No cenário brasileiro se observa este novo paradigma demográfico: a população brasileira está envelhecendo. Esta afirmação tem sido evidenciada no Brasil desde a década de 1980, quando se apontou que o processo de envelhecimento, antes vivenciado por países desenvolvidos, estava acontecendo no país (Camarano, 2014). O envelhecimento deve ser estudado de forma ampliada, levando-se em consideração os aspectos biopsicossociais envolvidos neste processo, tendo em vista as implicações que são trazidas tanto para o âmbito micro como para o macrossocial, pois ele altera a vida dos indivíduos e as demandas dentro da sociedade (Simões, 2016).
É observado junto ao processo de transição demográfica, o estabelecimento de um outro processo definido como feminização da velhice, no qual percebe-se que o número de mulheres idosas é maior que o de homens, havendo, portanto, um predomínio de mulheres idosas na população, tendo em vista que estas tendem a viver em média sete anos a mais que homens (Salgado, 2002).
O fato de as mulheres viverem mais que os homens não necessariamente implica que estas irão ter boa qualidade de vida, tendo em vista que as mulheres vivem em um cenário de desigualdade sócio econômica quando comparado aos homens, em decorrência da geração atual de idosas não ter possuído trabalho remunerado, ou quando possuíam recebiam salários inferiores, por ser atribuído a elas o papel de cuidadoras, por vivenciarem em grande escala a viuvez decorrente desta maior longevidade feminina, dentre outros tantos fatores sociais, econômicos e culturais (Belo, 2013; Mesquita, 2017).
Entre as demandas que surgem na velhice feminina, encontram-se as psicopatologias, sendo a depressão uma das mais prevalentes nessa população. A depressão é caracterizada como um transtorno do humor, de natureza multifatorial e multideterminada, que quando acomete idosos se manifesta com particularidades, dentre estas, a questão de seus sintomas serem, por vezes, entendidos como algo normal do envelhecimento (Ferreira, & Tavares, 2013; Marques, 2017). Segundo Frank e Rodrigues (2016) os fatores de risco da depressão em idosos são ser do gênero feminino, o estado civil solteira, ter alguma doença psiquiátrica ou outras doenças, fazer uso de muitos medicamentos, ter baixa escolaridade, pertencer a uma classe econômica baixa, ser viúva, ser institucionalizada e ter baixo apoio social.
Um fator de risco de destaque para a depressão em idosas é a solidão, que quando combinada com outros fatores de nível físico/biológico e mental pode aumentar o risco do surgimento de sintomas depressivos (Singh & Misra, 2009). Três quartos dos idosos com depressão tendem a apresentar solidão associada (Grover et al, 2018). Pensando nesse ponto, um estudo coreano buscou avaliar a frequência com que idosos compartilhavam momentos junto com a família - especificamente o horário das refeições - com o uso de uma amostra nacional representativa, e encontrou resultados que apontam que a manutenção do vinculo familiar é importante para uma melhor saúde mental, o que validou a hipótese da pesquisa de que a frequência de refeições familiares junto com idosos está inversamente associada à depressão, associação esta que se mostrou consistente após o controle de variáveis relacionadas a fatores sociodemográficos e comorbidades (Kang et al, 2018).
Desta forma, abordar o estudo do envelhecimento e da depressão a partir do arcabouço teórico das representações sociais (RS) é relevante e justificado no sentido de que os significados socialmente atribuídos a esses fenômenos idiossincráticos estão presentes e tomam forma na organização e interação social (Soares et al., 2014). As Representações Sociais possibilitam a compreensão de uma forma inerente de conhecimento do mundo, no qual os grupos constroem e partilham um rol de conhecimentos, conceitos e explicações sobre determinado tema, ao longo das conversações interpessoais que estabelecem no dia a dia (Brito et al., 2018).
Ainda, as Representações Sociais podem ser estudadas a partir de uma abordagem processual, ou seja, se embasadas em pressupostos qualitativos e priorizando as interações culturais e sociais, ou a partir de uma abordagem estrutural, a qual emprega metodologias que identifiquem a estrutura e o núcleo das Representações Sociais, para a qual utiliza geralmente técnicas quantitativas (González et al., 2018).
Para abordagem estrutural a Representação Social é formada por um núcleo rígido - matriz e abstrata - e um sistema periférico - parte concreta e operacional no qual ambos os elementos (centrais e periféricos) estão em uma dinâmica em que significados, crenças e significações são estabilizadas ou destituídas, sendo produto de determinismos sócio-históricos e simbólicos próprios àqueles que estão inseridos em um grupo social (Ribeiro & Antunes-Rocha, 2016). Sob essa perspectiva, o presente estudo tem como objetivo comparar as estruturas representacionais do envelhecimento e da depressão entre idosas participantes de grupos de convivência e idosas que não participam de grupos.
Este estudo é apoiado pela Teoria das Representações Sociais, a partir da abordagem estrutural. A referida abordagem parte do princípio de que as Representações Sociais não surgem apenas do processo cognitivo ou de subjetivação objetal, mas sim como algo estruturado e que perpassa as dimensões psicossociais (Abric, 2002). De acordo com Abric (1998), no núcleo central encontra-se uma representação social, pois dentro dele encontra-se as funções de gerar, organizar e estabilizar as Representações Sociais, sendo sua característica mais resistente às mudanças, oposto do sistema periférico, onde também se encontram representações, porém caracteriza-se por ser mais facilmente modificado.
Método
Trata-se de um estudo comparativo, com utilização de técnicas metodológicas de cunho qualitativo, com corte transversal e amostra não-probabilística e por conveniência.
Participantes
A pesquisa contou com a participação de 64 mulheres idosas, divididas em dois grupos comparativos. O primeiro grupo (Grupo 1) foi composto por 32 mulheres participantes de Grupos de Convivência para Idosos (identificado neste artigo com a sigla GCI), enquanto o segundo grupo (Grupo 2) foi composto por 32 mulheres que não participam de grupos de convivência. A média de idade das participantes do Grupo 1 foi de 68,6 anos (DP=7,2) e a média de idade do segundo grupo foi de 68,5 (DP=8).
Instrumentos
Utilizou-se de um questionário sociodemográfico com o objetivo de caracterizar o perfil da amostra, o qual apresentou perguntas referentes a estado civil, religião, renda, presença de doenças crônicas, uso de medicamentos, e a autodeclaração se já teve depressão ou conhecia alguém que tivesse. Com o propósito de apreender as representações sociais das idosas utilizou-se a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP). Essa técnica consiste na evocação de palavras ou orações a partir de uma palavra-estímulo (objeto de representação em investigação), que pode ser uma palavra ou uma locução, e que permite acessar dimensões latentes as quais estruturam o universo semântico do objeto da representação (Dany, Urdapilleta, & Lo Monaco, 2015).
A TALP é uma técnica projetiva que possibilita que os inqueridos se expressem de forma livre, permitindo acessar os conteúdos formadores das Representações Sociais, e a atualização de elementos implícitos que poderiam ser velados com a utilização de outras técnicas de apreensão das Representações Sociais (Valença, Santos, Lima, Santana, & Reis, 2017). Sob esse aspecto, a TALP consistiu na apresentação de duas palavras estímulo, “envelhecimento” e “depressão”. É importante destacar que o preenchimento dos instrumentos levou cerca de 20 minutos no total.
Procedimento
Inicialmente, a presente pesquisa foi protocolada no Comitê de Ética em Pesquisa da XXXXX, e aprovada através do parecer de nº 2.689.683, portanto, todos os critérios éticos para pesquisas realizadas com seres humanos foram obedecidos, conforme o ditado nas Resoluções 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
Antes das aplicações dos instrumentos foram apresentados os objetivos e o TCLE aos idosos, destacando o caráter sigiloso e o anonimato em relação aos dados fornecidos, bem como foram esclarecidos os riscos e benefícios da pesquisa, ficando a encargo do participante aceitar participar ou não, estando ciente de que depois de consentir poderia desistir a qualquer momento sem prejuízo.
No processo de aplicação dos instrumentos apresentou-se a seguinte ordem: inicialmente aplicou-se o questionário sociodemográfico, com o propósito de caracterizar o perfil da amostra e em seguida a aplicação da TALP. Apresentou-se cada palavra indutora da TALP, sendo solicitado cinco evocações para cada palavra-estímulo.
Análise dos Dados
Os dados procedentes dos questionários sociodemográficos foram submetidos a estatísticas descritivas com auxílio do software IBM SPSS 25, com o propósito de traçar o perfil da amostra. Já os dados provenientes da TALP foram tabulados em uma planilha do software Apache Open Office. Na sequência, as evocações foram reunidas de acordo com critérios semânticos, ou seja, agruparam-se as palavras com proximidade semântica por meio do processo de sinonímia. Em seguida importou-se o banco de dados pelo programa IRaMuTeQ versão 0.7 alpha 2, o qual realiza análises lexicais por meio de cálculos estatísticos ancorado no software R (Justo & Camargo, 2014).
Para tanto, utilizou-se o método de análise prototípica para tratamento dos dados obtidos pela TALP. Vale ressaltar que foram utilizados os parâmetros padrão do IRaMuTeQ para as análises, conforme recomendado pelos manuais (Camargo & Justo, 2013). A análise prototípica, também conhecida como análise das evocações ou técnica do quadro das quatro casas é uma das técnicas mais utilizadas para exploração da estrutura das Representações Sociais (Wachelke, Matos, & Wolter, 2016). Para identificar o que é ativado quando o indivíduo pensa no objeto, a análise prototípica investiga a relação entre o objeto e a Representação Social a partir de dois critérios em relação às evocações: o primeiro é a frequência de cada evocação, ao passo em que o segundo é a ordem média de evocação, ou seja, posição média em que a evocação se expressa dentre os termos evocados por cada participante.
Nesse sentido, a análise prototípica permite a elaboração de gráficos a partir das frequências das palavras evocadas e suas ordens médias de evocações (Natividade & Camargo, 2012), em que duas retas com seus pontos de corte cruzam o plano segmentando-o em quatro zonas (Camargo & Justo, 2013), tendo como resultado uma estrutura gráfica de quatro quadrantes. Nessa estrutura o primeiro quadrante é o núcleo central (NC), o segundo a primeira periferia, o terceiro conhecido como zona de contraste e o último denominado por segunda periferia.
A zona do núcleo central é formada por palavras com elevada frequência e baixa ordem média de evocação (OME), ou seja, são evocações fornecidas por grande parte dos participantes e que são evocadas prontamente. Por outro lado, a primeira periferia expressa as respostas com alta frequência e elevada OME, em outras palavras, são termos de evocação tardia e muito recorrentes, os quais complementam o NC (Wachelke & Wolter, 2011).
Na zona de contraste as palavras são prontamente evocadas, contudo sua frequência é baixa, o que a coloca como uma zona que pode complementar a primeira periferia ou sugerir a existência de um subgrupo, o que pode representar um outro NC para uma parcela dos participantes. Na segunda periferia, último quadrante, encontram-se os elementos menos frequentes e evocados por último (Dany et al., 2015), o que sugere aspectos menos relevantes para a estrutura representacional, tendo em vista que representam aspectos mais singulares dos participantes e não necessariamente a Representação Social do grupo.
Resultados
O grupo de idosas é caracterizado de forma geral por mulheres com características semelhantes no que se refere a idade, religião, estado civil e renda familiar média, diferenciando-se no que tange à participação ou não participação em grupos de convivência social para idosos.
As idosas participantes da pesquisa foram divididas de forma pareada em dois grupos, um grupo constituído por participantes de GCI (grupo 1) e outro formado por não-participantes de grupos (grupo 2), distribuídas equitativamente. O grupo 1 foi constituído por idosas entre 60 e 85 anos de idade e média de idade de 68,6 anos (DP=7.2), casadas (50%), em sua maioria católicas (87.5%), com renda média familiar de um salário-mínimo (62.5%). Já o grupo 2 foi formado por idosas de 60 a 84 anos idade, com média de idade de 68,5 (DP=8), casadas (46.9%), em grande parte católicas (78.1%), e com renda de um salário-mínimo (75%).
Em relação às Representações Sociais do envelhecimento, as seis palavras que provavelmente se referem a elementos pertencentes ao NC da representação social sobre envelhecimento para o grupo 1 são “felicidade”, “saúde”, “Deus”, “solidão”, “vida”, e “alegria”, ambas com altas frequências (superiores a 3.07) e OME abaixo de 2.8 (ver Tabela 1). Nesse sentido, para essas idosas o envelhecimento é objetivado em felicidade e alegria, provavelmente por poderem desfrutar de um envelhecimento com saúde. Além do mais, as idosas ancoram suas Representações Sociais em Deus, o qual é responsável pela vida destas, ou seja, presume-se que estas idosas atribuem o envelhecimento como uma dádiva por terem chegado à velhice.
Na primeira periferia apenas um elemento foi classificado, o elemento periférico “doença”. Esse elemento assume uma posição oposta em relação ao elemento central “saúde”, o que sugere que para uma parcela das idosas, a falta de saúde, isto é, a presença de doenças é mais nítida durante o envelhecimento.
No quadrante seguinte (zona de contraste) observa-se a relação entre os seus elementos com alguns elementos centrais e da primeira periferia. Nesse sentido, o termo “amizade” contrasta com o vocábulo “solidão”, o que se presume que com o envelhecimento as amizades diminuem e a solidão é mais visível. Do mesmo modo, o elemento contrastante “dependente” aparenta ter uma relação com o termo da primeira periferia “doença”, o que sugere que durante o envelhecimento e a maior presença de doenças há uma tendência a se tornar dependente de cuidados.
Não obstante, “fé” aparenta complementar o elemento central “Deus”. E de modo semelhante o termo “amor” pode estar relacionado com os elementos “felicidade” e “alegria”, o que denota uma ancoragem na dimensão psicoemocional do envelhecimento por essas idosas. Vale destacar que a expressão “eu mesma” pode apresentar uma relação com a maioria dos elementos dos quadrantes anteriores, o que denota um processo de identificação das participantes a partir da ancoragem em diversas características que representam o envelhecimento para estas. Já no último quadrante, segunda periferia, constatam-se elementos bastante diversos, o que sugere representações individuais das participantes do grupo 1.
Para as idosas do grupo 2 se evidenciam elementos centrais tanto positivos quanto negativos, o que reitera o caráter heterogêneo das Representações Sociais do envelhecimento. Nesse aspecto, elementos como “bom”, “tristeza”, “experiência” e “morte” se sobressaem na estrutura do NC da representação (ver Tabela 2). Dessa maneira, as idosas objetivam na dimensão atitudinal da Representação Social do envelhecimento a partir do termo “bom”, o qual presume-se que se ancora na “experiência” angariada. De encontro ao que foi exposto, as idosas do grupo 2 objetivam o envelhecimento como “tristeza”, qual pode estar ancorado na Representação Social da “morte”, ou seja, por essas idosas pensarem que ao envelhecer estas se aproximam da finitude o envelhecimento representa um sentimento de tristeza.
No segundo quadrante, destaca-se o sistema periférico, o qual dá sustentação ao NC e complementa novos conteúdos. No que se refere ao conteúdo representacional da primeira periferia nota-se uma proximidade entre seus elementos e as evocações do NC, por exemplo, o termo “cuidado” (periférico) com o termo “bom” (central), ou, ainda, o elemento da primeira periferia “doença” e sua relação com o elemento central “tristeza”. Também a evocação “preocupação” (primeira periferia) e “morte” (zona central). E, por fim, a ligação entre “velho” e “experiência”.
Desse modo, para as idosas do grupo 2 ao se pensar na experiência, mais visível durante amadurecimento, se tem como figura objetivada o velho, ou idoso, produto final do envelhecimento. Ainda, para essas participantes o envelhecimento ancora-se na doença, a qual é objetivada por sentimento de tristeza. Além do mais, essas doenças podem levar a morte, o que é fonte de preocupação por essas idosas, portanto, é fundamental adotar bons cuidados.
No que tange o terceiro quadrante, em que expressa os elementos periféricos contrastados, ou seja, com baixa frequência, porém prontamente evocados, nota-se que os seus elementos se aproximam tanto dos elementos centrais quanto dos elementos da primeira periferia. O termo “sabedoria” pode ter uma relação com os elementos “experiência” (zona central) e “velho” (primeira periferia) tendo em vista que com o processo de envelhecimento e a experiência acumulada ao longo do curso de vida, ao tornar-se idosa espera-se uma maior sabedoria.
Ainda, o termo “velho” pode ter uma relação com os elementos contrastantes “idade” e “desrespeito”, o que se presume que com o chegar da idade e tornar-se idosa há um maior desrespeito. Também se deduz que há uma proximidade entre a palavra “trabalho” (zona de contraste) e os vocábulos “velho” e “preocupação” (primeira periferia), o que denota o sentido de que ao envelhecer e ficarem mais velhas há uma preocupação por parte destas idosas de dar trabalho para os cuidadores.
Não obstante, se pressupõe que há uma relação entre “doença” e “dores”, as quais muitas vezes acabam por se confundir durante o envelhecimento e que necessitam de cuidados. Além do mais, se pode pensar no contraste entre a evocação “horrível” e o elemento central “morte”, o que denota que para as idosas do grupo 2, ao se representar o envelhecimento e ancorar na finitude objetiva-se no medo, em outros termos, para essas idosas a ideia da morte próxima é horripilante.
O último quadrante, com elementos que formam a segunda periferia, desvela a possibilidade das transformações nas Representações Sociais atribuídas ao envelhecimento, já que estes permitiram variações pessoais e heterogêneas, sem relação direta com o NC. No presente quadrante observa-se um destaque para dimensões biológicas, como o “cansaço” e “saúde”; psicológicas, como a “aceitação” do envelhecimento, “solidão” e “vaidade”; afetivas, tais como “alegria” e “felicidade”; e sociais, objetivadas pelo lazer.
De forma geral, ao se comparar a estrutura representacional do envelhecimento entre os dois grupos de idosas contata-se que estes compartilham alguns elementos entre as distintas zonas, bem como apresentam uma relação de aproximação e por vezes de oposição, como é o caso dos elementos centrais “felicidade” e “vida” (grupo 1) com “tristeza” e “morte” (grupo 2). Assim, se deduz que a Representação Social do envelhecimento para as idosas participantes de GCI assume um contorno mais positivo em relação às idosas que não participam de grupos (grupo 2).
É interessante notar que os dois grupos compartilharam a evocação “doença” no mesmo quadrante (primeira periferia), o que sugere que há uma representação implícita do envelhecimento enquanto enfermidade. Ainda, novamente se evidencia uma relação de oposição entre as evocações dos dois grupos, dessa vez o confronto se dá na zona de contraste, a partir dos antônimos “respeito” (grupo 1) e “desrespeito” (grupo 2). Destarte, as idosas de grupos de convivência por terem uma maior compreensão dos seus direitos provavelmente associam o envelhecimento ao respeito enquanto cidadãs, ao contrário do outro grupo de idosas.
Em suma, nota-se que apesar de ambos os grupos apresentarem Representações Sociais do envelhecimento bastante heterogêneas nota-se que o grupo 2 destaca principalmente os aspectos negativos de se envelhecer, ressaltando a dimensão biológica (doenças, dores, morte), enquanto o grupo 1 apresenta uma Representação Social mais positiva do envelhecimento, evidenciando principalmente seus aspectos psicoemocionais, o que vai de encontro ao pensamento do universo consensual que representa o envelhecimento e a velhice como uma fase da vida depressiva.
No que se refere às Representações Sociais da depressão, no primeiro quadrante (zona central), as principais palavras evocadas foram “ruim” (ƒ = 15, OME = 2.4), “tristeza” (ƒ = 12, OME = 2.3) e “medo” (ƒ = 5, OME = 2.4). Nota-se uma maior proximidade, tanto em frequência absoluta, quanto em hierarquização (baixa OME), entre os vocábulos “ruim” e “tristeza” (ver Tabela 3), o que evidencia que para as idosas do grupo a parte concreta da Representação Social da depressão é objetivada no traço mais marcante da depressão, que é a alteração do humor, bem como estas objetivam na dimensão atitudinal da Representação Social da depressão, atribuindo valoração negativa a esta, representando a depressão como algo ruim, e temido (medo).
Na primeira zona periférica, a palavra “morte” é a mais frequente, embora em menor hierarquização (alta OME), o que denota que esta foi bastante recorrente nas evocações das idosas do grupo, contudo a palavra “morte” assume uma posição de menor relevância para as participantes no que se refere a estrutura da Representação Social da depressão. Entretanto, apesar de não se encontrar no primeiro quadrante, este termo merece destaque, haja vista que mantém relação estreita com os elementos centrais, já que ao pensar na morte desperta reações emocionais nas idosas, como o medo e a tristeza.
Nesse sentido, se reafirma a depressão como algo “ruim” (elemento central), porque esta pode levar à morte (por suicídio, na maioria das vezes). As idosas do grupo 1, por participarem de GCI, os quais contam com um quadro de profissionais como psicólogos e assistentes sociais, provavelmente possuem um maior contato com campanhas frente o suicídio (Setembro Amarelo, por exemplo) e as implicações da depressão, o que pode explicar essa associação entre a depressão e a morte.
Os elementos da zona de contraste apresentam Representações Sociais próximas da zona central, como se pode notar através dos termos “assustada” e “angústia”, os quais podem ter relação com os vocábulos “medo” e “tristeza”, respectivamente, o que reforça que para as idosas do grupo 1 a depressão é temida pelas participantes por eliciar sentimentos indesejáveis.
Oura palavra evocada foi “suicídio”, a qual provavelmente está relacionada com o elemento periférico “morte” (primeira periferia), o que reitera que a morte é um elemento implícito das Representações Sociais da depressão para essas longevas. Já os elementos contrastantes “doença” (ƒ = 4, OME = 1.2) e “problema” (ƒ = 3, OME = 1.3) se aproximam quanto à ordem de evocação, sendo as primeiras palavras evocadas diante da palavra-estímulo, e compartilham sentidos próximos, isto é, para as respondentes a depressão é representada como doença ou problema (de saúde).
De forma semelhante, os vocábulos “pessimismo” e “cabeça” aparentam se relacionarem, isto é, de acordo com as mulheres com mais de 60 anos do grupo 1 a depressão é caracterizada por alterações do pensamento, de modo que aqueles sujeitos que apresentam tal enfermidade apresentam principalmente pensamentos negativos. Sob esse aspecto, constata-se representações distintas das encontradas no NC, o que se presume a existência de um subgrupo dentre as inqueridas que objetiva a Representação Social da depressão enquanto doença psíquica que é marcada por alterações cognitivas, o que pode sugerir a existência de um outro NC.
No último quadrante, em que apresenta elementos que constituem a segunda periferia, se demonstra a possibilidade das transformações nas Representações Sociais atribuídas a depressão, dado que estes possibilitaram representações individuais e heterogêneas, sem relação estreita com o NC, isto é, com a Representação Social da depressão.
Na referida zona constata-se um destaque para dimensões fisiológicas, representadas pelo “choro”; afetivas, objetivadas pelos termos “raiva” e “preocupação”; psicossociais, ao se objetivar “solidão” e “isolamento”; e espirituais, as quais se objetivam nos vocábulos “descrença” e “Deus”. Diante disso, se evidencia que para pequena parcela das idosas a depressão é ocasionada pela falta de fé em Deus, e que a mesma se caracteriza pela solidão, dado o isolamento do sujeito depressivo, e se expressa através da raiva e do choro excessivo.
Em relação às idosas do grupo 2, no que tange sobre as Representações Sociais da depressão, observa-se uma semelhança entre o NC da representação entre essas longevas e aquelas do grupo anterior, de modo que compartilham todas as evocações do grupo 1 (tristeza, medo, ruim), divergindo apenas em relação ao termo “doença”, que é próprio da zona central do grupo 2 (ver Tabela 4). Convém destacar que para o grupo 2 a definidora “tristeza” apresenta um maior peso (ƒ = 18, OME = 2.2) em relação a mesma evocação do grupo anterior, o que significa que a tristeza é elemento marcante da Representação Social da depressão para as idosas do segundo grupo.
O termo “doença” o qual se encontra na zona de contraste do grupo 1 e indica a possibilidade de existência de um outro núcleo da Representação Social, no grupo 2 esse mesmo vocábulo se expressa como elemento central, o que significa que para esse grupo a depressão é tida como uma enfermidade da qual as participantes tem medo, e que a mesma se expressa através da tristeza, sendo considerada como algo ruim.
Já na primeira zona periférica a palavra “isolamento” foi a mais significativa para o segundo grupo e que mantém estreita relação com os elementos do NC, o que demonstra que para essas idosas a depressão é uma doença que tem como sintoma uma tristeza patológica, e que a mesma pode implicar no isolamento do sujeito, ou ainda, pode ser agravada pela diminuição da participação social, sendo algo ruim para o indivíduo depressivo. Desse modo, as idosas do grupo 2, possivelmente por não contarem com um grupo de pares como aquelas do grupo 1, salientam o isolamento como elemento subjacente das Representações Sociais da depressão.
Dentre os elementos contrastantes se observou um menor repertório de evocações, sendo estas, “angústia”, “descrença” e “baixa autoestima”, de maneira que apenas o primeiro termo também fora compartilhado pelas idosas do grupo anterior na mesma zona. Isto posto, percebe-se que a “angústia” mantém uma relação com o termo “tristeza” o que denota que a depressão se manifesta pelas alterações afetivas.
Já o vocábulo “descrença”, em que se apresentou como representações individuais (segunda periferia) para algumas idosas do grupo 1 aparenta adquirir o status de núcleo da Representação Social da depressão para algumas idosas do grupo 2. Diante disso, para estas, a depressão é ocasionada pela falta de fé do indivíduo, por não ir buscar a Deus, o que demonstra a relação da depressão com a dimensão espiritual, ou seja, a religiosidade enquanto fator de prevenção para depressão.
Por fim, ainda em relação a zona de contraste, a locução “baixa autoestima” pode estar relacionada com o “isolamento”, pois para essas idosas o sujeito depressivo tende a isolar-se por conta da sua autoimagem, bem como essa ausência de participação social pode contribuir para agravar a sua autoestima, eliciando angústia e sentimento de tristeza.
Na segunda zona periférica, a qual apresenta elementos de baixa frequência e de evocação tardia (elevada OME), constata-se a presença de representações individuais de algumas idosas do grupo 2 no que se refere a depressão. Como pode ser visualizado na tabela 4, apresentam-se duas palavras referentes a aspectos fisiológicos da depressão (choro, insônia); três evocações que se referem a aspectos psicológicos (preocupação, sofrimento, desânimo).
Além das já citadas, duas definidoras que podem estar relacionadas ao manejo da depressão (conversa, fé); duas palavras que dizem sobre aspectos de enfretamento (força, coragem); e dois termos que evidenciam agravos desta enfermidade (perigosa, suicídio). Tal qual o grupo 1, se evidencia a presença de representações bastante heterogêneas na segunda periferia para o grupo 2, o que reitera o caráter singular dessa zona periférica em relação a estrutura da Representação Social da depressão.
Discussão
A partir dos resultados encontrados, percebe-se nas respostas das participantes a difícil diferenciação entre os construtos “velhice” e envelhecimento”. De acordo com Favoretto et al (2017), o envelhecimento é um processo orgânico que ocorre ao longo de toda a vida, iniciando-se no nascimento e cessando na morte do indivíduo. Ficou evidente o contraste de respostas nas Representações Sociais de idosas provenientes de GCI e idosas que não participam de grupos, enquanto o grupo 1 apresentou respostas mais positivas, o grupo 2 apresentou uma percepção mais ligada a aspectos negativos como a morte. A forma como o envelhecimento é vivenciado e percebido pelo idoso é fundamental para uma melhor adaptação a essa fase da vida, e para isto é necessário um equilíbrio entre aspectos bons e ruins (Pedrosa et al., 2016).
As concepções negativas do envelhecimento relacionadas a aspectos biológicos observadas nas Representações Sociais do grupo 2 podem estar relacionadas às demandas da sociedade contemporânea, na qual se cultua um corpo ativo, ao passo em que com o envelhecimento surgem demandas relacionadas a uma maior suscetibilidade a alterações fisiológicas no organismo, desta forma pode surgir com isso o medo e a depressão no idoso (Araújo, & Carlos, 2018).
À medida que as Representações Sociais sobre o envelhecimento se mostraram opostas, as Representações Sociais a respeito da depressão mostraram ser equivalentes nos dois grupos, destacando palavras como “tristeza” e “ruim”. Levando em consideração que as idosas de ambos os grupos tiveram uma percepção negativa de envelhecimento em seu núcleo periférico relacionando-o a doenças, Paschoal (2017) destaca uma relação forte entre o medo se tornar velho, isolamento social e solidão com depressão e uma má percepção de saúde.
Uma baixa participação social pode ser um fator de risco para o isolamento e para a manutenção do sentimento de solidão, que por sua vez podem ser fatores de risco para o aparecimento de depressão (Pinto, & Neri, 2017). De acordo com esses autores, a participação de idosos em grupos pode motivá-los a participar de outras atividades bem como seguir orientações sobre saúde e prevenção de doenças. A incapacidade, principalmente a incapacidade de participar de atividades sociais e de autocuidado, está fortemente relacionada ao aparecimento de depressão tardia (Verhaak et al, 2014).
De modo geral, ao se realizar a comparação entre as estruturas representacionais da depressão para as idosas dos dois grupos constata-se que estas compartilham praticamente o mesmo NC da representação, de modo que se sobressai a tristeza como elemento objetivado da Representação Social do objeto investigado. Além disso, as idosas de ambos os grupos se ancoram na dimensão atitudinal da Representação Social da depressão, atribuindo um valor negativo (ruim) a esse objeto socialmente enraizado. Não obstante, as participantes ressaltam o temor frente a essa doença, o que sugere que ao ancorarem nos sintomas e características da depressão há uma objetivação no medo de serem acometidas por essa enfermidade.
Em relação aos conteúdos expressos no sistema periférico da representação percebeu-se algumas distinções em relação aos grupos. O grupo 2 em suas evocações ressaltou aspectos afetivos e psicossociais em relação a depressão, como a angústia, baixa autoestima, isolamento. Enquanto o grupo 1 salientou em suas evocações aspectos relacionados às alterações do pensamento e sobre o suicídio. Diante disso, se evidencia que as idosas deste grupo, por estarem inseridas em um meio (Grupo de Convivência para Idosos) em que se discute de forma mais aprofundada acerca da saúde mental, estas se municiam de conhecimentos do universo reificado, o que pode explicar uma Representação Social menos estereotipada da depressão.
Os grupos de convivência são importantes lugares para a interação e integração de novos saberes tanto pelos idosos quanto pelos profissionais, que atuam a partir de uma perspectiva multidisciplinar (Bortolonza et al., 2005). Estudo realizado por Borges et al (2013) encontrou resultados que mostram a participação em grupos de convivência como fator protetivo, tendo em vista que estes possibilitam a manutenção de uma rede social, porém, o autor aponta que não se pode definir uma relação direta entre participar de grupos e não ter depressão.
De modo geral, sugere-se como futuros estudos a análise da Representação Social do elemento “doença” e sua relação com o envelhecimento sob a percepção de idosas, tendo em vista sua alta frequência, e sua OME mais alta que o ponto de corte (2.8). Sugere-se ainda que sejam realizados estudos de Representações Sociais acerca da relação entre o suicídio e a depressão.
Espera-se que os resultados encontrados nesse estudo possam servir como escopo para futuras intervenções psicossociais que tratem sobre o tema depressão pensando em um público-alvo composto de mulheres idosas. Além disso, é esperado que este estudo possa ter contribuído de alguma forma como uma intervenção no conhecimento e pensamentos que as idosas participantes tinham acerca da depressão, tendo em vista a emergência e relevância desse tema atualmente.