística; inclusión social

Abstract

Based on the assumption that law has as its foundation of validation the people themselves, and aligned with the plain language movement, this paper initially discusses the role of technical language in the scope of the community of legal practices and the effects of its extrapolation to civil society. It also discusses the social implications of the exacerbation of the use of area jargon in legal language, as well as analyzes mechanisms that monopolize and democratize this access to legal content. Finally, an experimental study is carried out to measure civil society’s perception of legal language, identifying points that may contribute to its democratization. The investigation concludes that the simplification of the language, without de-characterizing the legal technique, contributes to the understanding of legal content, which signals the importance of training actions in the area of simple language aimed at the law.

Keywords: plain language; democratization; law; sociolinguistics; social inclusion

1. Introdução

"Codicilo"1, "anticrese"2, "summum jus summa injuria" 3, "ad nutum" 4 e "recurso ordinário"5 são exemplos de termos que conformam um operador jurídico, por meio dos quais se busca exprimir conceitos técnicos da ciência jurídica. Deve-se ter em mente que, entretanto, o direito não é uma esfera fechada em si mesma, tanto que as normas e decisões jurídicas implicam necessariamente em repercussões sociais.

Considerando a máxima de que a absoluta liberdade de todos resultaria na inefetiva liberdade de ninguém, é notável que a sociedade, como agrupamento de indivíduos, não pode por si só se sustentar. É preciso, então, a atuação de normas de convivência:

"A nossa vida se desenvolve em um mundo de normas. Acreditamos que somos livres, mas na realidade, estamos envoltos em uma rede muito espessa de regras de conduta que, desde o nascimento até a morte, dirigem nesta ou naquela direção as nossas ações" (Bobbio, 2019, p. 25).

Entende-se por norma tudo aquilo que, ora permitindo, ora proibindo, ora obrigando procura moldar a conduta dos indivíduos. As normas se fixam segundo dois principais planos, pela moral e pelo direito. Levando-se em conta o primeiro plano, as normas atuam de acordo com os "bons costumes", ou seja, de acordo com os princípios sociais que ditam a boa conduta, cujo escopo recebe grandes influências de instituições como a religião e a escola. No plano do direito, as normas não terão caráter distinto, isto é, também se constituem como ferramenta de controle social, pois "o fim do Direito é precisamente determinar regras que permitam aos homens a vida em sociedade" (Gonçalves, 2021, p. 17). A distinção entre a norma moral e a norma de direito ocorre em função da sanção6. No plano da moral, a sanção age no interior do indivíduo (na consciência), já a sanção atribuída pelo direito age no plano exterior do indivíduo, imputando-lhe uma consequência institucional estabelecida por poder competente (Kelsen, 1999).

Na esfera jurídica, o conjunto dessas normas de controle social denomina-se "constituição’’ e, ao poder competente de criá-la, dá-se o nome de "poder constituinte". No início da formação das sociedades, sobretudo, a titularidade do poder de impor as normas de convivência repousava sobre aqueles que detinham maior força bruta para realização das atividades. Na Idade Média, considerando o domínio da concepção cristã que a Igreja Católica impunha, o fundamento de justificação do Poder constituinte era o sagrado, de forma que a soberania do monarca era legitimada pelo divino. Com o desenvolvimento do racionalismo filosófico, entretanto, essa ideia vai sendo progressivamente dissipada até que se chega a um ponto de culminância com a teoria de Sieyès (1875, como citado em Barroso, 2010, p. 130): "a ideia de soberania nacional, pela qual o poder constituinte tem como titular a nação".

Falar sobre soberania popular implica, imprescindivelmente, falar sobre um regime de governo democrático. Logo, pode-se inferir que o poder constituinte, cuja titularidade é atribuída ao povo, se exerce por vias democráticas nas suas mais diversas configurações: democracia direta, indireta, semidireta, presidencialista, parlamentarista, semipresidencialista etc. Considerando a teoria clássica, Sieyès propôs que o "poder constituinte" se exercesse por vias representativas (democracia indireta) mediante a ação de representantes especiais da nação que, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, seriam capazes de delegar suas vontades.

No entanto, tendo o povo como ponto de partida e destinação da lei, é uma grande incoerência que a linguagem jurídica lhe seja inacessível. A abordagem da comunicação deve variar em razão da pessoa à qual se destina.

A sentença é uma das modalidades de pronunciamentos do juiz, que é responsável por finalizar um processo judicial, decidindo o mérito -questão- de um conflito, conforme prevê o § 1º do art. 203 do Código de Processo Civil brasileiro vigente. Parte das sentenças judiciais se destina, sobretudo, às pessoas leigas. No entanto, o hermetismo, ligado aos aforismos, latinismos e siglas próprias do meio jurídico influi em que a linguagem jurídica se configure de maneira elitizada, necessitando de uma maior simplificação com objetivo de garantir uma integração da ciência jurídica com a sociedade como um todo.

Alinhado ao movimento de linguagem simples, o presente estudo discute, inicialmente, a função da linguagem técnica no escopo da comunidade de práticas jurídicas e a sua extrapolação para a sociedade civil. A investigação discute também os desdobramentos do uso exagerado do jargão de área jurídica, bem como analisa mecanismos que monopolizam e democratizam esse acesso ao conteúdo jurídico. Por fim, se realiza um estudo experimental para mensurar a percepção da sociedade civil acerca da linguagem jurídica, identificando pontos que possam contribuir para a sua democratização.

2. Linguagem simples

O Movimento Internacional pela Linguagem Simples (Plain Language) visa atuar na democratização do acesso à informação para a cidadania. Registra-se seu início na década de 1970, nos Estados Unidos, com presidente Jimmy Carter, que estabeleceu padrões de linguagem clara sobre o serviço público americano, e, mais recentemente, em 2010, Barack Obama promulgou a Lei de Linguagem Clara (E.O. 12866), o qual diz que os regulamentos devem ser simples e fáceis de entender, com o objetivo de minimizar a incerteza e o litígio (Sobota, 2014; Schriver, 2017).

A relação entre a lei e a língua é um campo latente para o início de ações de linguagem simples, na medida que leis são construídas pela linguagem, logo, leis são uma realidade "imaginada". Além da política, diversos outros segmentos têm adotado a linguagem simples, como a medicina e o direito (Sullivan, 2001).

Basicamente, a linguagem simples pode ser expressa por uma fórmula LS = (clareza + eficiência) para o grupo alvo, o que envolve processos de simplificação (tradução dentro da mesma língua) e de facilitação (estruturação, comunicação) linguística (Grene et al., 2017). Tem sido uma demanda cada vez mais frequente para gestores elaborarem materiais de divulgação em linguagem simples, o que acarreta na necessidade de desenvolvimento de instruções e treinamentos relacionados ao tema, mas também reflexões sobre o impacto da simplificação na área.

No campo jurídico, em termos de uma política de implantação de linguagem simples para a cidadania, é preciso haver equilíbrio no emprego da linguagem técnica da comunidade dos juristas, que deve ser acessível a todos, garantindo direitos linguísticos, segurança jurídica e exercício da cidadania (Landqvist, 2021). No entanto, a expressão linguística precisa da lei requer o uso de termos legais, latinismos, expressões arcaicas, e ao mesmo tempo uma construção gramatical evitando sinônimos, com sentenças longas e complexas para expressar a adjacência e barrar a ambiguidade. Nesse sentido, elementos de linguagem jurídica não podem ser simplificados ou substituídos, o que torna uma barreira adicional para a implementação de uma política de linguagem simples. Esta tensão entre a técnica e a precisão e o ativismo linguístico para o exercício da cidadania origina debates e discussões acerca da adoção da linguagem simples (Assy, 2011; Turfler, 2015).

No Brasil, a discussão situa-se no eixo da simplificação da linguagem jurídica com o reconhecimento da importância de uma linguagem acessível para a aproximação do cidadão à justiça (Mozdzenski, 2003; Guimarães, 2012; Belém, 2013; Bortalai, 2016; Souza et al., 2016), ao mesmo tempo em que se critica o "juriquês". Em geral, as discussões centram-se em abordagem bibliográfica. Nesta pesquisa, se assume uma perspectiva sociolinguística, com a postulação de uma comunidade de práticas jurídica, de modo a demonstrar como se (des)constrói o hermetismo da linguagem.

3. Sociedade civil, formas sociais e a comunidade de práticas jurídica

A linguagem jurídica pode ser concebida como uma linguagem técnica, ou jargão de área, e, nesse sentido, é configurada como vinculada a uma profissão específica, compartilhando de uma terminologia própria e restrita a grupo. Portanto, é possível uma aproximação com o conceito de comunidade de fala e com comunidade de práticas, usuais na Sociolinguística.

O surgimento da sociedade é objeto de análise de diversos autores e teorias, dentre os quais se assume na investigação um ponto de vista contratualista. Em sentido geral, o contratualismo estabelece que a sociedade inicia de um ponto primitivo estabelecido pelo "estado de natureza", em que o baixo nível organizacional impede a perpetuação do grupo como uma comunidade. A partir desse pressuposto, reconheceu-se a necessidade de criação de um "estado civil", isto é, um estado efetivamente regido por regras de conduta social (Dallari, 1998).

De acordo com Mascaro (2013), juntamente com o estado civil surgiram as chamadas formas sociais. Formas sociais podem ser conceituadas como constructos próprios de determinado grupo, por meio dos quais as relações sociais podem neles ser estabelecidas, desenvolvidas e perpetradas. Dentro do gênero forma social se encontram a classe política e jurídica.

Ainda em consonância com o autor, a forma social jurídica é o direito, sendo este encarregado de estabelecer um patamar de igualdade formal entre os indivíduos, de modo que a dotar todo componente da sociedade portador de direitos subjetivos e, assim, subordinar todos às mesmas regras. A forma política, ao seu momento, é dada pela figura do Estado, que, mediante as suas instituições administrativas, coercitivas e governamentais, é responsável por conduzir as relações entre esses indivíduos, então já sujeitos de direito.

A transição do estado de natureza para o estado civil compreende o estabelecimento do Estado Democrático de Direito, em que, uma vez que todos se constituem como portadores de direitos subjetivos intrinsecamente ligados a um operador central, ninguém pode se desvincular da esfera do direito. Ou seja, uma sociedade civil é também uma sociedade jurídica.

Nesse ponto, se deve considerar que, na medida em que se constitui como uma sociedade jurídica, a sociedade civil é, também, uma comunidade de fala. A comunidade de fala é um conceito próprio da sociolinguística, podendo ser exprimido como um conjunto de normas linguísticas compartilhadas por determinado grupo de indivíduos (Labov, 1972). Tanto é que as normas de conduta ditadas pelo direito se traduzem por meios dos signos e construtos linguísticos próprios da sociedade em que se inserem, as leis são construídas pela linguagem.

A comunidade de fala é um fundamento das relações de pertencimento entre diversos indivíduos, constituindo-se, assim, como uma via de mão dupla, dado que, na mesma medida que aproxima grupos com traços linguísticos semelhantes, também separa aqueles que não partilham das mesmas normas perante a língua. Esse fenômeno é traduzido pela sociolinguística como variação linguística. As variações linguísticas se manifestam em diversos níveis, seja em nível macro, distinguindo as grandes comunidades de fala uma das outras, seja em nível micro, isto é, dentro de uma mesma comunidade. O que significa dizer que dentro de um grupo linguístico maior, se manifestam, também, variedades de fala que em grupos menores estabelecem seus padrões de realização linguística.

Há, ainda, as comunidades de práticas, grupos de indivíduos em interação engajados em torno de um foco de interesse que os leva a buscar a aprendizagem e o aprimoramento das habilidades (Wenger, 2010). Explorado mais recentemente na sociolinguística (Eckert, 2012; Freitag et al., 2012; Freitag, 2014), o conceito de comunidade de práticas pode auxiliar na compreensão do que tem sido chamado de "juridiquês", não no sentido negativo do termo, mas no processo de construção de convenções linguísticas para fins especializados de comunicação como se dá, por exemplo, com o jargão de área.

O direito está inserido dentro do campo das ciências sociais e, como tal, é certo de que se utilizará de jargão de área próprio para exprimir conceitos de caráter técnico. Assim, o direito, enquanto ciência, possuirá vocabulário jurídico próprio, como também utilizará de termos comuns, mas que, dentro da esfera jurídica, vão possuir uma significação distinta, a exemplo da distinção entre furto e roubo7, que no vocabulário leigo, isto é, daqueles que não participam da comunidade de práticas jurídica, são corriqueiramente apreendidos como sinônimos.

O tecnicismo empregado na fala jurídica deve-se, sobretudo, à transação do jusnaturalismo para o juspositivismo. De acordo com Cotta (2017), a formação do jusnaturalismo se dá, sobretudo, em razão do reconhecimento de um elemento ontológico e universal a partir do qual se pensará todo o direito. A esse elemento é dado o nome de "fundamento originário" e é ele que será estabelecido como critério de validade jurídica. O fundamento originário muda com a mudança da época e da sociedade que se analisa, podendo caracterizar-se como a physis, como Deus ou como a razão. Esse elemento é responsável por assegurar a "relacionalidade coexistencial", isto é, o fator que "constitui a verdade do ser-homem sobre a qual se fundamentam os deveres e objetivos (válidos para todo indivíduo humano), para além do seu sentido puramente subjetivo" (Cotta, 2017, p. 46). Para o jusnaturalismo, é justamente pelo fato do direito se estabelecer em concordância com o fundamento originário determinado que ele será justo e, em razão disso, será obrigatório.

O juspositivismo, ao seu momento, surge em posição antagônica ao jusnaturalismo. Não se pode dissociar o juspositivismo do seu momento histórico, isto é, de transição do absolutismo para o liberalismo. O enfraquecimento do feudalismo proporcionou o surgimento dos estados modernos, estes últimos, ao contrário do regime anterior, são caracterizados por concentrarem a produção jurídica em um operador central, o Estado. Levando em conta o regime monárquico em vigor na época, em consequência da concentração de toda produção jurídica em um único órgão, o rei assumirá todo o poder sobre a região a ser administrada.

Nesse ponto, há de se ter em mente, ainda, que naquela época a religião influenciava fortemente as relações políticas, de modo que o rei assumia e era mantido no poder em virtude de uma investidura divina, era o "destino manifesto" do governante, mediante o qual o soberano detinha poder absoluto da região por ele administrada. Contudo, a ascensão da classe burguesa, do fim do período moderno ao começo do contemporâneo, originou um grupo que constantemente questionava a validade do regime de governo estabelecido, com o fito de alcançar maior participação política e garantir a efetivação dos seus próprios interesses sociais.

A partir desse momento, movimentos de resistência às teorias jusnaturalistas ganharam forças, de forma que passou a ser incentivado o maior enfoque às leis escritas. Um exemplo de tal afirmação pode ser dado pela Escola da Exegese francesa8. Todavia, é apenas com Kelsen (1999) que o jusnaturalismo alcança maior destaque, sendo considerado o referido jurista autríaco um dos maiores corifeus da teoria. O mérito do autor foi retirar de sua análise tudo aquilo que não se constitui como parte da ciência jurídica, tendo como produto, assim, uma "teoria pura do direito", ou seja, destituída de critérios, valorativos, principiológicos e políticos.

Uma vez retirado todo e qualquer elemento não jurídico do seu campo de apreciação, Kelsen (1999) determina que o objeto do direito, enquanto ciência, é a norma jurídica. A norma jurídica pode ser conceituada como todo e qualquer enunciado dirigido a um ou mais indivíduos que, em razão das consequências nele descritos, tem a capacidade de regular-lhes a conduta. As consequências jurídicas possuem como características a institucionalização e a imputação. Diz-se que são institucionalizadas porque provêm de órgãos coercitivos do Estado. A imputação, por sua vez, se dá em razão do seu caráter injuntivo e imperativo da norma e expressam a relação não natural entre o fato ocorrido e a determinada consequência. Em outras palavras, as consequências jurídicas não se estabelecem diante de "causa e efeito", mas sim de "conduta e sanção".

Assim, o juspositivismo, ao concentrar o enfoque nas leis positivas (escritas), bem como ao atribuir o caráter de ciência ao direito, tendo como objeto a norma, foi capaz de revolucionar a técnica jurídica, que passa a ser considerada como todo o conjunto de meios e de procedimentos de efetivação da norma. Desse modo, a técnica jurídica passa a ser aplicada em todos os níveis jurídicos, isto é, de criação, interpretação e aplicação dos códigos, de tal forma que:

quando o legislador elabora um código, às normas ficam acessíveis ao conhecimento; ao desenvolver a técnica de interpretação, o exegeta revela o sentido e o alcance da norma jurídica; com a técnica de aplicação, os juízes e administradores dão efetividade à norma jurídica. Para cumprir as suas tarefas, o técnico obrigatoriamente deverá possuir o conhecimento científico do Direito (Nader, 2011, p. 222).

Por tudo quanto foi exposto, não se pode desagregar direito e técnica, uma vez que, tanto da perspectiva linguística quanto, sobretudo, da jurídica, a técnica do direito é necessária e justificável. Desse modo, o que se busca discutir não é a sua anulação, mas sua simplificação para atingir também quem está fora da comunidade de práticas jurídicas, a comunidade de fala no sentido mais amplo, nos termos da sociolinguística.

4. Rebuscamento e democratização da linguagem jurídica

Como se expôs anteriormente, o direito não é uma esfera fechada em si mesma, de modo que o que é por ele estabelecido implica necessariamente em repercussões de caráter geral. Desse modo, uma vez dissociada do âmbito de atuação jurídico, uma linguagem técnica-jurídica se configura como disfuncional e segregacionista. Assim, considerando que a sentença é destinada, sobretudo, a um público leigo, a exacerbação de jargão de área jurídico seria incoerente, dado que impede a compreensão do que está sendo ali enunciado: de um lado estão os operadores jurídicos com seus encargos, utilizando-se de uma linguagem jurídica técnica e, de outro, o cidadão comum como receptor de uma matéria de conteúdo incompreensível, oriunda justamente daquele que deveria assegurar-lhes a segurança (Lages, 2012). Ou seja, fora da comunidade de práticas jurídicas, a técnica do direito converte-se em rebuscamento, em mecanismo de poder.

Durante todo o decurso da história é possível constatar vários elementos de controle social, um exemplo deles pode ser dado pelo poder simbólico. O poder simbólico, como descreve Bourdieu (2013), é um poder quase invisível, uma arbitrariedade desconhecida, servindo de base para a viabilização de outros poderes, garantindo-lhes legitimidade. Com isso em mente, a linguagem técnica jurídica, dentro do contexto das sentenças jurídicas, configura-se como um exemplo de poder simbólico, já que, ao se utilizar uma linguagem que não abrange um repertório acessível ao coletivo, não gera questionamentos nos grupos, o que faz com seja vista como legítima. O tecnicismo exagerado na linguagem jurídica cria uma barreira de acesso ao judiciário impedindo, até mesmo, a efetivação de direitos basilares.

Diante da constatação desse fato, é possível evidenciar que surgiram diversos movimentos com o intuito de propor medidas de simplificação da linguagem jurídica. Algumas delas são: 1) A campanha pela simplificação da linguagem jurídica, promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros em 2005 no estado de São Paulo, inicialmente conduzida para estudantes, mas com propósito de ampliação; 2) O projeto de lei 7.448/2006, cujo teor objetivava simplificar e tornar acessível, a todos os cidadãos, a parte dispositiva da sentença judicial; 3) Livros, como "Direito para não advogados", de Maria Pia Bastos Tigre Buchheim e João Luiz Coelho da Rocha; e "Direito no cotidiano: Guia de sobrevivência na selva das leis", de Eduardo Muylaert, entre muitos outros.

No entanto, é certo que todas essas iniciativas pouco repercutiram em mudanças efetivas do cenário atual da linguagem jurídica empregada nas sentenças judiciais. Parte disso se deve ao fato de que todas derivam do intento dos próprios operadores jurídicos. Ora, em toda a história, os movimentos sociais só adquiriram efetividade quando partiram da própria classe lesada. Ou seja, a pressão necessária para suscitar a mudança para a simplificação da linguagem jurídica precisa partir não da própria classe jurídica, mas da própria sociedade civil. Para tanto, é preciso investir em estudos que identifiquem o que a sociedade civil pensa sobre o hermetismo da linguagem da comunidade de práticas jurídica e dos seus efeitos na compreensão, bem como o efeito da simplificação da linguagem na compreensão de sentenças, a fim de desvelar o limite tênue entre a linguagem técnica de direito como ferramenta de comunicação jurídica e como mecanismo de segregação social.

5. O que a sociedade civil pensa?

5.1. Método

Para medir a percepção da comunidade civil sobre a linguagem jurídica e a linguagem simples foi realizado um estudo experimental do tipo observacional, com o objetivo de mensurar a subjetividade dos participantes em relação ao seu entendimento e compreensão de peças jurídicas em que predomina o uso de jargão de área.

O instrumento de coleta de dados foi construído na plataforma google forms, e contava com quatro sessões. A primeira delas obtinha informações do perfil do participante. A segunda sessão continha um texto extraído de uma ementa de um julgado do Supremo Tribunal Federal (a), a qual continha a parte dispositiva da sentença, aquela em que o juiz traz a resolução do conflito (art. 489, III, Constituição Federal Brasileira), sem simplificação prévia. Trata-se de um agravo regimental - recurso usado para impugnar decisões interlocutórias, isto é, decisões que não põem fim ao processo no recurso ordinário (RHC 104583 AgR DF, Órgão julgador: primeira turma, relator: Min. Ricardo Lewandowski, julgamento: 26/10/2010, publicação: 19/11/2010).

(a) A questão de mérito foi devidamente analisada pela decisão ora recorrida, que, assentando a reiterada jurisprudência desta Corte sobre a matéria, afastou-a e negou provimento ao recurso ordinário, com base no caput do art. 192 do RISTF. É irrelevante saber se a arma de fogo estava ou não desmuniciada, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato. Não se mostra necessária, ademais, a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo. Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa. A majorante do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente - ou pelo depoimento de testemunha presencial. Agravo regimental desprovido.

Seguiu-se à tarefa um item de avaliação do grau de dificuldade na compreensão do texto, em escala likert de 5 pontos. A terceira sessão do instrumento foi construída da mesma forma que a primeira, uma questão de interpretação e outra de escala, com a diferença de que o texto foi reescrito segundo as diretrizes de linguagem simples (b).

(b) Mediante pedido de reanálise da decisão anteriormente tomada pelo Tribunal, a questão foi devidamente reexaminada e, a partir disso, nega-se o pedido de contestação da resolução prévia, conforme a parte inicial do art. 192 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. A constatação se sustenta no fato de que é irrelevante uma arma estar desacompanhada de munição para comprovar a lesividade do objeto, dado que se considera o artefato nocivo por si só. Dessa maneira, o agravante da pena expresso no art. 157, § 2º, I, do Código Penal pode ser constatado por meio de qualquer prova, em especial, pela palavra da vítima ocasionando a impossibilidade de resistência do praticante do crime ou pelo depoimento de testemunha presencial. A partir dos termos aqui expressos, a decisão anterior é mantida.

A última seção foi composta por dois itens com resposta em escala likert de 5 pontos em que se pedia para que os participantes avaliassem, respectivamente, a importância dos termos jurídicos para a compreensão da sentença judicial e a importância da simplificação da linguagem jurídica.

O instrumento foi disseminado por meio de redes sociais pessoais, gerando uma amostra por voluntariedade (Freitag, 2018). Foram incluídos todos que se dispuseram participar voluntariamente da pesquisa, na faixa etária maior de dezoito (18) anos, e que, na data de realização, estavam cursando ou haviam concluído o nível superior, dos quais pressupõe domínio de modalidade escrita formal e proficiência em leitura. Os critérios de exclusão aplicam-se aos que não atenderem as disposições anteriores e que não responderem a todas as questões.

A amostra validada foi constituída por 16 participantes adultos (18 a 49 anos, média = 24,9, desvio padrão = 7,7), dos quais 11 se identificam como homens e 5 como mulheres. Quanto à escolaridade, 8 possuem ensino superior completo e 8 participantes possuem ensino superior incompleto. As áreas de formação são diversificadas, com participantes distribuídos entre os cursos de Sistema da informação, Educação Física, Letras-Português, Letras-inglês, Odontologia, licenciatura em Química, Ciências Biológicas, Engenharia, Pedagogia, Medicina (n = 11), e um grupo de estudantes de Direito (n = 5). Os dados foram submetidos a tratamento qualitativo, para identificar, no item de resposta subjetiva, os argumentos relativos à compreensão do conteúdo da sentença pelos participantes, e à tratamento quantitativo, para avaliar o efeito da simplificação da linguagem. As escalas são compostas por dois itens com cinco níveis, com consistência aceitável para dificuldade (α = 0,78) e boa para importancia (α = 0,88).

5.2. Resultados

A percepção de que a simplificação da linguagem jurídica é importante para a compreensão da mensagem que se deseja expressar é alta na amostra, com média de 4,38 (desvio padrão [dp] = 0,96), variando de 2 a 5 na escala de importância. Este resultado confirma nossa hipótese inicial.

O efeito prático da importância da simplificação foi aferido por meio da comparação entre a dificuldade atribuída à sentença original e à sentença reescrita. A sentença original teve média = 3,00 (dp = 1,21), variando de 1 a 5 na escala, enquanto a sentença reescrita teve média de 1,81, (dp = 0.91), variando de 1 a 4 na escala (figura 1). Um teste-t de amostras pareadas sugere que o efeito é positivo, estatisticamente significativo e grande (diferença = 1,19, t(15) = 5,22, p < 0,001).

Figura 1 Comparação entre as notas atribuídas a sentença original e reescrita 

A grande variância nas respostas está associada ao curso do participante. Enquanto a dificuldade entre os participantes do curso de Direito reduz de 2,20 da sentença original para 1,40 na sentença reescrita, entre os participantes de outros cursos a redução é mais acentuada (de 3,36 na sentença original para 2,00 na sentença reescrita), um grande efeito estatisticamente significativo (diferença = 1,36, t(10) = 4,89, p < 0,001; d Cohen = 1,48) (figura 2).

Testamos também se os participantes atribuem à mudança dos termos alterados na sentença ("recurso ordinário", "Caput", "majorante", "in re ipsa") o efeito de simplificação. A média foi 3,06 (dp = 1,41), variando de nada importante a extremamente importante. A variância entre a importância dos termos para a simplificação e o curso dos participantes (Direito = 3,00 e outros cursos = 3,09) não é estatisticamente significativa.

Figura 2 Comparação entre grupos de participantes por curso 

O exame qualitativo das respostas dá pistas dos efeitos dos termos. A avaliação (1) ilustra uma resposta de participante que respondeu não ter dificuldade na interpretação. Note-se que o participante é do curso de Direito. Já a avaliação (2) ilustra a não compreensão e atribuição de dificuldade máxima para a compreensão.

(1) O mérito já fora analisado regressamente pela decisão que foi recorrida por uma das partes que foi negado o recurso por conta da jurisprudência da própria corte que se baseou no artigo já referido. Também não tem necessidade da apreensão da arma para saber se ela estava ou não carregada pois uma arma de fogo já tem seu notório potencial de lesar um indivíduo. (M_21_direito)

(2) Que uma arma de fogo estava ou não depreciada, mas que pode ser caracterizado pela vítima do ocorrido. (F_ 20_química)

A resposta de (3) dá pistas dos termos que causam dificuldade na compreensão: o termo "majorante" e a sigla "RISTF", que foram modificados na reescrita da sentença, são apontados como elementos que são de desconhecimento do participante.

(3) Foi posto que, o recurso solicitado no qual se discutia uma "questão de mérito" (não sei do que se trata esse termo em específico) não foi aprovado com base no artigo 192 do RISTF (não conheço essa sigla, a menos que pesquise). O texto prossegue mostrando que não é relevante comprovar se a arma de fogo estava com munições ou não, além de ressaltar ser também desnecessário a apreensão e perícia do equipamento para comprovar o potencial de causar danos a outrem. Por fim, sobre o art. 152, algo (não conheço o termo majorante a menos que pesquise) pode ser confirmada por meio de várias provas, em especial, o depoimento da própria vítima que no momento do infortúnio não apresenta possibilidade de resistência perante tal risco. (M_21_medicina, grifos acrescidos).

As mudanças realizadas na reescrita da sentença produziram nos participantes a percepção de que a compreensão foi facilitada:

(4) Mesmo teor do texto anterior só que melhor elucidado para pessoas leigas. (M_21_direito, grifos acrescidos)

Após a reescrita, o participante que em (3) havia atribuído dificuldade média, com nota 3, revisou sua avaliação e atribuiu grau de dificuldade 1, em (5).

(5) Foi feito um pedido para reanalisar uma decisão tomada pelo Tribunal. Esse pedido foi atendido e negado com base na parte inicial do artigo 192 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Ao negar a solicitação, sustentou-se na máxima de que é irrelevante que a arma esteja descarregada para que ela mostre-se "inofensiva", aliás trata-se de uma arma, em que se usar para defesa ou agressão, geralmente causando danos a outrem. Por conta disso o agravante, ou seja, um fator que pode aumentar a pena do réu, pode ser comprovado por meio de qualquer prova, principalmente pela palavra da vítima. Em suma, o pedido de reanálise foi negado porque aparentemente baseava-se na justificativa de que a arma estava descarregada. Além disso, foi feita uma tentativa de diminuir os anos de uma possível sentença, devido a um fator agravante ao qual o réu outrora foi enquadrado. (M_21_medicina, grifos acrescidos).

Estes resultados sugerem que a simplificação da linguagem jurídica em sentenças é positiva para a compreensão do seu conteúdo. A técnica jurídica continua preservada em função destas mudanças, no entanto a potencialidade de compreensão por parte da sociedade civil é ampliada. Os resultados deste estudo experimental vão na mesma direção dos resultados identificados por Martínez et al. (2022), que relacionam características da escrita jurídica com a dificuldade de processamento linguístico. Primeiramente, os autores identificaram níveis de dificuldades relacionados ao uso de siglas, uso de palavras pouco frequentes e escolhas de palavras do repertório específico, uso de orações subordinadas e uso de voz ativa e voz passiva em um corpus constituído por contratos. Depois, usando os mesmos parâmetros, como variável, versões de contratos foram produzidas com a manipulação destes níveis de dificuldades para dois estudos experimentais (um desenvolvido entre participantes especialistas na área, pertencentes à comunidade de práticas jurídicas, e o outro entre participantes não especialistas), que revelaram que a complexidade de processamento afeta a compreensão e a memória: os contratos com os parâmetros alterados no nível de dificuldade foram relembrados e compreendidos em taxas mais baixas do que contratos sem a manipulação, tanto com leitores especialistas como não especialistas.

Os resultados do estudo de Martínez et al. (2022) sugerem que não são os conceitos especializados da teoria jurídica os responsáveis pela dificuldade de compreensão dos textos jurídicos, já que mesmo dentre a comunidade de práticas jurídicas (participantes especialistas) houve dificuldades de processamento, possivelmente por conta de limitações de da memória de trabalho por conta do uso de orações subordinadas e voz passiva, em contraste à falta de conhecimento jurídico especializado.

6. Conclusões

O caráter plural da língua obriga o falante a variar a sua linguagem de acordo com o nível de comunicação exigido pelo respectivo grupo ao qual a linguagem se destina, já que a variação linguística é constitutiva das línguas. Dentre o conjunto das variáveis, o jargão de área, como aquele presente nas comunidades de práticas jurídicas, por ser um segmento especializado de fala, pode deixar à margem do campo de compreensão aqueles que não possuem domínio do seu teor técnico. A exacerbação do uso da técnica jurídica, consequência do estabelecimento do juspositivismo, deixou de lado o fato de que a sociedade geral precisa necessariamente compreender o que está disposto no e pelo direito, aspecto fundamental na transição do estado de natureza para o estado democrático de direito vivenciado hoje. A linguagem jurídica foi delineada e consolidada na história com uma linguagem extremamente especializada e, além de tudo, com um baixo intento de mudança.

No entanto, a proposição de alternativas para simplificação da linguagem jurídica não consiste na isenção completa do seu uso técnico; ao contrário, a trajetória histórica do campo do direito pavimenta sua necessidade. Com esta pesquisa experimental, se identificou que, apesar da grande importância atribuída à simplificação, não são apenas os termos técnicos que interferem na compreensão. Outros aspectos da língua, no nível gramatical, como a colocação pronominal, ordem dos termos, alternância entre voz ativa e voz passiva, também contribuem para uma linguagem clara e acessível, o que sinaliza para a necessidade de estudos ainda mais aprofundados, para além da sensibilização sobre sua importância (Mozdzenski, 2003; Guimarães, 2012; Belém, 2013; Bortalai, 2016; Souza et al., 2016).

No escopo do Movimento Internacional para a Linguagem Simples, demonstramos que tornar o direito e sua linguagem mais acessível não implica torná-los inválidos. Ao contrário, significa justamente assumir o compromisso básico de acesso à justiça, principalmente tendo por base o fato de que os cidadãos, como sujeitos de direitos, necessitam compreender efetivamente até mesmo o que está descrito nas entrelinhas.

Isso não significa torná-los disfuncionais, mas apenas assumir um compromisso básico com a democratização do acesso à justiça, haja vista que os indivíduos, como sujeitos de direitos, precisam entender o que está nas linhas e nas entrelinhas para poder exercer efetivamente a sua cidadania.

O desenvolvimento de um estudo experimental para mensurar os efeitos na compreensão da linguagem permitiu resolver um problema na literatura, que discute a linguagem jurídica apenas por vias bibliográficas, sem uma abordagem empírica e seu impacto na sociedade civil. O estudo experimental provê evidências de uma tese já consolidada de que a linguagem jurídica é hermética e de difícil compreensão. Em alinhamento com Martínez et al. (2022), se evidencia que é possível identificar os aspectos que contribuem para a complexidade associada a textos jurídicos, e a adoção de preceitos de linguagem simples é benéfica para a sociedade em geral. Uma sociedade em que a linguagem jurídica seja acessível a todos é uma meta de longo prazo, dado que exige, sobretudo, uma mudança de visão dos aplicadores jurídicos, classe que se estabeleceu em profundas tradições.

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Notas:

1Declaração de última vontade, ditada à pessoa capaz de testar, geralmente um tabelião, quanto a seu enterro, distribuição de pequenas esmolas, roupas, joias e móveis de sua propriedade, nomeação de novos testamenteiros (Santos, 2001, p. 52).

2Ação pela qual o credor anticrético tem o direito de cobrar do seu devedor o pagamento total da dívida vencida (Santos, 2001, p. 25).

3Suma justiça, suma injúria (Santos, 2001, p. 324). A interpretação que se dá é a de que o excesso de justiça redunda em injustiça.

4Ao sinal da cabeça, isto é, ao comando de. Diz-se do ato que pode ser revogado pela vontade de uma só das partes; diz-se da disponibilidade do funcionário público não estável, deliberada a juízo exclusivo da autoridade administrativa competente (Santos, 2001, p. 258).

5Recurso cujo propósito é opor-se à resolução enunciada por Junta de Conciliação de Julgamento em dissensão individual (Santos, 2001, p. 209).

6Sanção é a consequência atribuída ao indivíduo pela inobservância da norma estabelecida. É preciso, neste ponto, esclarecer que, hoje, se discute sobre uma apreensão menos negativa do termo, de modo que se admite sanção pela total observância do que que foi previamente estabelecido pela norma, como no caso da sanção premial.

7No âmbito jurídico, enquanto o furto se caracteriza como um crime de subtração - diminuição de patrimônio alheio - menos grave, dado que não há uso de violência, o roubo é um crime de subtração mais grave, visto que ocorre com o uso de violência ou grave ameaça (art. 157, Código Penal Brasileiro).

88 A palavra "exegese" (do grego exegesis) faz referência à análise, explicação ou interpretação minuciosa de uma obra. Nesse aspecto, o código era entendido como perfeito, completo e autônomo e, logo, não havia espaço para a interpretação subjetiva do juiz, mas sim uma interpretação minuciosa da lei francesa, ou melhor, do código napoleônico, tentando encontrar a real acepção da lei. O papel do juiz era, então, reduzido à aplicação objetiva e neutra da lei: Dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei); a ele não era conferido o poder de produzir o direito, mas apenas de aplicá-lo de acordo com o que estava pré-definido no Código, submetendo-se, assim, aos legisladores.

10Agradecimentos: As autoras agradecem ao suporte do Laboratório Multiusuário de Informática e Documentação Linguística (LAMID) da Universidade Federal de Sergipe, pela infraestrutura disponibilizada para o desenvolvimento da pesquisa.

Financiamento: A pesquisa é financiada pelo edital FAPITEC/SE/FUNTEC 06/2021 (PBIC) áreas temáticas - linha 1: inteligência artificial e machine learning (projeto Linguagem Simples para a cidadania), da Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe, Brasil.

Recebido: 01 de Maio de 2022; Aceito: 30 de Agosto de 2022; : 05 de Dezembro de 2022

Correspondência: rkofreitag@academico.ufs.br

Contribuições das autoras: Gisele Mendes Batista realizou a sistematização de estudos de direito, coleta de dados, análise de dados e redação do manuscrito. Raquel Freitag realizou o desenho do estudo, sistematização de estudos de linguagem simples, análise de dados e a revisão da redação final do manuscrito. Ambas as autoras dão aprovação à versão final publicada na revista.

Conflito de intereses: As autoras declaram não haver conflito de interesse.

Gisele Mendes Batista é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Brasil, e bolsista PBIC/FAPITEC, do projeto Linguagem Simples para a cidadania. Interesse em investigação na interface entre linguagem e direito.

Raquel Freitag é doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (2007) e atua na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Brasil, no Departamento de Letras Vernáculas, Programa de PósGraduação em Letras e em Psicologia. Foi vice-presidente da Associação Brasileira de Linguística (2019-2021). É editora da Revista da Abralin. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Interesse em investigação em sociolinguística, psicolinguística e o processamento da diversidade linguística.

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