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Desde el Sur

versão impressa ISSN 2076-2674versão On-line ISSN 2415-0959

Desde el Sur vol.16 no.1 Lima ene./mar. 2024  Epub 31-Jan-2024

http://dx.doi.org/10.21142/des-1601-2024-0002 

Dossier

«Para não deixar o céu cair»: O que ensina a arte de Denilson Baniwa sobre as cosmogonias indígenas brasileiras?

«Para no dejar caer el cielo»: ¿qué enseña el arte de Denilson Baniwa sobre las cosmogonías indígenas brasileñas?

«To prevent the sky from falling»: What does Denilson Baniwa’s art teach us about Brazilian indigenous cosmogony?

Jucimara Braga Alves*  1
http://orcid.org/0000-0002-8077-078X

Edgar Roberto Kirchof*  2
http://orcid.org/0000-0002-1072-2547

* Universidade Luterana do Brasil. Canoas, Brasil.

RESUMO

Este artigo apresenta uma análise da obra do artista brasileiro Denilson Baniwa e focaliza o modo como são representadas as cosmogonias indígenas do Norte do Brasil em seu trabalho. O referencial teórico que sustenta as análises está baseado nos estudos pós-coloniais e em estudos antropológicos sobre as culturas dos povos indígenas brasileiros, especialmente os estudos voltados para suas cosmogonias. Na primeira seção, apresentamos uma breve biografia de Denilson Baniwa, com ênfase em sua ligação com o movimento de arte indígena brasileira contemporânea. Na segunda seção, são discutidos os principais conceitos teóricos mobilizados nas análises, a saber, a cosmopolítica e o perspectivismo. Na sequência, são analisados alguns trabalhos artísticos de Denilson que tematizam as cosmogonias baniwa e, dessa forma, resgatam a memória e o conhecimento ancestral dos povos originários do Brasil.

Palavras-chave: Educação; Denilson Baniwa; arte indígena; cosmogonia indígena

RESUMEN

Este artículo presenta un análisis de la obra del artista brasileño Denilson Baniwa y se centra en la forma en que las cosmogonías indígenas del norte de Brasil están representadas en su obra. El marco teórico que sustenta los análisis se basa en estudios poscoloniales y estudios antropológicos sobre las culturas de los pueblos indígenas brasileños, especialmente estudios centrados en sus cosmogonías. En la primera sección, presentamos una breve biografía de Denilson Baniwa, con énfasis en su participación en el movimiento artístico indígena brasileño contemporáneo. En la segunda sección, se discuten los principales conceptos teóricos movilizados en los análisis; a saber, cosmopolítica y perspectivismo. A continuación, se analizan algunas de las obras artísticas de Denilson, que se centran en las cosmogonías baniwa y, de esta manera, rescatan la memoria y los conocimientos ancestrales de los pueblos originarios de Brasil.

Palabras clave: Educación; Denilson Baniwa; arte indígena; cosmogonía indígena

ABSTRACT

In this article, we analyze the artistic endeavors of Brazilian artist Denilson Baniwa, with a particular focus on how he portrays the indigenous cosmologies of northern Brazil within his work. The theoretical framework that supports the analysis is based on post-colonial studies and anthropological studies of the cultures of Brazilian indigenous peoples, especially studies related to their cosmologies. In the first section, we provide a brief biography of Denilson Baniwa, with an emphasis on his involvement in the contemporary Brazilian indigenous art movement. In the second section, we discuss the main theoretical concepts used in the analysis, namely, cosmopolitics and perspectivism. Following that, we analyze some of Denilson’s artistic works that explore Baniwa cosmogonies, thus reviving the memory and ancestral knowledge of Brazil’s indigenous peoples.

Keywords: Education; Denilson Baniwa; Indigenous Art; Indigenous Cosmogonypa

Introdução

As cosmogonias indígenas do território brasileiro têm sido demonizadas pelo pensamento eurocêntrico desde que os portugueses chegaram ao Brasil, no século XVI. Nas primeiras representações que os colonizadores realizaram dos povos originários, produziu-se discursos segundo os quais os indígenas não tinham fé, nem rei e nem lei (Gândavo, 2008). Após algum tempo, o homem branco também foi descrevendo os rituais indígenas como diabólicos e heréticos (Vainfas, 1995). Segundo Ronaldo Vainfas (1995), a historiografia brasileira ignorou essa temática por muito tempo, tanto que até recentemente as santidades ameríndias3 eram desconhecidas. Por outro lado, hoje a invisibilização e o controle das culturas indígenas vêm sendo discutidas e problematizadas amplamente em vários setores da sociedade, como demonstram, entre muitos outros, os estudos de Miranda Carvajal (2023) e Lencina, Pereyra e Alonso (2023).

Diante desse contexto, o brasileiro Denilson Baniwa, artista indígena ou indígena artista, apresenta alguns trabalhos abordando e promovendo uma reflexão sobre as cosmogonias indígenas do Norte do Brasil. Desse modo, este artigo aborda a representação de temas relacionados com a religião e com as cosmogonias indígenas nos trabalhos artísticos de Denilson.

Este artigo é parte de uma pesquisa de doutorado sobre a arte indígena brasileira contemporânea, que tem como foco o trabalho de Denilson Baniwa na perspectiva decolonial. Os trabalhos selecionados foram mapeados a partir de acervos disponibilizados nos seguintes espaços: o site do Prêmio PIPA4, em que se encontra uma página destinada à apresentação e à divulgação dos seus trabalhos; o site da Behance-portfólio5 on-line, em que Denilson disponibilizou entrevistas, ilustrações, registros em exposições, vídeos performances, podcasts e alguns outros registros de suas obras; e o catálogo do artista no site da Universidade de São Paulo (USP)6. Dentro desses acervos foram identificadas 39 obras relacionadas de forma mais evidente à temática aqui proposta; no entanto, por uma questão de delimitação, neste artigo serão destacados apenas trabalhos de três exposições, a saber: «Denilson Baniwa - INÍPO: Caminho de transformação» (2022), Djã Guata Porã (2017) e Frontera (2023).

Para atingir seus objetivos, este artigo está organizado em cinco seções. Após a introdução, trazemos uma seção intitulada «Denilson Baniwa e a arte indígena contemporânea no Brasil», na qual é apresentada uma breve biografia do artista e de como foi construída sua identidade enquanto artista junto ao movimento de arte indígena contemporânea. Na seção seguinte, «As Cosmopolíticas ameríndias: entre humanos e nãohumanos», discutiremos os conceitos de cosmopolítica e perspectivismo a partir dos estudos de viés antropológico realizados por Viveiro de Castro (2015). Na terceira seção, «Denilson Baniwa - INÍPO: Caminho de transformação: bicho-gente e gente-bicho», são analisados alguns trabalhos de Denilson que tematizam as cosmogonias baniwa, os quais resgatam a memória e o conhecimento ancestral dos povos originários. A quarta seção, «Cobra Canoa e Cobra Tempo: mitos da criação do mundo», analisa a imagem da cobra em alguns trabalhos de Baniwa. Na quinta seção, «O mito do Pajé-Onça: aquele que cura o mundo», abordamos a imagem do Pajé como aquele que tem o poder de curar o mundo. Por fim, trazemos algumas palavras finais.

Denilson Baniwa e a arte indígena contemporânea no Brasil

Durante muito tempo, a arte indígena produzida pelos povos originários foi considerada, pelos europeus, como uma arte menor ou artesanato, artefato ou algo sem valor artístico. Embora os povos indígenas tenham criado objetos para diversos fins, revelando, em vários artefatos, uma preocupação estética única, sensível e mítica-religiosa, esses trabalhos não obtiveram visibilidade e valorização quanto à sua estética, cultura e história no contexto ocidental. Na maior parte dos casos, a crítica acadêmica tratou as produções dos indígenas sob a rubrica de «artesanato» (Canclini, 1998).

Segundo Lagrou (2010), não existe, nas culturas indígenas, um termo equivalente ou proporcional aos conceitos ocidentais de arte e estética, pois o modo de pensar e fazer no campo artístico indígena se processa de modo diferente do ocidental. Para a pesquisadora, apesar da inexistência de termos equivalentes a valor artístico e valor estético, os povos indígenas sempre produziram seus objetos a partir de seus próprios critérios de beleza. Ela defende que todos os povos criam seus próprios conceitos de estética e formas peculiares de fruição. Portanto, os indígenas sempre produziram arte.

Nessa mesma linha de raciocínio, a pesquisadora Lucia van Velthem defende que as culturas indígenas e suas estéticas «revelam uma inquestionável contemporaneidade» (Velthem, 2019, p. 16). Segundo a autora, elas estão em constante transformação e ressignificação frente às novas realidades. As estéticas são múltiplas e plurais, uma vez que também são múltiplos os povos indígenas. Por exemplo, dialogando com a poesia indígena contemporânea, no contexto da poesia Andina (Quíchuas, Kichwa, Aimara), Amazônica (ticuna, okaína, uitoto, camentsá, Ashaninka, shuar, bora), Guarani e Mapuche, revela-se uma variedade de propostas poéticas. Segundo Rodríguez Monarca (2017), a poesia indígena atual dessas etnias se divide em duas propostas de modelos textuais: uma com estilo de resistência e afastamento intracultural; outra com características interdisciplinar e com aproximação intracultural. A pesquisadora conclui que os poetas transitam entre um modelo e outro.

Desse modo, a estética da poesia indígena dialoga com as Artes visuais indígenas. Assim, de acordo com Lúcia van Velthem, a estética indígena é diversificada, e cada povo desenvolve um estilo próprio:

Pois criar pinturas corporais, músicas, mitos, artefatos significa, para cada povo indígena, a possibilidade de reafirmar uma visão de mundo, de pensar o coletivo e o indivíduo, de construir sua própria identidade e desenvolver um estilo próprio (Velthem, 2019, p. 17).

Motivados pela transformação do pensamento sobre arte e estética nos últimos anos, emergiram no Brasil recentemente movimentos artísticos de sujeitos indígenas, os quais têm recebido atenção nacional e internacional, destacando-se nomes como Denilson Baniwa, Sallisa Rosa, Jaider Esbell, Gustavo Caboco e Natália Lobo, Sueli Maxacali, Arissana Pataxó e muitos outros. Esses artistas indígenas vêm ocupando espaços institucionais antes negados ou silenciados, como exposições, debates, lives e cursos que ajudam na disseminação, divulgação e entendimento da arte indígena. Esse movimento apresenta uma arte indígena engajada, ou seja, uma arte voltada para a luta e a resistência dos povos originários, os quais estiveram, por muito tempo, às margens da sociedade branca e não-indígena no Brasil.

Nesse contexto, o artista indígena Denilson Baniwa vem se construindo a partir do movimento de Arte Indígena Contemporânea, e dentro desse movimento destaca-se como um importante ativista7. Ele já produziu diversos trabalhos com temáticas que abordam questões como o uso da tecnologia pelos indígenas, a religião e a relação do agronegócio com a preservação ambiental. Baniwa defende que é preciso se apropriar da cultura ocidental para que seja possível descolonizá-la; para tanto, seu trabalho assume gêneros e formatos diversificados: pinturas em tela, colagens digitais, performances, vídeo-performances etc.

O artista nasceu na região da Amazônia, em Barcelos. Em 2013 se mudou para Niterói, Rio de Janeiro, e desde então começou a ser convidado para eventos artísticos. Foi co-fundador da rádio Yandê8, junto com Renata Tupinambá e Anápuáka. Em 2017, Denilson Baniwa participou da Mostra «Dja Guata Porã - Rio de Janeiro indígena»9, que ocorreu no Museu de Arte do Rio entre maio de 2017 e março de 2018. No mesmo ano, «invadiu» a 33ª Bienal em São Paulo, no Ibirapoera, em que produziu a vídeoperformance «O Pajé-onça hakeando a 33ª Bienal de São Paulo»10. A partir de então, Denilson tem se destacado no cenário das discussões sobre arte indígena, recebendo vários convites para expor seus trabalhos, dando destaque a pautas políticas e sociais voltadas às questões indígenas.

As Cosmopolíticas ameríndias: entre humanos e não-humanos

As cosmogonias indígenas, durante muito tempo, foram classificadas, pelo homem branco como lendas e mitos. Viveiro de Castro (2015), ao investigar as cosmopolíticas amazônicas, observou que o mundo dos povos ameríndios se compõe de conceitos de humanidade, animalidade e divindades completamente distintos daqueles herdados do cristianismo e do pensamento ocidental. Para Viveiro de Castro (2015), a teoria cosmopolítica é:

Imagina um universo povoado por diferentes tipos de agências ou agentes subjetivos, humanos como não-humanos -os deuses, os animais, os mortos, as plantas, os fenômenos meteorológicos, muitas vezes também os objetos e artefatos-, todos providos de um mesmo conjunto básico de disposições perceptivas, apetitivas e cognitivas, ou, em poucas palavras, de uma «alma» semelhante (Viveiro de Castro, 2015, p. 43).

Na visão do perspectivismo indígena -ou multinaturalismo-, corpo e alma possuem funções semióticas invertidas se comparadas com as funções que lhes são atribuídas no pensamento do Ocidente:

Os europeus nunca duvidaram de que os índios tivessem corpo (os animais também os têm). O etnocentrismo dos europeus consistia em duvidar que os corpos dos outros contivessem uma alma formalmente semelhante às que habitavam os seus próprios corpos; o etnocentrismo ameríndio, ao contrário, consistia em duvidar que outras almas ou espíritos fossem dotadas de um corpo materialmente semelhante aos corpos indígenas (Viveiro de Castro, 2015, p. 37).

Assim, «animais e espíritos veem como humanos: eles se percebem como (ou se tornam) entes antropomorfos quando estão em suas próprias casas e aldeias» (Viveiro de Castro, 2015, p. 44). Portanto, todos «são intensivamente pessoas, virtualmente pessoas, porque qualquer um deles pode se revelar (se transformar em) uma pessoa» (Viveiro de Castro, 2015, pp. 45-46). Em outros termos, para os povos indígenas, o universo (humano e não-humanos) é dotado de alma, sendo os xamãs administradores dessa relação que envolve o plano material e o plano espiritual.

Mircea Eliade (1992) nos ajuda a superar a visão etnocêntrica do cristianismo ocidental em suas discussões sobre a relação de diferentes culturas com o sagrado. Para o autor, nas mais diversas cosmogonias e sistemas religiosos ao redor do mundo, o sagrado sempre se manifesta de modo diferente do profano, e Eliade denomina de hierofania essa manifestação. Segundo seus estudos, todas as religiões apresentam «manifestações das realidades sagradas» (Eliade, 1992, p. 13). Assim, a Natureza, por exemplo, é para muitos religiosos uma sacralidade cósmica. Dessa forma, em algumas culturas o próprio cosmo pode se transformar em uma hierofania.

Para Mircea Eliade (1992), mesmo no ocidente as sociedades pré-modernas consideravam o sagrado como equivalente ao poder e à realidade. No entanto, a partir da Modernidade os europeus passaram a dessacralizar o cosmo, assumindo uma existência profana. Segundo o pesquisador, o homem ocidental moderno se distanciou cada vez mais do homem religioso pré-moderno. Para o homem religioso, os espaços não são homogêneos, já que há espaços não sagrados e sagrados, sendo que estes últimos ajudam na construção de um «ponto fixo», um «centro» que corresponderia à fundação do mundo ou à «criação do mundo». Em resumo, a cosmogonia recria o mundo a partir de uma ordem cósmica imitando a perfeição guiada pelos deuses (Eliade, 1992).

De maneira similar, o pensador indígena Ailton Krenak (2017) considera os espaços naturais como sagrados, pois neles se manifestam as cosmogonias indígenas e há possibilidades de alianças não somente entre pessoas, mas inclusive entre entidades humanas e não-humanas, como pedras, montanhas e florestas. De acordo com o líder indígena:

Quando eu vou a um riacho, a uma fonte, naquela nascente, eu estabeleço uma relação com ela, converso com ela, eu me lavo nela, bebo aquela água e crio uma comunicação com aquela entidade água que, para mim, é uma dádiva maravilhosa, que me conecta com outras possibilidades de relação com as pedras, com as montanhas, com as florestas (Krenak, 2017, p. 64).

Para Krenak (2017), o pensamento ocidental que foi gestado a partir da Modernidade, e ao segregar o universo sagrado do universo profano, criou uma distinção entre humanos e não-humanos e, com isso, colocou todos em perigo. Para o pensador indígena, a classificação ocidental de humanidade é muito arbitrária e restritiva, o que provoca desigualdades, desequilíbrios e distorções. Segundo ele, a conexão ou, em seus próprios termos, a Aliança Afetiva (Krenak, 2017, p. 20), seria a maneira pela qual poderíamos compartilhar, negociar ou trocar afetos entre os mundos.

No livro «A queda do céu, palavras de um xamã Yanomami», Kopenawa (2015) dialoga com as ideias apresentadas anteriormente. A partir de sua biografia, ele descreve a visão poética metafísica do povo indígena Yanomami. Para os Yanomami, o Xamã -filho de Omama- é um líder espiritual que conecta o mundo dos homens ao mundo dos espíritos. Ele é a imagem de Omama, sendo o sopro dos espíritos transmitidos pelo pó de yãkoana, alimento dos xapiri. Ele tem o poder de afastar as fumaças de epidemia (xawara) e, com suas danças e sonhos, tem o poder de não deixar o céu cair:

Omama finalmente criou os xapiri, para podermos nos vingar das doenças e nos proteger da morte a que nos sujeitou seu irmão mau. Então ele criou os espíritos da floresta urihinari, os espíritos das águas mãu unari e os espíritos animais yarori (Kopenawa, 2015, p. 84).

Denilson Baniwa - INÍPO: Caminho de transformação: bicho-gente e gente-bicho

Para discutir o modo como Denilson Baniwa dialoga com as cosmogonias dos povos originários do Norte do Brasil, foram selecionadas algumas obras que focalizam a luta do artista em desconstruir representações estereotipadas das cosmogonias indígenas. Ao mesmo tempo, essas obras também têm potência para promover o reconhecimento e a valorização das epistemologias envolvidas nas cosmogonias indígenas. Com sua arte, Denilson pretende tornar conhecida, para o mundo contemporâneo, essa sabedoria indígena que o mundo ocidental apagou e invisibilizou ao longo da história (Baniwa, 2021).

Em diálogo com as obras de Baniwa, os estudos do antropólogo Eduardo Viveiro de Castro contribuirão para o entendimento dessas cosmogonias. Segundos Viveiro de Castro (2020), «o mundo é habitado por diferentes espécies de sujeitos e pessoas, humanas e não-humanas, que o apreendem segundo pontos de vista distintos» (Viveiro de Castro, 2020, p. 301), com isso, produzindo «configurações relacionais, perspectivas móveis, em suma -pontos de vista» (2020, p. 303).

Nota. Fonte: Acervo Documental MARGS. https://acervo.margs.rs.gov.br/wp-content/uploads/tainacan-items/131/214115/ATIV02037.pdf

FIGURA 1. Urubu Tapuya, 2021, Infogravura, 120 × 84 cm. 

A imagem da obra «Urubu Tapuya» (Figura 1) traz um fundo preto e brilhos que lembram um céu estrelado e, no centro, a figura de um urubu gigante. No interior do animal há um menino indígena em posição de cócoras. O fundo da noite estrelada simboliza a cosmogonia do mundo e possivelmente todo o mistério que está envolto no universo. Para os Baniwa, o universo tem várias camadas, e cada uma é habitada por divindades, espíritos e «outras gentes».

Segundo Wright (1996), baseado no desenho de um Pajé Hohodene, há basicamente quatro camadas, a saber: Wapinakwa («o lugar de nossos ossos»), Hekwapi («este mundo»), Apakwa Hekwapi («o outro mundo») e Apakwa Eenu («o outro céu»). Nesse caso, os urubus-reis são espíritos e fazem parte da terceira camada, ou seja, «o outro mundo». Segundo a cosmogonia indígena baniwa, eles são animais-espíritos e ajudam o Pajé na procura de almas perdidas. Há um «casamento espiritual» entre o xamã e o espírito-pássaro: «cada um destes espíritos-pássaros é o «dono» de um tipo específico de dardo-espírito que o Pajé adquire durante sua aprendizagem e que é associado com tipos específicos de doenças e curas» (Wright, 1996, p. 87).

Segundo Muniz e Alzugaray (2021), os mitos de criação e as cosmogonias indígenas têm como característica principal a possibilidade de ocorrerem metamorfoses entre o humano e o animal, sendo o homem capaz de se transformar em diversas possibilidades animalescas. De maneira geral, a imagem de algumas aves para os indígenas da região amazônica, como os pássaros -gavião-real, urubu-rei, garça-real e a araravermelha- são sagrados, pois são capazes também de proteger a terra fértil antes que seja queimada pelo sol. Para os povos indígenas da região amazônica, o gavião branco, por exemplo, é detentor dos segredos das plantas medicinais (Santos, 2017, p. 7).

A exposição «Denilson Baniwa - INÍPO: Caminho de transformação», entre outros temas, também aborda as cosmogonias dos povos indígenas. Esses trabalhos foram apresentados em uma exposição-percurso distribuída em três locais físicos e um virtual: Goethe-Institut Porto Alegre, Salas Negras do MARGS, Jardim Lutzenberger da Casa de Cultura Mario Quintana e no Instagram do festival, no período de 27 de novembro de 2021 a 28 de fevereiro de 2022. O percurso da exposição lembra a imagem de uma cobra «que simboliza o caminho realizado pela Canoa-Serpente de Transformação ao longo do Rio Negro e seus afluentes» (Cevallo, 2021).

No primeiro local, no Goethe-Institut Porto Alegre11, Denilson apresenta um mural na entrada da instituição, intitulado «Muyeréusáwa Rúka» (Figura 2), entre o período de dezembro de 2021 a março de 2022. Esse trabalho foi especialmente criado para o muro, pois também faz parte do projeto de ocupação do muro que já acontece desde 2018. No segundo local, Salas Negras do MARGS (Museu de Arte do Rio Grande do Sul)12, foram expostas oito gravuras no total, sendo três produzidas especificamente para a exposição, compondo uma série de gravuras digitais: «Aquela gente que se transforma em bicho» (espírito bicho-gente). Dessa exposição, selecionei as seguintes obras: «Kwatá - tapuya» (Figura 3) e «sukuryu-tapuya» (Figura 4). E no terceiro, na casa da Cultura Mário Quintana13, foi apresentado o lambe-lambe «Repovoamento de uma cidade floresta», colado nas paredes do jardim suspenso; na imagem, há um Pajé soprando um cigarro-sagrado em que surgem animais de diversas espécies.

Diante desse contexto, o trabalho «Muyeréusáwa Rúka» (Figura 2) foi apresentado no muro do Goethe-Institut em Porto Alegre. As figuras estão sobre um fundo preto. No centro, há uma espécie de cabana ou maloca decorada com grafismos indígenas. Nesse trabalho são apresentados seres ancestrais mitológicos. Há na composição da pintura cores fluorescentes que, juntamente com uma iluminação noturna, sugerem um encantamento da floresta. A maloca14 (casa grande) é a moradia dos povos indígenas e um lugar das festas, cerimônias e rituais sagrados. Essas construções não são simples moradias para os povos indígenas, mas também «um espaço fundamental para a realização dos rituais. Seu desenho interno tem significados muito especiais, permitindo reviver, nas grandes cerimônias, a trajetória primordial dos antepassados, conhecida através dos mitos de origem destas sociedades» (Foirn/Isa, 1998, p. 39). Na obra de Denilson, a maloca conota uma síntese do universo. Esse lugar deve ser lugar de acolhimento, proteção e união, abrigando os seres visíveis e invisíveis, um lugar de festa e manifestação.

Ao redor da maloca se encontram diversos seres, animais e/ou imagens de entidades cosmogônicas do universo religioso indígena. Eles parecem dançar um ritual xamânico e estão retratados em tons coloridos e brilhantes. Como se percebe, Baniwa recorre novamente ao universo cosmogônico dos povos amazônicos e materializa alguns seres invisíveis aos olhos do homem branco. Essa materialização é construída pelas cores neon, as quais produzem uma visão onírica sobre esses seres apagados da memória ocidental. Os seres estão flutuando e formam uma espécie de camada protetora do céu, ao passo que o efeito das cores cria um ambiente mágico-onírico. Nesse conjunto de seres há pássaros, quelônios, répteis, lagartos, sapos, tatus, enfim, uma série de animais e seres da mitologia dos indígenas amazônicos. Eles estão em festa, em celebração. No xamanismo yanomami, há diversos espíritos para cada necessidade. Nesse sentido, o trabalho de Baniwa dialoga com os xapiripë do povo Yanomami:

Os xapiripë são vistos sob a forma de miniaturas humanoides enfeitadas de ornamentos cerimoniais coloridos e brilhantes. Sua dança de apresentação é comparada à ruidosa e alegre chegada de grupos convidados, ricamente adornados, numa festa intercomunitária reahu. São, sobretudo, «imagens» xamânicas (utupë) de entes da floresta. Existem xapiripë de mamíferos, pássaros, peixes, batráquios, répteis, lagartos, quelônios, crustáceos e insetos. Existem espíritos de diversas árvores, espíritos das folhas, espíritos dos cipós, dos méis silvestres, da água, das pedras, das cachoeiras... Muitos são também «imagens» de entidades cósmicas (lua, sol, tempestade, trovão, relâmpago) e de personagens mitológicas. Existem também humildes xapiripë caseiros, como o espírito do cachorro, o espírito do fogo ou da panela de barro. Existem, enfim, espíritos dos «brancos» (os napënapëripë, mobilizados, por homeopatia simbólica, para combater as epidemias) e de seus animais domésticos (galinha, boi, cavalo)15.

Nota. Foto: Marcelo Frey / Goethe-Institut Porto Alegre. https://www.goethe.de/ins/br/pt/sta/poa/ueb/mur.html

FIGURA 2. Muyeréusáwa Rúka, Mural. Arte: Denilson Baniwa. 

Nota. Fonte: Acervo MARGS. https://acervo.margs.rs.gov.br/wp-content/uploads/tainacan-items/131/214115/ATIV02037.pdf

FIGURA 3. Kwatá - tapuya, 2020 Infogravura, 84 x 120 cm. 

Nota. Fonte: Acervo do MARGS. https://acervo.margs.rs.gov.br/wp-content/uploads/tainacan-items/131/214115/ATIV02037.pdf

FIGURA 4. Sukuryu-tapuya, 2020 Infogravura, 84 x 120 cm. 

No mesmo sentido, no trabalho «Kwatá - tapuya» (Figura 3), as imagens de um homem e de um macaco se confundem. Ao fundo, as cores escuras estão pintadas de forma circular, criando um efeito de movimentação. Em contraste, está localizado, no centro, em destaque, a imagem de um ser humano de cor laranja, segurando uma fruta de cor amarela, provavelmente uma manga. Os pés e as mãos em tom branco bem como sua posição sugerem que ele esteja comendo o fruto. O Macaco é apresentado ao fundo se amalgamando com a figura humana, criando-se, com isso, um efeito visual que sugere a formação de um único ser híbrido, o que aponta novamente para a cosmovisão indígena em que seres humanos e nãohumanos compartilham de uma mesma essência ou um mesmo espírito.

A pintura sukuryu-tapuya (Figura 4) apresenta essa mesma ideia de que o mundo está povoado de humanos e não-humanos em constante interação, sendo os xamãs entidades que transitam entre esses seres. A cobra está em movimento e dentro dela se encontra a imagem com características indígenas de cor laranja. Ela é verde com pintas pretas e tem o fundo pintado com a cor branca. Nessa visão de mundo, não há distinção entre natureza e cultura; há uma multiplicidade de corpos em uma unida-de de alma, ou seja, a condição de humanidade é compartilhada. Como se percebe, o pensamento que permeia essas obras revela o multinaturalismo ameríndio, no qual homens e bichos se confundem e estão no mesmo grau de importância, sendo ambos constituídos de corpo e alma. Garnelo (2007), apoiado nos estudos do antropólogo Viveiro de Castro (1996), considera que, para os povos originários da região amazônica, a natureza é parte de uma sociedade cósmica na qual plantas, animais e humanos se interrelacionam.

Cobra Canoa e Cobra Tempo: mitos da criação do mundo

A cobra sucuri faz parte do imaginário amazônico associado ao sistema cultural cosmológico indígena referente à criação do mundo e da humanidade. Ela também é conhecida como Anaconda, e suas histórias mitológicas são compartilhadas por diversos povos amazônicos. Navarro (2021) estuda a iconografia desses mitos entre os povos amazônicos pré-coloniais com base no suporte cerâmico das culturas arqueológicas e mostra como esses mitos permaneceram também em regiões distintas da Calha Norte16. Segundo o arqueólogo, características fisiológicas como peso, pele pálida com desenhos, camuflagem, rapidez na água e outras, contribuíram para «a associação deste animal com um rígido sistema cultural de cosmologia, com destaque para os mitos da criação do mundo e da humanidade, uma vez que os mitos contam histórias sagradas» (Navarro, 2021, p. 26). O autor pesquisou alguns trabalhos que estudaram a presença do mito da cobra canoa ou cobra transformação em diversas etnias indígenas nas regiões amazônicas. Ele cita, por exemplo, o relato do mito dos Desana, segundo o qual a humanidade foi formada por seres sobrenaturais:

O Terceiro Trovão incumbiu-se de criar a humanidade, gerando primeiro um grande lago (o oceano) que foi alcançado por ele na forma de uma jiboia, sendo sua cabeça como a proa de uma lancha, metáfora da «Canoa da Futura Humanidade» ou «Canoa da Transformação», sendo que o chefe dos Desana veio como líder dessa embarcação, a chamada cobra-canoa (Navarro, 2021, p. 26).

Essa narrativa é contada com mais detalhes no livro «Antes o mundo não existia mitologias dos antigos Desana-Kehíripõrã» registrada por UmusiPãrõkumu (Firmiano Arantes Lana) e Tõrãmu Kehíri (Luiz Gomes Lana) (1995), ambos da etnia Desana, descendentes dos Kehíripõrã ou «Filhos (dos desenhos) dos sonhos». Segundo a mitologia Desana, o terceiro trovão ajudou a formar a futura humanidade, e para isso se levantou num grande «lago de leite». Assim é narrada pelos Desanas:

Depois ele subiu à superfície da terra para formar a humanidade. Levantou-se num grande lago chamado Diáahpikõdihtaru, isto é, «Lago de leite», que deve ser o Oceano. Enquanto ele vinha subindo, o terceiro trovão desceu neste grande lago na forma de uma jibóia gigantesca. A cabeça da cobra se parecia com a proa de uma lancha. Para eles, parecia um grande navio a vapor que se chama que se chama Pamurigahsiru, isto é, «Canoa da futura humanidade» ou «Canoa de transformação» (Pãrõkumu; Kehíri, 1995, p. 29).

A imagem da cobra é constante nos trabalhos do artista Baniwa. Ela está presente, por exemplo, nas obras «Cobra Canoa da transformação» (Figura 5) e «Cobra do Tempo» (Figura 6). Esse signo cosmogônico foi escolhido, por Denilson, para fazer parte da mostra «Dja Guata Porã», exposição realizada no museu Arte Rio, curada por Clarissa Diniz, José Ribamar Bessa, Pablo Lafuente e Sandra Benites. Krenak narra sobre a mitologia da cobra-canoa, do povo do Rio Negro, o seguinte:

Uma canoa cobra extraterrestre chegou à terra. Para os povos do Rio Negro, narradores desta memória sobre a origem da vida, a cobra canoa entrou pelas águas. Navegou por mares e rios, tripulada por gente peixe e liderada pelo Deus da terra. A cobra-canoa veio por algum lugar desconhecido para um lugar que nem existia. Foi uma longa viagem dentro dessa canoa que tinha a forma de uma cobra para navegar. A tripulação dessa gente peixe viveu séculos dentro dessa cobra canoa, como um mundo a parte. Um dia, eles despertaram para uma enorme parede de gelo e para ser atravessada necessitou do conhecimento mágico, um bastão mágico, de cantos mágicos. Foi a avó do mundo, Yebá Buró, quem ensinou essas coisas para o Deus da terra. O Deus da terra tocou com bastão a parede e ela se rompeu. Ele precisou usar todo o seu conhecimento, quando a parede de gelo rompeu surgiu o céu azul e os mares. A navegação continuou até se transformar no mundo em que habitamos. Atravessar a parede de gelo foi a transformação. Depois de muito tempo a bordo da cobra canoa, gente peixe foi desembarcando e transformando-se em povos e clãs que habitam a terra (Krenak, 2021)17.

Nota. Fonte: Centro de Artes da UFF. https://www.centrodeartes.uff.br/exposicao-brasil-a-margem/

FIGURA 5. Cobra Canoa da Transformação, Infogravura, 2017. 

Nota. Fonte: Prêmio PIPA. https://www.pipaprize.com/denilson-baniwa/serpente-do-tempo-2/

FIGURA 6. «Cobra do Tempo». 2017. 

Denilson explora a imagem da cobra associada com a ideia de criação do mundo. Tanto a infogravura «Cobra Canoa da transformação» (Figura 5) como a pintura «Cobra do Tempo» (Figura 6) estão relacionadas ao mito da criação. Segundo a mitologia do povo Tukano, a Sucuri -também chamada Cobra grande- percorre a imensidão do rio Amazonas para o seu povoamento (Navarro, 2021). Entre os Desana, segundo Navarro (2021), a sucuri faz parte da mitologia e representa criação e evolução para a humanidade mediada pelo xamanismo.

Na obra «Cobra canoa da transformação» (Figura 5), Denilson cria um efeito visual que faz com que a cobra lembre o formato de uma canoa, e os indígenas aparecem sentados dispostos no formato da cobra. A cena (Figura 5) está organizada em dois planos. No primeiro, há um desenho em formato de montanha, e acima da montanha é possível visualizar pon-tos que lembram uma noite estrelada. Na parte de baixo, o artista preenche a imagem com grafismo e pontos organizados na forma de um rio. No centro do rio se encontra uma cobra e, no seu interior, há homens indígenas enfileirados e sentados. Eles carregam instrumentos de caça, e a cena sugere que estão navegando, dentro da cobra, na direção de um destino desejado.

O grafismo presente na imagem (Figura 5) faz referência à importância dessa técnica de composição na arte indígena. No interior da cobra há o indígena que segura um bastão do xamã, aquele que prepara o Ayahuasca18 e, ainda, há a presença dos peixes, alimento principal dos indígenas. Baniwa explica da seguinte forma sua inspiração para a produção da «Cobra tempo»:

No mito da criação a cobra transporta todas as populações indígenas daqui do Rio de Janeiro até o Alto Rio Negro. E dentro dela têm essas populações indígenas e têm todos os elementos que representam a cultura indígena do Alto Rio Negro. Tem a pessoa que segura o bastão mágico do pajé ou xamã, tem a pessoa que prepara a Ayahuasca, que é o caapi para gente, tem os peixes que você pode comer e se alimentar durante todo o processo de formação de pajé (Baniwa, 2019).

Já o trabalho «A cobra do tempo» (Figura 6) é composto a partir de vários tipos de grafismos coloridos; cada grafismo tem um significado e pertence a um determinado povo. Denilson também traz, na composição da cobra, um mapa geográfico do Rio de Janeiro19. Abaixo do mapa, vem escrita a seguinte legenda: «O censo 2010 (IBGE) registrou presença indígena em 89 dos 92 municípios do Rio de Janeiro». A partir dessas informações visuais e verbais, o artista traz à tona a ideia de (re)existência dos povos originários, pois, apesar de todas as formas de violência sofrida por eles, a população indígena do Brasil se reconfigurou, continua existindo e se adaptando.

O mito do Pajé-Onça: aquele que cura o mundo

A cosmologia indígena é complexa e rica. A figura do Pajé é importante e tem um significado emblemático na manifestação religiosa indígena. Os discursos produzidos por viajantes do século XVI são registros que revelam a imagem religiosa e política dessa figura. No estudo de Vainfas (1995) sobre as santidades dos ameríndios, o autor retoma os relatos de observadores do século XVI e início do XVII (Manoel da Nóbrega, André Thévet, Hans Standen e Jean de Léry) a respeito dos rituais promovidos pelos tupi-guarani que ainda não estavam impregnados de quaisquer elementos cristãos.

Vainfas (1995), ao comparar as descrições, observa que a maioria dos relatos ocidentais apresenta uma visão demonizada desses rituais. O pesquisador também observou que os relatos apresentavam divergências uns em relação aos outros, ao mesmo tempo em que traziam descrições que mantinham uma certa constância, como a presença do Pajé como alguém que não apenas desempenhava a função de conselheiro e «curandeiro», mas também como aquele que teria a virtude de comunicar-se com os espíritos por meio dos maracás. A função do maracá é mais do que musical, sendo uma forma de conexão com o mundo espiritual, possuindo uma força mística. Na descrição de Nóbrega, a cabaça é descrita como objeto divino para os indígenas: «de maneira que crêem haver dentro da cabaça alguma coisa santa e divina, que lhes diz aquelas coisas, as quais crêem» (Nóbrega, 1886 apud Vainfas, 1995, p. 52). Também na sua descrição, a cabaça se aparentava com uma «figura humana», sendo que o seu poder produzia uma energia que se apossava do pregador.

Quanto aos Pajés, Vainfas (1995) destaca, na descrição de Nóbrega, que eram «homens dotados de singular capacidade de tratar com os espíritos e reconhecidos como portadores de mensagens divinas, razão pela qual transitavam livremente pelas aldeias, mesmo inimigas» (Nóbrega, 1886 apud Vainfas, 1995, p. 53). Já a descrição de Thévet, uma das mais demonizadoras do povo indígena, traz os seguintes termos: «os pajés ou caraíbas pessoas de má vida que se dedicam a servir ao ‘diabo’». Em outra formulação, usada como título de um capítulo de livro, Thévet descreve os Pajés da seguinte maneira: «Dos falsos profetas e magos desta terra, os quais se comunicam com os espíritos malignos...» (Thévet apud Vainfas, 1995, p. 55). Vainfas (1995) considerou esses quatro relatos como fundadores e pioneiros, pois os rituais descritos por eles, naquela época, ainda «não estavam impregnados de quaisquer elementos cristãos» (Vainfas, 1995, p. 51). Assim, também são relatos diversificados, pois são realizados por observadores diferentes: um jesuíta português, um francês católico capuchinho, um arcabuzeiro alemão e um francês huguenote. Isso, segundo ele, aumenta a confiabilidade das informações etnográficas.

Wright (1996) detalha, no capítulo «Os guardiões dos Cosmos: pajés e profetas entre os baniwa», os fundamentos do profetismo baniwa. Na introdução do capítulo, apresenta uma visão preliminar do conceito de cosmogonia para o povo baniwa:

O cosmos, com múltiplas camadas, é o mapa temporal/espacial, representando vários estados da alma e suas transformações através das quais o pajé deriva e constrói significados nas suas curas e outras atividades. Uma das heranças da cosmogonia é que o mundo em que os baniwa vivem é permanentemente manchado pelo mal, pela doença, e pelo infortúnio. Como uma pessoa doente, este mundo precisa constantemente de ser livrado do mal. Na sua aprendizagem, o pajé faz exatamente isso. Nesse sentido, são os guardiões do cosmos (Wright, 1996, p. 50).

FIGURA 7. Yawareté Payé soprando o Universo. Mural feito na reitoria da UFU Uberlândia, Minas Gerais. https://festivalacidadeprecisa.org/denilson-baniwa/  

Nota. Fonte: Pipa Prêmio Prize. https://www.pipaprize.com/denilson-baniwa/24-denilson-baniwa/

FIGURA 8. Pajé Yawareté, 2019, mural 2,80 x 12 m. 

Nas pinturas «Yawareté Payé soprando o Universo» (Figura 7) e ‘Pajé Yawareté» (Figura 8), a imagem do Pajé-Onça se destaca. As entidades em ambas as pinturas estão soprando os seres cósmicos. Para os Baniwa, como já afirmado anteriormente, o cosmo é feito de várias camadas, o que representa vários estados da alma. O mundo é permeado de doenças, sendo o Pajé responsável para curar esse caos, ou seja, ele é um guardião do cosmo (Wright, 1996, p. 50).

Segundo Wright (1996), há os Pajés (Maliri) e os donos-de-cantos (malikai-iminali). Apesar de se confundirem em alguns aspectos, eles se diferenciam «na maneira de formação, curas e qualidades do conhecimento que cada um domina» (Wright, 1996, p. 50). No caso dos Pajés apresentados nos dois trabalhos (Figura 7 e 8), eles se confundem com os donos-dos-cantos, pois «sopram» ou «rezam» com tabaco, ervas medicinais. No entanto, também observamos a sugestão do sopro do pó sagrado Pariká e do maracá, que são produtos de uso exclusivo dos Pajés. Já o tabaco e a cuia d’água são instrumentos principais dos donos-dos-cantos: «os pajés curam, aconselham, e orientam o povo, desempenhando, assim, um dos serviços mais vitais para a saúde e bem-estar contínuo da comunidade (Wright, 1996, p. 51).

A apresentação do Pajé em forma de onça se refere à crença, segundo a mitologia do povo baniwa, de que, quando o Pajé adquire alto nível de conhecimento, ele se transforma no felino: «os mais poderosos dos pajés, chamados «mestres do povo jaguar»20 (dzauinai thain) ou às vezes «jaguares de pariká», dizem «saber de tudo» que podem saber sobre o cosmos e têm capacidades verdadeiramente proféticas» (Wright, 1996, p. 52). O autor usa o termo «jaguar» pois estuda a mitologia dos Baniwa do Noroeste da Amazônia. Assim, neste artigo, «onça» e «jaguar» são sinônimas e se complementam.

Em ambos os trabalhos (Figura 7 e 8), os Pajés estão sentados sobre o tronco de uma árvore com um objeto de sopro que propaga imagens dos seres mitológicos. Os Pajés apresentam traços de onça, com cor amarela e pintas pretas pelo corpo; no entanto, seus corpos não são de onça, pois possuem formas humanas. Eles podem chegar ao nível mais alto do cosmos a fim de obter remédios espirituais (Wright, 1996, p. 52). No excerto abaixo, Denilson explica a presença do Pajé-onça em seu trabalho:

Eu escolhi o pajé-onça, que é dessa história Baniwa de um pajé muito poderoso que dedicou a vida a entender o mundo. Já tinha essa série que eu faço do pajé-onça, que às vezes está em pé, às vezes ele está em formato de onça, às vezes ele está metade onça metade gente (Baniwa, 2023, p. 15).

Segundo Muniz e Alzugaray (2021), o mundo cósmico de Baniwa é formado de seres que existiam antes de o humano existir, de outros mundos existentes além do mundo físico. Esses seres invisíveis que protegem o mundo. Kopenawa (2015) chama esses seres de xapiri, e a onça é um dos seres que deixaram esse mundo para que o homem vivesse aqui, e ela pode ser acessada por meio dos Pajés, tradutores desses dois universos» (Muniz e Alzugaray, 2021).

Para Baniwa (2023), o Pajé-Onça tem o poder de acessar esses seres invisíveis. Ele seria o tradutor desse mundo, sendo autorizado a contar as narrativas mitológicas: «A onça é um desses seres que deixaram esse mundo para que o homem vivesse aqui, mas ela pode ser acessada por meio dos Pajés, tradutores desses dois universos» (Baniwa, 2023, p. 16).

Já no trabalho «Ñapirikoli» (Figura 9), a imagem do Pajé se destaca, mas apenas com formas humanas. Ele senta numa espécie de cadeira de madeira e segura um instrumento de sopro de fumaça do tabaco. A partir desse material, ele conta uma narrativa dos seres cosmológicos do povo indígena Baniwa. Há nesses desenhos combinações de pássaros, onças, cobra, petróglifos e grafismos variados. Nesse jogo de seres visíveis e invisíveis, os poderes do Pajé ajudam a construir as narrativas ancestrais dos povos indígenas. Nessa figura, a imagem do sopro é importante. O título Ñapirikoli, que quer dizer «senhor do cosmos», antecipa a mensagem visual construída na pintura, conforme o comentário de Baniwa sobre essa tela:

Esse momento dessa tela é o momento de criação dos clãs, de quando com a fumaça do Ñapirikoli vai criando os clãs e toda a vida naquele universo que é o que a gente vive lá. Então tem o clã da Sucuriju, da Onça, do Inambu, do Papagaio, do Sapo. Essas figuras centrais são o Umbigo do Mundo, que não é um mito Tukano, é Baniwa. E tem um pouco falando sobre o adabi, que é a cerimônia de iniciação do kariamã (Baniwa, 2023, p. 13).

Nesse sentido, o Pajé de Baniwa apresenta algumas aproximações com os Pajés descritos nos estudos de Vainfas (1995), como o uso dos maracás, o uso do sopro de substâncias com poderes espirituais. As imagens dos Pajés na obra de Baniwa se destacam pelo uso de instrumentos ancestrais, os quais simbolizam a perpetuação das tradições milenares dos indígenas. Baniwa revigora e renova a imagem do Pajé no sentido de reatualizar seu significado, ou seja, o artista reconstrói a imagem do Pajé na busca de desconstruir as imagens negativas e/ou demonizadas das cosmologias indígenas que foram produzidas, ao longo da história, pelo homem branco ocidental.

Reflexões finais

O movimento dos artistas indígenas na contemporaneidade está provocando reflexões e fraturas no campo das Artes ocidentais. Eles estão conquistando o direito de voz e de se autorrepresentar. Assim também, o movimento reconstrói os sentidos da arte indígena, a qual havia sido classificada na categoria do artesanato pela cultura ocidental. Desse modo, Denilson Baniwa demonstra que os trabalhos dos artistas indígenas acompanham o seu tempo e suas transformações, sendo atuais, vivos e contemporâneos.

Em sua obra, Denilson Baniwa produz um discurso imagético capaz de (re)ssignificar várias representações estereotipadas que os ocidentais produziram, ao longo do tempo, sobre as manifestações religiosas dos povos indígenas. Por meio da arte, Baniwa mostra a sabedoria e o conhecimento indígena presentes nas cosmogonias e narrativas de seu povo. Seus trabalhos expõem a forma ou a perspectiva como os indígenas do Norte do Brasil enxergam o mundo, ao mesmo tempo em que procura desconstruir a forma estereotipada como a cultura ocidental retratou os povos originários.

Diante disso, podemos concluir que os trabalhos analisados aqui revelam, para sujeitos não-indígenas, um pouco do pensamento cosmológico por meio da arte. Denilson Baniwa é capaz de nos ensinar um pouco sobre a cosmogonia indígena, na qual convivem seres visíveis e invisíveis e não existe um superior e outro inferior, estando todos na mesma condição de importância, pois são partes fundamentais para a constituição da vida. Baniwa também destaca a resistência dos povos indígenas, pois, apesar de toda a violência histórica sofrida ao longo dos anos, suas culturas persistem e continuam tão fortes ao ponto de serem capazes «de ajudar a não deixar o céu cair» (Kopenawa, 2015).

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3As santidades ameríndias, assim denominadas pelos portugueses, foram movimentos religiosos que aconteceram entre a metade do século XVI até as primeiras décadas do século XVII. A mais conhecida foi de Jaguaripe —região localizada no sul do recôncavo da Bahia— que estima-se ter ocorrido entre 1580 e 1585, e o movimento foi liderado pelo índio Antonio. Este movimento atraiu indígenas, mamelucos e negros escravizados, e nele se misturava o catolicismo e as crenças tupis. Ver o estudo de Ronaldo Vainfas (1995).

4O Instituto PIPA foi criado em 2010. É um espaço de discussão e conceitos sobre a Arte Contemporânea no Brasil e de seu desenvolvimento. O Prêmio PIPA é uma iniciativa do Instituto para promover a premiação de artistas e a divulgação dos seus trabalhos. https://www.premiopipa.com/.

5Denilson Baniwa expõe e organiza seus trabalhos numa plataforma digital chamada Behance. https://www.behance.net/denilsonbaniwa.

7Segundo Basilio dos Santos (2015), a arte ativista é uma arte política e socialmente engajada. O surgimento desse movimento está ligado aos grupos oposicionistas relacionados à religião, raça, sexo, gênero e aos modos de consumo da globalização capitalista.

8A Yandê é a primeira web rádio indígena do Brasil. No ar desde 2013, a rádio tem colaboradores indígenas e correspondentes de todo o Brasil e conta com programação 24 horas, 7 dias por semana. Yandê significa «nós», em Tupi. A rádio pode ser acessada em: https://radioyande.com/

9Dja Guata Porã. Mostra de arte no Museu de Arte do Rio que ocorreu entre o dia 16 de maio de 2017 a 25 de março de 2018. https://museudeartedorio.org.br/programacao/djaguata-pora-rio-de-janeiro-indigena/

10 Baniwa, 2018, «Pajé-Onça hackeando a 33ª Bienal de São Paulo»: https://www.youtube. com/watch?v=MGFU7aG8kgI

11O instituto Goethe é um espaço de intercâmbio entre o Brasil e a Europa. Nesse lugar há uma programação de eventos culturais. Dentre elas, o projeto de intervenção do muro da instituição, em que vários artistas já se apresentaram. https://www.goethe.de/ins/br/pt/sta/poa/ueb/mur.html.

12Folder da programação da exposição. «Denilson Baniwa — INÍPO: Caminho de transformação». 27/11/2021 a 9/1/2022. https://acervo.margs.rs.gov.br/atividades-domargs/denilson-baniwa-inipo-caminho-de-transformacao/.

13Percurso da exposição «Denilson Baniwa Inipo Caminho de transformação». 2021. https://www.youtube.com/watch?v=xO5vht3fAwQ

14A maloca ou maioca tem formato ortogonal nas aldeias. Elas podem ter aproximadamente 400 moradores e pode ser dividida internamente em espaços menores para a morada de uma família. Na arquitetura Xingu, por exemplo, as construções são antropomórficas, e associam a moradia à proteção xamânica, de cunho espiritual. https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/arquitetura-indigena-conheca-as-habitacoes-dos-povosoriginarios.

15Povos Indígenas no Brasil. Yanomami. Fonte: Instituto Socioambiental. https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Yanomami.

16O Programa Calha Norte (PCN) abrange dez estados: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Matogrosso, Matogrosso dos Sul, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Criado em 1985 e integrado ao Ministério da Defesa desde 1999, o Programa Calha Norte (PCN) tem a missão de contribuir para a manutenção da soberania nacional, a integridade territorial e a promoção do desenvolvimento ordenado e sustentável na sua área de atuação. https://www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/programas-sociais/copy_of_programa-calha-norte.

17A narrativa da mitologia da Cobra-Canoa foi apresentada no filme de quinze minutos. Ailton Krenak narra a história. https://www.youtube.com/watch?v=Cfroy5JTcy4.

18Ayahuasca é o nome dado ao chá vindo da floresta amazônica pela nação indígena quéchua (outrora, usada apenas pelos sacerdotes e realeza, os Incas, do império quéchua) do Peru. É também conhecida pelos índios Tupis do Brasil como yage e pelos caboclos e seringueiros do norte de nosso país com o nome de hoasca (Sangirard, 1989; Mckenna et al., 1998). Em quéchua, o prefixo aya seria alma ou espírito, e o sufixo huasca, liana ou cipó. Portanto, ayahuasca pode ser traduzida literalmente como sendo a «liana ou vinho dos mortos ou dos espíritos», a «liana dos sonhos» (Souza, 2011, p. 351). https://www.scielo.br/j/rbpm/a/fYWz4bpS899yLHkzrtr5zKv/?lang=pt.

19Segundo o Censo de 2010 (IBGE), no estado do Rio de Janeiro soma-se 15.894 indígenas, e na capital 6.764. Nos maiores municípios da Região Metropolitana, a população indígena soma 11.961 pessoas, ou 75,25% do total da população indígena do estado (a capital detém 44,6% do total do estado). https://opierj.org/quem-somos/.

20A onça-pintada, também conhecida por jaguar, pantera-onça, jaguarapinima, jaguaretê ou canguçu, é o maior felino das Américas. «São muitas as formas transmutadas que a onça assume ao se relacionar. Existem os gente-onça dos povos Tariano do Alto Rio Negro, o demônio-onça dos Jabuti de Rondônia, o Pajé-onça dos Baniwa, a onça-jabuti dos Macuxi». (Alzugaray, 2021). https://select.art.br/a-constelacao-da-onca/

Fuente de financiamiento: Capess/Prosup.

Citar como: Braga Alves, J. y Kirchof, E. R. (2024). «Para não deixar o céu cair»: O que ensina a arte de Denilson Baniwa sobre as cosmogonias indígenas brasileiras? Desde el Sur, 16(1), e0002.

1Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Luterana do Brasil. Mestre em Letras pela Universidade Federal de Roraima (2012). É bolsista Prosup/ Capes. Correo: jubra40xx@gmail.com.

2Doutor em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2001), tendo realizado um Pós-Doutorado em Estética e Biossemiótica na Universidade de Kassel, Alemanha (2005). É bolsista produtividade pelo CNPq e editor da Revista Textura. Atualmente é professor adjunto da Universidade Luterana do Brasil, atuando como docente e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) e como docente no Curso de Letras. Seus principais temas de pesquisa são as relações entre a Literatura, a Cultura Digital e a questão das Diferenças, com foco na Literatura infanto-juvenil. Atua nas seguintes áreas: Teoria da Literatura, Semiótica, Estudos Culturais e Educação. Correo: edgar.kirchof@ulbra.br.

Received: September 15, 2023; Accepted: October 24, 2023

Contribución de autoría:

Jucimara Braga Alves participó en la conceptualización, el análisis de datos, así como en la redacción del borrador original, y en la redacción, revisión y edición del texto final. Edgar Roberto Kirchof participó en la redacción del borrador original, y en la redacción, revisión y edición del texto final.

Potenciales conflictos de interés:

Ninguno.

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